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Delito de Opinião

O resumo da blogosfera lusa

João Pedro Pimenta, 31.12.21

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Nos últimos dias do ano entretive-me com este pequeno livro, da colecção Francisco Manuel dos Santos, que resume a história da blogosfera portuguesa. Trouxe-me à memória anos (sobretudo entre 2003 e 2011) de posts, leituras, discussões e personagens até então desconhecidas, muitas das quais chegaram a postos de grande visibilidade, seja nos jornais, na TV ou até no governo, como Ricardo Araújo Pereira, Pedro Mexia, Rui Tavares, João Galamba, Daniel Oliveira, Luís Aguiar Conraria, além dos já consagrados Pacheco Pereira e Vasco Pulido Valente, entre outros que se dignaram a blogar. Os blogues serviram para que quem tivesse alguém coisa a dizer, nem que fosse pela arte de bem escrever e não tinha acesso aos meios tradicionais, o pudesse fazer, com grande ganho de causa. Não vou agora enumerar nem "linkar" exemplos da blogosfera, que de resto o livro cumpre, mas para quem está dentro do meio é uma visita gratificante e um pouco nostálgica, além da escrita bem humorada do autor nos permitir alguns sorrisos e mesmo algumas gargalhadas.

Infelizmente as redes sociais tiraram muita da riqueza discursiva e um certo jargãoque existia na "comunidade blogosférica".Em todo o caso, recordei pessoas e discussões que há muito não me vinha à memória. O livro não é exaustivo mas é completo. O meu nome não consta da extensa lista de bloguistas enumerados, nem a minha vetusta A Ágora, quase a chegar à maioridade, mas o Delito de Opinião sim, na pág. 85, sendo classificado como "um excelente blogue colectivo (ou hipercolectivo)", com referência à "dedicação" do Pedro Correia e ao "sentido de humor" de Rui Rocha (que anda algo desaparecido, infelizmente para o Delito). Posso dizer que é um livro que gostaria de ter escrito, mas que o autor, Sérgio Barreto Costa, cumpre muito bem.

Posto etas memórias blogosféricas, um 2022 melhor que 2021 (e 2020) e que os blogues, mesmo que com menor importância que outrora, continuem a dar-nos textos de interesse.

 

PS: só depois é que vi esta recensão do JPT sobre o dito livro, logo que ele saiu, que vos aconselho até por ser bem mais completa do que este post.

Um dia mortos

Pedro Correia, 31.12.21

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Um dia mortos, gastos voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados, irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais, na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, Dia do Mar (1947)

Cobiça*

José Meireles Graça, 31.12.21

Quem desconfiar dessa treta de que a direita e a esquerda estão ultrapassadas, por isso ser uma querela do passado, tese recorrente de intelectuais profundos, pode fazer pior do que ler um livrinho de Jaime Nogueira Pinto, A Direita e as Direitas.

Da obra disse VPV: “… o problema de responder à pergunta ‘O que é a Direita?’ está na impossibilidade de atribuir às direitas características comuns e absolutamente distintas das esquerdas (…) fora da história. Felizmente, o livro dele não se propõe cortar esses ‘nós’. Pretende, com mais modéstia, fazer pensar. E faz.”

Disse bem, claro: Vasco Pulido Valente não sabia dizer, nem pensar, mal.

Jaime Nogueira Pinto é um ensaísta respeitável que só não é credor de mais estima pública por ser notoriamente de direita, portanto suspeito, e VPV foi um historiador pioneiro, além do comentador cáustico e diabolicamente certeiro da nossa contemporaneidade que duas gerações tomaram para objecto da sua adoração ou do seu ódio.

Isto são eles. Já eu sou um básico. E gente como eu precisa de uma maneira prática de arrumar pessoas e doutrinas que andam aí no ar da opinião num lado ou noutro. Tenho um expediente, e esse é o de avaliar a importância que o camarada, ou o escrito, atribuem à igualdade económica: quanto mais relevante mais à esquerda. Bem sei que o critério é sumário, e não funciona para certas franjas da extrema-direita, ou algumas capelas liberais, mas no geral serve muito bem.

Susana Peralta tem vindo a ganhar audiência por estar albardada de prestigiadas credenciais académicas, escrever com simplicidade sobre assuntos complexos, alicerçar os raciocínios em abundância de estudos e números (uma pecha da tribo a que pertence, que Nosso Senhor assim os conserve) e lisonjear o sentir das massas – há pobres porque há ricos, e em tirando a estes ficam todos remediados.

O artigo de há dias no Público ilustra isto. Que diz então a preclara? Começa por se basear num estudo do World Inequality Lab, uma organização ominosa subsidiada por um misterioso European Research Council, que a financia em quase um terço, uma nebulosa de universidades, fundos públicos e umas quantas fundações privadas. Emprega um painel de investigadores, entre os quais – estava-se a ver – o bom do neo-marxista Thomas Piketty. Tem por objecto o estudo da desigualdade em todo o mundo. É, em suma, uma organização multinacional destinada a projectar académicos de esquerda (que, suponho, se fazem pagar pelas suas ruminações), a alimentar a fogueira do internacionalismo e da generalização das boas práticas fiscais, entendidas como o aprofundamento da pilhagem estatista, além do combate ao monstro da desigualdade.

E afirma: Os 10% mais ricos do mundo ficam com 52% do rendimento mundial antes de impostos; e a metade mais pobre tem apenas 8,5%. De modo que traduzindo esta triste realidade em bananas, diz Susana, uns se entopem até aos gorgomilos e outros nem para a cova de um dente; ou seja, uns sofrem de indigestão e outros de sérias avitaminoses A e C, digo eu.

Isto no mundo. Que no nosso continente as 50 pessoas mais pobres comem quase 20 bananas e as 10 mais ricas 35 (são 9 vezes mais bananas para cada um dos 10 mais ricos, umas contas que, perdido no bananal, não percebi muito bem, mas devem estar certas).

E continua: Os 50% mais pobres do mundo têm apenas 2% da riqueza; os 10% mais ricos têm 76% da riqueza, o que tudo provoca uma chocante assimetria bananética, a tal ponto que com uns a fruta apodrece (isto Susana não diz, sou eu que imagino) e outros consomem até mesmo o bocadinho de casca que lhes tocou.

Entramos a seguir numa informação que deveria fazer soar campainhas: Entre 2019 e 2021, a riqueza dos 0,0021% mais ricos do mundo aumentou 14% para um crescimento global que foi de apenas 1%.

A escolha desta percentagem leva água no bico (porquê 0,0021% e não 1%?) e essa é a de produzir um resultado chocante. E chocante é porque o significado, qualquer que seja a percentagem, é que as medidas governamentais para lidar com a pandemia penalizaram mais os pobres, o que se deve acrescentar aos custos ocultos e indirectos dessas medidas que os poderes deveriam ter ponderado, um aspecto ausente das notícias. Das notícias e do artigo porque o que retira Susana daqui? Que se deve perguntar se pessoas assim tão ricas pagam a sua justa parte de impostos. É mais uma declinação da velha máxima “os ricos que paguem a crise”, agora sob a veste “os ricos que paguem a histeria pandémica”.

Uma outra organização internacional (não, não vou respigar quem são, adivinho que é a mesma mistura suspeita de gente que se dedica a ilustrar preconceitos ideológicos esquerdosos com números que lhes dão um verniz científico) lembrou-se de uma boa:  ir pescar nos números da OCDE as diferenças de impostos sobre lucros que pagam as multinacionais em cada país (por privilegiarem os de fiscalidades mais amigas) e deduzir daí o que os Estados perdem. Isto é extraordinário, porque todo o raciocínio assenta no pressuposto de que há Estados que, por terem fiscalidades competitivas, não sabem o que andam a fazer ou prejudicam a humanidade que, já se vê, deve ser governada sem competições espúrias que as Susanas não sufragam.

Com estas artistices e outras, que incluem o recurso a offshores por parte não apenas das multinacionais mas também de indivíduos que, por serem absurdamente ricos, têm um inadmissível receio de que os pilhem, estima-se que, só no último ano, se perderam 312 mil milhões de dólares, a que se somam 171 mil milhões de “riqueza financeira” escondida. E a maior parte do bolo – ó escândalo – não vai sequer para ilhas paradisíacas: fica, em 80%, nos países da OCDE. Eu não sou de ditos mas desconfio que alguns destes evasores ajudam a financiar estes think tanks justiceiros: sempre foi judicioso atirar um osso aos inimigos.

E chegamos a Portugal, onde também há problemas no bananal: as 10 pessoas mais ricas comem quase 40 bananas e são proprietárias de 60 bananeiras. Na EU, apenas a Estónia tem maior desigualdade de rendimento (medido antes de impostos, um abuso metodológico que fica por explicar) e a desigualdade da riqueza só é superior à nossa em 6 países. Os ricos locais, por umas contas sábias, põem-se ao fresco com nada menos que 470 milhões e as multinacionais 420. O que com esse dinheiro o Estado não faria, credo. Susana não dá exemplos para o mundo, em relação aos 483 mil milhões, mas para Portugal dá – a coisa dava para mais do que duplicar o abono de família. Um exemplo que, fosse eu uma pessoa saudavelmente de esquerda, e com o coração generoso sangrando de amor pelas crianças e seus pobres pais, me traria lágrimas aos olhos que tenho azulados metaforicamente pelo brilho cruel do egoísmo.

Sucede que na hierarquia das nações, medida pelo produto por cabeça, há umas que trepam e outras que decaem relativa ou absolutamente. Uma grande multiplicidade de factores explica a evolução e para encontrar os comuns às histórias de sucesso, ou às de insucesso, têm-se escrito bibliotecas. Se o problema fosse estritamente de índole económica a respectiva “ciência” já teria, talvez, coalescido numa receita. Mas, infelizmente, factores geoestratégicos, históricos, culturais e muitos outros fazem parte do problema; e mesmo no que toca aos que a pobre Academia económica relativamente conhece não há entendimento: há economistas comunistas, que Nosso Senhor lhes perdoe, e de todas as outras doutrinas, com graus diferentes de valoração da liberdade económica, propriedade privada, e funções e dimensão do Estado.

Há países relativamente igualitaristas com bom desempenho, mas também desigualistas (aos comentadores: sei que a palavra não existe); há países com grandes punções fiscais que não têm mau desempenho, mas outros contidos que fazem ainda melhor; e com excepção dos países comunistas, que produzem invariavelmente sociedades pobretas e opressivas, encontram-se exemplos, com ou sem democracia, com mais ou menos liberdade económica, com  fiscalidades altas ou nem por isso, para ilustrar todas as teses e o seu contrário.

Por mim, os casos relevantes de estudo, e que nos deveriam interessar, não são os daqueles países que estão mais adiantados (e que têm com frequência crescimentos anémicos), são os dos que, agora ou no passado, subiram aceleradamente a ladeira do desenvolvimento, e os daqueles que, pelo contrário, escorregaram pela encosta abaixo.

Dito de outro modo: não é a Alemanha que nos deve inspirar, é a Estónia e a Venezuela. E se quisermos imitar os míticos países nórdicos (coisa que acho impossível porque o fundo cultural, a ética do trabalho, a tradição do serviço público não são os mesmos), o momento actual interessa pouco, o que releva é o conjunto de acções que arrancaram in illo tempore aqueles países ao subdesenvolvimento.

Hoje por hoje, do que precisamos não é de impostos altos nem de obsessões com a igualdade, cujo mérito, aliás, os seus cultores acham dispensável explicar, como se estivessem a enunciar uma verdade axiomática. E pelo contrário os impostos devem baixar, o Estado encolher e a liberdade crescer.

Porque eu quero que o país cresça como os antigos países europeus da cortina. A Susana Peralta também, mas norteada pelos princípios económicos da escola  Nicolás Maduro porque acredita, como ele, que a melhor maneira de a riqueza crescer é começar por a dividir. A própria achará decerto que exagero, e tem razão. É o papel da retórica: exagerar os contornos de uma verdade para que o seu núcleo ressalte.

* Publicado no Observador

Os bons momentos

Cristina Torrão, 31.12.21

Apesar de todas as desilusões, neste ano de 2021, resolvi recordar momentos felizes. Na minha estadia alargada em Portugal, no Verão passado, senti como se tivesse regressado aos tempos “antigos”. Convivi despreocupadamente e sem máscara com os meus pais, outros familiares e amigos. A partir de Macedo de Cavaleiros, fiz algumas viagens: Porto, Gaia, Espinho, Feira e Óbidos (onde passei um dia maravilhoso em casa do escritor João J. A. Madeira). Visitei finalmente a pequena localidade espanhola de Fonfría, na província de Zamora, berço de uma minha bisavó, que, por qualquer razão, atravessou a fronteira com os pais, ainda pequena, acabando por se estabelecerem na também pequena aldeia transmontana do Lombo, com vista para o Santuário de Balsamão.

Houve um outro passeio especial, a Ponte de Lima.

2021-09-16 Ponte de Lima mit Manfred + Birgit 006.

Não só ficámos a conhecer essa linda vila minhota (eu já lá tinha estado, mas em criança e de pouco me recordava), como também travámos conhecimento com um escritor alemão radicado naquela zona, apreciador de vinho verde tinto, e o qual já, por três vezes, aqui referi.

Sob o pseudónimo Mario Lima, publicou, até agora, três policiais passados na cidade do Porto, criando uma simpática equipa da PJ, chefiada pelo carismático inspector Fonseca. Para além do suspense criado nos seus enredos, Mario Lima revela grande talento na descrição da atmosfera da cidade nortenha. Infelizmente, os seus livros existem apenas em língua alemã, mas, quem sabe, talvez alguma editora portuguesa ainda se interesse por eles.

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Aproveito para agradecer a simpatia e a disponibilidade do “Mario” e da Birgit, naquele lindo dia de Setembro. E, mesmo que o novo ano não nos traga o fim da pandemia, espero poder viver momentos tão agradáveis como estes.

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Não se esqueçam: a vida é, sobretudo, aquilo que fazemos dela.

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Legislativas: 36 debates

beatriz j a, 31.12.21

 

Para que servem os debates  dos candidatos às legislativas?

Nesta entrevista ao Presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Manuel Soares aborda os principais problemas da Justiça em Portugal, clarifica os seus contornos e aponta alguns caminhos de solução.

Isso mesmo é o que queria ouvir dos candidatos às legislativas: que expliquem o que vão fazer, sendo eleitos, relativamente aos principais problemas do país. Não falo de os ouvir dizer que 'vão incentivar isto ou apostar naquilo ou valorizar aqueloutro tema'. Refiro-me a dizerem, relativamente à justiça, à educação, à saúde, ao emprego, às desigualdades, ao problema da baixa natalidade, da banca, do abandono do interior e outros, quais os nós do problema, como vão desatá-los e com que objectivo. Por exemplo, como lemos nesta entrevista ao Presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, um nó do problema da justiça é a sua morosidade e outro é o seu acesso ser restrito a quem tem muito dinheiro ou nenhum dinheiro, deixando de fora a maioria da população. Sendo assim, como vão os candidatos atacar esses dois problemas da justiça. E não interessam respostas vagas de petições de princípio como dizer que vão investir na justiça, melhorar o sistema e outras generalidades afins. Queremos saber em concreto as medidas que vão ser tomadas, as razões dessas escolhas e os objectivos pretendidos. 
 
Só assim é possível diferenciar e escolher candidatos. 
 
É tempo de sermos exigentes com os candidatos políticos porque são as pessoas que vão ter acesso ao orçamento do nosso desenvolvimento e com ele melhorar, ou hipotecar, o nosso futuro, particular e colectivo. Se querem meter a mão no saco do dinheiro têm que dizer-nos, muito concretamente, como vão utilizá-lo para melhorar a nossa vida.
 
Também temos que ser exigentes com os jornalistas que lhes vão fazer perguntas. Não queremos jornalistas-freteiros que estão ali a fazer de boneco para que os candidatos descarreguem as suas demagogias.
 
No que me respeita, tenho menos interesse em ver debates entre candidatos, do que em ver entrevistas bem conduzidas, com jornalistas especialistas ou conhecedores dos grandes dossiers do país (justiça, saúde, educação, economia, etc.) que saibam fazer as perguntas certas e não deixem os entrevistados entrar na conversa de generalidades formais, vazias de conteúdo, de tão abrangentes que são. Essa é a estratégia dos políticos para não se comprometerem de maneira que os eleitores não os possam diferenciar e, eventualmente, afastar-se deles. Contudo, o que queremos mesmo é diferenciá-los para podermos fazer escolhas esclarecidas e consequentes.
 
É preciso que fique claro se os candidatos estão por dentro dos grandes problemas do país, se têm medidas pensadas e quais, ou se não têm nenhuma ideia dos problemas e têm a intenção de ir navegando à vista. Mesmo que não estejam ali apenas para distribuir cadeiras pelos correligionários, não somos um país rico que possa dar-se ao luxo de ter governantes que levam os anos todos da legislatura a perceber como deveriam ter resolvido os problemas. 
 
A ideia de debates entre candidatos só tem interesse, quanto a mim, porque os adversários trazem à tona assuntos que os jornalistas, por vezes, têm medo - ou nenhum interesse - em abordar e porque vemos a maneira como aguentam a pressão do contraditório. No entanto, na maior parte das vezes esses debates são meros espectáculos de ataques ad hominem que em nada ajudam a diferenciar as políticas específicas de uns candidatos relativamente aos outros.
 
Gostava que não se pusesse o pé no futuro com os vícios do passado. Vamos ver.
 
(texto também piblicado no blog azul)
 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.12.21

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João Carvalho: «De acordo com um velho calendário Maya de previsões, o ano que vai entrar não augura nada de bom. Porém, para mim, a civilização Maya é um logro. Maya é só uma cartomante e palpita-me que nem sequer adivinhou como garantir o seu próprio futuro sem ser a deitar cartas. Por isso, esqueçam as previsões e façam o seguinte: tentem que 2012 seja um ano mais ou menos jeitoso para todos. São os votos de felicidade que vos dirijo. A vossa sorte será a minha.»

 

Rui Rocha«Em declarações proferidas algumas horas antes de tomar posse, o ano 2012 afirmou que as medidas serão suas mas as dívidas são dos anos anteriores.»

 

Teresa Ribeiro: «O melhor é ser pragmático, tirar as pedras do sapato, escolher uma nuvem e deitar mãos à obra. O Pessoa percebia disto. Sigamo-lo em 2012.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.12.21

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Ana Margarida Craveiro: «Nas primeiras aulas de condução que tive, o instrutor disse-me que tinha uma bomba nas mãos. Uma bomba que me matava a mim, e aos outros. Infelizmente, raramente vejo essa consciência à minha volta.»

 

Ana Sofia Couto: «Comecei a ler, há poucos dias, Mais Platão, Menos Prozac!, de Lou Marinoff. O livro tem como ponto de partida a ideia de que é possível encontrar nos filósofos (e em alguns romancistas) um conjunto de preceitos que nos orientem e nos ajudem a tomar decisões. Nas primeiras páginas, percebemos que o método proposto pretende roubar clientes à psicologia e à psiquiatria. Os problemas de realização pessoal podem ser – é uma ideia reiterada – resolvidos com a ajuda dos grandes filósofos.»

 

Ana Vidal: «Lá porque estamos em crise, não deixe de festejar a passagem de ano com todos os matadores. Aqui está a minha sugestão: uma receita de lagosta a la troika para o seu réveillon. À sua!»

 

João Campos: «Carnage - em português, O Deus da Carnificina -, de Roman Polanski, é em certa medida o oposto de muitos dos filmes que podemos ver hoje em dia: actores de qualidade misturados com actores com menos qualidade em produções feitas para mostrarem grandes cenários (normalmente feitos em computador) pirotecnia, efeitos especiais e cenas de acção e suspense que querem ser muito originais mas que acabam por ser invariavelmente iguais. E é justamente por ser o oposto dessa tendência que Carnage é um filme excelente e refrescante.»

 

João Carvalho: «Mais um "milagre" do Photoshop ao serviço dos ditadores: à esquerda, a foto do funeral de Kim que um free-lancer registou; à direita, a foto do mesmo momento e que as autoridades norte-coreanas distribuíram às agências noticiosas internacionais, depois de "restabelecida a ordem" por via do computador.»

 

José António Abreu: «O Mapa e o Território é um Houellebecq com o desencanto de sempre, com referências à decadência do corpo, à incapacidade de manter relações afectivas prolongadas, à vacuidade que tomou de assalto a vida diária, ao primado do dinheiro e do show-off, mas mais suave, mais irónico do que obras anteriores. É um livro em que Houellebecq tira um prazer evidente de se inserir na trama e de se descrever com todos as idiossincrasias de que é acusado.»

 

Luís M. Jorge: «Para alguém que — como eu — nem sequer tem carta de condução, o que se passa nas estradas portuguesas é um genocídio. Pior que isso, é uma orgia de parolos montados em altas cilindradas, psicopatas do tuning e espectadores da TVI.»

 

Rui Rocha«Não sei se também vos aconteceu... No meu caso, antes de aprender a ler, os nomes de algumas pessoas soavam de maneira bem diferente daquela que vim a descobrir ser a forma correcta de os escrever. Por exemplo, para mim, Zeca Afonso era Zé Cafonso. Lembro-me também do Omar Xerife (na minha imaginação de menino, naturalmente, um herói do velho oeste) ou do Igreja Isqueiro (Igrejas Caeiro). A maior desilusão foi todavia o Sam Peque em Paz. O nome real de Sam Peckinpah não lhe servia nem para moço de recados.»

 

Eu: «Um ditador devia ser sempre apelidado de ditador. Mas se for um ditador de esquerda é legítimo que receba um indulto jornalístico? Deixo a pergunta à consideração de quem quiser pronunciar-se. A resposta, para mim, é óbvia.»

Colectividades de bairro numa cidade transmontana

João Pedro Pimenta, 29.12.21

As pequenas colectividades contam muitas vezes a história dos locais que representam. Como a do Bairro Latino, clube desportivo do bairro dos Ferreiros, que desce abruptamente desde a imponente ponte metálica até à velha ponte de Santa Margarida, de pedra, ambas sobre o Corgo. Diz-se que um conjunto de estudantes de liceu locais encontrou algumas semelhanças entre o Quartier Latin de Paris e o seu bairro dos Ferreiros, zona de artesãos e, dizia-se, de casas de má fama, e impulsionados pelo Dr. Otílio de Figueiredo, Pai do Professor Eurico de Figueiredo (sim, o líder mais radical da greve estudantil de 1962 e mais tarde deputado do PS antes de passar a outros partidos, como o PDR e o MPT), resolveu criar um clube com o nome de Bairro Latino, dando conta que a rua principal e as ruelas que a ladeavam eram tantas como as línguas latinas. Apesar de muito eclético e de ter várias modalidades de salão e exteriores nunca teve um campo de jogos próprio nem nunca conseguiu ombrear com o vizinho maior, o SC Vila Real, que não lhe permitia jogar no mítico campo do Calvário. O Bairro Latino quase desapareceu, mas voltou a conseguir sede própria, próxima da antiga (onde ao que parece as francesinhas estavam ao nível das do Cardoso, lá em cima na "bila"), onde hoje funciona a Agência de Ecologia Urbana, mesmo à entrada da velha ponte sobre o Corgo (e por baixo da metálica), símbolo maior do velho bairro que representa.

O SC Vila Real, pelo contrário, além de campo próprio (agora até tem dois, ambos com nomes curiosos, Calvário e Monte da Forca), possui o seu próprio bar/loja no espaço nobre do centro da cidade (última foto) e continua a ser a principal agremiação desportiva da cidade.

Seja em aldeias, lugares, vilas ou bairros de cidades, as pequenas colectividades, constituídas em associações, grupos, agremiações e uniões acrescentados dos inevitáveis "desportiva", "recreativo", cultural", etc, constituem um elo de ligação das comunidades, uma oportunidade para a prática desportiva, para difusão cultural ou de informação ou o simples convívio, que no fundo é o que mais importa. São absolutamente essenciais em qualquer sociedade e para todas as idades. Quando desaparecem, extinguem-se também com elas ligações, amizades, práticas rotineiras, exemplos de vida e sobretudo muitas histórias. Quando isso acontece, é a antevisão do declínio das sociedades locais que representam, a não ser quando outras as substituam com sucesso.

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 As duas pontes: a de Santa Margarida e, lá em cima, a ponte metálica

 
A sede do Bairro Latino, entre duas pontes

Vista do bairro, do rio  e da velha ponte desde a ponte metálica

O bar/loja do SC Vila Real
 
O mítico campo do Calvário, há meia dúzia de anos, depois de ser relvado

FP-25

jpt, 29.12.21

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Enquanto alguns intelectuais e vários jornalistas se afadigam para "refazer" a História, tornando-a "exacta", querendo afrontar o que dizem "silenciamento" e "falsificação" do passado, e nisso considerando que as formas como entendemos o real e nele actuamos são simples reflexos das maldosas mundivisões de Bartolomeu Perestrelo, Gomes Eanes de Zurara e coevos facínoras, em 2021 assistiu-se a um curioso esforço colectivo de "desenvendamento", de "reescrita da História", com o evidente propósito de nos desalienar, de nos tornar mais capazes de interpretar o real, de entender os ideais vigentes e as categorias intelectuais que comandam as práticas dos agentes sociais na actualidade. Curiosamente nenhum desses intelectuais e jornalistas avessos aos aparentes proto-sorelianos Duarte Barbosa, João dos Santos ou João de Barros, se associou a este movimento de esclarecimento histórico.
 
Falo da publicação de vários textos dedicados às FP-25, dirigidas pelo entretanto falecido Otelo Saraiva de Carvalho, e aos múltiplos ecos que esses textos tiveram. O que terá servido, espero eu, para derrubar o esforço falsificacionista de uma certa intelectualidade da esquerda - alheia ao PCP - que sempre usou a glorificação desse indivíduo para reclamar o monopólio do ideal democrático entre aqueles que adeptos da insurreição armada avessa à democracia liberal. Nisso falsificando a História recente de Portugal, procurando apagar a realidade do terrorismo assassino de que aquele Carvalho foi líder.
 
Claro que há renitentes em enfrentar tal situação. À minha pequena escala também o assisti: entre outros textos dedicados ao falecido terrorista, botei sobre um académico do CES de Coimbra que continua o esforço de falsificação histórica, elidindo o terrorismo de Carvalho e reduzindo os que nisso atentam a adversários da democracia, e notei o total silêncio dos pares de Coimbra (e da comunidade universitária nacional) diante de tal dislate. E a esse propósito logo tive aqui [no meu mural de FB] um lusomoçambicano, antigo (se é que há "antigo" nestas coisas) agente da SNASP (a polícia política da I República moçambicana) a chamar-me "fascista", no que foi secundado por gente com algumas similitudes biográficas, entre as quais antigas (mas não futuras) visitas de minha casa. Num verdadeiro caso de admiração pelo terrorismo que bem mostra que "les beaux esprits se rencontrent"...
 
Esta longa introdução "desabafante" vem a propósito de um belo texto agora publicado pelo "Observador" dedicado à história das FP-25: "FP-25 de Abril: As Bombas, as Balas, e os "Inimigos a Abater". Trata-se de um bom trabalho de investigação, que não deixa campo para os que insistem na elisão da dimensão daquele processo, e ainda nos mostra como alguns desses terroristas continuam na actualidade vinculados aos mesmos ideais de insurreição armada - sabendo nós também que alguns deles ocupam postos nas listas eleitorais do BE e cargos de relevância universitária.
 
Deixo ligação para o excelente artigo de leitura recomendável - para não cair no sempre irritante imperativo do "leitura obrigatória". Chamo a atenção para que tem um belíssimo grafismo, o qual torna ainda mais apetitosa a leitura. E, muito relevante, é de acesso livre. Ou seja, serviço público. Em prol da democracia. E nisso avesso aos intelectuais e jornalistas aldrabões, carpideiros do "otelismo". E, também, decerto, avesso aos agentes da SNASP e seus apoiantes.

Governo negacionista

Pedro Correia, 29.12.21

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Recebi a terceira dose - dita de "reforço" - da Pfizer. No pavilhão 4 da Feira Industrial de Lisboa. 

Podia ter sido pior. Permaneci apenas hora e meia por lá, já contando com o chamado período de recobro. 

Sem efeitos secundários, excepto uma dor no braço esquerdo, dissipada ao fim de poucas horas. O direito, que recebeu a vacina contra a gripe, não acusou o toque. 

Sinto-me mais protegido que nunca contra o coronavírus. Mas três inoculações, atestadas por certificado digital, e o uso permanente de máscara em espaços fechados não bastam se quiser frequentar um restaurante, um hotel, um teatro, um cinema, um museu, uma sala de concertos, um estádio de futebol: o Governo manda-me também fazer um teste PCR ou um teste rápido de antigénio. Caso contrário fico à porta.

Esta redundância sanitária acaba por dar razão aos tolinhos que andam a berrar nas redes sociais contra as vacinas. É digna de um governo negacionista: se os testes são agora indispensáveis, isto equivale a declarar que as vacinas se tornaram inúteis. E que a "imunidade de grupo" pré-anunciada pelo primeiro-ministro era afinal uma falácia num país que já tem 8,7 milhões de habitantes com a vacinação completa. Incluindo quase toda a população acima dos 60 anos.

Faz lembrar a anedota daquele sujeito que usava cinto e suspensórios ao mesmo tempo para se sentir mais confiante. Não lhe caíram as calças, mas caiu no ridículo. Felizmente para ele, não ia a votos.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.12.21

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Ivone Mendes da Silva: «Estive, durante a tarde, a conversar sobre o romance Adoecer da Hélia Correia. Um beleza de livro, fica já aqui dito. A personagem central é Elizabeth Siddal, a conhecida pré-rafaelita que posou, entre outras coisas, para o quadro de John Everett Millais, feita Ofélia e deitada numa banheira mal aquecida com um vestido antigo recamado a fio de prata cujo peso a puxava para a pouca água e lhe provocou uma pneumonia de tão demorado ter sido o tempo de pose.»

 

João Carvalho: «Não tenho a certeza, mas parece que esta foto não é do funeral do querido ditador norte-coreano. Se fosse, aquele ciclista refractário que acabou de fugir da coluna já estaria, no momento da foto, a ser mortalmente alvejado por um agente da autoridade em julgamento supersumário feito a olho. Ainda assim, vou falar com o camarada Bernardino Soares para tirar dúvidas.»

 

José António Abreu: «Há muitos anos que Houellebecq, o escritor, se transformou numa personagem e ele sabe-o. Raramente os seus livros foram lidos pelo que pretendiam dizer e ele sabe-o. Chegou a referi-lo em entrevistas, explicando que as críticas negativas o chateavam acima de tudo por, centrando-se nele próprio – e, no fundo, muito mais na personagem Houellebecq do que nele próprio – e nas componentes de choque que os livros incluíam – misantropia, sexo, niilismo –, passarem ao lado daquilo que os livros efectivamente procuravam transmitir.»

 

Laura Ramos: «- Não achas que o TGV protegeria os portugueses do risco de assaltos como este?
Não tarda nada e a vida estará para os novos Bonnies&Clydes, que farão parar qualquer inocente comboio alfa...
É  que é pendular! Quero dizer: patibular.»

 

Rui Rocha«É evidente que a doença de [Hugo] Chávez, para o tomarmos como exemplo, é um assunto fundamental para a Venezuela. Sem Chávez não há chavismo. Uma doença grave do autor de tal programa político pode implicar uma mudança fundamental da situação do país. O que está em causa, todavia, é transformar uma doença real numa encenação teatral destinada a fortalecer a posição do tiranete e a abafar a oposição interna. Fazer de uma doença um golpe publicitário não é, na Venezuela, uma cabala perpetrada pelos inimigos do socialismo populista e delirante de Chávez. É o exemplo último da farsa em que Chávez converteu o debate político no seu país.»

 

Eu: «Vivemos numa expectativa tensa, num fugaz tempo de interlúdio. Um tempo em que os deuses morreram e Cristo ainda está por nascer, para usar uma magnífica metáfora de Marguerite Yourcenar - património franco-belga, património da Europa, património do mundo sem fronteiras.»

Pilhagem

José Meireles Graça, 28.12.21

Há um ror de anos que me entretenho a, à medida que vou vendo as notícias do dia, comentar no Facebook para ilustração da minha bolha. Há gente que com despudor discorda sistematicamente de mim e outra, asizada, que pelo contrário nos textinhos quase sempre reconhece a razão que os permeia.

O algoritmo que a escumalha infecta que governa aquela rede desenhou tende a não ir na minha bola. Tanto que há uns meses o meu “mural” e o acervo de fotografias e palavreado de mais de seis anos sumiu e fui obrigado a criar um “perfil” novo. Os americanos e as suas invencionices são como as mulheres: não se pode passar sem elas mas, às vezes, fica difícil aturá-las.

O estúpido deve julgar que sou trumpista, negacionista e fascista, coisas que, se fosse, assumiria desassombradamente; e guarda a sua benevolência para bidénicos, covidiotas, progressistas (a maneira edulcorada de dizer comunas) e, sobretudo, marias-vão-com-as-outras. O método para evitar chocar com ele é, tal como se fazia com os coronéis da censura da Velha Senhora, dizer as coisas com circunlóquios que eles não percebiam. Mas às vezes esqueço-me. E hoje, a falar de um texto (Estado social (10)) de um professor doutor de Coimbra meu Deus, que sigo há anos para o efeito de lhe cascar no asneirol, a benemérita rede classificou o meu post, singelo e curto como se quer, de “conteúdos sensíveis”. Conteúdo sensível, é? Então não se pode perder. E antes que o apaguem fica aqui:

O esquerdismo é uma praga que corrói os fundamentos de uma sociedade sã, e pior se se apresentar embrulhado em argumentos de aparente bom senso. O imposto sobre as sucessões (que este empáfio diz que foi extinto mas não foi) consiste nisto: a riqueza que sobra depois de pagos todos os impostos no percurso que a ela levou não pode ser deixada aos herdeiros sem que a comunidade, qual abutre, vá lá comer a sua parte, cuja quantidade é arbitrária. Este gatuno (EH um gatuno, roubar para dar aos outros não é menos roubo por isso) chega a achar natural que, para pagar o imposto, se tenha de vender uma parte do herdado. A mais deletéria praga económica dos nossos dias é o marxismo reciclado em fiscalidade predatória e igualitarista.

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