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Delito de Opinião

O operário que ousou quebrar as grilhetas

Jerónimo de Sousa

Pedro Correia, 04.11.21

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Foi ele o criador da “geringonça”, proporcionando oxigénio político ao derrotado António Costa, com uma frase proferida após a longa noite eleitoral de 2015: «O PS só não forma governo se não quiser.» É ele também a declarar extinta a inédita coligação parlamentar das esquerdas, com outra frase: «Seria quase um golpe de mágica se acontecesse.» Referia-se à hipotética aprovação do Orçamento do Estado para 2022 pelo PCP, antes de rematar: «Não acredito em bruxas.»

Foi deste modo – como se cumprisse instruções de um “colectivo” sem rosto – que Jerónimo Carvalho de Sousa, 74 anos, pôs fim ao mais recente ciclo político. Nunca faltaram críticas no PCP à colaboração activa entre socialistas e comunistas, silenciadas pelo ”centralismo democrático” que lá vigora: as bases não contestam em público a decisão das cúpulas.

Mas nem Jerónimo, que ascendeu em Novembro de 2004 a secretário-geral, negará esta evidência: a “geringonça” foi péssimo negócio para o PCP, tanto em influência social como na aritmética política.

Antes de ter viabilizado seis Orçamentos do Estado do PS, a CDU (PCP + Verdes) tinha 16 deputados – hoje restam-lhe 12, uma quebra de 25%. Perdeu mais de cem mil eleitores (441.852 votantes nas legislativas de 2011, 332.473 oito anos mais tarde). Pior foi o recuo no terreno autárquico, outrora um dos seus bastiões. Detinha 28 presidências de câmaras municipais – hoje restam-lhe 19, menos 27%, enquanto o número de vereadores comunistas baixou de 174 para 148 em termos nacionais. Viu fugir-lhe municípios emblemáticos como Beja, Loures, Barreiro e Almada. Passou de 539.694 eleitores autárquicos para 410.584.

A rendição ao PS, seu histórico adversário nos anos decisivos em que se implantou a democracia em Portugal, constituía ameaça vital ao campeão da resistência entre os partidos comunistas da Europa. Ensina o marxismo-leninismo que o capitalismo não cai por si: tem de ser derrubado pela força. Tarefa impossível para um partido fraco.

As críticas internas já transpareciam nas redes sociais. Jerónimo via, ouvia e lia: não podia ignorar. Quebra agora as grilhetas, como diriam Marx e Engels. Mas podia tê-lo feito há um ano, quando o Bloco de Esquerda descolou da “geringonça”, votando contra o Orçamento para 2021. Só o comprovado sentido da responsabilidade do PCP o manteve fiel ao compromisso: viviam-se tempos de emergência nacional devido à pandemia.

O “muro de Berlim” que António Costa anunciou ter deitado abaixo volta a erguer-se. Estava inscrito na ordem natural das coisas: aquela fugaz assinatura à porta fechada do acordo de legislatura imposto por Cavaco Silva como contrapartida para empossar o Governo, em 2015, já prenunciava reserva mental de parte a parte. Nem Costa nem Jerónimo se deram sequer ao incómodo de posar para a fotografia.

Apreciador de poesia, o secretário-geral de raiz operária talvez declame José Régio: «Sei que não vou por aí.» Régio nunca foi marxista, mas este verso pode servir de lema ao PCP a partir de agora.

 

Texto publicado no semanário Novo

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 04.11.21

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João Carvalho: «Se tarda a dar uma mãozinha ao País, vê-se que anda pelo menos a arrumar a casa. É capaz de ser bom começar assim. Até porque jamais conseguiremos saber em que outros casos e quantas vezes isto foi (e ainda estará a ser) feito às escondidas por aqueles que se julgam instalados para sempre.»

 

José António Abreu: «De modo a proteger a sua economia de solavancos violentos (por os seus bancos terem andado a emprestar dinheiro a quem não sabia usá-lo), um contribuinte alemão pode ter interesse em enviar dinheiro para a Grécia – mas não tem obrigação de o fazer. Não contraiu as dívidas dos gregos (nem as nossas).»

 

Luís M. Jorge: «A questão da responsabilidade é importante. Não para apontar o dedo ou para humilhar. Quando alguém comete um erro e precisa de ressarcir os seus créditos, o primeiro passo é reconhecer que errou. O segundo, mostrar que aprendeu a lição. Só assim terá hipótese de receber o que lhe é devido. Fuga à implementação de mudanças, torpedeamento de acordos estabelecidos, acusações raivosas a quem se solicita o pagamendo devido, não geram impulsos de bom cumprimentoO cumprimento não se impõe pela força, conquista-se através de actos geradores de confiança.»

 

Rui Rocha: «O Orçamento de Estado para 2012, tal como o Memorando da Troika, é também o Orçamento do PS. Neste contexto, a partir da sua aprovação, o papel de António José Seguro como líder da oposição não poderá ser o de questionar as medidas previstas. Pelo contrário, e por muito que isso lhe cause desconforto, terá de ser o de exigir a sua correcta e integral execução.»

 

Eu: «A Caminho lança-o agora, com este solene promessa contida na página 6: "A presente edição reproduz fielmente o original." Não acreditem: é mentira. Porque a obra que a editora acaba de pôr à venda nas livrarias, esclareceu-me o Nuno Pacheco, não surge escrita em português mas em acordês -- um chocante anacronismo, como se o Saramago de 1953 já adivinhasse que no início do século XXI a ortografia seria assassinada pelo professor Malaca Casteleiro e o seu reduzido núcleo de discípulos, com a proverbial bênção do poder político. Lá surgem palavras malacastelenses como recetividade, perceção, aspeto, espetáculo, atividade, ativo. E nem o título do romance escapa: Claraboia surge sem acento.»

Já li o livro e vi o filme (291)

Pedro Correia, 03.11.21

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SEMENTES DE VIOLÊNCIA (1954)

Autor: Evan Hunter

Realizador: Richard Brooks (1955)

Este filme pioneiro na sua época, retratando o quotidiano numa escola pública de Nova Iorque com alunos problemáticos, celebrizou em todo o mundo o tema musical Rock Around the Clock. O romance homónimo, publicado apenas um ano antes, já continha todos os ingredientes realistas para o tornar num sucesso.

Notas antigas reactualizadas à situação vigente

João Pedro Pimenta, 03.11.21

Há uma série de anos, no saudoso ano de 2007, teci em sede própria umas breves considerações sobre a natureza do PSD e a confusão ideológica que sempre demonstrou, dando a ideia de que o melhor seria dividir-se, indo a parte (mesmo) social-democrata para o PS, a liberal formaria um novo partido e a mais conservadora ou democrata-cristã fundir-se-ia com o CDS, criando um partido de direita mais sólido semelhante ao PP espanhol, com as devidas adaptações.

Passados estes anos, não vejo grandes saídas para o PS, tirando talvez alguns autarcas, mas mudanças destas há sempre. A constituição de um partido liberal verificou-se, mesmo sem grandes nomes do PSD, ao contrário do que aconteceu com uma nova formação da direita radical, liderado por um ex-militante laranja. Já quanto à parte da fusão com o CDS, inverto o conselho, ou antes, dirijo-o agora ao CDS: se é para a minimização e a depuração das facções que não interessam à liderança de ocasião, mais vale que se separem e que se juntem a outras formações. Sempre ajudaria a clarificar o panorama partidário português, mesmo que à custa de um histórico da democracia portuguesa. Que pode sempre continuar a existir com a dimensão de outro histórico, o MRPP. Quem sabe se um dia não viria a reganhar a relevância que já teve.

Dez minutos para corrigir erro de palmatória

Pedro Correia, 03.11.21

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Uma marca só consegue impor-se se conseguir notoriedade. Ninguém consome aquilo que não conhece.

Eis o problema de origem do canal que agora se chama RTP3. No cabo, tem audiências residuais face ao seu principal concorrente na informação televisiva a tempo inteiro, a SIC Notícias. Esta começou logo em Janeiro de 2001, na dobra do século e do milénio, antecipando a tendência para a difusão de peças informativas em tempo real, sem submissão aos ciclos clássicos dos telediários. Tornou-se marca dominante ao partir primeiro. Vantagem de que a RTP beneficiou no sentido inverso, enquanto canal generalista, com emissões regulares desde 1957 e em sistema de monopólio protegido até 1989 por cláusula constitucional com carácter imperativo. «A televisão não pode ser objecto de propriedade privada», rezava o artigo 38.º da Constituição da República, n.º 6, no articulado original.

O canal informativo público nunca se impôs devido aos ziguezagues do percurso. Começa em Outubro de 2001 como NTV, com informação de carácter regional, centrado no Norte. Em Maio de 2004 assume-se como canal temático da RTP, com a sigla RTPN. Durou até Setembro de 2011, quando houve nova mudança na marca: a RTPN deu lugar à RTP Informação, com a ambição de se tornar o canal «mais forte» em 2012. Sonho jamais concretizado. E perturbado por outra alteração de identidade: em Outubro de 2015 a RTP Informação deu lugar à actual RTP3.

Esta longa via sinuosa prejudicou fatalmente a sua implantação. Quando a RTP3 assinalou o “vigésimo aniversário” com uma emissão especial, em 15 de Outubro, faltou à verdade: nesse dia, em estrito rigor, só festejava seis anos de existência.

O problema principal é que as siglas mudam mas os erros de base permanecem. Alguns chegam a ser exibidos em antena, como aconteceu em noite recente. Ana Lourenço despediu-se dos telespectadores anunciando uma entrevista ao pensador e activista político norte-americano Noam Chomsky feita pelo jornalista-historiador António Louçã. Na introdução, à revelia da boa prática informativa, Louçã começa por dizer que Chomsky «não precisa de apresentação». Depois lembra que o entrevistado foi «protagonista da solidariedade com o povo de Timor-Leste e um dos que mais contribuíram para a sua independência, em 1999». Acontece que a independência do mais jovem país de língua oficial portuguesa só ocorreu em 2002.

Nada disto é grave. Inaceitável foi o que aconteceu depois: a entrevista gravada, por videochamada, decorre em inglês, sem legendas, durante dez minutos, sem que ninguém pareça reparar. Até que Ana Lourenço, certamente sem a menor responsabilidade pelo sucedido, volta à antena e emite a correcção tardia: «Pedimos desculpa pela interrupção da entrevista que estávamos a ver, que não estava obviamente em condições porque nos faltou a legendagem.»

Foi prometida exibição posterior, «nas devidas condições». Mas o mal estava feito. E resume muito do que se passa na RTP3.

 

Texto publicado no semanário Novo

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 03.11.21

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Ivone Mendes da Silva: «Dali a instantes, estava sentada no sofá a beber chá dos Açores e a ler, a reler, A Mecânica da Ficção. James Wood é um renomado crítico literário, com aversões e admirações como qualquer bom crítico que se preze e, actualmente, professor de Prática da Crítica Literária em Harvard. Neste livro, conduz-nos ao longo de pequenos capítulos aforísticos entre metáforas e diálogos, como se de uma visita guiada se tratasse. Wood aponta, mostra, chama a atenção. De Iris Murdoch a Tolstói, de Saramago a Joyce, de Proust a Virginia Woolf, de Updike a Shakespeare, de Coetzee a Flaubert, está lá tudo. Quase tudo.»

 

João Campos: «Falta sabermos qual vai ser o plano de redução e reconfiguração de carreiras na Carris, e o que vai acontecer ao Metro. De qualquer forma, se isto passar e se o Metro passar a fechar às 23h, o Governo pode enfiar no cu qualquer ideia de promover o transporte público e de retirar carros da cidade.»

 

José António Abreu: «A Casa das Letras (grupo Leya) vai publicar dentro de dias 1Q84, de Haruki Murakami. Melhor: vai publicar o livro 1 de 1Q84, de Haruki Murakami. No Japão e no universo anglo-saxónico (pelo menos), 1Q84 foi publicado em duas partes: um volume com os livros 1 e 2, outro com o terceiro e último livro. Aparentemente, a Casa das Letras está preocupada com as lesões que os leitores podem sofrer ao manusearem livros pesados e decidiu dividir a obra em três. Ou a razão será outra?.»

 

Leonor Barros: «Além de terem sido elegidos pelos seus próprios povos alguém mais se lembra de ter votado no par de jarras aí em baixo para pôr e dispor dos desígnios da Europa? Pois. Eu também não.»

 

Luís M. Jorge: «O referendo grego tem uma vantagem clara: a alteração imediata das percepções da opinião pública europeia. Ou seja, se até agora os cidadãos da UE encaravam a crise da dívida como um problema que a Grécia tinha de resolver para benefício da Europa, mesmo que fosse à custa da humilhação do povo, hoje sabem que é a Europa que tem de resolver o problema da Grécia para seu próprio benefício, se quiser sobreviver. Repito: se quiser.»

 

Luís Menezes Leitão: «A tragédia grega devia servir de exemplo para Portugal perceber que não pode seguir o mesmo caminho. Ninguém compreende que se cortem salários para recapitalizar bancos no quadro de um discurso de engenharia social, a defender o ajustamento salarial dos funcionários públicos ou o empobrecimento colectivo do país. E muito menos são aceitáveis discursos culpabilizadores em relação a pessoas que não têm qualquer responsabilidade no descalabro financeiro a que o país foi conduzido e que vão sofrer na pele essas medidas.»

 

Rui Rocha: «A trapalhada política provocada por Papandreou e os avanços e recuos relativamente à questão do referendo representam um combustível adicional derramado sobre o barril de pólvora político e social da Grécia. A rua terá dificuldade em aceitar que lhe retirem um referendo que foi prometido como forma de devolver a soberania ao povo.»

O fim das medidas sanitárias excepcionais

jpt, 02.11.21

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[Adenda: muito agradeço ao comentador anónimo que deixou explícito que esta preocupação era infundamentada ao deixar ligação para o DR que explicita a continuação do estado de alerta]

Telefona-me uma amiga jurista e diz-me "este país está louco!". Não duvido disso mas pergunto-lhe da razão do diagnóstico: "ouves alguém falar de que deixámos de estar em estado de alerta? Desde 31 de Outubro". E continua ela, "decerto que se esqueceram do assunto". Logo respondo "mas isso é o fim das restrições sanitárias? não terei que usar máscara no metro, no centro comercial?". "Claro", diz ela. "Acabou", pois já não há enquadramento legal para tal, vai explicando entre risadas. 

Calamidade, emergência, contingência, alerta, etc. Foram os "estados" em que vivemos. Acabaram, entrámos finalmente em "estado de normalidade". O que tem implicações jurídicas quanto às atitudes sanitárias, diz-me a amiga (que vinha de encontro entre juristas, já agora, onde todos comentavam o assunto). 

Estão correctos os ilustres causídicos a que aludo? E se assim é alguém fala do assunto? Será mesmo que "este país está louco"? E nisso seguem adormecidos governo, administração pública e imprensa?

Entre os mais comentados

Pedro Correia, 02.11.21

Em 21 destaques feitos pelo Sapo em Outubro, entre segunda e sexta-feira, para assinalar os dez blogues nesses dias mais comentados nesta plataforma, o DELITO DE OPINIÃO fez o pleno, recebendo 21 menções ao longo do mês. 

Incluindo seis textos na primeira posição, nove na segunda e cinco na terceira.

 

Os postais foram estes, por ordem cronológica:

 

Um retrato do País oficial (60 comentários, terceiro mais comentado do fim de semana) 

Pensamento da semana (74 comentários, o mais comentado do dia)

5 de Outubro (20 comentários) 

Nunca entrar em campo a jogar para o empate (54 comentários, segundo mais comentado do dia)

Ver para crer (39 comentários, segundo mais comentado do dia)

O genocida que gostava de ler (70 comentários, segundo mais comentado do fim de semana)

O sabor do mercado? (25 comentários, segundo mais comentado do dia)

Pedir desculpas pelo passado nacional (30 comentários, terceiro mais comentado do dia)   

Uma bofetada na justiça portuguesa (58 comentários, o mais comentado do dia) 

Uma certa forma de governar (34 comentários, segundo mais comentado do dia)

Novo rumo (36 comentários, terceiro mais comentado do fim de semana)

Primeiro dia (88 comentários, o mais comentado do dia) 

O dia em que a I República morreu (32 comentários, terceiro mais comentado do dia)

Querem imitar a vida mas estão longe dela (80 comentários, o mais comentado do dia)

Outro grito de alarme contra a "má moeda" (44 comentários, segundo mais comentado do dia)

Linguagem inclusiva (60 comentários, segundo mais comentado do fim de semana)

Tudo isto é poucochinho (64 comentários, o mais comentado do dia)

O fim da geringonça (44 comentários, terceiro mais comentado do dia) 

Dia de emoções fortes (84 comentários, segundo mais comentado do dia)

Como vitamina num país de crise em crise (72 comentários, o mais comentado do dia)

Da irrevogável decadência (60 comentários, segundo mais comentado do fim de semana)

 

Com um total de 1128 comentários nestes postais. Do JPT, do Paulo Sousa, da Cristina Torrão e de mim próprio.

Fica o agradecimento aos leitores que nos dão a honra de visitar e comentar.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 02.11.21

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Ana Margarida Craveiro: «Há várias formas de democracia. Todas têm vantagens e desvantagens, nenhuma é mais ou menos democrática. Eu, pessoalmente, prefiro a forma representativa, em que delegamos o poder soberano nos nossos representantes, eleitos directamente. Há quem prefira a via mais directa, dos referendos e plebiscitos. Agora, resta assumir as consequências dessa busca da vontade popular permanente.»

 

Ana Lima: «Diz-nos a mitologia (grega, pois claro!) que, após ter sido raptada por Zeus, Europa nunca mais foi encontrada pela sua família, que a procurou por todo o continente. O rei, seu pai, gritou por ela, desesperado, mas Europa não apareceu.»

 

Fernando Sousa«Entre o fim da adolescência e os primeiros anos da idade adulta há um período, enfim, estranho em que pensar não é propriamente uma prioridade. Foi assim que um fim de tarde, abrasado, no regresso de um passeata a Nacala, eu e mais quatro camaradas decidimos dar um mergulho na Praia das Chocas.»

 

Ivone Mendes da Silva: «Se Flaubert dizia: “Madame Bovary c’est moi”, nada me impede de dizer: “Cada livro que leio sou eu.”»

 

João Carvalho: «Chamar ao congresso da ASJP "congresso dos juízes" ou aproveitar esse palco para falar "em nome dos juízes", como se viu, é (foi) não só abusivo como muito inesperado. A bem da democracia, nada melhor do que deixar tudo muito claro — mais ainda no seio do poder judicial e de órgãos de soberania.»

 

José António Abreu: «A confiança acabou. E não acabou por culpa dos estivadores holandeses nem dos políticos alemães. Acabou porque, ao longo dos últimos quinze ou vinte anos, os gregos não fizeram por merecê-la. Nem nós.»

 

Luís M. Jorge: «Há dois anos — dois — que a crise da dívida grega ameaça a Europa. E as instituições europeias tinham dois caminhos para a enfrentar: ou pagavam ou saíam. Em vez disso resolveram pagar um bocadinho, em condições que tornam o ressarcimento impossível, enquanto os burocratas alemães dissertavam sobre a ausência de virtude dos atenienses. Não há coisa pior do que a incompetência aliada ao moralismo.»

 

Luís Menezes Leitão: «O referendo grego constitui uma jogada política brilhante de Georgios Papandreou, que já deve estar completamente farto da prepotência dos seus "parceiros" europeus, que insistem em sangrar os gregos até à última gota, sempre que é necessário libertar mais uma tranche da "ajuda" externa. As últimas condições estabelecidas nessa "ajuda" são absolutamente humilhantes para qualquer povo, passando a Grécia a ser um país ocupado em permanência pela troika, e perdendo de vez o estatuto de Estado soberano. Ora, Papandreou já tinha avisado que os gregos são um povo orgulhoso e nobre e não permitiriam com facilidade semelhante tratamento.»

 

Rui Rocha: «E o que diriam todos aqueles que se entusiasmam com a jogada política brilhante de Papandreou e com os benefícios da democracia directa e de devolver ao povo grego a decisão sobre o resgate se, tomemos uma hipótese meramente académica, Merkel tivesse decidido convocar um referendo para ouvir a opinião dos alemães sobre o bailout da Grécia?»

 

Eu: «A Grécia entrou na CEE em 1981 sem convocar qualquer referendo. Aprovou os tratados de Maastricht, Amesterdão, Nice e Lisboa sem auscultar o eleitorado. Agora, à beira do caos político e social, o primeiro-ministro lembra-se enfim de pedir ao povo grego para escolher entre a desgraça e a miséria: uma decisão que conjuga o cúmulo do cinismo com o cúmulo da irresponsabilidade. O plebiscito não resolve um só problema da Grécia e pode agravá-los todos, mergulhando a banca e a bolsa num caos global, de consequências imprevisíveis.»

Centro Do Sumiço

José Meireles Graça, 01.11.21

Ao meu amigo João Távora parece não aborrecer excessivamente que tanta gente esteja a dar à sola do CDS. “O anúncio da morte do CDS foi um manifesto exagero, daqueles que receiam uma direita civilizada e afirmativa na corrida ao poder. Prefeririam sempre concorrer com palhaços inconsequentes. Será que chegou a nossa vez?”, diz ele.

Aparentemente, estes palhaços inconsequentes foram boa parte dos eleitos pelo CDS, e entre eles Portas, o Némesis da  corrente do CDS que João Távora integra.

Diz isto e já tinha explicado: “A propósito do mau perder de Adolfo Mesquita Nunes e de outros reputados militantes que agora fogem como ratos: ando há 14 anos minoritário no CDS onde fui obrigado a engolir os mais vis insultos e truques regimentais da malta do Portas para me calar. Nunca desisti de lutar”.

Já eu do CDS fui um militante distante até ao dia em que o partido apoiou Marcelo, passo que achei justificava passar-me ao fresco. As minhas razões expliquei-as publicamente e com elas, que me apercebesse, ninguém se afligiu, como aliás esperava: à vida interna do partido nunca liguei pevas e das raras vezes em que assisti a reuniões partidárias que não fossem no âmbito de comícios ou jantares fiquei pasmado com o nível, por demais pomposo e fastidioso, das intervenções. É assim em todos os partidos, ao que sei: a carne para canhão do activismo precisa volta e meia de orar, faz parte. Mesmo assim, nas últimas eleições fiz, como costumo fazer a benefício da minha empregada doméstica, que carece de conhecer a minha opinião para formar a dela, e da minha dúzia de seguidores, a recomendação habitual – votar CDS.

No CDS não se estava mal: a corrente democrata-cristã, designação elevada para social-democratas que vão à missa e supõem que nas encíclicas papais se encontram preciosos ensinamentos de governança; a corrente conservadora, isto é, thatcherista ou gaullista, bastante eurocéptica a um tempo e posteriormente euro-resignada; a corrente liberal, em geral composta de gente cujos modelos de raciocínio não deixam espaço para preocupações geo-estratégicas ou nacionalistas – tudo compunha um quadro de tolerância necessária, cujo cimento era a sobrevivência do partido e o contributo, ainda que ancilar, para soluções de governo que revertessem o estatismo sufocante que é uma das marcas de água do abrilismo.

Fora dos partidos, há a posição niilista dos que, por não encontrarem em lado nenhum a tradução partidária exacta do quadro de opiniões preciosas que lhes ornam as mentes esclarecidas, se abstêm; há a posição superior daquelas pessoas que, constatando que os partidos são máquinas de conquista e manutenção de poder cujos processos desprezam, se mantêm longe; e há os que, constatando que a acção individual de militantes anónimos pouca ou nenhuma importância tem no curso das coisas, dão o seu contributo unicamente na mesa do café, ou nas redes, onde peroram desconsoladamente sobre as insuficiências da democracia.

Mas, felizmente, havia militantes partidários, no CDS como nos outros partidos. E como, pela natureza das coisas, estes pertenciam a todas as direitas, visto que os restantes partidos eram de esquerda (o PSD, pelas razões que adiantei num dos textos lincados acima, só aparece reactivamente como de direita num país onde, por razões históricas, o espectro partidário está deslocado para a esquerda) a tolerância era necessária por razões de massa crítica.

Esta tolerância interna fraquejou sempre que a liderança foi de forma excessivamente incisiva marcada por uma das correntes. O negregado Portas sempre teve internamente inimigos, mas sempre teve o cuidado de permitir a ascensão a deputados, podendo impedi-lo, a corifeus das correntes internas depositárias, na opinião delas, do segredo do verdadeiro CDS, incluindo nesta tolerância José Ribeiro e Castro, que inapelavelmente derrotou.

O mesmo Ribeiro e Castro não se cansa de explicar (embora não seja fácil apurar, nos seus textos convolutos, o que realmente está a dizer) que o CDS do futuro é papista, ainda que no nevoeiro argumentativo fique por perceber se estamos a falar de S. João Paulo II ou do papa Francisco. E o que isto na prática significa é que os liberais fazem bem em ir lá para a capelinha deles e, presume-se, os indignados e raivosos sortidos para o Chega!. Assim depurado, e forte da sua reganhada consistência, o eleitorado, a prazo, fluirá.

Este CDS que nasceu no último Congresso, na ressaca do descalabro eleitoral de Assunção Cristas, quer curar as feridas do desastre, para o que entende que doses cavalares de intransigência (para dentro; para fora alojar-se numa barriga de aluguer não causa engulhos) são a cura indicada, visto que a derrota é atribuída aos ziguezagues doutrinários e tácticos da líder que se demitiu. A mesma que em fins de 2017 tivera em Lisboa, para a edilidade local, um resultado notável. Bem sei que são lisboetas, coitados, mas quand même: que se terá passado para uma tão grande queda de popularidade?

O que se passou foi a envolvência: havia mais palhaços na cidade, e eram eles a IL, o Chega! e o aparente sucesso da fórmula geringôncica – a mesma que agora se finou.

O que tudo deveria recomendar prudência: os vencedores de hoje são os derrotados de amanhã, a IL merece crescer mas nunca explicou como vai cortar na despesa pública, e o Chega! parece-se excessivamente com um furúnculo que, como é sabido, incha, desincha e passa. De modo que, travessia do deserto por travessia do deserto, não conviria abater cavalos, nem deitar fora os cantis da água que não seja puríssima.

Lobo Xavier, um senador que apoiou a eleição de Francisco Rodriguesdos Santos, tem muitas qualidades e muitos defeitos e eu, fiel às minhas pechas, nunca falei dele senão para o crucificar. Mas de falta de lucidez sobre ganhos e perdas é que não sofre. Pois diz: "Saem os melhores e ficam alguns dos piores", do que conclui: “Não tenho nenhuma vontade de aconselhar voto no CDS”.

Se eu fosse amigo das pessoas da Direcção do CDS como sou do João, dir-lhes-ia o que lhe digo a ele: De que te serve ser maioritário numa casa em ruínas?

E, é claro, a menos que um raio caia no Caldas e ilumine aquelas cabeças que se tomam por brilhantes e as leve a encontrarem uma solução para a sangria, com o meu voto, o da minha empregada e o dos meus doze leitores fiéis é que não contam.

Um terrorista no poder

jpt, 01.11.21

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Quando há meses morreu o coronel Carvalho, antigo dirigente do movimento terrorista FP-25 que assombrou o país nos anos 80s, bloguei (1, 2) - e recordei um recuado texto sobre o otelismo - uns textos resmungando contra o vil culto que alguns lhe prestavam. Há menos tempo repeti o resmungo, face à falsificação da história feita por um professor de Coimbra, colunista habitual do boletim "Público", que surgiu a invectivar de antidemocratas os que não louvam o líder da organização assassina. Numa abjecta manipulação da história, que colhe o silêncio cúmplice da corporação a que pertence. Claro que um tipo bota coisas destas e é logo dito "fascista"...
 
Mas note-se esta notícia: Soares Neves, o "TóZé" dirigente terrorista das FP-25, condenado a 15 anos de prisão, pena que não cumpriu ["não pagou a dívida à sociedade", na vox populi] devido à amnistia promovida devido ao perverso imbróglio jurídico daquele processo, tem integrado júris no Centro de Estudos Judiciários nos concursos de acesso à magistratura. E é agora subdirector do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE (uma universidade pública), e ainda director do diretor do Observatório Português das Atividades Culturais do ISCTE [que faz avaliações das políticas governamentais].
 
 
 

Estranhos companheiros de caminho

Pedro Correia, 01.11.21

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António CostaRui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos revelaram convergência total na mensagem que dirigiram em separado ao Presidente de República: há que organizar eleições legislativas «tão cedo quanto possível». Rio e Santos foram ao ponto de defendê-las já para 9 de Janeiro. O que implicaria o início da campanha eleitoral a 26 de Dezembro e a impossibilidade de realizar debates televisivos. Além de inviabilizarem qualquer hipótese à oposição interna, quando ambos os partidos estão envolvidos em processos eleitorais intramuros - aparentemente já abortado, no caso do CDS, que se proclama anti-aborto. Outro pormenor: as listas eleitorais teriam de ser fechadas a 6 de Dezembro, 48 horas após a realização das directas previstas no PSD.

Uma campanha quase clandestina, em plena quadra festiva, só favorece Costa. Quanto menos escrutinado for, na óptica dele, tanto melhor. Quanto menos debates se travarem durante a campanha, perfeito. Quanto mais abalada por falta de democracia interna estiver a oposição à direita, isso é música para os ouvidos dele. 

 

Em entrevista à SIC, na sexta-feira, Rio insistiu na mesma tecla: legislativas já a 9 de Janeiro. Ou, o mais tardar, no dia 16. Sabe que isso favorece os socialistas, mas só surpreende os incautos: os seus quase quatro anos de desempenho à frente do PSD demonstram que, com ele, Costa pode permanecer descansado.

Quando Rio tomou a iniciativa de suprimir os debates quinzenais com o chefe do Governo na Assembleia da República, sob a alegação de que era importante «deixar o primeiro-ministro trabalhar»Costa passou ali a prestar contas menos 30% em relação ao período anterior e o próprio presidente do PSD teve a sua intervenção reduzida para cerca de um quinto do tempo de intervenção parlamentar.

 

O mesmo Rio que tem tanta pressa em ir a legislativas, trava a fundo nas eleições directas: qualifica-as de "balbúrdia" - algo impensável num democrata consequente. Contar votos no País sem contar votos no partido, em processo eleitoral regular e ordinário, no estrito cumprimento dos estatutos? Nem por um momento imagino o Presidente da República - a quem, nos termos constitucionais, compete em exclusivo a marcação do calendário eleitoral - a caucionar tão grave entorse à democracia interna num partido que se propõe como alternativa de poder.

Com esta sucessão de declarações, o presidente do PSD demonstra ter medo de enfrentar o seu competidor, Paulo Rangel - ainda por cima num processo eleitoral por ele mesmo desencadeado a 28 de Setembro, dois dias após a realização das autárquicas.

E quer chegar ao poder para quê? Para «dialogar» com o PS «em nome do interesse nacional».

Uma vez mais, de chapéu na mão, mendigando a esmola de uma atenção de Costa - algo que o líder socialista sempre recusou desde 2015, ao ponto de ter declarado categoricamente, há pouco mais de um ano: «No dia em que a sua subsistência depender do voto do PSD, este governo acabou.»

 

Impossível revelar maior arrogância. E, no entanto, é com um suposto interlocutor destes, assumidamente surdo aos rogos que lhe chegam da direita, que Rio insiste em «dialogar». A política gera insólitos companheiros de caminho. Mas não deixa de ser estranho que alguém insista em caminhar com quem o vem enxotando o tempo todo sem reservas nem remorsos.

Espero que tudo isto mereça análise e reflexão no PSD. A menos que o homem que suprimiu os debates quinzenais no parlamento consiga também pôr fim às eleições internas no partido para se agarrar desesperadamente à função simbólica que ainda exerce. Já vi tanta coisa que quase nada me surpreende.

 

ADENDA: Vice-presidente de Rio ataca violentamente Marcelo. Eis todo um padrão: a Direcção laranja só não endurece quando é o Governo a estar em causa.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 01.11.21

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José Maria Gui Pimentel: «Portugal aparece invariavelmente na cauda das economias avançadas. Bem na cauda. Somos, por exemplo, penúltimos (apenas atrás dos EUA) num índice de problemas sociais e de saúde, e somos também aqueles que menos confiam uns nos outros. Não constamos num gráfico sobre mobilidade social, mas não acho difícil adivinhar o resultado, num país onde o principal meio de mobilidade social é a política.»

 

Leonor Barros: «Lá fora há um dia de sol que me cumprimenta pela janela da sala. Melros que se penduram na vedação ou rasam a relva depenicando aqui e ali. A gata deitada a meus pés no tapete e a quietude que me retempera dos dias de alma gelada, acontecem esses dias, têm acontecido muito dias desses. E os cães ladram. Um ladrar díspar subitamente insistente. Vem aí gente, gente desconhecida. A gata inquieta-se como se cão fosse. Vem gente. Eu sei que eles hão-de vir. A campainha estridente. Vêm aí. Apuro o ouvido enquanto caminho para a porta. São eles.»

 

Luís M. Jorge: «A democracia é "o melhor dos sistemas" e tal... desde que não seja na Grécia: na Grécia o que se quer são campónios suplicantes de chapéu nas mãos. Parece que os líderes europeus estão muito angustiados. Já não era sem tempo.»

 

Rui Rocha: «Não deixa de ser irónico que a Grécia, berço da nossa civilização, tenha agora na mão o detonador que pode fazer implodir o braço mais avançado da construção europeia. Para já, a noite das bruxas de 31 de Outubro de 2011 continua a produzir vítimas no day after. Os mercados afogam-se no vermelho. E não é ketchup. É sangue. Se o leitor aprecia histórias de terror, está no sítio certo. Tenha medo, tenha muito medo. Se a lógica se impuser, ninguém ficará incólume. Para Portugal será um desastre.»

 

Teresa Ribeiro: «A Cartier escreveu-me. Mandou-me num encarte de luxo, com o retrato de uma mulher tão linda como eu gostava de ser, um baiser volé. Diz que é "um perfume de paixão, com uma esteira desconcertante". A mim o que me desconcertou foi o contraste entre o que gastaram no mailing e a forretice na oferta do produto. Não dá sequer para experimentar na pele. Reduz-se a uma lágrima cativa no cartão por um adesivo. É como se a Cartier me dissesse: "Querida, se a sua ideia é só aproveitar uma borla, esqueça".»

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