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Delito de Opinião

A trapalhada das vacinas

Cristina Torrão, 31.03.21

A vacina AstraZeneca (agora parece que se chama Vaxzevria) foi lançada com a recomendação de não ser administrada a pessoas acima dos 65 anos. Desde ontem ao fim da tarde, a Alemanha estabeleceu que a mesma vacina só deve ser ministrada a partir dos 60 anos!

A polémica com a AstraZeneca começou logo no início, ao ser imposta a restrição da idade. Muita gente ficou desconfiada. Passado algum tempo, foi suspensa, por supostamente causar coágulos sanguíneos no cérebro. A Agência Europeia de Medicamentos acabou por lhe dar caminho livre, dias depois, mas, na Dinamarca, por exemplo, a sua ministração ainda não foi retomada.

Entretanto, na Alemanha, já se contam mais de trinta casos de trombose cerebral relacionados com a toma da AstraZeneca. Nove dessas pessoas morreram. A maior parte dos casos deram-se com mulheres abaixo dos 55 anos, daí a resolução, ontem, de só ministrar a vacina a partir dos 60 anos. Porém, pessoas com mais de 70 também não a deverão tomar! Todos estes percalços põem as pessoas ainda mais inseguras, principalmente, professoras e enfermeiras que já tomaram a primeira dose desta vacina.

Em 2020, a Alemanha geriu bem a pandemia, mas, este ano, quando se pensava que tudo entraria nos eixos, veio o caos. Procedeu-se a um “lockdown light”, logo no início de Novembro (só fecharam cafés e restaurantes), mas, como os casos continuaram a aumentar até meados de Dezembro, decidiu-se o lockdown total, com fecho de cabeleireiros e todos os estabelecimentos não imprescindíveis. Dizia-se que assim o ano de 2021 começaria bem, até porque já se contava com as vacinas.

A gestão das ditas, porém, tem sido uma catástrofe. Organizaram-se grandes centros de vacinação, que acabaram por ficar às moscas, ao não haver vacinas suficientes, e alguns já começaram a ser desmantelados (a ministração das vacinas passará a ser feita pelo médico de família, depois da Páscoa). Tudo isto causou mal-estar na população. Junte-se a polémica da AstraZeneca e o facto de o número de casos ter vindo novamente a aumentar, de há três semanas para cá, apesar de todos os sacrifícios e restrições (cafés e restaurantes estão fechados desde o início de Novembro).

Na manhã de 23 de Março, os alemães não acreditavam nas notícias: o governo federal tinha resolvido decretar uma Páscoa em recolhimento total, que se deveria iniciar logo na Quinta-feira Santa, considerada feriado. Era certo e seguro o fecho dos supermercados. Mas… e o resto? Era feriado para todos? Os funcionários públicos deveriam trabalhar? E quem tinha consulta marcada no médico, ou hora no cabeleireiro? Foi tal o caos, que, ainda nesse mesmo dia, a chanceler Merkel veio pedir desculpa pela resolução, cancelando-a, assumindo toda a culpa e reconhecendo que tinha sido tomada muito em cima da hora.

Com tudo isto, o partido da chanceler, CDU, vem caindo a pique nas sondagens. A escolha do novo líder, no início do ano, não tem ajudado (Merkel há muito anunciara que não se recandidataria nas eleições deste ano). Armin Laschet, Ministro-presidente do estado da Renânia do Norte-Vestfália e considerado uma pessoa ponderada, tem falhado em posicionar-se como novo candidato a chanceler, com tendência para o dislate, pondo as pessoas embasbacadas, assim ao estilo do nosso Rui Rio. Pelos vistos, não conhece o modelo Costa, que faz muitos disparates, mas tem jeito para falar ao povo, bonacheirão e consensual.

Por acaso, calha-me bem que o governo federal tenha decretado a AstraZeneca para pessoas dos 60 aos 69 anos. Sou cismática e já tinha resolvido recusá-la, quando chegasse a minha vez, arriscando ir para o fim da fila. Com 55 anos, e apesar de já ser velhota para o Sr. Carlos Moedas, vejo-me, de repente, inserida no grupo das “mulheres mais jovens”. Isto, claro, se não se cumprir a profecia do meu marido: pelo andar da carruagem, quando eu for chamada, já devo ter atingido os tais sessenta...

HILFE!!!

Terrorismo em África e no Cabo Delgado

jpt, 31.03.21

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De Palma, capital do distrito a nordeste do Cabo Delgado, sede das grandes unidades de exploração de recursos combustíveis, chegam imagens do rescaldo em curso após o violento ataque da passada semana, já reclamado pelo "Estado Islâmico" da África Central. Evito mostrar as mais duras. Fica esta, como ilustração do que vem acontecendo.

No sábado passado participei num debate sobre a expansão do terrorismo em África, com particular enfoque na situação moçambicana - algo ainda mais sublinhado pelo ataque a Palma. Foi uma conversa entre Cátia Moreira de Carvalho, Paulo Baptista Ramos, eu jpt, Luís Bernardino e moderada por Miguel Ferreira da Silva, numa organização da Africa Sessions. Aqui deixo a gravação da sessão, para quem tiver alguma curiosidade sobre o fenómeno no continente e, em especial, em Moçambique.

O monopolista

Pedro Correia, 31.03.21

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O PCP, que se proclama partido "antimonopólios", apresenta sempre o mesmo candidato a todas as eleições. Sejam autárquicas, sejam europeias, sejam presidenciais. É o delfim de Jerónimo de Sousa, que anda há tantos anos a fazer rodagem para a sucessão que qualquer dia já chega lá vencido pelo cansaço e com um longo currículo de derrotas eleitorais, tantas são as provações a que a velha guarda da rua Soeiro Pereira Gomes o submete.

Chega a ser ridículo. 

 

Em 2013, João Ferreira foi o candidato do PCP à presidência da Câmara de Lisboa. Quatro anos depois, voltou a encabeçar a lista à mais emblemática autarquia do País.

Em 2014, foi o candidato do PCP ao Parlamento Europeu, onde já tinha assento desde 2009, liderando nesse ano a lista comunista. Em 2019, voltou a figurar no topo da lista à eurocâmara.

Em Janeiro deste ano, João Ferreira - já eurodeputado e vereador, além de membro do Comité Central - candidatou-se com o patrocínio do PCP a Presidente da República, com um resultado certamente decepcionante para quem o lançou: conseguiu apenas 4,3%, correspondendo a escassos 180 mil votos recolhidos nas urnas.

 

Agora, sem surpresa para ninguém, volta a representar os comunistas na eleição para a presidência da Câmara de Lisboa. Como se não houvesse mais ninguém lá no partido que possa concorrer seja para o que for.

Vão sempre buscar o mesmo, como aqui escrevi em Setembro de 2020.

O monopolista. Eterno estagiário para secretário-geral do PCP.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.03.21

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Adolfo Mesquita Nunes: «Saio de casa, com a casa às costas, e entro na nova casa, onde a coloco. Cansado, não descanso. Agora que está tudo certo, é tempo de tirar os livros encaixotados, ao acaso ou por comodidade de tamanho, e inventar uma nova ordem. O pior só agora começou.»

 

Patti: «Foi despedida, exactamente dez minutos, antes da sua hora de saída do escritório. Com efeito imediato. E nem precisou de dar dias à empresa. Arrumou tudo mecanicamente. Não teve tempo de dizer adeus à colega das fotocópias. Nem do rapaz dos cafés. Ficara mesmo sem saber o nome dele. Seis meses ali a trabalhar e nem lhe sabia o nome. Estava agora na rua, numa noite fria de Outono baço, à espera do metro.»

 

Rui Rocha: «Quer no caso do BPN, quer no do buraco das empresas públicas de transportes, a responsabilidade existe e os portugueses vão ter que a pagar. Tal como vai acontecer relativamente às parcerias público-privadas. Chegado à governação, o Professor de Finanças decidiu converter-se no Professor Mandrake. O dia de hoje marca o fim da ilusão. Sócrates e Teixeira dos Santos ficarão na história de Portugal por terem protagonizado um projecto consumado de co-incineração das contas públicas.»

 

Eu: «Ataturk, na guerra contra os gregos, proclamava aos seus homens: "Eu não vos ordeno que ataquem. Ordeno-vos que morram." Por vezes parece que Sócrates ordena o mesmo a alguns dos seus ministros. Com uma diferença assinalável: o líder turco foi capaz de ganhar a guerra.»

«A realidade vence sempre»

Excelente entrevista de Sérgio Sousa Pinto

Pedro Correia, 30.03.21

A entrevista já foi dada à estampa há uns dias, no Público, mas venho muito a tempo de chamar a atenção para ela. Uma longa entrevista a Sérgio Sousa Pinto - deputado, presidente da comissão parlamentar dos Negócios Estrangeiros, membro da Comissão Nacional do PS e antigo líder da Juventude Socialista - conduzida por Maria João Avillez.

Vale a pena ler com atenção.

 

Destaco três excertos, com a devida vénia:

«Ou mudamos ou acabaremos numa Suécia fiscal implantada numa Albânia económica. A classe média já exporta os filhos licenciados. Um dia esses filhos enviarão remessas para financiar a velhice dos pais. O colapso da classe média significará a inviabilidade do País e do nosso regime democrático. Chega de propaganda, chega de atirar palavras contra a realidade. A realidade vence sempre.»

«Esta subversão das coisas prende-se também com o modo como se geram hoje os partidos. Há uma preferência pela subordinação e há uma cultura intimidatória: tudo pelo chefe, nada contra o chefe. É por isso que vamos aos congressos partidários e aquilo é um enfado insuportável... Como em nome da democracia se inventou a eleição directa dos líderes, o resto dos trabalhos é um cerimonial sem sombra de interesse. Bem sabemos que as mudanças para pior são sempre ditadas pelas melhores razões: mais democracia, mais transparência, mais tudo, enquanto construímos uma gaiola de bondades que vai arruinar o regime.»

«Não é possível funcionar assim: tanto poder ao líder, tanta insignificância aos indivíduos. O PS e o PSD serão em breve incapazes de gerar personalidades, transformados como estão em máquinas trituradoras. Não geram personalidades e a democracia é um regime de personalidades, é um regime de vozes. Hoje só há coros.»

Os melhores ficam à margem

Dois casos emblemáticos em Portugal

Pedro Correia, 30.03.21

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Em 1887, Eça de Queiroz concorreu com A Relíquia ao Prémio D. Luís, instituído por este monarca e atribuído pela Academia Real das Ciências de Lisboa. O júri, presidido por Manuel Pinheiro Chagas (oficial do Exército e historiador menor, um homem que havia sido ministro da Marinha e detestava Eça) excluiu aquele romance, conferindo o galardão à peça teatral O Duque de Viseu, assinada por Henrique Lopes de Mendonça, oficial da Armada, contista e dramaturgo, autor da letra do actual hino nacional.

Cento e trinta e quatro anos depois, A Relíquia é um dos títulos fundamentais da ficção portuguesa do século XIX enquanto o drama de Lopes de Mendonça jaz sepultado na poeira de velhas bibliotecas.

 

Em 1934, Fernando Pessoa concorreu com Mensagem à primeira edição dos prémios literários promovidos pelo Secretariado de Propaganda Nacional. O júri, presidido por António Ferro, elegeu A Romaria, de Vasco Reis (pseudónimo do padre franciscano Manuel Reis Ventura), como melhor livro de poesia do ano, atribuindo-lhe o Prémio Antero de Quental, enquanto relegava a obra de Pessoa para uma "segunda categoria" com valor pecuniário cinco vezes inferior. Ferro, que presidia ao júri por ser director do SPN, não votou: só lhe caberia escolha num eventual caso de empate. Três dos quatro restantes membros - Alberto Osório de Castro, Acácio de Paiva e Mário Beirão - optaram por Reis (pelo menos dois deles detestavam Pessoa e não guardavam segredo disso). A única mulher com voto, Teresa Leitão de Barros, ficou isolada ao enaltecer a «beleza literária» dos versos pessoanos.

Oitenta e sete anos depois, a Mensagem é um dos títulos fundamentais da poesia portuguesa do século XX enquanto a lírica de Reis desapareceu do mapa e hoje só é lembrada por este triste exemplo de miopia de um júri literário.

 

Lembro-me sempre destes dois casos cada vez que oiço falar na atribuição de prémios. Tantas vezes os juízos contemporâneos acabam por distinguir e enaltecer a incompetência. Muitas vezes estas escolhas são condicionadas por inaceitáveis preconceitos estéticos ou mesquinhas animosidades pessoais. Assim os Mendonças e os Reis são levados em ombros enquanto os talentosos ficam à margem, como autores sem préstimo nem valia.

É verdade que o tempo acaba por repor a escala de valores, conduzindo cada qual ao lugar que merece. Mas não é menos certo que isso costuma suceder tarde de mais. Eça e Pessoa - figuras incontestáveis do património cultural português, com leitores em todo o mundo - nunca recuperaram por completo destas humilhações que lhes foram infligidas pelos referidos grupúsculos de pequenos e médios literatos. O segundo nem sequer viveria um ano mais: o resto da sua obra acabaria por ser póstuma, aliás à semelhança do que ocorreu com Eça, exceptuando Os Maias, já concluído em 1887 e lançado logo no ano seguinte.

 

Serão casos isolados? Nem por isso. Pelo contrário, ambos ilustram um velho mal português: acontece asneira quando o critério de julgamento e o poder de decisão são confiados aos medíocres.

O que, para nossa desgraça, acontece quase sempre. Não só na literatura, mas em tudo o resto.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.03.21

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João Carvalho: «Quando os parlamentares ignoram que a forma masculina também aglutina gramaticalmente ambos os géneros e, nessa ignorância, não são capazes de perceber que "senhores deputados" é um vocativo q.b., só têm uma saída: "senhoras deputadas e senhores deputados". Não o fazendo e insistindo em "senhoras e senhores deputados», a asneirada é óbvia e lê-se assim: "senhoras coisa-nenhuma e senhores deputados".»

 

Luís M. Jorge: «O PSD fez publicar hoje as linhas de orientação para a elaboração do seu programa eleitoral. Alguns espíritos malévolos talvez observem que o líder social-democrata, ocupando o cargo desde 26 de Março de 2010, já teria tido tempo de nos proporcionar um documento maduro e definitivo em vez destes bitaites enjorcados

 

Miguel Noronha: «Chama-se "culto da carga" à tentativa de sociedades tecnologicamente atrasadas adoptarem, de forma ritualista, os sinais exteriores de progresso das mais desenvolvidas. Ainda que não consigam discernir de forma correcta a relação de causalidade, esperam com isso obter as mesmas comodidades das últimas.»

 

Rui Rocha: «O discurso oficial e oficioso do PS passa pela descredibilização de Passos Coelho e por exigir que este apresente alternativas. É verdade que o PSD e o seu líder devem ganhar em consistência se quiserem aparecer aos olhos dos eleitores como solução para a situação a que o governo do PS nos conduziu. Todavia, esta linha de argumentação parece muito pobre quando analisada pelo seu valor intrínseco. O interessante (diria mesmo, o imperativo democrático) seria que o PS esclarecesse se o que tem para oferecer ao país é mais do mesmo (líder, discurso, prática, PEC) ou se a sua proposta inclui, para além de um indispensável acto de contrição, uma mudança (de política, de programa, de atitude).»

Emoções #1

Maria Dulce Fernandes, 29.03.21

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Gin tónico

As pequenas transgressões são sempre emocionantes.

A idade trouxe-me alguma sabedoria, mais calma, ponderação e a capacidade de apreciar a beleza das pequenas coisas e de me emocionar com elas. Trouxe-me também uma alergia às bebidas com gás e – oh suplício – às bebidas com álcool.

Não sendo a anafilaxia algo que dê gozo repetir, quedo-me pela abstinência, o que faz com que transgredir as normas seja sempre uma emoção.

Depois de vencer de sortes o que o bom senso e a precaução me vêm continuamente a recordar num importuno matraquear, entrego-me indulgentemente ao prazer de saborear a minha bebida favorita, fazendo ouvidos moucos à vozinha aborrecida que massacra “não bebas, olha a alergia".

E se sabe bem.

Nada daquelas modernices com ervas, bagas ou  frutas. Simples, com gin, água tónica, gelo e limão, ao fim do dia, à falta de melhor sentada à janela a perscrutar a linha do horizonte.

É uma emoção.

 

 

Imagem do Google

Vão chamar pequenos a outros

Como muitos portugueses vêem Portugal

Pedro Correia, 29.03.21

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Portugal dos Pequenitos, em Coimbra

 

Há dois lugares-comuns na linguagem corrente entre nós - designadamente ao nível dos textos jornalísticos - que sempre considerei ridículos.

 

O primeiro é aludir-se a Portugal como se estivéssemos ausentes do continente europeu. Não passa um dia em que não escutemos alguém referir-se à vontade de «viajar para a Europa» ou de ver as equipas portuguesas de futebol «disputar competições na Europa».

Como se o Minho ou o Algarve, por exemplo, não fossem Europa. Como se Lisboa ou Freixo de Espada-à-Cinta não fossem Europa. Como se o campeonato nacional de futebol não se disputasse em solo europeu.

Como se não fôssemos aliás, duplamente europeus - enquanto um dos mais antigos Estados-nações do continente, com fronteiras estáveis desde 1249, e membro de pleno direito da actual União Europeia desde 1986.

 

O segundo é afirmar-se que Portugal «é um país pequeno».  Outra inverdade, como agora se diz.

À escala europeia, vivemos num país de média dimensão. Superior, em área geográfica e até em população, a muitos outros.

Duplicamos o tamanho da Suíça, da Holanda, da Dinamarca e da Estónia. Triplicamos o da Bélgica e da Albânia. Temos um território mais de quatro vezes superior ao da Eslovénia. E superamos claramente em área geográfica vários outros países: Irlanda, República Checa, Áustria, Sérvia, Lituânia, Letónia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Moldávia, Macedónia do Norte e Chipre. Já sem mencionar os micro-Estados.

Nesta dimensão, estamos ao nível da Hungria - a que nunca ouvi chamar "país pequeno".

 

O mesmo pode concluir-se ao nível da população: Portugal tem mais habitantes do que a Hungria, precisamente. Mas também da Suécia, da Áustria, da Suíça, da Bulgária, da Bielorrússia e da Sérvia. Duplicamos a da Dinamarca, da Finlândia, da Eslováquia, da Noruega, da Irlanda e da Croácia. E estamos num evidente patamar acima destes: Bósnia, Albânia, Lituânia, Moldávia, Eslovénia, Letónia, Estónia, Islândia e Chipre.

Em número de habitantes, podemos equiparar-nos à Grécia e à República Checa. E temos apenas dez países à nossa frente, num conjunto de 44 Estados

Não faltam países pequenos, à escala europeia: Albânia, Eslovénia, Montenegro e Macedónia do Norte - todos com menos de 30 mil km². Já para não falar em Chipre ou Luxemburgo, abaixo dos 10 mil km². Ou dos micro-Estados: Andorra, Malta, Liechenstein, São Marinho, Mónaco e a Cidade do Vaticano. 

 

Gostava que perdêssemos este vício de nos diminuirmos cada vez que mencionamos o povo que somos e a geografia em que nos inserimos. Em suma, quando falamos de nós.

Mas talvez seja pedir de mais. Às vezes convenço-me de que transportamos uma carga genética propícia à autoflagelação. Como dizia o outro, não somos herdeiros dos aventureiros e dos exploradores: somos herdeiros dos que cá ficaram.

Eleições autárquicas em Lisboa

jpt, 29.03.21

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Está ao rubro a corrida para o município de Lisboa: o futuro PM Medina recandidatar-se-á, PSD/CDS reuniram-se em torno do antigo Comissário Europeu Moedas, o Chega já se chegou à frente com um coriáceo que quer matar quase tudo e quase todos, a IL na pressa até se enganou no candidato e depois lá arranjou outro, o BE  seguiu o parecer de Fernando Rosas, sempre crente nas "nossas meninas", e aproveitou para se vingar do atarantado Rui Tavares jogando, fulminante, a "carta étnica" (como agora está na moda dizer). E, finalmente, o PCP apresenta como candidato o príncipe Charles, o qual continua bem apessoado. 

Vai ser interessante.

 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.03.21

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Alexandre Borges: «Somos órfãos de nós mesmos. Não procuramos líderes políticos; ansiamos por um pai. A admiração que temos por quem fala alto é a confissão embaraçosa da nossa menoridade enquanto sociedade; o apreço pelas maiorias absolutas a revelação da nossa falta de talento para a democracia. Somos agressivos quando protegidos pela carroçaria do carro ou pelo anonimato da net. Vilipendiamos em mau português até o visado nos olhar nos olhos. Não precisamos de um governo. Precisamos de tomates.»

 

João Campos: «Não admira que a Apple não precise de investir muito em publicidade. Não precisa. Aos fanboys habituais, que defendem a marca da maçã com um fervor digno de um cruzado medieval, juntam-se os media e o seu turbilhão de euforia mediática. Compreendo muito bem a importância dos temas de tecnologia na agenda mediática, assim como percebo a relevância da Apple: goste-se ou não (e não é isso que está em causa), os seus produtos são incontornáveis. Só me incomoda ver o jornalismo virar evangelista.»

 

Rui Rocha: «O primeiro-ministro convocou hoje os jornalistas para entoar o canto do cisne. Sócrates sabe que a situação actual é insustentável. Acredito que chegou a convencer-se, ao longo destes anos, que a sua governação reluzia. E que ele próprio era de ouro. Perdido o brilho ilusório, sobra-lhe a lata. Hoje, mais uma vez, ensaiou o seu número favorito. Vitimizou-se e atribuiu a responsabilidade da situação actual à oposição. Por isso, é preciso recordar-lhe que em  Novembro de 2004, Jorge Sampaio deu início a um processo de dissolução da Assembleia da República. Foram convocadas eleições antecipadas. Nessa ocasião, os juros não dispararam para níveis socratosféricos e as notações das agências de rating não se precipitaram para o abismo.»

O nó de Silvares

José Meireles Graça, 28.03.21

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Não concordo com a alegação de que a classe dos arquitectos seja a mais estúpida de todas. Quem defende semelhante proposição apresenta edifícios brutalistas para exemplo e não acrescenta, mas podia acrescentar, que ainda a população atónita estava mal refeita de monstros totalitários de betão cheio de bolor e vigas de ferrugem, e já estava a ser submergida por edifícios concebidos ao abrigo de doutrinas obscuras como o expressionismo estrutural e o desconstrutivismo, que quase ninguém, e eu menos ainda, sabe bem o que sejam.

Não interessa muito: toda esta cangalhada de betão, aço, outros metais e vidro, será substituída em devido tempo, que não são materiais que se aguentem muitos séculos sem altíssimos custos de manutenção; e o séc. XX será em devido tempo catalogado como pobríssimo nas artes, salvo na da treta propagandística e da exaltação absurda do génio dos artistas – como se estivesse ao alcance de sucessivas gerações de analfabetos culturais produzir resmas daqueles.

Daí que a minha admiração pelos nossos génios da arquitectura contemporânea decorra exclusivamente dos prémios que ganham lá fora: a porta do sucesso é estreita e se quem a franqueia o faz a produzir edifícios que parecem máquinas fotográficas, por mim tiro-lhes o meu chapéu, seguro de que seria pior se parecessem supositórios.

Deixemos portanto os grandes voos da especulação artística, para os quais aliás não estou talhado: teria de ter a capacidade de redigir em português sem concordâncias textos ininteligíveis, sofisticados, pedantes e significando nada, a título de memórias descritivas ou de artigos de opinião em revistas da especialidade.

Do que quero falar é de uma obra na minha cidade, que mergulhou os locais, incluindo-me portanto, em grande satisfação: trata-se do nó de Silvares. Já quando se construiu o acesso à A7 (em 1996, salvo erro) se podia ser o recordista da burrice, num campeonato que tem um excesso de concorrentes, e perceber que iria dar como resultado que a certas horas do dia se levaria tanto tempo a chegar da portagem à cidade como do Porto à portagem. E que quando se construiu o Espaço Guimarães, em 2009, consistindo numa catedral Auchan e um centro comercial gigantone para onde os locais vão aos magotes imaginar que são modernos, a rotunda que se vê na fotografia se transformaria num inferno.

Abençoada obra, portanto. Sucede porém que, poucos dias volvidos, já há filas de trânsito num dos sentidos. E isto, ó deuses, porque quem fez o projecto resolveu o problema do acesso às autoestradas (há apenas uma mas cruza um km à frente com outra) seguindo em frente, pelo túnel. Todavia, a via da direita, que vem da cidade, serve para quem quer virar à esquerda, na rotunda, para o Pevidém, e para a direita, em direcção ao tal Centro e outros destinos, dos quais há uma quantidade. Portanto, foi criado um gargalo, já que, no lado direito paralelo ao túnel, na direcção de quem vem de Guimarães, deveria haver duas faixas (uma para quem se quer dirigir à esquerda na rotunda e outra para quem quer virar à direita), pelo menos nos últimos 200 ou 300 mt. Não foi feito. E como uns opacíssimos muros pintados não permitem ver quem vem da esquerda, na rotunda, senão quando já se está em cima dela, toda a gente pára. Disto, e da quantidade de veículos, vêm os engarrafamentos.

A obra custou 3,6 milhões de euros. Não terá sido pelo custo de uma miserável faixa extra que esta se deixou de fazer.

Cá para mim, é um erro de projecto. E como me chamam a atenção para isto não ser provavelmente asneira de arquitecto, mas de engenheiro, fica um paisano sem saber que classe profissional execrar, e menos ainda quem são ao certo os técnicos que mereceriam ser chicoteados numa praça central. O que também não seria pacífico: destas há duas, uma velhinha e outra velhíssima, a primeira desfigurada pela intervenção artística da edilidade. Seria provavelmente a mais indicada.

Os comentários da semana

Pedro Correia, 28.03.21

«Estrangeiros, emigrantes ou residentes na Madeira e nos Açores poderão, no período da Páscoa, circular entre concelhos no continente português para se deslocarem a hotéis ou estabelecimentos de alojamento local onde tenham feito reserva, mas esta regra não se aplica aos portugueses com residência no território nacional.

Começo a ficar farto desta palhaçada. Não deve haver país nenhum na Europa com estas medidas draconianas desde janeiro. Prometeram ser mais lestos nos contactos estabelecidos entre os doentes/infectados e as outras pessoas de modo a controlar precocemente as cadeias de transmissão. Não vejo nada disso. Este Estado de Emergência sine die é próprio de países, governos que:
1- não têm a menor ideia do que estão a fazer;
2- de países sem estruturas ou serviços públicos à altura;
3- 1+2;
4- não há quatro.»

 

Do nosso leitor Vorph Valknut. A propósito deste meu texto.

 

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«O meu marido teve atendimento recusado pelo nosso centro de saúde, com um teste de Covid negativo feito 24 horas antes. Que não podiam... Teve ele de ir para um atendimento central, para o medicarem para uma infecção bacteriana e lhe passarem baixa. A médica de família recusa-se a marcar consulta a pedido para o meu filho de oito anos que sofre de vários problemas de desenvolvimento. Que não, já o viu no início de 2020...»

 

Da nossa leitora Cláudia. A propósito deste texto do José Meireles Graça.

A censura do censurável

Paulo Sousa, 28.03.21

A moda de reescrever a história não é nova, mas tem tido recentemente novos episódios. Os registos históricos podem por vezes ser, e são, incómodos por nos mostrarem a forma como no passado decidimos, como nos relacionamos, o que dissemos, e no geral o que fizemos.

A excelência dos textos de Mark Twain, a forma como denuncia a desumanidade do tratamento a que escravos africanos e índios eram sujeitos, nada pesa ao lado do uso da palavra “nigger.

Será que, na actualidade, entenderíamos a dimensão dos abusos cometidos se o autor tivesse evitado as palavras que à época eram banais? Será crime, relatar ou romancear um crime?

O britânico The Guardian condena a censura a que as obras de Mark Twain estão a ser sujeitas, mas ainda assim, refere-se à palavra “nigger” como “n-word”.

Os Maias de Eça de Queirós já foram também usados como rampa para uma palerma que se está a lançar na promissora carreira de denunciadora de serviço. Já todos ouvimos falar nisso, e a jogada correu-lhe tão bem que não precisa do tráfego adicional que um link meu lhe poderia proporcionar.

Terminei há pouco tempo a leitura dos Avieiros de Alves Redol, e de entre outras impressões, registo a importância da imortalidade literária garantida por este livro. Além das terríveis condições em que estes ciganos do rio Tejo tentavam sobreviver, não faltam no livro referências à violência doméstica.

Numa conversa entre iguais, José da Vala, o marido da Olinda Carramilo é desafiado:

- “Aposto que nunca lhe deste um murro...

Hesitou o da Vala:

- Quantas vezes!... Até mia. Isto de mulheres é pão na canhota e porrada na outra, pois então! Lá no barco falta tudo menos isso.

- Ena, que grande tainha com barbas!”

Quando José da Vala chega de uma vacada, ressacado, fora de horas e com a camisa rasgada, Olinda confronta-o com a situação:

- “Como vens Tóino!

- Como venho? Essa agora! Que falas são essas?!... O homem sou eu ouviste?

Ela saltou para a praia a querer ampará-lo, agarrou-lhe o braço, mas ele sacudiu-a; olhou depois a mancha cerrada de vultos e correu para a mulher, numa corrida curta meio tombada, que ela segurou com o corpo.

Tóino da Vala recuou um passo para lhe atirar uma punhada à cara. Ela só baixou a cabeça, lembrando-se do que a sogra lhe dissera; esperou pelo resto, outra e mais outra, estava ali para apanhar o que ele quisesse, só punha a condição de não chorar, embora o coração lhe sangrasse de vergonha.

Interveio o João Marujo para afastá-lo, mas ela sacudiu-o.

- Vocês agora viram todos o homem que é ele – disse Olinda com raiva – Deixa lá o homem bater à vontade na mulher que lhe pertence.”

Existem outras passagens onde o autor mostra quão cruel era o mundo dos avieiros, que construiam os seus barracos com tábuas apanhadas na corrente e que apenas podiam ocupar o solo arenoso, que o rio Tejo, no intervalo entre as cheias, lhes emprestava.

Da mesma forma que ninguém consegue encontrar nenhum gáudio pela violência da escravatura em Mark Twain, também não o pode fazer com a violência conjugal nesta obra de Alves Redol.

Ambos produziram literatura a partir da realidade que os rodeava, e graças ao que escreveram é-nos hoje possível saber como se viveu no passado e até imaginar o que infelizmente continua a acontecer.

A censura de obras, ou parte delas, no que respeita a passagens do que hoje consideramos inaceitável, é também ela inaceitável. Corrigir por omissão impede, mais do que qualquer outra coisa, de que nos agoniemos com práticas com que nos devemos agoniar. Omiti-las será a melhor forma de permitir que perdurarem.

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