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Delito de Opinião

Crónicas sobre esta estreita faixa de terreno (6)

Paulo Sousa, 31.10.21

aqui falei sobre oliveiras e azeitona. No ano passado, aqui à volta, a produção de azeite foi quase nula. O frio e a chuva que se fez sentir no final da Primavera impediu o normal vingamento dos frutos e isso levou a que muitos dos pequenos produtores nem chegassem a dar-se ao trabalho de desdobrar os panos da apanha.

Os ciclos bianuais das oliveiras não são novidade e mais uma vez isso repete-se. A campanha deste ano será mais uma das muito produtivas. Inúmeras oliveiras têm os ramos vergados pela carga de azeitona e embora muita dela ainda não esteja completamente madura, a apanha já começou há umas semanas. É sempre difícil escolher o momento certo para conseguir a melhor maturação dos frutos sem que estes comecem a cair. Pode conseguir-se esse equilíbrio num olival, mas no momento em que decorre a apanha, o vento e a chuva provocam uma enorme queda noutro.

Já ouvi várias teorias sobre o ponto certo para avançar para apanha. É pacífico que mesmo antes de escurecer totalmente, a azeitona amarelada já possa ser colhida, embora a proporção das que estão ainda verdes, já amarelas e completamente negras, varie de árvore para árvore e por isso existe sempre margem para debate.

Noutros tempos não se deixava uma azeitona por apanhar. Os antigos contam que em miúdos, agachados ou de joelhos, percorriam todos os palmos de terreno debaixo das oliveiras, por vezes por Dezembro a fora, à procura do último bago. Nos dias de hoje este trabalho é realizado quase só por adultos, muitos deles já bem entrados, e o desgaste das respectivas articulações impede o rigor de antigamente. Muito azeite fica assim por apanhar.

Um aspecto importante a considerar prende-se com a praga da mosca-da-azeitona. As fêmeas deste insecto põem os ovos na polpa do fruto, o que leva à sua queda precoce e a um aumento da acidez do azeite. Para evitar este estrago pode recorrer-se à captura maciça com armadilhas, aos tratamentos com fito-fármacos ou a ambos. Dadas as cada vez maiores limitações no uso dos chamados pesticidas, aplicam-se algumas armadilhas para monitorizar a população da praga e assim direccionar os tratamentos para os momentos de maior actividade. Este rigor e atenção acaba por ser possível quase exclusivamente aos produtores intensivos e também por isso a qualidade do azeite da produção não intensiva é sempre mais irregular.

Os lagares tradicionais são memórias do passado. Pouco a pouco, todos foram sendo encerrados ou transformados no que se pode designar como sendo pequenas fábricas. As exigências sanitárias alteraram significativamente o processo, as madeiras deram lugar ao inox e a força humana e animal foi substituída por asseados motores eléctricos. Em vez de se fazer uma lagarada de cada vez, o processo é agora contínuo e torna-se quase impossível que as azeitonas que se entregaram correspondam ao azeite que se trás.

Ao contrário do que acontece com os produtores de vinho caseiro, que sabem que o seu produto resulta das uvas que realmente cultivaram, no azeite produzido nestes lagares modernos esta ligação será apenas casual, e isso mostra que será principalmente o apego às rotinas e às tradições, assim como o aspecto económico da poupança que é ter azeite sem ter de o comprar, que contarão como factores determinantes para que esta actividade se mantenha.

Para consumo caseiro compro normalmente azeite a vizinhos, mas este ano fui directamente ao lagar.

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Logo à chegada, a longa fila de veículos comprovou que este é um ano de muita produção. Para poder levar azeitona para o lagar é necessário agendar com algumas semanas de antecedência, mas mesmo esse planeamento não impede as muitas horas de espera. Para ali não se pode ir com pressa. Se não chover é possível sair do carro e pôr a conversa em dia. Faz parte da tradição haver sempre um tipo armado em entendido a fiscalizar se a azeitona dos outros foi apanhada ou não antes do tempo e a decretar quem foi desleixado nos tratamentos contra a mosca.

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No lado jusante da fábrica, mesmo a umas boas dezenas de metros do edifício, o cheiro a azeite novo invade as narinas. Portas adentro, a intensidade do aroma multiplica-se e é impossível não sorrir. A azafama é total. Há vasilhas a entrar vazias e a saírem cheias, e outras estão empilhadas à espera de serem recolhidas.

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Neste lagar, em plena Serra dos Candeeiros, é possível comprar directamente mesmo sem levar azeitona, a preço de fábrica e com direito a prova.

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É normal que nesta fase alguns lotes se apresentem turvos, mas em poucas semanas as borras assentarão e o azeite ficará translucido como se exige. O azeite novo tem também um aroma especialmente frutado e o sabor tem uma intensidade quase agressiva, mas com ou sem partículas em suspensão, é impossível chegar a casa sem aquela ansiedade que só se controla depois de o provar em pão demolhado.

Prognósticos (antes do jogo)

jpt, 31.10.21

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Lá vamos a eleições. O clássico CDS, que há dois anos se reduzira a transporte Bolt, está em estertor de cisões e resmunguices. O também clássico PSD, após anos de verdadeira catalepsia oposicionista, apresta-se a refrega interna - sem que os contendores digam, com concisão mas substrato, ao que realmente vão, ficando assim aquela refrega coisa algo mole mesmo que venha a ser tonitruante. O antepassado PCP segue imóvel face à erosão das marés e ventanias, mais pedregulho ribanceira abaixo menos pedregulho ribanceira abaixo. O também já clássico - que a idade não perdoa - BE vem-se esboroando a olhos vistos, entre dichotes divertidos e dislates invertidos. Na rapaziada mais nova o PAN - que há dois anos se quadruplicou de passe social a táxi, ainda que boletins "Público" e quejandos e as Quadraturas do Mal não lhe tenham ligado - viu sair o líder, zangarem-se os deputados e estuda o convívio humano com as gaivotas, e nisso não será de lhe augurar ascensão a Rodoviária Nacional. O avatar do MES desapareceu, fundido nas listas de assessores governamentais. A deputada Moreira seguirá a O(N)Gs basto financiadas, que não acredito que ascenda às listas do poder.

Resta-nos a juvenil IL que, apesar da tendência para o piadismo própria da idade do armário, irá cobrar dividendos da relativa coerência do que vem dizendo. Tal como o prof. Ventura, que lucrará os dividendos de tanta patega atenção alheia, e que ainda terá um momento extra para se vitimizar, pois obrigado pelo Tribunal a refazer um congresso, no qual dirá, decerto, "aquilo que é preciso dizer e mais ninguém tem coragem para o fazer".

E nisto tudo, lá para Janeiro, o idoso PS, trapalhão e exausto, vácuo de clientelista e patrimonialista, pejado de figuras inanes e de projectos insanos, sairá reforçado.

Um tipo entristece. Ou rejuvenesce.

O comentário da semana

Pedro Correia, 31.10.21

«A geringonça ou coligação ou o que for falha a partir do momento em que dois dos participantes recusam qualquer responsabilidade na governação. Foram quatro anos em que PCP e Bloco foram responsáveis por tudo de bom que aconteceu, e alheios a tudo o resto. Acordo escrito ou não, PS governou e os colegas iam aprovando ou reprovando consoante o Limiano dado em troca. Aliás, foram quatro anos de limianismo, por mais que se tente disfarçar com uma governação coligada de esquerda.

Costa pensou poder gerir mais uma legislatura assim, mas foi confrontado com covid, e Bloco e PCP perceberam que a sua postura não liga com o seu eleitorado, que é pura e simplesmente de protesto. Ou seja, um PCP que não vote contra o Governo de Direita (PS) e que não ande nas ruas via sindicatos, é inútil. O mesmo para o Bloco, serve para legalizar brocas e perseguir Rendeiros, uma Catarina ao lado do Costa vale zero.»

 

Do nosso leitor Anonimus. A propósito deste texto do JPT.

Os melhores romances e novelas portugueses do século XX

III - Década 1921/1930

Pedro Correia, 31.10.21

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O Malhadinhas, de Aquilino Ribeiro (1922)

O Conde d' Abranhos, de Eça de Queiroz (1925)

A Capital, de Eça de Queiroz (1925)

Emigrantes, de Ferreira de Castro (1928)

A Selva, de Ferreira de Castro (1930)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.10.21

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Ana Cláudia Vicente: «E já que falamos em quantos somos... esta simpática jiga-joga que a BBC colocou no site proporciona a todos os curiosos a descoberta do seu número (aproximado, imagino) de ordem de chegada ao planeta. É caso para dizer que somos mais que as mães.»

 

João Campos: «Ceremonials, o novo álbum de Florence + The Machine, foi lançado hoje. Para os mais distraídos, a cantora britânica Florence Welsh e a sua banda foram responsáveis por Lungs, um dos melhores álbuns de 2009 (para mim, claro). Foi um daqueles álbuns raros que ouvi uma vez e gostei imediatamente de todas as músicas, sem excepção. Amor à primeira vista, se quiserem, ou à primeira audição, para ser mais exacto.»

 

João Carvalho: «Porque é que está uma equipa da RTP há dias no Brasil para dizer do processo contra Duarte Lima aquilo que todos dizem e que todos sabem por ouvir os outros dizer? Porque é que parece que vão ficar por lá até Duarte Lima aparecer ou até o processo estar concluído? Porque é que o correspondente da RTP no Brasil anda pela América do Sul a seguir o Presidente e o primeiro-ministro e a equipa de enviados-especiais-à-acusação-de-Duarte-Lima anda a dar a volta ao Brasil? Porque é que só alguns sentem a crise nos salários? Porque é que a gente lhes paga muito mais do que nós recebemos? Porque é que temos de continuar a sustentar a RTP?»

 

Luís M. Jorge: «Num país em que a palavra juventude serve de eufemismo a uma casta de adultos indolentes e primadonas agastadas da classe média urbana, e em que por desporto se toma o futebol — prática criminosa só debelável com a interdição — qualquer laracha que o burocrata responsável pelos dois buracos negros proferisse ao microfone teria potencial incendiário. Ainda por cima se fosse verdade. E o que disse o homem? Que os nossos inúteis, se não encontrarem trabalho cá dentro, devem procurá-lo lá fora. Isto, na economia do euro, é uma lapalissada rudimentar, mas causou as apoplexias do costume. E o que acrescentou o homem? Que depois de conhecerem as boas práticas dos países de destino poderão voltar à origem e realizar os seus projectos com outra segurança. Isto tem algum mal? Não tem. É o bê-á-bá da autonomia que uma sociedade civilizada deve exigir a maiores de dezoito anos.»

 

Rui Rocha: «O número, redondo e esmagador, aí está. A ONU declarou o dia 31 de Outubro de 2011 como data oficial em que a humanidade passa a contar com 7.000 milhões de seres vivos. Trata-se, como é óbvio, de uma proclamação simbólica. Em rigor, não é possível saber o momento exacto em que a barreira é ultrapassada. O certo é que fizemos um longo caminho. No tempo em que Jesus Cristo viveu seríamos 300 milhões. Em 1927, 2.000 milhões. No ano 2000 éramos mais de 5.000 milhões.»

 

Sara Coelho: «Sim, é preciso cortar em muita coisa, mas Lisboa é um destino acessível e que recebe muitos turistas à conta disso. Não são propriamente turistas que andem de limusina e não convém afastá-los, porque o comércio, a restauração e a hotelaria precisam deles para conseguir sobreviver minimamente. E, pelos vistos, ainda ninguém se lembrou que as pessoas vão sair menos no próximo ano, mas irão sair ainda menos se tiverem de gastar dinheiro em táxi ou combustíveis para regressar a casa. Vão cortar no metro e, ao mesmo tempo, diminuir as vendas de muitos restaurantes e bares. E isso leva a que o IVA diminua e o desemprego (e os respectivos subsídios) aumente.»

Reflexão do dia

Pedro Correia, 30.10.21

«Na farsa do Orçamento, as esquerdas saltaram pela janela. Mas as direitas em exibição também andam a rondar o parapeito, não vá o dr. Costa sentir-se sozinho na descida. Aliás, se há algo que define esta direita, é a vocação para se encavalitar nas costas dos outros rumo à dependência e à nulidade: o CDS pendurado no PSD e o PSD pendurado no PS para partilhar o bolo do poder e do dinheiro. Tirando os respectivos fanáticos, quem leva a sério esta gente?»

João Pereira Coutinho, no Correio da Manhã

Da irrevogável decadência

Pedro Correia, 30.10.21

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Se existe algo a que possa chamar-se "morte digna", encontra-se a muitas milhas de distância do CDS. Gerido como uma associação de estudantes desde que passou a ser dirigido pelo actual líder, oriundo da organização juvenil do partido de Adriano Moreira, Paulo Portas e Assunção Cristas, o Centro Democrático Social tem dado ao País uma deplorável imagem nestes dias que antecedem o seu funeral. Com "Chicão" a exibir pavor do confronto interno, desmarcando o congresso que fixara por sua iniciativa para os dias 27 e 28 de Novembro. Ao perceber que tinha sérias hipóteses de sair derrotado, ensaiou esta jogada palaciana no vetusto casarão do Caldas para silenciar os críticos internos. Entre os quais se incluem todos os sobreviventes daquele que já foi o mais brilhante grupo parlamentar no hemiciclo de São Bento.

"Chicão", que me garantem gostar de tourada à portuguesa, se integrasse um grupo de forcados só teria lugar como rabejador. Pega de caras não é com ele. Desconsidera o eurodeputado Nuno Melo - já quase com mais anos de militância no partido do que ele tem de vida - e todos quantos o apoiam. Transforma em letra morta as decisões do Conselho de Jurisdição Nacional, que funciona como tribunal interno. Faz coro com os socialistas exigindo agora eleições legislativas tão cedo quanto possível, sabendo que o seu mandato na liderança partidária termina em Janeiro. E reza pela bolsa marsupial de Rui Rio, pronto a transformar o CDS num satélite do PSD. Ser os "verdes" dos laranjinhas: eis, em poucas palavras, ao que se resume o programa de "Chicão".

Quando este miúdo foi confirmado como sucessor de Assunção Cristas, vai fazer dois anos, escrevi aqui um breve postal intitulado "De Amaro da Costa a Chicão", com fotografias de ambos: simbologia clara, hoje ainda mais evidente, da irrevogável decadência de um partido fundador da democracia portuguesa. 

Bloco de Esquerda e PCP têm sérios motivos para queixar-se de António Costa, que aproveitou o ciclo da geringonça para tentar suprimi-los do mapa eleitoral. No caso do CDS nem foi necessária a intervenção de Costa: o cangalheiro está sentado no cadeirão máximo do partido, entretanto reduzido à expressão mínima.

É preciso declinar muito para terminar assim.

Câmara Corporativa

José Meireles Graça, 30.10.21

Acabo de ver Isabel Camarinha a aliviar-se de declarações à saída de uma audiência no Palácio de Belém, cujo locatário também recebeu as confederações patronais, em nome das quais prestou declarações um tal Calheiros. Isabel foi significar ao Presidente as profundidades do seu pensamento sobre o chumbo do Orçamento, os salários, as greves e outros assuntos do seu breviário, e as confederações foram explicar por que razão abandonaram a Concertação Social, aproveitando, parece, para dizer não sei quê sobre o salário mínimo.

Convém dizer que Marcelo, se não partilhasse com a generalidade da opinião pública (que por sua vez é mais vezes sim do que não um reflexo da opinião publicada), convicções obnóxias sobre o que é o interesse público não recebia, nesta altura, esta tropa fandanga. O assunto neste passo são eleições, possível interferência do Governo no processo eleitoral em que é parte, prazos, situação dos partidos, etc., e nem os sindicatos nem as associações patronais têm seja o que for a ver com os mecanismos pelos quais o problema criado pela não aprovação do Orçamento se resolve.

No mínimo, esta gente foi lá fazer perder tempo, mesmo que este Presidente o malbarate habitualmente em vacuidades. E alimentar um equívoco corporativo, que consiste em supor que há um processo democrático paralelo em que corpos sociais têm interesses unívocos, esses interesses são encarnados por aquelas pessoas cuja representatividade é, para dizer o mínimo, obscura, e as opiniões veiculadas têm peso institucional relevante é, neste caso como noutros, uma desvalorização da democracia e da Assembleia da República.

Que os patrões se organizem em grupos de pressão, nada a opor, mesmo que esses grupos não abranjam patrões comuns, isto é, os que não dispõem de tempo para dedicar ao tráfico de influências e ao jogo de poder que a conquista de lugares de influência implica; e que trabalhadores se filiem ou vagamente apoiem sindicatos, mesmo sabendo que estes são frequentemente coios de comunistas e radicais, idem.

Não é porém sadio que a comunicação social descreva uma enguia irresoluta como António Saraiva como “patrão dos patrões”. Os patrões não têm patrão, isso os distingue, e a sua condição é o triunfo do individualismo, que só pode ser adequadamente representado por quem o defenda ferozmente – não é o caso de Saraiva, e duvido que de algum dos outros. E sendo natural que os trabalhadores comuns, cuja maioria não navega nas águas do esquerdismo assanhado, confiem mesmo assim em sindicalistas porque a militância fanática daqueles lhes pode dar jeito em situações de conflito com os patrões, já não o é que depois se venha oficialmente a receber a CGTP como se representasse os trabalhadores. Não representa: a CGTP é, e sempre foi, o braço do PCP para o mundo do trabalho (para usar o jargão deles), e quem tem competência para legislar sobre as relações de trabalho, mesmo que o faça desastradamente, é o Parlamento, onde estão representadas todas as correntes de opinião política relevante, e o Governo, que tende (o actual seguramente) a representar as convicções asnáticas dominantes.

O coroar deste teatro de sombras é o Conselho Permanente de Concertação Social, que já em Junho de 2014, quando os inúteis que o povoavam eram outros, caracterizava assim. Foi este Conselho que foi “desautorizado” há dias quando o Governo, pressionado, deixou de fingir que respeita aquela joça, um crime de lesa-convenções: ali gente que finge que representa classes profissionais finge que negoceia entre si e depois com quem finge que os respeita. A comunicação social e quem a consome, provavelmente, não finge: acredita que tudo isto é para levar a sério.

As despesas envolvidas com esta maquinaria têm expressão muito relevante? Se a Constituição fosse expurgada do seu art.º 92º, que consagra a Câmara Corporativa com outro nome, haveria um grande benefício? E o assunto interessa muito?

Não, não e não. Mas migalhas são pão. E depois, para Pessoa, a metafísica era  uma consequência de estar mal disposto; a mim, o estar mal disposto não me dá para nada, mas o espectáculo destas personagens que desempenham o seu lamentável papel agrava-me a má disposição.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.10.21

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Ivone Mendes da Silva: «Desculpem lá, é impressão minha ou este domingo está esquisito? Que horas são, exactamente?»

 

João Campos: «Uma boa ideia (incentivar as pessoas a pedirem factura quando adquirem bens ou serviços) pode rapidamente dar lugar a um perfeito disparate (multar quem não pede factura). No entanto - e, uma vez mais, a confirmar-se a notícia -, será sem dúvida muito interessante como poderia ser esta ideia colocada em prática. Que diabo: neste país nem o estacionamento é minimamente controlado, quanto mais o pedido de factura por uma bica!»

 

João Carvalho: «Vai começar amanhã, segunda-feira, um fórum internacional para debater a "harmonização dos direitos dos intépretes". Parece, no entanto, que o programa pode ser todo alterado, não só por ser difícil harmonizar os intérpretes, mas também porque consta que houve um mal-entendido na interpretação do que os intérpretes pretendem.»

 

Laura Ramos: «Para amansar o peso do decreto de Outono e a loucura que tomou os relógios, fui para a outra banda, encafeinar-me ao final da manhã. Gosto deste mosteiro, 300 anos esquecido, que nos foi devolvido com um brio invulgar e que tem vida, energia, programação constante (e um belo auditório).Um caso de gestão de património histórico que se segue a uma gigantesca obra de recuperação e que depois conseguiu ganhar outro desafio ainda mais difícil: ser gerido com alma por gente irrequieta e indiferente às profecias.»

 

Leonor Barros: «Se os portugueses estivessem a comprar mais livros é que me surpreenderia. Espera-se um desfile infinito de produtos até à machadada final: "portugueses deixaram de comprar". Ponto.»

 

Rui Rocha: «Isto é muito revoltante. O que nós já tivemos de aturar aos alemães. Tremo de raiva só de imaginar as insinuaçõezinhas que fizeram sobre as nossas contas públicas. Enfureço-me com a visão de cabeças loiras a abanarem em sinal de desaprovação quando o nosso Sócrates lhes explicava um ou outro problema de somenos importância. E o que terão dito do pobre Jardim, meu Deus.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.10.21

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João Campos: «Não tenho carta de condução. É algo que faz muita confusão a vários amigos. Dois ou três, quando me encontram, perguntam invariavelmente: então e a carta, já a tiraste? Há oito anos que a resposta é a mesma, tal como a justificação: carta de condução não é uma prioridade por 1) não ter dinheiro para comprar um carro, 2) não ter dinheiro para manter um carro, 3) estacionar na zona onde vivo é impossível e na zona onde trabalho é caríssimo e 4) não preciso, pois Lisboa tem um sistema de transportes - autocarros, eléctricos e metro - muito bom, que permite chegar a qualquer lado a qualquer hora.»

 

João Carvalho: «O deputado socialista Paulo Campos, ex-secretário de Estado das Obras Públicas e defensor do indefensável programa dos Magalhães, não é apenas um dos rostos da ruína nacional. Ele é também um dos rostos mais sorridentes da Assembleia da República.»

 

José António Abreu: «Ela indica no perfil que vive em Ponta Delgada mas anda a escrever posts sobre as aventuras de uma freira em Amesterdão (não, não é o que estão a pensar mas sim, também é o que estão a pensar). Faz perguntas lixadas como esta. E gosta do fantasma de Kurt Cobain, das letras do Thom Yorke e – não há perfeição sem uma ligeira falha – do estilo do Fernando Ribeiro. Eu aprecio-o porque ela escreve bem e também porque blogues assim me fazem pensar que hei-de acabar por perceber as mulheres. Mesmo que logo a seguir me obriguem a considerar a hipótese de ainda ir demorar um certo tempo.»

 

Laura Ramos: «É o género de obra que me encanta. Produto de uma investigação apurada e consistente, mas que não despreza, na sua riqueza  documental, a oportunidade estética. Não é só um livro de autor: é uma construção atravessada de sensibilidade sobre variadíssimos actores da nossa história cívica e cultural. O que exige método, bom olho, ciência e faro de caçador.»

 

Luís Menezes Leitão: «Para aumentar ainda mais o péssimo estado de espírito da população, hoje temos que mudar para a hora de Inverno. Não vejo qualquer razão para esta sistemática alteração da hora duas vezes em cada ano. Bem fizeram os russos que vão ficar com a hora de Verão todo o ano. Efectivamente, se a hora de Verão é muito mais adequada que a hora de Inverno, porque não conservá-la todo o ano? Afinal de contas estamos a ter tempo de Verão durante cada vez mais tempo durante o ano.»

 

Rui Rocha: «O mundo organiza-se a partir do princípio da simplicidade. E os instrumentos que permitem concretizar a simplicidade são uma classificação bipolar e um lápis. O lápis serve-nos para desenhar um risco. A classificação  bipolar serve para situar a realidade face ao risco que desenhámos. Bom e mau, esquerda e direita, branco e negro, norte e sul, pobre e rico e tantos outros pares que nos são úteis na nossa relação com o mundo. Ora, o movimento Ocuppy Wall Street utiliza também este método de abordagem. O lápis do OWS desenhou a fronteira: 99% de um lado, 1% do outro. Simples, não é?»

 

Eu: «Lirismo? Qual lirismo? Rubem Fonseca escreve sobre o lado escuro da vida, sobre o lado negro do mundo. As suas personagens são duras. E feias. E sujas. Portam-se mal. Batem, ferem, agridem. Matam. Enquanto uns cantam loas à lua, ele vislumbra a face lunar do quotidiano. E transfigura-a de forma admirável nas suas narrativas, virando todas as convenções do avesso -- a começar pelas convenções literárias, transportando para as suas páginas de ficção a linguagem crua das ruas, dos morros, dos becos, das vielas.»

Lá caiu

José Meireles Graça, 28.10.21

Lá caiu. Marcelo fez trinta por uma linha mas não adiantou: ao PCP e ao Bloco não poderia haver cedências que os contentassem porque nem elas eram credíveis (pelo contrário, os dois acham que vem aí uma crise e nesta o Governo e o PS fariam o que a Europa mandasse) nem resolveriam a alhada em que aquelas duas agremiações se meteram. É que, não obstante os numerosos exemplos históricos em que se poderiam ter inspirado, ambas estavam a ser sufocadas eleitoralmente pelo abraço socialista, pelo que corrigiram o tiro: na rua é que está bem quem é depositário de mensagens redentoras; e, de gabinetes, os dos sindicatos para uns e os das universidades e redacções das televisões para outros servem bem, à falta de melhor.  

Diz-se que o PCP não é europeísta (e não é porque a Europa é capitalista e não deixará de ser), mas o Bloco sim. Na prática, não há diferenças: a Europa que convém ao Bloco é uma em que o capitalismo seja aperfeiçoado de tal forma que deixe de o ser.

Portanto, venham de lá as greves e as manifestações, que o Carnaval é daqui a dias.

De Costa ninguém sabe se fez cedências aberrantes porque, sendo como é uma pessoa genuinamente lunática nas ideias que julga redentoras para a economia do país, acreditava nelas, ou porque já contava que a comunistada não lhe comprasse a barganha e por isso quis amassar um capital de choraminguice para a campanha eleitoral, que na realidade desejava agora e não no fim normal da legislatura.

Vou mais pela segunda hipótese, sendo o homem, como é, um mestre da duplicidade e da falta de escrúpulos: já deixou o caminho juncado de cadáveres de camaradas e amigos, o que não é nada, e começou a sua encarnação como primeiro-ministro com o golpe de asa de se aliar a pestíferos, o que é muito.

A malta da estabilidade, um valor que, talvez como herança inconsciente do salazarismo, e rejeição consciente das três primeiras décadas do século passado, é tido em alta conta, geme. Sem razão: porque a estabilidade ao serviço de políticas de desastre apenas o aprofunda e, no caso, o Orçamento em duodécimos seria bem melhor que o asneirol aprofundado do que chumbou. É verdade que, agora que vamos ter um governo de gestão (deixo de lado a questão de saber se, não se tendo Costa demitido, os seus poderes são plenos e abrangem a mais que provável tentativa de usar o aparelho de Estado para efeitos eleitorais), à pilhagem no aparelho de Estado é provável que o PS junte mais uns quantos milhares de boys sôfregos de última hora, que será caro despedir. Mas isso pouco vale face, por exemplo, à revisão que já se alinhavava das leis do trabalho e à loucura da facilitação do acesso à reforma. Na realidade, todas as reversões feitas à legislação troiquiana, que foi em si mesma modestíssima no seu escopo reformista, foram um retrocesso que se vem vindo a pagar em crescimento débil e em comprometimento do futuro; a ideia de que o empreendedorismo precisa de estabilidade só é verdadeira se esta não consistir na continuação da demolição da liberdade económica e no aumento permanente da punção fiscal; e estabilidade tivemos muita nos últimos seis anos, mas acabamos relativamente mais pobres.

É certo que vai por aí muita propaganda a respeito dos pós que teremos crescido em relação à média comunitária, selecionando cuidadosamente um período curto onde isso se tenha verificado e contando com a floresta de dados para defender tudo e, se necessário, o seu contrário. Mas o ponto a reter é que as médias incluem países que, por razões várias, também têm crescido pouco, como a Alemanha, a França e a Itália.

Nenhum destes países, porém, tem o nosso problema atávico de atraso relativo e nenhum é um reservatório de mão-de-obra para a emigração qualificada e de empregados de mesa para servirem, obsequiosamente, a indústria do turismo dos loiros ricos que vêm ver as maravilhas ignotas dos cafres da Europa. Aqueles países que precisavam de esquecer o pesado manto do atraso soviético passaram ou estão a passar por nós; e para quem sempre defendeu que era, e é, o catolicismo pesado dos nossos avós que entravava o progresso, está aí a Irlanda, o mais claro caso de sucesso e aquele que seria mais prenhe de ensinamentos se a cáfila esquerdista que nos desgoverna pudesse aprender.

Vamos a eleições, então. Todas as pessoas que, como eu, evitam ver e ouvir a galeria de ineptos, treteiros e pataratas sortidos que nos pastoreiam e as televisões diligentemente nos enfiam todos os dias pela sala-de-estar, sorriram com alívio: o quê, não veremos mais Cabrita e a sua litania de escândalos e percalços, nem o tipo da Defesa e a sua linguagem inclusiva para militares moderninhos, nem o empregado de Nogueira que polui a Educação, nem Costa e a sua Conxituição, nem a mãezinha da Covid, nem aqueloutra empregada doméstica que superintende não sei em que pasta, nem aquelas caras e aquele paleio cansado da banha de cobra do progresso socialista a golpes de esmolas europeias e dívida que não cessa de crescer?

Infelizmente, a Direita não está na melhor forma, tem feridas que ainda não sararam (ou melhor, dúvidas sobre quais os enfermeiros adequados para delas se ocuparem), e as nuvens negras que já estão no horizonte o eleitorado, que é curto de vistas, ainda não as topa.

De modo que pode acontecer que lá para Fevereiro ou Março descubramos que ainda não foi desta que ficaram reunidas as condições para o volte-face. E, pior, não é impossível que em nome da salvação nacional se venham a criar as condições para um bloco central governar no meio do diabo que entretanto chegou, com o seu cortejo de diabinhos – inflação, agências de notação que afinal descobrem que não estamos no melhor dos mundos, BCE que se lembra de que a estabilidade dos preços é que é o seu mandato, frugais que engrossam a voz, e um longo etc.

Se for assim (e o bom que têm as previsões é que quase sempre a realidade as infirma), então a queda do Governo não terá valido a pena porque falência por falência é conveniente que o seu responsável fique perfeitamente identificado. Senão, ainda continuaremos a ouvir, como ouvi a um deputado aguadeiro do PS, e tenho ouvido a muitos outros, que aquela associação de malfeitores não foi a responsável pela elaboração do programa da troica.

De modo que ó cabeça, não penses, goza o momento: Cabrita vai-se embora.

Como vitamina num país de crise em crise

Marcelo Rebelo de Sousa

Pedro Correia, 28.10.21

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Quem receava que o Presidente da República se tornasse figura decorativa, desvirtuando o espírito da Constituição de 1976, enganou-se redondamente. Pelo menos com este titular. Marcelo Rebelo de Sousa acaba de dar outra prova disso: vendo a direita em acelerada convulsão e a esquerda roída por crescentes pulsões tribais, alertou para os riscos de um prolongado impasse político, rejeitou um cenário de pântano e deixou claro que teremos Orçamento do Estado ou eleições antecipadas. Compete aos partidos escolher.

Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa, 72 anos, foi reeleito há nove meses, consciente das imensas dificuldades que o aguardam neste segundo mandato. Por eleitores com salários médios cada vez mais próximos dos patamares mínimos, vendo adiado o sonho da “reconstrução” a que ele aludiu no discurso de vitória, em Janeiro. Após obter mais 122 mil votos do que conseguira em 2016. De então para cá, tem usado toda a sua magistratura de influência para atenuar distâncias entre aquele Portugal cada vez mais exíguo da gente realmente próspera e um Portugal povoado de pessoas concretas a quem o rendimento mal chega para cobrir as despesas do mês.

Há quem sobrestime o papel das agências de comunicação na formatação de políticos. A verdade é que nenhuma agência seria capaz de fabricar um candidato com a soma das virtudes mediáticas de Marcelo. O actual Chefe do Estado – que andou quatro décadas a preparar-se para a função que hoje desempenha - não necessita dos préstimos de comunicólogos encartados: basta-lhe a conjugação do instinto político com o talento que até os seus mais empedernidos adversários lhe reconhecem.

Em tempos que convidam à depressão colectiva e ao afastamento entre eleitores e eleitos, ele persiste em fazer a diferença. Com um sorriso aberto, um abraço solidário, uma palavra inspiradora. Sente-se bem na sua pele e não o esconde. Funciona como vitamina num país em que a melancolia é exibida como imagem de marca. Decepcionando quem desejaria ver em Belém um jarrão grave e sorumbático.

«O poder nada é sem autoridade», ensina a Rainha Isabel II. Sabendo bem do que fala: já viu chegar e partir 13 chefes do Governo – Boris Johnson é o número 14. Se a autoridade impera pelo exemplo, o poder vinga pela permanência. Quanto mais o jogo partidário agrava os problemas, mais o Chefe do Estado potencia a solução. Como os antigos zeladores e cuidadores do reino.

Marcelo sempre foi republicano, mas a comparação com a Monarquia não é descabida. Rei ou rainha não necessitam de apelidos "legitimadores". E nome de monarca raras vezes deixa de estar na moda através dos séculos. Basta lembrar os nossos, de Afonso a Manuel passando por Maria.

Mais de cem anos de República deram-nos 19 chefes do Estado. Mas só dois popularizados pelo nome de baptismo: o primeiro foi Sidónio, que Fernando Pessoa crismou de Presidente-Rei; o segundo é o actual inquilino do palácio à beira-Tejo.

Marcelo, apenas Marcelo. Em nome próprio: assim falarão dele os futuros manuais de História.

 

Texto publicado no semanário Novo

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