António Costa não é omnipotente, como desejariam alguns dos seus apaniguados, mas tornou-se omnipresente. Por obra e graça da televisão, entre nós ainda o principal veículo de informação que uns quantos anseiam transformar em instrumento de propaganda.
Nos últimos trinta dias antes de rumar a férias, o primeiro-ministro apareceu 26 vezes nas pantalhas. Falou sempre em contexto positivo – pôr o país a crescer, estimular a economia, dar combate com sucesso à pandemia, «libertar a sociedade». Não precisa de uma agência de comunicação para lhe recomendar isto: experiente profissional da política, calejado em quatro décadas contínuas de exercício desta actividade, Costa sabe muito bem que o contexto é tão importante como a mensagem. Se os portugueses se habituam a associá-lo a mensagens insufladas de esperança e optimismo, isto tem inevitáveis reflexos nas sondagens.
Ao longo desse mês que ficou para trás, as más notícias – quando as havia no alinhamento dos telediários – ficavam confiadas a outros membros do Governo. À ministra da Presidência, coitada, coube a ingrata tarefa de anunciar aos portugueses que era necessário apresentarem certificados de vacinação «ou fazerem um autoteste» ao novo coronavírus antes de entrarem em restaurantes aos fins-de-semana. Ao ministro da Economia ficou reservado o nada invejável ónus de confirmar a insolvência da empresa de vestuário Dielmar, uma das maiores empregadoras do distrito de Castelo Branco.
A Costa – com fato de primeiro-ministro ou na pele de secretário-geral do PS – coube o reverso da medalha. Usou como quis o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) aprovado em Bruxelas e os milhares de milhões de euros que lhe estão associados para fazer política à sua maneira. Só lhe faltou a canção do Sinatra a servir-lhe de banda sonora.
A 9 de Julho, antecipou que 16% das verbas daquele plano serão destinadas à habitação. No dia seguinte, congratulou-se porque 70% dos portugueses já haviam recebido pelo menos uma dose da vacina. A 19 de Julho, na Pampilhosa da Serra, presidiu à cerimónia de assinatura de contratos para a criação de áreas integradas de gestão da paisagem florestal no âmbito do PRR. A 20, proclamou: «Temos um conjunto de investimentos que assegurarão o crescimento sustentado da economia portuguesa nos próximos anos.» A 21 de Julho, no debate do estado da nação, nova mensagem com choruda verba explícita: «Onze mil milhões de euros [do PRR] são dirigidos em encomendas às empresas.»
E por aí adiante. Vimo-lo na apresentação de três novas carruagens da CP compradas a Espanha, a anunciar fundos europeus para construir a barragem do Pisão, a comentar os dados favoráveis da economia portuguesa no segundo trimestre, a tuitar sobre o ouro de Pedro Pichardo no triplo salto olímpico. A 29 de Julho foi ele a dar a boa nova aos compatriotas, no Palácio da Ajuda: terminariam as limitações horárias impostas pela pandemia.
Merece umas férias bem repousadas. E nós também.
Texto publicado no semanário Novo