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Delito de Opinião

Grandes romances (34)

Pedro Correia, 30.04.21

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O APOCALIPSE ESPANHOL

A Esperança, de André Malraux

 

«A tragédia da morte está em transformar a vida em destino.» (p. 240)

 

As palavras são importantes, mas o ser humano revela-se sobretudo nos actos - e nenhum é tão decisivo como o comportamento em situações de risco. Esta é uma das lições que extraímos d' A Esperança, romance redigido com a urgência de um manifesto por um militante comunista que viria a renegar o partido na sequência do pacto entre Hitler e Estaline, distinguiu-se como activista na Resistência francesa aos nazis e seria durante dez anos (1959-1969) ministro da Cultura e cúmplice político de Charles de Gaulle, um Presidente católico e conservador. Agindo como homem de pensamento e reflectindo como homem de acção.

André Malraux (1901-1976) vinha aureolado de aventureiro por ter contrabandeado peças arqueológicas na Indochina francesa, nos anos 20, e testemunhado a fulgurante ascensão do nacionalismo revolucionário chinês que imortalizou em romances como Os Conquistadores (1928) e A Condição Humana (1933), mas também granjeara louros intelectuais ao ser galardoado com o Prémio Goncourt por esta obra. Ao contrário do que talvez outros fizessem, não se remeteu ao estatuto de consciência moral dos seus contemporâneos: necessitava de intervir nos palcos onde a gente comum se confrontava com o destino, edificando a História.

Foi assim que se alistou como voluntário, para defender a república espanhola, mal soube que um grupo de generais se rebelara contra o Governo da Frente Popular, em 18 de Julho de 1936. Este parisiense de signo Escorpião pressentiu desde o início que não se tratava de mera tentativa de golpe de Estado: a vizinha Espanha iria sangrar, dilacerando-se. Os beligerantes fariam ali um ensaio geral para a II Grande Guerra que não tardaria a devastar o mundo.

 

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Malraux nunca hesitou na escolha da trincheira em Espanha: cabia-lhe defender o Executivo ameaçado pelo pronunciamento militar que cedo seria liderado por Francisco Franco, o mais jovem general da sua época, um empedernido conservador fiel ao Rei Afonso XIII, deposto cinco anos antes. O escritor nem sequer cumprira o serviço militar mas comportou-se com instinto e fibra de combatente. Por sua iniciativa, formou uma esquadrilha de caças e bombardeiros adquiridos pelo Governo de Madrid a França e recrutou tripulações entre profissionais da aviação. A Esquadrilha Espanha chegou a integrar 130 pilotos que cumpriram 23 missões de ataque entre Agosto de 1936 e Fevereiro de 1937, período em que Malraux - que não tinha brevet nem jamais pilotou um avião - ganharia divisas de tenente-coronel, atribuídas pelo Ministério do Ar espanhol. Logo a ele, que mal arranhava umas palavras de castelhano.

«A guerra unia os mercenários aos voluntários quanto ao aspecto romanesco; mas a aviação unia-os a todos como a maturidade une as mulheres.» (p.  73, edição Livros do Brasil, com tradução de Judith Cortesão, filha de Jaime Cortesão e viúva de Agostinho da Silva)

Onde houvesse perigo, Malraux estava lá. Acompanhado do seu caderno de apontamentos, onde viria a escrever o rascunho deste L' Espoir - o primeiro e talvez o melhor romance sobre a Guerra Civil de Espanha (1936/1939). Escritor num tempo em que também as palavras podiam ser balas. Recebera a influência dos grandes clássicos do género - incluindo Guerra e Paz - mas não lhe interessava o posto de observador equidistante: o olhar dele é o de alguém envolvido de corpo inteiro numa das facções do conflito. Como se a outra parte fosse despida de figuras concretas e só integrasse um inimigo difuso movido por ímpetos homicidas, representando o Mal na dimensão absoluta.

Num tempo em que cada manhã podia ser a última e a contemplação abstracta da guerra equivalia a um pecado mortal.

 

A Esperança é, apesar do título, a crónica de uma gesta falhada. Em Espanha travaram-se vários combates dentro de cada trincheira: estava em jogo a correlação de forças sobretudo nas fileiras republicanas, divididas entre socialistas, comunistas, anarquistas, alguns liberais conscientes de que o apoio de Hitler e Mussolini a Franco ampliaria a malha totalitária na Europa e até uns quantos católicos que renegavam o alzamiento militar como "cruzada de Deus" para punir os ímpios.

Todos estes acabariam por confrontar-se entre si, em fases diferentes, mas disso não se ocupa este livro: Malraux eleva a peça de propaganda militar à condição de obra de arte. Interessa-lhe o compromisso político e a exaltação da fraternidade em armas, mas sem jamais se iludir sobre a vocação trágica inscrita na condição humana, com vida e morte entrelaçadas.

 

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«Um estrépito de camiões, abarrotados de espingardas, submergia Madrid, tensa, na noite de Verão.» É assim que o romance começa, como num livro de aventuras, capaz de nos revelar a guerra na sua dimensão fisiológica, com os seus ruídos e os seus odores. E com a voz do medo a soar no íntimo de cada um. Frase de arranque que dá tom à obra, dividida em três partes: "A Ilusão Lírica", "O Rio Manzanares" e (esta em propositada redundância) "A Esperança".

É um livro polvilhado de momentos que nos perduram na memória. Os ferozes combates de rua em Barcelona, onde numa noite arderam todas as igrejas. Os voos rasantes da esquadrilha sobre Medellín, na Estremadura mártir. A queda de Badajoz, a dois passos da fronteira portuguesa. A formação em Albacete das primeiras brigadas internacionais. O desembarque inicial de blindados soviéticos, em contraponto aos caças italianos e germânicos. Acaloradas discussões entre anarquistas e comunistas nos intervalos dos combates para a tomada de Toledo, com os primeiros a acusarem o marxismo-leninismo de se «transformar numa religião devorada pela disciplina». Um desses anarquistas, Négus, contesta sem rodeios a tentativa de hegemonia comunista: «Os partidos foram feitos para os homens, não os homens para os partidos. Nós não queremos conseguir um Estado, uma Igreja ou um Exército. Queremos homens.» (p. 196)

Um dos momentos culminantes ocorre no cerco a Madrid, cidade onde todos os cegos já só tocavam A Internacional nas ruas repletas de «magníficos cães abandonados pelos donos em fuga». Um verdadeiro cenário de apocalipse: «Desde o início do bombardeamento que os galos cantavam. Ao soar o selvagem estampido de um torpedo, tornaram-se dementes, todos ao mesmo tempo; tão numerosos, no bairro miserável, como os de uma aldeia, frenéticos, exasperados, começaram a ulular à morte o canto selvagem da pobreza.» (p. 326)

Parecia uma nova Idade do Fogo: «Os três maiores hospitais da cidade ardiam. O Hotel Savoy ardia. Ardiam igrejas, ardiam os museus, a Biblioteca Nacional ardia. O Ministério do Interior ardia, um mercado ardia e os pequenos mercados de tábuas ardiam.» (p. 363) Centenas de cães uivavam «como se fossem os únicos a reinar naquela desolação de fim do mundo».

 

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Magnífico livro-reportagem que nos leva a mergulhar nos horrores da guerra enquanto as bombas tombam sobre a capital, enquanto a multidão em desespero foge da Málaga ocupada, enxameando estradas à mercê da aviação inimiga, numa vertigem suicida. 

É um livro só com homens, onde as mulheres - vítimas mais ocultas da tragédia - surgem apenas como sombras na linha agreste da paisagem. «Uma vez mais, nesse país de mulheres enlutadas, esquece-se o povo milenar das viúvas.» (p. 245)

Malraux surge aqui de algum modo retratado na figura de Magnin, engenheiro aeronáutico francês que se oferece para formar um corpo de voluntários e combater no céu de Espanha não em obediência a cartilhas ideológicas mas em nome de um imperativo ético. Mas a personagem central é o comunista Manuel, inspirado em Gustavo Durán (1906-1969), compositor catalão também mencionado, com nome próprio, em Por Quem os Sinos Dobram (1940), de Ernest Hemingway - outro célebre romance sobre a guerra civil.

Inesquecível, a cena em que Manuel dialoga numa capela em ruínas com o coronel Ximénez, católico fervoroso que se manteve nas fileiras republicanas. «Não se ensina a oferecer a outra face a gente que, já lá vão dois mil anos, não recebe senão bofetadas», diz o militar.

Numa obra que se alimenta do imediatismo, Portugal surge duas vezes em pano de fundo, como placa giratória da guerra. Na página 110: «No passado dia 6 (...) o Montesarmiento trouxe para Lisboa 14 aviões alemães e 150 especialistas.» E na página 116: «Apoiado da maneira mais concreta por Portugal, auxiliado pelos dois países fascistas, o exército de Franco - colunas motorizadas, espingardas-metralhadoras, organização ítalo-germânica, aviação ítalo-germânica - vai tentar subir até Madrid.» 

 

A Esperança só nos relata os oito primeiros meses do conflito bélico, encerrando com a batalha de Guadalajara, em Março de 1937 - ilusório triunfo das hostes governamentais, como o futuro próximo se encarregaria de confirmar. Malraux, de regresso a França, tinha pressa em escrever. 

O romance começou a publicar-se em folhetim no jornal pró-comunista Ce Soir, dirigido pelo poeta Louis Aragon. Em Dezembro, surgiu em livro. Com o autor a contrariar aquilo que deixaria inscrito anos depois, no seu monumental ensaio As Vozes do Silêncio: «Para que a arte nasça é necessário que a relação entre os objectos e o homem seja de uma natureza diferente da imposta pelo mundo.» E a desvendar-nos a sua noção muito peculiar da existência: os homens só são verdadeiramente felizes quando arriscam a vida. Em busca de «uma fraternidade que não se encontra senão para além da morte.»

 

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Anteriores textos desta série:

 

O Anjo Mudo - Sem tecto, entre ruínas

A Tia Julia e o Escrevedor - Ouvir para crer

Os Teus Passos na Escada - O medo nunca morre

A Torre da Barbela - No reino dos mortos-vivos

A Selva - A grande muralha verde

A Cidade e as Serras - Paris não era uma festa

O assassinato nunca prescreve ("Mord verjährt nie")

Cristina Torrão, 30.04.21

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No passado dia 17 de Abril, o canal alemão ZDF transmitiu um policial sobre a tentativa de resolução de um assassinato acontecido há trinta anos ("30 Jahre", no texto em baixo).

 

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Tratava-se de um telefilme, mas, na Alemanha, investigações deste tipo não são ficcionais. O assassinato nunca prescreve. Sobretudo, quando existem meios de identificar um assassino, mesmo passada uma eternidade sobre o crime (como a descodificação do ADN). Já em Portugal, não se investiga um assassinato que tenha ocorrido há quinze anos ou mais. Porque, se os crimes não prescrevem, a possibilidade de instauração ou continuação de um processo penal ou ainda, noutros casos, a execução da sanção aplicada, prescrevem.

 

Vem isto a propósito de mais um policial de Mario Lima, o pseudónimo de um escritor alemão que vive em Portugal e do qual já aqui falei. Neste seu terceiro livro, cujo título Die Mauern von Porto é um pouco difícil de traduzir (talvez “Emparedadas no Porto”), ele ocupa-se precisamente com a prescrição de um assassinato.

 

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Um incêndio num prédio do Bairro da Sé, mais precisamente, na Rua da Bainharia, provoca estragos numa casa ao lado, vazia há várias décadas. Bombeiros e polícia penetram na casa, a fim de melhor avaliarem os estragos e, na mansarda, deparam com uma parede que, tudo indica, foi levantada à pressa e não tem qualquer passagem para o resto da divisão. Resolve-se mandar deitar a parede abaixo e surgem dois esqueletos, um deles ainda com restos de roupa.

 

A PJ é accionada e os exames de peritagem revelam tratar-se dos restos mortais de duas mulheres, mais precisamente, de uma adulta e de uma jovem de treze ou catorze anos. Porém, quando a equipa do inspector Fonseca se prepara para investigar o caso, a peritagem revela ainda que, apesar de os restos mortais indiciarem morte violenta, o crime terá acontecido há cerca de vinte anos. É um duro golpe, principalmente, para as duas investigadoras da equipa, que logo suspeitam que se trataria de mãe e filha e são firmes no pressuposto de que a culpa nunca prescreve.

 

Nunca me tinha ocupado do assunto e confesso que não sabia que um assassinato prescreve ao fim de quinze anos. O que são quinze anos? Nada! Neste livro, através de uma agente que é inserida na equipa do inspector Fonseca depois de ter trabalhado no departamento de combate à corrupção, o autor aflora ainda a prescrição de crimes de corrupção, alguns já ao fim de dois anos, assim como o enriquecimento ilícito de pessoas à frente de uma Fundação. E não é esquecido o facto de estas leis favorecerem os poderosos e os ricos, que, além de terem influência, estão em condições de contratarem advogados capazes de protelarem a investigação, até que os crimes prescrevam. Como se vê, Mario Lima aborda um tema bem actual. Já por isso, se aconselha a tradução deste seu livro.

 

A equipa do inspector Fonseca vai ser dada enfim a possibilidade de encontrar o culpado, pois um crime perpetrado há um tempo não tão longo assim despoleta acontecimentos fatais. O assassino fica nervoso com a descoberta dos esqueletos das suas vítimas. E há quem ainda não tenha digerido o desaparecimento de duas familiares, embora lhe tenha sido dada uma explicação plausível para a ausência delas. Porém, há sempre dúvidas que não se esclarecem, causando discussões, chantagens. E, numa hora de aperto, um assassino bem pode cometer novo crime...

 

Excelente policial de Mario Lima, que criou uma bela equipa de investigadores da PJ e que, como de costume, descreve na perfeição a atmosfera da cidade do Porto.

 

 

Adenda: o post estava programado há alguns dias e soube hoje, dia 30/04, que o ZDF vai transmitir um documentário, às 00:30 horas, sobre novas técnicas de investigação criminal, apresentando o exemplo de um especialista em ADN que ajudou a localizar o assassino de um rapazinho desaparecido em 1996.

Os infantes fidalgos

Paulo Sousa, 30.04.21

No dia que assinei o meu primeiro contrato de trabalho, num gabinete da Direcção dos Recursos Humanos do Banco Nacional Ultramarino na Av. 5 de Outubro, tinha por companhia dois jovens igualmente iniciados.

Não os tinha conhecido nos chamados testes psicotécnicos, nem nas simulações de venda a que tinha sido sujeito, mas na primeira oportunidade sorrimos uns para os outros. Íamos todos para o mesmo e se os novos ciclos se iniciam em breves momentos, aquele era um desses breves momentos. Algo de novo e de positivo se iria iniciar. Lembro-me da roupa que levava, e do que fiz depois de ter saído daquele edifício em jeito de guitarra. Lembro-me também que quando alguém entrou na sala com os contratos, nos ter explicado que apesar de termos sido admitidos para a mesma função, eles tinham entrado em vagas para filhos de funcionários, e eu não. Tinham-me feito passar por aqueles quase jogos-sem-fronteiras, de discussões simuladas, de páginas e páginas de cruzinhas e ainda de uma bateria de perguntas feitas por uma psicóloga de decote arreganhado, tudo isso, enquanto aqueles sujeitos tinham avançado num curro especial. Estava sorridente e senti que a maior parte do meu sorriso era interior.

Importa dizer que naquele tempo um balcão de um banco como o BNU podia ter doze, treze ou mais funcionários, as máquinas de escrever eram omnipresentes e, no nosso caso, existiam três terminais informáticos. Estes equipamentos não tinham disco rígido e por isso precisavam de duas drives para floppy disc, uma para um disco de arranque e outra de trabalho. Um dos terminais nunca se podia desligar, pois estava sempre ligado ao mostruário da taxas de câmbio visíveis no exterior. O telex tinha sido retirado há pouco tempo e era o fax que encantava os proto-gigs da tecnologia.

A banca privada estava em franca expansão e todos os anos apresentava lucros obscenos, ao ponto do então embrionário BE (talvez ainda fosse apenas o PSR) espumar de cada vez que os resultados eram divulgados. Mais recentemente continuam a espumar mas sempre que se comentam os seus prejuízos. Lembrando as muito conhecidas experiências de Pavlov, acho que essa malta espuma sempre que ouve falar na banca em geral.

Poucos dias depois de assinar o referido contrato, comecei a trabalhar num balcão lisboeta da referida instituição. Na primeira pausa de almoço do primeiro dia de trabalho, tive a companhia de três colegas. Tínhamos todos mais ou menos a mesma idade e éramos os mais novos do balcão. A meio da refeição, e depois de entender que apontar defeitos ao nosso empregador era um tema querido a todos, contei que quando tinha assinado o contrato estavam lá mais dois maçaricos como eu, que tinham, imaginem só, entrado no banco em vagas para filhos de funcionários. Normalmente ao contar isto arrancava uma gargalhada na mesa, mas desta vez apenas deixei uma colega com as sobrancelhas muito levantadas e com um ar divertido, enquanto que os restantes dois comensais baixaram os olhos e transferiram o empenho da conversa para a limpeza do prato.

No regresso ao trabalho, depois de uma cotovelada acompanhada por uma gargalhada sussurrada, fiquei a saber que metade dos elementos que tinham almoçado naquela mesa tinham sido contratados no contingente dos infantes fidalgos.

O detalhe de existirem no banco vagas para filhos de funcionários andou comigo no bolso durante algum tempo. Sempre que havia oportunidade ou necessidade disso, libertava aquela história e a risada era garantida.

Estávamos no início dos anos 90. O crescimento económico parecia algo natural e isso levar-nos-ia a uma vida bem melhor do que aquela em que tínhamos crescido. Tropeçar em práticas assumidamente nepotistas daquele nível era comparável a encontrar uma pintura rupestre no vale do Côa e também um indicador de quão serôdias eram as práticas de gestão do Banco Nacional Ultramarino, banco que já lá está.

Lembrei-me de tudo isto ontem quando soube que o nosso governo irá abrir uma residência de estudantes exclusiva para filhos de funcionários públicos. A ministra da chamada modernização, antecipando as perguntas difíceis, avançou dizendo que se trata de uma medida que obedece a princípios da acção social e que se destina a alunos que tenham de estar deslocados da sua área de residência.

Eu olho para tudo isto e acho que estamos cada vez mais na mesma. Fico sem vontade, nem energia, para ir à procura de dados rigorosos que permitam a comparação dos rendimentos médios dos funcionários públicos e dos privados em funções comparáveis. Nem procuro saber quanto foi ou será investido neste espaço, nem em comparar esse valor com o das bolsas de acção escolar atribuídas em diferentes regiões do país. Nem quero lembrar o exemplo dado ao país pelos seus deputados no que respeita ao rigor da morada declarada. Nem que daquele tempo, foi-se o crescimento económico, mas o nepotismo ficou. E que as risadas causadas pela história dos infantes fidalgos de então, foram agora substituídas por um simples encolher de ombros. E tudo isto com o rótulo de Modernização.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.04.21

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João Campos: «Nunca tive especial admiração jornalística por Judite de Sousa, apesar de não a achar má jornalista, e de há muito estar habituado a vê-la na RTP, sobretudo nas grandes entrevistas a algumas das mais importantes personalidades deste país. Por isso, foi com muita estranheza que, numa destas manhãs, entre um mil folhas e uma bica, a vejo de manhã na TVI a fazer um directo absolutamente ridículo para o programa do Goucha. É certo que provavelmente é preferível isso a aturar Sócrates em estúdio durante uma hora, mas que raio: o programa do Goucha?»

 

João Carvalho: «Não foi a REFER uma das empresas públicas que quiseram fugir à redução dos vencimentos por se achar cheia de razões para não cumprir a legislação que o determina? Gosto do slogan da REFER: "Vias para o Futuro". Traduz o futuro dourado dos gestores que pagamos.»

 

Rui Rocha: «Temo que sujeitar Sócrates à justiça portuguesa constitua uma punição demasiado pesada. Para nós, cidadãos. Passar a próxima década em adiamentos, julgamentos anulados, repetições de diligências e outras moléstias para chegar ao fim com uma prescrição qualquer, por incúria do Ministério Público, não me parece grande cenário. Mal por mal, é melhor resolver a coisa por via de julgamento eleitoral.»

Presos por um fio

José Meireles Graça, 29.04.21

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Vasco Pulido Valente disse algures (cito de cor) que os Portugueses gostariam de História se alguém a escrevesse.

Este livro é sobre um período de terror na nossa História recente, isto é, entre 1980 e 1987, quando mais de metade dos Portugueses hoje vivos já tinha vinte anos ou mais no primeiro daqueles anos, e do que se seguiu para estancar a ferida.

Todavia, nem por isso boa parte dos sucessos descritos é do conhecimento da quase totalidade das pessoas: uns porque nem na altura foram divulgados; outros porque foram mas de forma enviesada; e todos porque fazem parte de um período negro que o bem-pensismo oficial à época desvalorizou e depois sempre quis fazer esquecer.

Esquecer os factos, o manto de silêncio que sobre eles se abateu e a “reconciliação” que pôs, pelo perdão das penas, uma tampa ao terrorismo da extrema-esquerda sem que as vítimas tivessem, na equação, alguma espécie de compensação, justiça ou sequer lembrança.

Mas houve assassinados (18) e feridos (mais do que isso). Os assassinos, e sobretudo os seus mentores, andam por aí sem sinais de arrependimento, e dão entrevistas, e conduzem as suas vidas como se convicções políticas que originaram crimes hediondos pudessem gozar de alguma forma de respeitabilidade.

Não há no livro nem viés ideológico, nem espírito revanchista. Há uma narrativa rigorosa e desapaixonada, fundada numa investigação exaustiva, de aspectos mal conhecidos de um passado recente. E sim, os Portugueses, ao menos os que leem, poderão, por grande que seja o seu distanciamento destas coisas, ficar a conhecer uma parte essencial da meninice do nosso regime democrático.

Conversa portuguesa, com certeza

Pedro Correia, 29.04.21

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- Como vai?

- Assim-assim.

- E a família?

- Mais ou menos.

- E lá no emprego?

- Uns dias melhor, noutros dias pior.

- Deixe andar, que as coisas melhoram.

- Talvez sim, talvez não. E você e os seus?

- Cá vamos andando, como Deus manda.

- Vou pôr-me a caminho. Desejo-lhe muita saúde, que é o que é preciso...

- Até um dia destes. Gostei de conversar consigo.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.04.21

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João Campos: «A avaliar pelos dois primeiros episódios - soberbos -, é bem provável que Game of Thrones venha a ser uma das séries do ano (logo escreverei qualquer coisa sobre o livro no qual se baseia).»

 

José Mário Teixeira: «A esta hora já perceberam que o episódio da pistola e das mamas, ainda que verídico, foi só para apimentar o título. O importante é que sempre que o meu pai me recorda esta história, o seu sorriso cúmplice ilumina o meu, e da memória acabo por concluir em plena polémica de ajuda externa que, como em tudo na vida, há ajudas e há ajudas...»

 

Luís M. Jorge: «Alguém devia escrever sobre o estofo darwinista das consortes reais. Imaginem o talento de que necessitam estas mulheres para encantarem durante décadas um palerma mimado, afastarem as hárpias, persuadirem a família de Windsors ou Saxe-Coburgs, honrarem as instituições e comoverem o povo durante noivados sem mácula até à glória de uma boda triunfal. Ser doida na cama ajuda, mas não chega.»

 

Eu: «Presto aqui o meu comovido tributo ao David Lopes Ramos: grande jornalista, grande gastrónomo, grande crítico, grande cultor da língua portuguesa, grande amigo, grande cidadão.»

Enamorada

Teresa Ribeiro, 28.04.21

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Há livros pelos quais nos apaixonamos e que lemos já não com prazer, mas com volúpia. Adiando no último terço o seu desfecho, sofrendo por antecipação o momento em que temos de os devolver à prateleira. Com "Coração Tão Branco", senti um desses enamoramentos - para citar outro título do autor, o espanhol Javier Marias. Dele li com entusiasmo outros títulos. Todos me revelaram talento para urdir enredos e construir  personagens complexas, que página a página se retratam, num striptease delicado. Mas este romance, amplamente premiado, coloco-o no meu pequeno altar privado, porque me revelou o que eu sabia e não sabia, mas por palavras que jamais conseguiria juntar, tal a subtileza, inteligência e elegância da escrita. 

 

Estou para aqui a falar de forma, mas o conteúdo é o melhor. Passo a citar:

"Guarda silêncio quem já tem alguma coisa e corre o risco de a perder ou está prestes a conquistá-la";

"Há muitos homens que julgam que as mulheres têm necessidade de se sentir muito queridas e aduladas, inclusive mimadas, quando o que mais nos interessa é que nos entretenham, isto é, que nos impeçam de pensar demasiado em nós próprias. Esta é uma das razões porque costumamos querer ter filhos";

"Abdicamos da linguagem da infância, abandonamo-la por ser demasiado esquemática e simples, todavia aquelas frases descarnadas e absurdas não nos abandonaram por completo, mas subsistem nos olhares, nas atitudes, nos sinais, nos gestos e nos sons".

 

A tentação é continuar, mas chega. São bons exemplos do que o autor consegue fazer. Através das personagens introduz com habilidade inúmeros pontos de reflexão e vai fundo, nós a reboque, inebriados pela sofisticação musical de cada frase. 

Sim, estou enamorada, mas não sou egoísta e partilho: se não leu este romance que Javier Marias escreveu em 1992, ainda vai a tempo.

Já li o livro e vi o filme (283)

Pedro Correia, 28.04.21

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A FIRMA (1991)

Autor: John Grisham

Realizador: Sydney Pollack (1993)

É um daqueles livros que não conseguimos abandonar mal iniciamos a leitura. E que nos acompanha por algum tempo. Adaptado com muita competência ao cinema: Tom Cruise foi o actor ideal para o papel do jovem advogado que quer enriquecer depressa. Até perceber que todas as aparências iludem.

Rui Moreira

jpt, 28.04.21

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(Postal para o És a Nossa Fé)

São 40 anos disto. O historial das influências manipuladoras dos resultados desportivos nunca será completado, muitas esquecidas na voragem dos tempos, outras silenciadas, por falta de provas e de coragens. Modo de estar amparado por acólitos que tendiam a sovar jornalistas - ainda me recordo da impunidade com que, no Aveiro de 1988, foi agredido o grande jornalista Carlos Pinhão, aos seus 64 anos. E modo de estar catapultado pela inércia judicial e pela cumplicidade política, em particular autárquica - poucos ainda se lembrarão quando o presidente da câmara Fernando Gomes, encavalitado no clube, desceu a Lisboa arvorado em ministro e com sonhos de conquistar não o Jamor mas sim São Bento. Foi-lhe breve o enleio, logo tendo regressado, capachinho entre as pernas, para a administração do F.C. Porto entre outras sinecuras. 

Neste longo consulado de "Jorge Nuno", como o saúdam os apaniguados, o hábito de atiçar jagunços para espancar jornalistas seguiu algo viçoso nas suas duas primeiras décadas. Depois feneceu, pois a sucessão de triunfos internos desestruturou clubes rivais, amainou a competição. Nesse rumo mais favorável impôs-se a procura de respeitabilidade pública. E nisso o culto da "mística" do clube foi apelando cada vez mais a uma qualquer "alma" feita de arreganho desportivo, depurando-se da imagem de corsários em abordagem: a fleuma de Robson e a sua versão lusa, por isso algo mais arisca, em Santos, Jesualdo Ferreira, e mesmo no júnior Villas-Boas, foi-se sedimentando, apesar da alguma irascibilidade bem-sucedida de Pereira ou Mourinho.

É certo que a vigência de uma placidez - democrática - nunca foi absoluta, e que a vertigem provocatória e agressiva nunca desapareceu, com a própria conivência da imprensa. Lembro-me que há alguns anos um conhecido comentador televisivo atreito ao SLB foi "abanado" num restaurante portuense por um famigerado líder de claque portista. Como tantos deixei eco disso no meu mural de FB, lamentando o facto. De imediato recebi um bem-disposto comentário desvalorizando o abanão no sexagenário mediático, algo tipo "foi coisa pouca". Respondi-lhe, indignado, "como é possível que sendo V. o nº 1 da Lusa desvalorize uma situação destas em nome do seu clubismo?". Logo o arauto me insultou e cortou a ligação-FB. Lembro este "fait divers" para sublinhar isso da vontade agressora não residir apenas nos aprendizes de proxeneta medrados na Invicta, pois sempre seguiu robusta naquele mundo de "senhores doutores".

As décadas passaram. O natural ocaso do octogenário "Jorge Nuno" é este, o que agora acontece. O controlo do jogo algo se reduziu, devido à dança de poderes nos meandros nacionais mas também à introdução de tecnologias electrónicas na arbitragem. E nisso, no envelhecimento do prócere e no crescimento do imprevisto futebolístico, voltou-se ao culto do "pancadarismo". O rufia treinador, desde [ante]ontem cognominado "Sérgio Confusão", cujo histrionismo passa incólume, afirma-se como "imagem de marca" do clube ressuscitando a velha ideia da tal "mística" corsária. O que inclui, claro, o espancamento avulso de jornalistas - agora já não por obscuros seguranças de bordéis portuenses mas por "empresários" montados em carros de estatuto, uma óbvia gentrificação da escroqueria portista.

No meio de tudo isto, antigo exaltado porta-voz televisivo das manobras clubísticas e agora eleito figura-maior dos órgãos do clube - apesar da propalada actual renitência do poder político em associar-se aos mariolas do futebol -, qual putativo Delfim, flana Rui Moreira, o presidente da Câmara do Porto. De (quase) tudo soube, de tudo sabe, a tudo anui. E assim ... a tudo conspurca.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.04.21

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Ana Margarida Craveiro: «Este tem uma capa particularmente bela (sim, eu gosto de olhar para as capas). A Divina Comédia, traduzida por Vasco Graça Moura.»

 

Fernando Torres: «Miguéis de Vasconcelos há muitos e para todos os gostos, eles andam por aí. Mas o pior são os traficantes da política, isto é, aqueles cuja acção não coincide com o que dizem, nem com o que pensam, mais o facto de os portugueses continuarem a ter memória curta, serem cada vez mais ingénuos e campeões dos brandos costumes…»

 

João Carvalho: «Se acrescentar a isto as vezes que recebo chamadas da (ou em nome da) TMN com número "confidencial", as mensagens que a TMN me envia a tratar-me por "tu" para promover as mais variadas porcarias e toda a sorte de atropelos ao respeito que me é devido, só tenho uma saída: a próxima vez que o servidor me contactar não lhe darei tempo de me dizer até já. Digo-lhe adeus. Se não reconhece e não respeita um cliente de dez anos, está na hora de lhe virar as costas.»

 

Rui Rocha: «O Senhor Primeiro-Ministro está demissionário, mas mantém-se igual a si próprio. Ou, melhor dito, varia conforme a sua semelhança. Em essência, é incompetente e irresponsável e especializou-se em manipular, ocultar, omitir e negar a realidade. Sendo estas características permanentes, a intensidade com que as pratica aumenta em função da vontade que vai detectando nos que o rodeiam para lhe aparar o jogo. O facto de ter um partido submisso e aparentemente entusiástico dá-lhe forças renovadas.»

 

Teresa Ribeiro: «O Barclays anda há mais de um ano atrás de mim. Alheio à curva ascendente do crédito mal parado quer por força dar-me um cartão de crédito, apesar de não saber grande coisa a meu respeito, pois não sou cliente. Já perdi a conta às vezes que o recusei pelo telefone. Como se não bastasse, passou também a assediar-me com emails. Quando leio o nome do banco no remetente, já sei qual é o assunto, portanto nem abro. Ontem, antes de mandar mais um para o lixo reparei que desta vez a mensagem vinha com teaser. Agora oferecem-me uma máquina Nespresso. Ando, como toda a gente, a restringir o meu consumo a crédito, por isso lamento, mas vou resistir, apesar de não ter Nespresso em casa. Quando me oferecerem o Clooney, talvez ceda.»

 

Eu: «Há meio século, a palavra de ordem era "socialismo" - a toda a velocidade. Agora a palavra que está nas mentes de todos é "capitalismo" - o mais devagar possível. Com mais de dois milhões de cubanos forçados a viver fora da ilha e milhão e meio à beira do desemprego porque o Estado-patrão deixou de ter verba para pagar os magros salários - os segundos mais baixos do hemisfério ocidental - e as esquálidas pensões de reforma de oito euros mensais. Cuba é hoje uma nação envelhecida, sem esperança, com a segunda mais larga população de idosos da América Latina: 46% da população tem mais de 40 anos. Os jovens tudo fazem para abandonar um país onde o partido-Estado persiste em oprimir a sociedade. Em nome da "liberdade", o que torna tudo ainda mais trágico.»

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