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Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.10.21

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José António Abreu: «Remoendo o embaraço, lembro-me do início de O Animal Moribundo, de Philip Roth. Ao descrever a aluna por quem se sente atraído, o professor Kepesch refere que ela tem um corpo magnífico mas que ainda não sabe bem como usá-lo. Que o transporta como um miúdo de uma zona perigosa transporta uma arma de fogo carregada, tendo ainda de decidir se o faz para se proteger, se para iniciar uma vida de crime. E ponho-me a pensar que o modo como, ao longo dos meses de Verão, quase todas as mulheres trazem o armamento bem visível e tantas parecem ter optado, com uma convicção desafiante, pela vida de crime, mantém os homens alerta, antevendo duelos ferozes.»

 

Laura Ramos: «Redescobrindo terras de Vera Cruz, nessa união de língua entre os últimos povos do mundo que escrevem uma poesia direita, como dizia Vinicius, a nossa Ana Vidal vai dando uma imensa trabalheira à imprensa brasileira. Vais pagá-las, Ana, vais pagá-las.»

 

Leonor Barros: «Atentemos nestes chorudos ordenados: Fátima Campos Ferreira, 10 mil euros mensais, Catarina Furtado, 30 mil euros, Fernando Mendes, 20 mil euros, José Carlos Malato, 20 mil euros, Maria Elisa 7 mil euros, Jorge Gabriel 18 mil euros, Sónia Araújo, 14 mil euros, João Baião, 15 mil euros, Tânia Ribas de Oliveira, 10 mil euros ou Sílvia Alberto, 15 mil euros. Acresce dizer que estes e outros senhores da estação pública não sofreram a redução do ordenado quando, em Janeiro, esse bicho que dá pelo nome de filósofo grego se lembrou de dar uma ripada nos ordenados.»

 

Luís M. Jorge: «Há agora dois jornais diários abaixo dos 15 mil exemplares. E os de referência pouco ultrapassam os 50 mil. Não quero ser injusto para os projectos mais recentes: o triunfo do i seria sempre muito árduo, mesmo em tempo de fartura. Quanto à decadência do Público e do Diário de Notícias, a conversa é outra. Durante mais de uma década comportaram-se como jornais de nicho, ficaram reféns de uma ideologia ou dos Governos, ignoraram novos talentos e o poder multiplicador da internet.»

Dia de emoções fortes

Pedro Correia, 27.10.21

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Fotograma de Cape Fear, de J. Lee Marshall (1962)

 

A geringonça morre por implosão, entre o drama florentino e a telenovela mexicana.

O Bloco de Esquerda impõe o "distanciamento social" face a António Costa.

O PCP, afundado nas autárquicas, reforça a máscara protectora para evitar ser contaminado pelo vírus socialista.

Margarida Martins, até há poucos dias presidente da Junta de Freguesia de Arroios, em Lisboa, constituída arguida por suspeita de crime de peculato.

 

Pela primeira vez nos 45 anos de história da democracia portuguesa, um Orçamento do Estado é chumbado.

Eduardo Cabrita abandona enfim a pasta da Administração Interna. 

Aproximamo-nos dos padrões europeus: não há governo. Tal como na Holanda ou na Alemanha.

Nem há orçamento. Como aconteceu em Espanha, que esteve dois anos sem novas contas do Estado aprovadas no parlamento.

 

Do fundo do poço, escuta-se o eco já débil da voz de António Costa: «O governo cai no dia em que precisar dos votos do PSD para aprovar um Orçamento.»

Raras vezes o primeiro-ministro cessante esteve tão certo.

À atenção do PCP

Sérgio de Almeida Correia, 27.10.21

"Because factories cannot work without electricity, unlike retailers in Yiwu who can put up without air-conditioning, factory jobs are being cut

In Yuhuan, a county-level city also in southeastern Zhejiang province, factories have reduced production to two or three days a week, but many employees are working 15-hour days to deal with the backlog of orders.

Barely able to pay his mortgage, he and other workers have started looking for new jobs.

For many small businesses in Zhejiang province, the power crisis is adding to a string of existing cost pressures that have buffeted China’s manufacturing sector since the pandemic began."

Ao ler a peça que acima transcrevo não podia deixar de me lembrar das exigências de Jerónimo de Sousa e dos seus camaradas do PCP para viabilizarem o Orçamento de Estado de 2021

Fazer política como quem brinca na areia

Pedro Correia, 27.10.21

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A importância maior dos canais televisivos de informação reside na comunicação instantânea, colhida em directo. Nenhum político fica indiferente a isto. Os mais competentes aproveitam estes momentos a seu favor: qualquer tempo de antena é precioso para marcar a agenda numa actividade que tem horror ao vácuo.

Os menos talentosos, pelo contrário, encontram nos directos não um precioso aliado mas um incómodo adversário. Porque intervir em directo implica falar sem válvula de segurança. Neste cenário, um político mediano ou medíocre expõe em larga medida as suas fragilidades.

Na semana passada, Rui Rio surgiu duas vezes em directo. Com 24 horas de intervalo. Nunca para fazer marcação cerrada ao Governo, mas para visar alvos internos. Nisto, nada de novo: as declarações mais duras do actual presidente laranja foram sempre dirigidas a figuras do próprio partido.

A diferença, desta vez, é que pareceu imitar aqueles jogadores a que no futebol chamamos brinca-n’areia: gostam tanto de ter a bola que evitam passá-la aos companheiros, prejudicando a equipa. Querendo driblar outros, acabam por se fintar a si próprios.

As televisões estavam lá, mostrando um Rio brinca-n’areia. Na tarde de quarta-feira, manda dizer que no dia seguinte levará ao Conselho Nacional uma proposta para a convocação de eleições directas em 4 de Dezembro. Procurando confundir adversários por antecipação. Horas depois, porém, parece ele o confundido: em vez de antecipar, adia. Afinal vai propor que sejam congeladas as eleições até à votação final do Orçamento do Estado.

«Se [o Orçamento] não for aprovado haverá eleições legislativas. Não vejo como é que o partido pode fazer eleições internas e legislativas ao mesmo tempo. (…) Sou o líder do partido, fui o candidato a primeiro-ministro em 2019, liderei todo este tempo… Se amanhã houver eleições, quem é que é o candidato? Obviamente.»

Clareza no discurso? De forma alguma. Perceptível, a mensagem? Nem por sombras. Eis o risco dos directos: passou a ideia de que o presidente do PSD é inseguro e receia o confronto. Quem lidera a sério jamais precisa de lembrar que é líder.

Se esteve mal na quarta, pior andou na quinta. À entrada do Conselho Nacional, face aos jornalistas, de novo sucumbiu à vertigem do directo. E lá voltou a perder-se em reviengas.

«Como se está a ver que o PSD está a subir, que o PSD até pode ganhar eleições legislativas, há um assalto ao poder daqueles que põem o seu interesse pessoal à frente daquilo que é o interesse do país e o interesse do PSD. (…) Parece que perderam o sentido das coisas e de repente estão meios loucos.» Com este surpreendente desabafo: «Lamento profundamente que o partido tenha chegado a este estado.» Como se o presidente do partido não fosse ele. Há quase quatro anos.

Faria melhor Rio em imitar Jerónimo de Sousa. Raras vezes o secretário-geral do PCP fala em público sem estar de olhos fixos num papel. Goste-se ou não, ali não há lugar para improvisos políticos. Quem quer brincar na areia que vá para a praia.

 

Texto publicado no semanário Novo

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 27.10.21

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Fernando Sousa: «Contra o stress de guerra tínhamos as nossas receitas. Uma madrugada desviámos um jipe do parque auto militar, passámos pela manutenção, pedimos ao sentinela para assobiar para o lado, levámos a comida que pudemos e rumámos para a Ilha de Moçambique. A ideia inicial era irmos caçar felinos, mas alguém com mais bom senso aconselhou esta. Já no destino, depois de uns banhos de mar, uma visita à mesquita e outra ao forte, pôs-se a questão onde dormir. Um dos nossos sugeriu o hospital militar.»

 

João Carvalho: «Num país em que há novos estádios de futebol abandonados, autoestradas às moscas, pavilhões multiusos sem uso, piscinas que só são depósitos de água, centros culturais para receber as rutes-marlenes no Verão, etc., é um alívio saber que a cidade judiciária há-de ter tribunais. Quero lembrar-vos que La Palisse e o Conselheiro Acácio nunca se enganaram.»

 

Luís M. Jorge: «Foi o pior dos tempos, foram tempos do pior. Numa rua calma, o engenheiro Armando erguia uma beata da borda de um canteiro quando se deixou sobressaltar pela voz do Albertino, velho camarada do Técnico.»

 

Luís Menezes Leitão: «O chanceler alemão Otto von Bismarck dizia que a política é a arte do possível (Politik ist die Kunst des Möglichen). Os nossos governantes resolveram, porém, adoptar uma nova  versão: a de que a política é a arte do inevitável. Efectivamente, a única coisa que o primeiro-ministro diz é que as medidas são inevitáveis e que não se pode tomar outras. Isto independentemente da injustiça brutal que as caracteriza e que toda a gente reconhece e até mesmo da sua total inconstitucionalidade.»

Limianos

jpt, 26.10.21

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Paulo Portas, que desta poda muito sabe, já avisara. Os deputados PSD da Madeira poderão de "modo autónomo" (ou seja, em acordo partidário esconso) viabilizar o orçamento, coisa que o seu dirigente já veio confirmar.

Convirá recordar que numa época de "vacas gordas" (apesar do então celebrizado "discurso da tanga") o PS de Guterrres fez um acordo parlamentar esconso com o CDS de Portas, através do manuseio de deputado Campelo, que aparentemente tudo trocou pelo queijo Limiano. O presidente Sampaio muito hesitou em aceitar tal solução. Os seus conselheiros dividiram-se na opinião. Mas acabou por aceitar tal opção - que de facto foi uma violação do espírito da constituição e, como tal, um perjúrio presidencial. Morreu, em paz, sem que tivesse sido efectivamente escrutinado por tal cedência.

O arranjo "limiano" - cujo vero conteúdo se comprovou, para quem pudesse ter dúvidas, quando o deputado Campelo, apesar de ter sido temporariamente sancionado pelo seu partido, veio a ser chamado para o governo quando Portas a ele acedeu - foi pestífero. Provocou um bamboleio tal que o governo caiu dois anos depois, apesar do PS ter exactamente metade dos deputados. Nesse trambolhão promoveu ao poder uma inconsequente direcção do PSD e causou uma atrapalhada sucessão no PS que desembocou numa incompetente direcção que logo se veio a desagregar, em rumo espúrio. Disto tudo brotou o longo consulado do pérfido José Sócrates - que as pessoas das lideranças políticas já bem conheciam, por mais vestais que se queiram continuar a afirmar. 

Toda aquela marosca, repito, foi no tempo "das vacas (europeístas) gordas". E teve o deletério efeito de longo prazo que teve. Agora, neste estado endividado, (quase) pós-pandémico e diante da crise internacional anunciada, não há espaço para tais artimanhas. E temos o pior presidente da república da história do regime, o mais volúvel e superficial, homem desprovido da gravitas que Sampaio tinha. Incapaz de pensar o país para além da sua vácua vaidade. Só podemos exigir a Rui Rio que não se ponha com brincadeiras destas. E a Costa que tenha tino. E vice-versa.

O fim da geringonça

jpt, 26.10.21

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Parece que a "geringonça" termina. Talvez desabe agora. Ou talvez ainda sobreviva, algo desarranjada, por mais um ano, se o orçamento for aprovado in extremis. Ou, menos provável, se vier a governar sob a entidade "Duodécimos", com navegação de cabotagem feita de bolinas lei-a-lei. Mas, nesse caso, muito provavelmente não sobreviverá mais do que um ano.

Quando em 2015 o poder se estabeleceu nesta "geringonça" muitos clamaram contra, apontando a sua ilegitimidade. Porque não havia sido anunciada, porque o PS não ganhara as eleições. Ora Costa anunciara a sua disponibilidade para tal (dissera nunca aprovar um governo PSD/CDS minoritário, não ter disponibilidade para se coligar com a direita, e propunha-se como governante. Só não percebeu quem não quis. Ou quem é, apesar de ganhar a vida como comentador político, manifestamente incompetente). E, mais do que tudo, as eleições legislativas não são mais do que a constituição de um parlamento do qual deverá emanar um governo, monopartidário ou de coligação. E é até aconselhável que as coligações governamentais não sejam pré-definidas mas que nasçam de um parlamento eleito, com a correlação de forças (de número de deputados e de apoio eleitoral às propostas partidárias) estabelecidas de fresco. Ou seja, esta solução teve todo o cabimento, político e ético. Foi até uma boa lição sobre a democracia, num país onde eleitorado abúlico e imprensa distraída tendiam a pensar as eleições legislativas como um concurso para primeiro-ministro (de preferência entre comentadores televisivos mais bem-falantes e melhor apessoados).

 

 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.10.21

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Ivone Mendes da Silva: «- Não íamos para Faro?

- Faro, neste momento, é suspeito.»

 

João Carvalho: «Sobre a queda parcial do aeroporto de Faro com uma rajada de vento, acabo de ver na televisão um passageiro a dizer em inglês ao repórter, com ar incrédulo e um sorrisinho dúbio, que o arquitecto da aerogare tem boas razões para estar preocupado. Estava na cara que o homem só pode ser estrangeiro e, seguramente, de algum país civilizado. Um responsável português preocupado com uma obra em Portugal? Estes estrangeiros civilizados têm sempre uma visão estreita da vida. É o que eu digo: viajam muito, mas nunca conseguem ver para lá da rua deles...»

 

José António Abreu: «A revisão constitucional é indispensável, não para impor soluções (essa é a receita da Constituição actual) mas para abrir possibilidades de escolha. Desde logo no modelo do sistema judicial.»

 

 

Rui Rocha: «Quando alguém lhe opuser direitos adquiridos, peça-lhe o recibo. É preciso esclarecer quem lhos vendeu, a que preço e se, de facto, foram pagos. Anda por aí muito gato por lebre.»

Tudo isto é poucochinho

Pedro Correia, 25.10.21

Uma semana antes do Dia de Finados, a "geringonça" exala o último suspiro. António Costa - outrora o grande agregador da esquerda, derrubador de putativos "muros de Belim" - acaba mais isolado que nunca. Nem PCP, nem Bloco de Esquerda, nem sequer o PAN aprovam o seu Orçamento do Estado.

Como diria António José Seguro, tudo isto é poucochinho. Cá se fazem, cá se pagam.

A peanha de Gagarin em Oeiras

jpt, 25.10.21

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Vai polémica com este monumento aos 60 anos de Yuri Gagarin no espaço, colocado num jardim de Oeiras. O representante do Taguspark responde, decerto que algo enfastiado, que o monumento se insere num museu que se quer "disruptivo" e instalado num "ecossistema com empresas dedicadas à aeronáutica". Eu resmungo com esta "apropriação cultural" do termo "ecossistema" pois se é certo que não é uma total incorrecção - em última análise as empresas de facto pertencem ao tal ecossistema -, a utilização do conceito é uma analogia típica do economês obscurantista. Quanto ao resto, se o Taguspark fosse um "ecossistema" integrando empresas cinematográfricas colocaria no seu "disruptivo" museu um monumento a Leni Riefenstahl, em cima de uma peanha decorada com a bandeira do III Reich? Ou, sendo menos radical, será que neste tétrico actual ambiente "woke" onde tantos intelectuais e docentes, para além dos jornalistas a la "Público", clamam a necessidade de retirar ou "contextualizar" obras de autores como Mark Twain, Eça de Queirós, Goscinny, entre tantos outros, devido às malevolências ideológicas que terão propagandeado ao longos das suas ocidentais (e portanto pérfidas) obras, neste ambiente, dizia, não será de exigir uma "contextualização" ao lado daquele monumento, explicitando aos incautos passantes o que foi a URSS e o movimento comunista em XX? Ou será que as pessoas se tornam traficantes de escravos, frades inquisitoriais e genocidas das alteridades ao cruzarem o pequeno mamarracho feito a António Vieira, lerem o "O Escudo de Arverne" ou o "Huck Finn", mas nada são influenciados quando lhes espetam no parque onde vão namorar, piquenicar ou fumar uns charros, a bandeira do feroz regime soviético?

 

 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.10.21

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Fernando Sousa: «Em Nampula, a Polícia Militar ficava ao lado das nossas flats. Tinha uma mascote: um miúdo preto, de uns oito anos, escapado, pelo que se contava, ao massacre da sua aldeia e adoptado pela PM, que lhe fez uma farda e o graduou, se não me falha a memória em capitão. A unidade tinha ordens para respeitar o artifício. Os sentinelas saudavam-no com o cumprimento devido, acompanhado por um sorriso paternalista, ao que ele respondia fazendo-lhes, muito direito e sério, a continência. Dormia e comia no quartel. E do que mais gostava era de jogar à bola.»

 

João Carvalho: «Quando vou na rua e dou algum dinheiro a um pedinte, jamais me passaria pela cabeça pensar que apliquei dinheiro num pobre. Quando posso doar algum dinheiro a uma instituição de apoio humanitário, não me vejo a dizer que apliquei dinheiro numa obra que cuida dos que mais precisam. Aplicar dinheiro é um tique capitalista que nem me ocorre, menos ainda para legendar um donativo.»

 

Laura Ramos: «Devemos pedir contas, sim. Se a lei deixou de nos garantir a palavra dada, se os contratos de trabalho contêm cláusulas que de nada servem, se o imperativo nacional nos coloca numa situação de suspensão de direitos de estatuto, então é lícito trepar à nossa árvore podada e olhar a floresta.»

 

Rui Rocha: «Um tipo deita-se num país de treinadores de bancada e, sem que nada o faça prever, acorda rodeado de constitucionalistas. O tema preferido já não é a constituição da equipa do coração para o próximo jogo. O que se discute agora é a Constituição. Da República. Digo que se discute e digo pouco. Na verdade, proferem-se sentenças. Nos cafés, em cima das mesas, a Bola e Record foram desalojados. Agora, proliferam os textos constitucionais. À volta dos quais se reúnem os convivas mais improváveis, em raro esforço de exegese e prolação.»

Previsões meteorológicas

José Meireles Graça, 24.10.21

Se eu fosse, mas não sou, prudente, não diria nada sobre as negociações em torno do Orçamento porque como está com mais uns retoques pode ser aprovado, mas também pode ser reprovado, ninguém sabe que Orçamento será executado em caso de aprovação, a peça de teatro que se desenvolve no Parlamento é apenas uma parte do processo de aprovação ou reprovação e, verdadeiramente, o calculismo costiano e o do PCP e do PS é que são as pedras de toque do desenlace, não o Orçamento em si.

Este é mais uma centenice, ou marcelice se se quiser (a da evolução na continuidade que o padrinho cunhou, não dos balbuciares atarantados do afilhado), com um aluno, Leão, que apreendeu os truques e alçapões do mestre, Centeno, mas sem lhe herdar a, já de si não muito abundante, habilidade retórica. Quase ninguém tem muitas dúvidas de que o deslizar para os últimos lugares do desenvolvimento na Europa (que ela própria não cessa de perder lugares no mundo, uma decadência que é a consequência necessária do seu inverno demográfico associado à gestão socialista da UE), o avolumar da dívida cujo serviço explodirá no dia em que o BCE não puder mais sustentar os países do calote potencial, a exportação de trabalhadores adequadamente formados para enriquecer outras economias, a obesidade do Estado, que surge como regulador em todas as esquinas da vida, a fiscalidade demencial, o crescimento exangue e um longo e ominoso etc. – serão as heranças que deixará a bonomia de Costa e o seu cansado mantra das apostas na educação, na formação, na descarbonização, na economia circular, na promoção disto e daquilo, nas contas sãs (que interpreta como um equilíbrio falsificado para Comissão Europeia ver, enquanto vai deixando em ruínas o Estado Social e o SNS com o qual comprou, a crédito, votos), e no lero-lero de quanta tolice anda no ar da moda da gestão socialista.

Paulo Portas, que não consta tenha um par de asas nas costas, aventava que talvez o rotundo estadista tenha na ideia ir para eleições para não ter de as disputar noutra maré menos favorável, isto numa altura (Domingo passado) em que todo o analista garantia que o Orçamento passava.

Entretanto, o preço do combustível disparou e o eleitor mexe-se, incomodado. Há em Portugal bem mais de 5 milhões de automóveis ligeiros e por isso a retórica dos ricos que paguem a crise, desta vez, não cola, porque não há 5 milhões de ricos. Depois, começa a instalar-se a suspeita de que o optimismo militante de Marcelo, que toda a gente leva à conta de feitio, talvez seja defeito; e que a Oposição dita de direita, num ponto e noutro, terá alguma razão. Os preços nas praças e no supermercado estão-se a começar a mexer, e a paciência para a sofreguidão da famiglia socialista, sentada como em casa própria à mesa do Orçamento, está a erodir-se.

Daí que no Domingo passado tendesse a concordar com Portas, mas a novela grotesca em torno do preço do gasóleo (uau, o trabalhador vai receber, depois de um calvário burocrático, um reembolso de 5 Euros por mês, e a isto o jornalismo chama, sem se rir, uma medida) e a cabeça perdida de Costa, que passou a semana a espadeirar com uma lista repugnante de cedências a Catarina e ao bom do Jerónimo, convenceram-me do contrário: o homem não quer ir embora, porque não tem para onde ir, não quer eleições porque acha que não se consegue livrar da necessidade daquelas luminárias ancilares ainda mais esquerdosas do que ele, e não encara entendimentos com o PSD porque deixou passar essa oportunidade (talvez Rio seja o dirigente mais parecido com um socialista médio que o PSD alguma vez teve) e, de todo o modo, António Costa sempre foi um táctico brilhante mas tem um nucleozinho de convicções duras, e não particularmente lúcidas nem inteligentes, que consistem nisto: a esquerda é o que convém ao país, o PS o que convém à  esquerda, e a direita tolera-se em nome da democracia, que com ela, porém, fica em estado de intolerável imperfeição. O pobre homem reza a estas coisas.

Hoje, normalmente, o assunto já deveria estar encerrado. Não está porque comunistas lúcidos (são lúcidos no mesmo sentido em que há psicopatas com discursos coerentes) acham que* o negócio da troca do apoio por cedências no aparelho de Estado e na armadura legislativa está esgotado e teve um preço eleitoral demasiado alto. O muito que Costa já cedeu tem como limite as baias da tolerância europeia (o Orçamento deve dar a impressão de que a dívida se vai reduzir por via do crescimento) e a sua intuição de que uma capitulação total se voltaria contra ele. Como com menos consistência e mais lirismo o clube de frei Anacleto Louçã não navega em águas muito diferentes temos que o Orçamento não vai, provavelmente, passar.

Se não passar, aos actores políticos incharão as cordoveias do pescoço, de tanto gritarem, a classe jornalística esfarrapar-se-á em cenários e prognósticos e a opinião pública, pávida, será induzida a pensar que a inflação que regressa, o conflito social que se vai acentuar e o berreiro dos comunistas sem e dos com acne são consequência da instabilidade política, uma tese que o próprio Marcelo, com a sua característica curteza de vistas, decerto subscreverá.

Mas não são. Os governos pós-troica ocuparam-se a reverter o módico de reformas daquela época e a instalar um modelo de desenvolvimento (peço desculpa pela expressão) tributário do longo catálogo de patetices intervencionistas que os socialistas de todos os bordos subscrevem, no caso agravadas pelo contributo das excrescências venezuelanas do PCP e do Bloco. E não fora a UE e sobretudo O BCE o diabo, que tanta gente disse que ia chegar (e eu entre os mais) já cá estaria.

Já cá está, parece-me, mas ainda não se vê bem a sua cabeçorra hedionda. Se estiver enganado, porém, o futuro próximo também não será exaltante: é o progresso do retrocesso.

Razões pelas quais se o Orçamento passa ou não passa interessa pouco, excepto pelo facto de, se não passar, a gente se entreter com os paroxismos da luta política.

 

*Um amigo dilecto disponibilizou-me o artigo acima referido de Pedro Tadeu, porque da primeira vez que o vi tive acesso mas quando lá quis regressar o Diário de Notícias queria que me inscrevesse num tal de Nónio, decerto para me pôr a pagar – um escândalo. Quando mo enviou, escreveu: “O apoio parlamentar, neste caso ao orçamento, valeria a pena se o PC conseguisse convencer o seu eleitorado potencial de que conseguiu vitórias muito concretas ao impor ao PS as medidas x e y.  O problema é que essas vitórias são pífias, são mal comunicadas e ficam esquecidas dois dias depois, no turbilhão noticioso. Em última análise estão a apoiar o PS sem grandes ganhos. Mais valia ao PC, penso eu, tornar pública uma lista de exigências que vão ao encontro do seu eleitorado e estar pronto a votar contra se estas não forem aceites".

Tem razão. E só ponho aqui estas considerações porque ninguém do PCP decerto me lê, sendo como sou, tal como este amigo, um fascista do piorio.

Fim de semana (9)

Pedro Correia, 24.10.21

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É um passeio diferente. Aproveitando este prolongamento de Verão de que temos beneficiado e a bela paisagem que se rasga aos nossos olhos ali onde o Tejo desagua no vasto Atlântico. Um passeio fluvial e marítimo em simultâneo. A rondar o histórico baluarte do Bugio, ali erigido no século XVII por ordem de D. João IV, aproveitando um banco de areia existente na barra do rio, no quadro mais vasto das fortificações implantadas na zona de Lisboa - e de que a mais emblemática é a Torre de Belém.

Reza a tradição que o Forte de São Lourenço do Bugio foi inspirado no majestoso castelo de Santo Ângelo, em Roma, situado junto à Cidade do Vaticano.

No topo da fortaleza circular, que já serviu de caserna e presídio, existe um farol igualmente muito antigo, que até à década de 80 exigia presença humana em permanência. Hoje a iluminação está automatizada e é alimentada por energia solar, mantendo-se o seu papel vital no apoio à navegação.

Noutros tempos, em certas épocas do ano, o Forte era procurado em épocas de maior assoreamento do Tejo, sobretudo por residentes da Cova do Vapor, que assistiam à missa na capela setecentista lá existente e agora virtualmente abandonada. Tudo mudou: hoje só elementos da Marinha, em regra, têm autorização para ali desembarcar.

Infelizmente, por isso só é possível rondar o ilhéu - e não desembarcar. Assim se desperdiça um lugar de inegável valor histórico e cultural hoje sob a tutela de várias entidades. Incluindo a Direcção de Faróis, a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e a Administração do Porto de Lisboa, além de duas câmaras municipais - a de Almada e a de Oeiras.

Seria muito útil a abertura do local a deslocações periódicas - desde o âmbito escolar às visitas turísticas. Enquanto isso não acontece, podemos sempre fazer o que já fiz: contornar o ilhéu e contemplar Lisboa vista dali. É um panorama único. Vale a pena embarcar: é uma pequena viagem que perdura na memória.