A viagem do plástico
Ela: "Olha, esta embalagem até vem lá da nossa terra!"
Ele: "Ai, que giro."
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Ela: "Olha, esta embalagem até vem lá da nossa terra!"
Ele: "Ai, que giro."
De treinadores de bancada, excelentes cérebros de ideias infalíveis para salvar a pátria, está este país tão cheio que se os exportássemos equilibraríamos por muitos e bons anos a nossa balança de pagamentos.
O problema é que tais sumidades, quando têm finalmente a possibilidade de pôr em prática o seu caudal de virtudes, muitas vezes se revelam monumentais fiascos.
Ana Margarida Craveiro: «No debate com Passos, José Sócrates disse que o líder da oposição não devia criticar o governo daquela maneira, porque isso punha em causa o país. Notável teoria política: criticar o governo é o mesmo que criticar a nação. O dr. Salazar ia gostar muito.»
José António Abreu: «Sócrates, transmutado em menos de dois anos de vendedor de ilusões em instigador de medos, livre de ter de defender ideias concretas por obra e graça de um programa eleitoral em que elas não existem, mostra-se chocado três dúzias de vezes por dia, acusando de cada uma delas o PSD de pretender acabar com tudo o que de bom tem o Estado Social (numa versão anterior àquela que ele mesmo amputou). É compreensível. Ao fazer propostas ou ao rebatê-las, Sócrates sempre operou com base em chavões e ideias simples. De resto, sempre foi elogiado por isso – não é uma das críticas que fazem a Passos Coelho, ser demasiado palavroso, não apresentar apenas uma ou duas ideias fortes?»
José Carlos Pereira: «Sócrates tem-se deparado com uma barreira (quase) unânime de analistas e comentadores que parece não lhe reconhecerem o direito a ganhar as eleições, quiçá mesmo a concorrer ao acto eleitoral. Algo nunca visto e que é agravado pelas afirmações de líderes partidários que se arrogam no direito de escolher as lideranças dos seus concorrentes. Isto apesar de José Sócrates ter patenteado um exemplo de união – não de unicidade – no recente congresso socialista.»
Rui Rocha: «José Sócrates está a afundar-se. Será, provavelmente, um momento doloroso. Para ele e para um ou outro apoiante incondicional. Temos pena. Pensando bem, nem por isso. Este é um processo que Sócrates deve enfrentar sozinho. Com toda a indignidade que corresponde ao caminho do desastre que ele próprio quis trilhar. Sabe-se que os náufragos, em desespero, podem arrastar para o fundo aqueles que se aproximarem. Sócrates antecipou-se. Submergiu o país antes de se afogar. Agora, enquanto segue o seu destino solitário, o pouco Portugal que resta não pode perder tempo a dar-lhe atenção.»
Sérgio de Almeida Correia: «Haverá quem chame a isto coerência. Um "menor mal" dizia o outro. Para mim é pura e simples falta de vergonha e mais uma demonstração de oportunismo de um "jotinha" que tudo faz para ser exactamente igual àqueles que critica.»
Eu: «O João Galamba, que por estas tardes tem sido acometido por frequentes sintomas de excesso de zelo, deparou com isto, em que me limitei - sem comentários - a enumerar 50 promessas eleitorais sociais-democratas e logo me imaginou "muito entusiasmado" com os objectivos deste partido. Isto foi ontem: se tivesse esperado pela manhã de hoje, em que enumerei 50 promessas eleitorais do PS, lá me veria ele "muito entusiasmado" com os socialistas. Mas, neste seu trepidante afã de tresler o que os outros escrevem, é sempre possível esperar um cenário diferente: amanhã será capaz de supor que me converti ao MRPP, que sou compagnon de route do Partido Humanista ou que tenciono votar na Carmelinda Pereira. A tão poucos dias da eleição, enfim, consigo compreendê-lo: aquilo por lá não anda fácil.»
Rainy Days and Mondays, Carpenters
(Álbum: Carpenters, 1971)
Há uns quinze anos que João Lopes e Nuno Galopim nos dão as suas opiniões, críticas, sugestões e claro, imagens e sons de cinema e de música (a que se podem acrescentar outras artes, como a literatura, a arquitectura e a BD), numa lida imparável e incansável onde é difícil fazer a triagem e as escolhas. Mais do que um blogue, é um universo blogoesférico.
O Sound + Vision é o blogue da semana.
«A história é o grande repositório das identidades, não tanto por fornecer uma legitimidade antiga às reivindicações presentes, mas porque confere aos factos mobilizados nos discursos um estatuto de "memória" sem o qual não existe comunidade individualizada. Lembramo-nos, logo existimos.»
François-Xavier Fauvelle, A Ideologia Afrocentrista à Conquista da História, p. 15
Ed. Guerra & Paz, 2020. Tradução de Ivan Figueiras. Colecção Livros Vermelhos
(créditos: MNA)
Uma situação estranha para os leigos, incompreensível para todos, como algo que escapa definitivamente à lógica dos dias e das maleitas habituais.
Um dia veio buscar-me ao escritório. Não sei ao certo de quem partira a ideia de incluir o meu nome. Se dele, se do Óscar, se da Filipa, embora o simpático convite viesse desta última. E lá fui fazer a apresentação do filme num ciclo de cinema cujo leitmotiv era a Justiça. Conhecêramo-nos havia algum tempo, mas creio que foi pela sétima arte que nasceu um maior entendimento mútuo.
Para além do direito e do cinema, em comum havia o gosto pelo futebol e a paixão pelo mesmo clube.
Discordávamos sempre em matéria de forma de governo. Ele era um monárquico profundo, zeloso da tradição, do peso da história e das instituições como cimento da unidade nacional em democracia, defendendo as suas posições com a educação, a elevação e o conforto próprios de quem se sente bem na sua pele e acredita que para lá das divergências só respeitando o outro se consegue passar a mensagem.
Admirava-o por essa sua franqueza, por vezes ingenuidade, simplicidade e cativante simpatia com que sempre terçávamos armas. E mesmo quando se posicionava do outro lado da barricada, o que algumas vezes aconteceu, nunca deixou de registar publicamente o seu apreço pelas posições que sempre defendi.
Parte cedo, muito cedo. E é sempre demasiado cedo quando se está na força da vida e se tem tanto para dar.
Que o seu Deus, em cuja generosidade sempre acreditou, e que tão injusto se mostrou para com ele e tantos outros, todos os dias, seja capaz de o acolher com a nobreza que merece, e olhe por aqueles que colhidos pela dor da sua súbita partida nos recordarão que continuará presente.
Como sempre permanecem todos aqueles que mesmo longe contribuem pela sua memória para tornarem menos penosos os nossos dias terrenos.
Que descanse em paz.
O abnegado estadista António Costa, ecoam os jornais, "quer ficar para gerir a crise". Nesta novilíngua que nos vai atropelando, temos agora uma nova unidade de medida: "milhares de milhões" (de euros de fundos europeus) passam a chamar-se "crise".
Transitaram da "emergência" à "calamidade" - escolha absurda das palavras. Como se ignorassem o idioma.
Mantiveram o "dever geral de recolhimento", para todos nós, como se isso fizesse algum sentido no momento em que apelam quase em desespero à vinda de turistas ingleses. Como se uma coisa jogasse com a outra.
Mantiveram o "uso obrigatório da máscara em locais públicos" enquanto fingem não ver milhares de britânicos sem a dita, todos amontoados e bebendo no centro histórico do Porto como se não houvesse amanhã, a pretexto dum jogo de futebol aberto a pelo menos 16.500 estrangeiros enquanto a presença de portugueses em estádios permanece interdita. Como se fôssemos cidadãos de segunda no nosso país.
Anunciaram que os adeptos britânicos estariam confinados a "bolhas de segurança" enquanto largos milhares de súbditos da Rainha deambulavam como queriam e faziam os distúrbios que entendiam, motivando críticas até do Presidente da República. Como se os anúncios do Governo não devessem ser levados a sério.
No fim, remetem-se ao silêncio. Como já tinha acontecido aqui e aqui, entre muitas outras ocasiões.
Eis uma estranha forma de governar.
«Como houve, há, pandemia, a final foi em Portugal. País que pelo futebol e pelo turista reles, em quem apostou como alvo principal do seu mercado de turismo, se sujeita a qualquer abuso, a toda a humilhação. E trata os seus nacionais, os portugueses, como verdadeiros imbecis. Há uns dias, na final da taça de Portugal, nem pensar em público; hoje, diz-se num canal de televisão, foi negada a autorização para quinhentas pessoas assistirem a uma final nacional de râguebi. Porque, parece, não se podia então garantir a "bolha" que agora estava mais que garantida. Viu-se e vê-se.
Até a UEFA manda nesta soberana república. E uma vez mais, sob o manto protector da toda-poderosa bola, organizações e indivíduos estão arrogantemente acima da lei. O secretário de estado do Desporto seguirá presumivelmente o seu percurso; a DGS, idem. O desgoverno da nação, idem. O que aliás será muito natural. Governados por um PS mais e mais voltado à esquerda, acolitado por dois partidos de extrema-esquerda, é suposto que o povo esteja como está: amedrontado, calado, obediente, sem discutir, aceitando submisso o que a vanguarda revolucionária entende impor-lhe. E hoje, o proprietário de um café, no Porto, fechava o estabelecimento bem mais cedo do que aquilo a que a lei (ela própria o disparate que se sabe) o obrigaria, por ter esgotado horas antes os mil litros de cerveja de que dispunha. No estrito plano do negócio imediato, portanto, um sucesso. Sob os esforçados e patrióticos auspícios do partido socialista.
Um sucesso em que o português cumpriu o seu papel: o de empregado de mesa. E empregado de mesa de um cliente rasca, bêbedo compulsivo, sem modos. Mas o português gosta disso.
Está tudo bem assim e não podia ser de outra forma.»
Do nosso leitor Costa. A propósito deste texto do João Pedro Pimenta.
Ana Margarida Craveiro: «Jovens de iMacs, subsídios estatais, propinas acessíveis, liberdade de voto, liberdade de expressão, liberdade de movimento, liberdade de quaisquer medos comparam-se aos jovens das ditaduras egípcia, líbia, tunisina. Afinal, o pós-materialismo é mesmo uma coisa grave. A primeira faculdade que afecta é a razão.»
Leonor Barros: «A direita acusa a esquerda, a esquerda acusa a direita, Passos Coelho acusa Sócrates, Sócrates acusa Passos Coelho, Paulo Portas acusa Passos Coelho de ter sido "muleta" do PS, diz que não é muleta de ninguém, o Assis diz que vai ser uma desgraça se o Sócrates sair, Sócrates também acha que vai ser uma desgraça se sair, uma parte do país concorda com Sócrates e com Assis, outra está empenhada em pôr o Sócrates a banhos lá para onde foi o Catroga.»
Luís de Aguiar Fernandes: «Era uma pessoa normal, nem alta nem baixa, nem gorda nem magra, com dois olhos, uma boca e tudo no sítio. Tinha o seu emprego, normalíssimo arquitecto numa empresa igual às outras, a sua casinha arrendada e os seus amigos. Só tinha uma particularidade: não dormia. Não era porque não soubesse, ele sabia muito bem dormir. Nem era porque não gostasse, ele adorava dormir. Simplesmente não conseguia.»
Rui Rocha: «Vê-se logo que a investigação sobre o Benfica é conduzida por pessoas que não percebem nada das inúmeras subtilezas do mundo do pontapé na gramática na bola. Tratando-se da transferência de um guarda-redes, o mais normal é que se fale em luvas. Ou não?»
Sérgio de Almeida Correia: «Tudo o que passa pelas Finanças parece mesmo que deixou de funcionar. Dos faxes aos computadores está tudo a precisar de uma vassourada. Das grandes.»
No discurso da vida toda a contradição é recomendável. Numa contradição meramente aparente, digo-vos, a contradição é mesmo o caminho mais verdadeiro. Só convictamente acreditando numa coisa, experimentando-a e vivendo-a, teremos sobre ela propriedade, ao ponto de mais tarde e maduramente para o seu contrário mudarmos. Vimos, sentimos, estivemos, conhecemos. A contradição é mãe da mudança, essa filha da liberdade. Em tanto da nossa vida só assim verdadeiramente chegaremos à nossa verdade.
Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana.
It's Been a Long Time, Paulo de Carvalho
(Álbum: Eu, Paulo de Carvalho, 1971)
Roubado no Twitter
Na sequência do meu postal sobre este cartaz, esta imagem será a mais definitiva confirmação da desonesta deturpação do sentido deste provérbio por parte do BE.
Uma pena que estejamos na situação em que estamos, com o distanciamento, as máscaras e etc, senão, como aperitivo para final da Liga dos Campeões, podíamos ter uns cantares ao desafio entre Mr. Damon Albarn, dos Blur e do Chelsea, e Mr. Noel Gallagher, ex metade dos Oasis e do Manchester City. Não sendo possível, go citizens.
(Isto é mesmo ficção, porque se não fosse a pandemia a final seria em Istambul).
«Escrever é, como amar ou morrer, o mais solitário dos actos.»
Filipa Leal, Fósforos e Metal Sobre Imitação de Ser Humano, p. 67
Ed. Assírio & Alvim, 2019
Ingleses aos milhares, tomando de assalto as esplanadas do Porto (onde hoje se realiza a final da Liga dos Campeões) e os bares algarvios, enquanto a polícia persegue portugueses nas praias. Sem estado de emergência.
Caso para perguntar se os ladrões estão em greve. Caso para perguntar também, em tom mais sério, se os direitos, liberdades e garantias - desde logo o direito de nós, portugueses, frequentarmos as mesmas praias que o Governo deseja ver povoadas de súbditos britânicos - já foram revogados de vez.
Por amável convite do Luís Serpa, obreiro da livraria Ler por Aí, em parceria com a Universidade Autónoma de Lisboa e a Oficina da Liberdade, participei na manhã de ontem no primeiro painel dum ciclo de debates por via digital subordinado ao tema "Comunicação Social: Liberdade de Expressão e Responsabilidade Social".
Este painel integrava também José Manuel Fernandes, Carlos Fernandes e Luís Aguiar-Conraria, com moderação de Isabel Damásio, jornalista e professora da Autónoma.
Eis algumas das questões postas a debate, também com a participação do público que ia acompanhando via Facebook:
– Como assegurar a liberdade de expressão em situações de crise?
– Quais os limites e constrangimentos da liberdade de expressão?
– Como vê a liberdade de expressão durante a crise da Covid-19?
Em síntese, deixei estas reflexões sobre o tema:
José António Abreu: «Quantas destas pessoas que vejo na televisão a entregar, imbuídas de genuína e louvável boa vontade, pacotes de bolachas e de cereais aos voluntários do Banco Alimentar fogem aos impostos sempre que podem? Por exemplo: quantas aceitam não pagar IVA ao contratar serviços ou não o cobrar, ao prestá-los? Sendo certo que uma coisa não substitui a outra, quantas percebem o conceito de caridade mas não o de responsabilidade?»
Rui Rocha: «Nestas eleições são raríssimas as pessoas que manifestam intenção de votar em José Sócrates. Ou seja, as intenções de voto reveladas estão muito longe dos trinta e tal por cento. Isto é, ao contrário do que costuma acontecer, esta minha amostra pessoal apresenta resultados claramente contraditórios com os que vão sendo divulgados nas sondagens oficiais. Ou então, o voto em Sócrates tornou-se uma decisão eleitoral envergonhada que nem aos familiares, amigos e colegas se confessa.»
Teresa Ribeiro: «Quando se torna claro que a salvação do país depende de uma revolução de costumes que inclui também uma nova forma de estar na política, oferecer ao eleitorado o folclore regulamentar é frustrar legítimas expectativas. Admiram-se que as sondagens não descolem do imobilismo na intenção de voto quando tudo o que os partidos têm para oferecer aos indecisos decisivos é mais do mesmo?»
My Old Man, Joni Mitchell
(Álbum: Blue, 1971)