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Delito de Opinião

O blogue da semana

João Pedro Pimenta, 28.02.21

Tiago Cavaco pertence à blogoesfera lusa desde os seus primóridios. Um histórico, portanto, e diz logo ao que vem: Religião e Panque-Roque. Uma combinação entre riffs estridentes de guitarras e pregações bíblicas que à partida poderia não ser muito familiar aos leigos mas que aos poucos acaba por fazer sentido. Há muitos anos que o seu autor, com extensa carreira no rock, uma data de discos editados na sua editora Flor Caveira e que aos Domingos assume as suas funções de pastor protestante entoando salmos e pregando sermões aos fiéis, nos dedica esta dualidade de missões. 

O Voz do Deserto é por isso o blogue da semana

Vale a pena ler (13)

Pedro Correia, 28.02.21

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«Não concordando com o que sucede na Holanda, porque me parece que a "artilharia" está mal apontada, penso nesta maneira de ser, de estar, tão diferente, da nossa. Nós, os portugueses, escolhemos protestar difamando todas as mães, exceptuando a nossa, uma santinha, esbracejamos um "isto não pode ser", cerramos os punhos ao ritmo de um "quem é que eles julgam que são?" e terminamos, mansamente, perguntando "o que é o almoço?". Talvez por isso tenhamos aguentado, impávidos e serenos, 40 anos de nostálgica ditadura.»

Vorph Valknut, B(V)logue de Alterne

 

«Está tudo maluco, enfim. Uma vez disseram-me que uma livraria portuguesa punha no Top da loja os livros que não se estavam a vender para ver se as pessoas assim lhes davam atenção e os levavam. É o marketing, senhores, ou seja, não nos podemos fiar nele...»

Maria do Rosário Pedreira, Horas Extraordinárias

 

«Ao fim de uma mão cheia de meses com a minha neta tomei consciência de duas situações:

- A primeira, já o havia referido no outro postal, prende-se com a minha maior paciência;

- A segunda é que a miúda leva-me a fazer coisas impensáveis tais como brincar com bonecas, imaginem;

Depois os ritmos de vida cá em casa dependem exclusivamente dela. Mas sabe tãããããããããããaõ bem esta mudança.»

José da Xã, Lados AB

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.02.21

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João Campos: «Ainda eu não acabei de ver todos os filmes que quero ver do ano passado, e já me estão a prometer coisinhas boas no grande écrã para este ano. Pelo menos, essa é a minha expectativa: em Abril, chega aos cinemas a primeira parte da adaptação cinematográfica de Atlas Shrugged, a obra-prima de Ayn Rand. Projecto ambicioso, sem dúvida.»

 

João Carvalho: «Se Louçã tivesse uma pontinha de razão e conseguisse explicar muito bem explicadinho como é que censurar o Governo corrige as injustiças sociais e traz estabilidade e desenvolvimento ao País, era caso para cada grupo parlamentar, cada partido, cada cidadão cuidar de promover censuras permanentes ao Governo. Eu próprio, modestamente, podia ser laureado com um Óscar qualquer pelas censuras ao Governo que vou lançando e que, pelas minhas contas, já deviam ter-nos livrado da crise.»

 

Laura Ramos: «Pode não ter sido o teu filme, Colin. Vão correr rios de tinta sobre o assunto. Mas tu entendes que isso interessa pouco: são apenas os hollywwod-cratas do costume. Eu sei que entre tantos outros, tantas vezes imerecidos, este teu Óscar é inteiramente devido

 

Nuno Costa Santos: «Se calhar o problema está nisto: nesta divisão entre “crianças” e “adultos”. Devíamos, digo eu, não tratar as crianças como adultos mas sim tratar os adultos como crianças. Como os seres frágeis que ainda somos, apesar de nos quererem integralmente responsáveis por tudo o que fazemos e dizemos. O problema talvez esteja algures por aí: nessa divisão tão grande entre as crianças e os adultos. Se formos metidos todos, novos e velhos, no mesmo saco – o saco de pessoas frágeis, amorosas e birrentas – a coisa torna-se pelo menos mais justa.»

 

Rui Rocha: «A noite dos Óscares não surpreendeu. Consagrou um filme que executa o papel de contar uma história apoiado em excelentes interpretações. Nem mais, nem menos. Uma noite assim, consensual, sem rasgo, polémica ou desastre que a ilumine não ficará  na história da cinematografia. Parece-me uma cerimónia adequada aos tempos que vivemos.»

 

Eu: «"Nas imagens das manifestações, onde estão as mulheres da Líbia, da Tunísia, do Bahrein, do Iémen?", questionava há dias Inês Serra Lopes, na sua habitual coluna de opinião da terceira página do i. Lembrando, e com razão, que "sem mulheres não há revolução". Por saboroso acaso, a resposta vinha logo na página seguinte da mesma edição, em texto assinado por Nicholas Kirstof, escrito em Manama, capital do Bahrein, para o New York Times (de que o i tem o exclusivo em Portugal). "Não se deixe levar pela campanha maliciosa lançada pelos ditadores segundo a qual um Médio Oriente mais democrático será fundamentalista, anti-americano ou opressivo para as mulheres. Para começar, têm-se visto muitas mulheres nas ruas a exigir mudanças (mulheres de uma força impressionante, vem a propósito lembrar!)", escreve este jornalista galardoado duas vezes com o Pulitzer.»

João Soares: «Não gosto de meias-tintas»

Quem fala assim... (30)

Pedro Correia, 27.02.21

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«Mulher bonita? A Carla Bruni. Todos temos um bocadinho de ciúmes de Sarkozy nesse plano. Mas só nesse»

 

O deputado socialista, antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não é daqueles políticos que hesitam nas respostas. Responde com rapidez e sem gaguejar. Não hesitando em contrariar algumas cartilhas da correcção política, mesmo da sua área ideológica. Foi o que sucedeu nesta nossa conversa telefónica, em que deixou bem claro: «Há quem seja rosa. Mas eu sou dos vermelhos.»

 

Qual foi a maior decepção que sofreu até hoje?

Já sofri algumas, em política e não só. Quando fui derrotado pelo Sr. Lopes em Lisboa, por exemplo: nessa altura fiquei um bocadinho triste com os lisboetas. Mas o que é preciso é olhar para a frente.

Gostaria de viver num hotel?

Nem me passava isso pela cabeça.

A sua bebida preferida?

Sumo de laranja. Laranjas, para mim, só muito bem espremidas.

Que número calça?

42.

Que livro anda a ler?

Estou a ler As Benevolentes, de Jonathan Littell, numa belíssima tradução portuguesa.

Qual é a sua personagem de ficção favorita?

São tantas... Uma das minhas preferidas é a que Humphrey Bogart interpreta em Casablanca.

Gosta mais de conduzir ou de ser conduzido?

Gosto mais de conduzir. Mas há alturas em que dá jeito ser conduzido.

É bom transgredir os limites?

Depende dos limites. Faz sentido transgredir alguns limites.

Por exemplo?

A limitação em vigor ao tabaco em quase todos os países da União Europeia, incluindo Portugal, importada da América neoliberal de Bush. Faz sentido transgredi-la sempre que for possível e não incomode terceiros.

Tem feito isso?

Às vezes.

Qual é o seu prato favorito?

Sou profundamente patriota em matéria gastronómica. Gosto de pescada frita com açorda e uma saladinha de alface e cebola. Gosto de um bom cozido à portuguesa. Gosto de língua de vaca com puré de batata. Gosto de mãozinhas de vitela guisadas. Gosto de umas favinhas com entrecosto...

Qual é o pecado capital pratica com mais frequência?

Sou, no mínimo, agnóstico. As minhas referências bíblicas são limitadas. Sei que há pecados mortais, mas não os conheço todos.

A sua cor preferida?

Do ponto de vista político, é o vermelho. Não gosto de meias-tintas.

Está um pouco desactualizado. O PS agora prefere o rosa...

Há quem seja rosa. Mas eu sou dos vermelhos. Não me envergonho nada, antes pelo contrário.

Costuma cantar no duche?

Não. Mas às vezes assobio.

E a música da sua vida?

Sou da geração dos franceses e dos belgas. Adoro o Brel, o Yves Montand. Mas também gosto muito do Vitorino, da Teresa Salgueiro, do Carlos do Carmo. Há um fado do Carlos do Carmo de que gosto particularmente - Um Homem na Cidade.

Sugere alguma alteração ao hino nacional?

Não. O hino é bem bonito. Sei-o de cor e já o ensinei aos meus filhos. É verdade que aquele trecho que fala em marchar contra os canhões está desactualizado, mas não me incomoda.

Com que figura pública gostaria de jantar esta noite?

Talvez com o Barack Obama. Ainda não o conheço, mas espero conhecê-lo.

As aparências iludem?

Claro que iludem.

Qual é a peça de vestuário que prefere?

É mais fácil dizer a que menos me agrada: a gravata.

E o seu maior sonho?

Dar um dia a volta ao mundo num barco à vela ou num cargueiro.

E o maior pesadelo?

Não tenho pesadelos.

O que o irrita profundamente?

A estupidez e a burocracia.

O que faria se fosse milionário?

Dava a tal volta ao mundo. De resto, continuaria a fazer o que faço. Nem sequer mudava de casa.

Casamentos gay: de acordo?

Claro que sim.

Uma mulher bonita?

A Carla Bruni. Todos temos um bocadinho de ciúmes de Sarkozy nesse plano. Mas só nesse.

Acredita no paraíso?

Não.

 

Entrevista publicada no Diário de Notícias (16 de Fevereiro de 2008)

Preocupações

Sérgio de Almeida Correia, 27.02.21

Não é que não esteja atento ao que por Portugal se vai passando, ou que não haja temas de interesse, mas o facto de não escrever muito por aqui não quer dizer menor apreço por esta minha casa, pelos seus leitores, ou que não esteja preocupado e ocupado.

Porém, nem sempre todas as matérias que neste momento me atormentam serão de grande interesse para quem tem outros interesses e não está a viver os factos na primeira pessoa.

E para que quem está aí possa perceber o que digo e continuar a acompanhar o que se vai passando deste lado do mundo de onde escrevo por estes dias, deixo aqui alguns links do que noutro lado se publicou:

equívocos

perguntas

vacinas

E até breve.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 27.02.21

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Fernando Sousa: «Trocava os passos, ria, parava, dava abraços, voltava a rir-me, tropeçava, caía, debaixo de uma lua tão cheia que deixava pouco espaço ao céu. No chão, meio a dormir, desci lentamente sobre o Mar da Tranquilidade. – E SE A FRELIMO APARECE? – Endireitei-me. Sentado, com o Sebastião a segurar-me, Ali pôs-se de cócoras, tomou-me a cara entre as duas mãos, olhou  para o companheiro, depois para mim, com uns olhos enormes, e disse-me: - Meu furriel, a Frelimo não vai aparecer. Posso garantir-lhe. Venha, estamos perto.»

 

Teresa Ribeiro: «Eu gosto de ver trailers, embora tenha consciência de que às vezes me enganam. Foi o caso do trailer de O Discurso do Rei. Vendeu-me emoção e afinal comprei tédio. Prometeu-me ritmo e lamentavelmente arrastou-se, não porque o filme seja demasiado longo, mas porque o seu argumento é demasiado curto. O Discurso do Rei limita-se à relação que se estabeleceu entre Jorge VI de Inglaterra e o seu terapeuta da fala.(...) Firth merece o Oscar, mas o Oscar que provavelmente ele vai ganhar merecia melhor filme.»

 

Eu: «Uma família entra em guerra contra um povo inteiro. Não hesita em virar os fuzis contra cidadãos desarmados. Perde o apoio da sua própria rede diplomática. Vê a bandeira que arriou voltar a ser hasteada nos mastros. Recebe a censura generalizada da comunidade internacional - incluindo o voto unânime do Conselho de Segurança das Nações Unidas, arriscando-se a responder perante o Tribunal de Haia por violação grosseira do direito internacional. A acção criminosa desta família que acumulou milhões ao longo de quatro décadas no poder tem a reprovação do mundo inteiro? Nem por isso. Hugo Chávez e Daniel Ortega estão solidários com ela. O que diz tudo sobre um e outro.»

Uma viagem ao outro lado

Paulo Sousa, 26.02.21

Hoje fiz uma viagem ao mundo das substâncias proibidas. Andava realmente necessitado de uma trip à antiga.

Para não me comprometer nem ao dealer a quem recorri, usei palavras codificadas.

- Orientas aí uma castanha? Ia bem com um cilindro mágico...

O tipo, com um ar mal estimado, olhou-me de cima a baixo, e com maus modos grunhiu:

- Sabes bem que não há material!

- Como é que não há? Tens o tapete no último degrau, meu! Eu conheço o sinal.

- Qual sinal, crxxxxlo? - Quase que ladrou. Anda tudo nervoso.

- Eu conheço o sinal. Sou amigo do gajo que espetou um prego no pé. - Tinham-me garantido que dizer isto era suficiente. Pelo encarquilhar e insuflar da máscara deu para ver que ele estava quase a hiperventilar.

- Mostra o papel!

Meio a tremer e já com grossas gotas de transpiração a correr pela testa mostrei-lhe a nota. Fui novamente avaliado com desprezo.

- Então querias uma castanha e um cilindro? Um speedball, hãa?

- Ya! - pareceu-me uma resposta que um entendido daria.

- Não há garrafas de água. Ficas-te com uma bica e não digas que vais daqui.

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A carta aberta às televisões e o sindicato dos jornalistas

jpt, 26.02.21

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Será, até estatisticamente, pacífico dizer que as estratégias estatais para enfrentar o Covid-19 neste corrente Inverno foram um fracasso. Estamos confinados, com os custos económicos e sociais gigantescos presentes e futuros. Mas andámos qual "ilha no topo do mundo" devastado pela doença. E isto depois do "milagre que é Portugal", o sucesso (enfim...) da Primavera passada. Um caso óbvio de "tarde piaram" os possidentes. Nesse âmbito o que acontece? Um conjunto de "cidadãos muito respeitáveis" (como são definidos num editorial algo incomodado de um jornal de "referência"), um feixe da "nobreza de toga", por assim dizer, faz uma "Carta Aberta" insurgindo-se contra: a) a extensão dos telejornais (matéria bem antiga, inscrita na concorrência por audiências, como todos sabem); b) o estilo confrontacional dos entrevistadores televisivos (bem, pelo menos já José Sócrates, aquele político que nenhum destes "cidadãos respeitáveis" criticou em carta pública, manipulava pressões políticas, financiamentos públicos e empresariais para afastar alguns destes "confrontacionistas"); c) a tendência para criticar governo e administração pública, que vem sendo dita antipatriótica. E terminam com: d) a denúncia de agendas políticas subterrâneas e inditas, quais "mão invisível", ligadas ao capital privado mas capazes de poluir o serviço estatal, manipuladoras do jornalismo.

Não elaborarei muito sobre este documento. Pois cada cabeça sua sentença. Mas lembrou-me que, em 2018, o peculiar presidente do Sporting Clube de Portugal, dr. Bruno de Carvalho, na efervescência de uma Assembleia-Geral do clube, lançou o repto a associados e adeptos (o agora dito "Universo Sporting") para que não comprassem jornais nem vissem as televisões (ou seja, não lhes consumissem a publicidade). As reacções foram indignadas, em particular da "classe" (ou "corporação") jornalística. O próprio Sindicato de Jornalistas contestou as declarações desse presidente de uma colectividade desportiva considerada instituição de utilidade, dizendo-as um atentado à liberdade de imprensa. Entenda-se bem, o presidente de um clube disse: "não vejam as estações generalistas, não comprem jornais". E o sindicato notou um atentado à liberdade de imprensa. Isabel Nery, da revista Visão e dirigente sindical, anunciou que o Sindicato recorreria às entidades tutelares em defesa dos profissionais do sector, até mesmo juridicamente, soube-se depois. Explicitando que essa é uma posição estrutural do sindicato pois "estamos a falar de desporto mas se estivéssemos a falar de outra coisa qualquer a posição do sindicato seria idêntica".

Passaram três anos. Surge esta posição intrusiva sobre o jornalismo, que intenta cercear e moldar o espírito crítico, de forma muito mais aguda do que fez o peculiar Carvalho havia feito, e até explicitando serem os jornalistas agentes de agendas inditas, falhos de deontologia. Gente galardoada (Carvalho e Horta são prémio APE, Alice Vieira - viúva de Mário Castrim, caramba, a prestar-se a uma coisa destas! - já tem escola com seu nome, Lourenço é oficial superior e Benavente foi governante, como exemplos). Mas muito mais significativo que isso, alguns dos signatários dirigem actualmente instituições estatais ou articuladas com o Estado - que eu saiba pelo menos Bebiano, Silva, Rodrigues e a "directora do Museu do Aljube que não sabe o que é o Gulag", Rato. Ou seja, altos quadros da administração pública e da sociedade civil convocam alterações no livre-arbítrio jornalístico e explicitamente põem em causa deontologia de largos sectores da classe. E exigem a cessação de críticas ao Governo e à Administração Pública. Enquanto especulam sobre interesses clandestinos aos quais os jornalistas estarão algemados.

E que diz o Sindicato dos Jornalistas sobre estas acusações? Nada! Pois o respeitinho pelo governo é muito bonito. Mesmo...

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.02.21

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João Campos: «Mais uma a cair. Temporariamente, diz a CP, para obras - e, entretanto, sem alternativa rodoviária. Considerando o passado recente da CP, alguém acredita mesmo que a ligação de Intercidades entre Castelo Branco e Covilhã volte a abrir?»

 

Paulo Gorjão: «Pedro Santana Lopes acha "estranho" que Pedro Passos Coelho não consiga colocar o PSD "muito mais distanciado do PS das sondagens". A última sondagem, recorde-se, dá maioria absoluta ao PSD. Mais. Com ou sem maioria absoluta, todas as sondagens ao longo dos últimos meses dão sempre a vitória ao PSD. No entanto, Santana Lopes gostava que existisse maior distância entre os dois partidos. Fala quem sabe da matéria: em 2005 o PSD sob a sua liderança conseguiu a proeza de ter uns ridículos 28% e permitir que o PS tivesse 45% dos votos e a sua primeira e única maioria absoluta até hoje.»

 

Rui Rocha: «Há pouco mais de uma semana foi Armando Vara que passou à frente dos utentes de um Centro de Saúde. Agora é a segurança do ministro da Justiça que viola normas ellementares de respeito por uma situação de vida ou de morte. No caso de Vara, o juízo de condenação é pessoal e intransmissível. No caso de Alberto Martins, quero crer que o ministro não terá responsabilidade directa na ordem dada no sentido de afastar uma ambulância em serviço.  Todavia, mesmo que assim seja, estas situações são sinais dos tempos. Os que detêm o poder não estão ao serviço dos cidadãos. Servem-se do poder contra tudo e contra todos.»

 

Eu: «Pode um conto ser deliberadamente político sem nunca parecer que o é? Pode. Albert Camus dá-nos um exemplo admirável numa das histórias incluídas na excelente colectânea de narrativas intitulada O Exílio e o Reino (1957). O conto a que me refiro, "O Hóspede", é daqueles que nos perduram na memória graças à poderosa sugestão visual da escrita de Camus, na sua elegância sincopada. Uma espécie de «Hemingway revisitado por Kafka», na definição algo irónica de Sartre, que nunca escondeu uma certa aversão pelo autor d'O Estrangeiro, um dos raros escritores franceses do século XX que jamais se deixaram seduzir por sistemas totalitários.»

Na Sopa - 3 Todos à fava

Maria Dulce Fernandes, 25.02.21

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Durante muitos anos, associei as favas à ‘Ti Frágil, vizinha dos meus avós em Belém, mais conhecida no bairro como a mulher da fava-rica. Não fazia jus ao nome, a ‘Ti Frágil, bastava olhar para a enorme panela cheia de fava-rica que punha à cabeça sobre a rodilha e, perfeitamente equilibrada, seguia com ela por aí fora com o seu pregão, antes do sol nascer, até se lhe acabar o preparado.

A fava-rica que a minha mãe fazia, segundo a receita da ‘Ti Frágil, era confeccionada com fava seca que se punha de molho em água abundante durante mais de 24 horas. Era seguidamente limpa dos olhos e carneiros quase sempre presentes na fava seca, e levada a cozer em água e sal até começar a criar um caldo com as favas meio desfeitas. À parte, coze-se alho picado em azeite, sem deixar queimar. Junta-se depois ao caldo de favas e deixa-se refogar. Junta-se uma colher de sopa de vinagre e serve-se bem quente, de preferência com pão rijo. A minha mãe nunca se conformou com a sua fava-rica. Dizia que ficava a milhas da da ‘Ti Frágil, mas eu gostava bastante; foi única que provei.

Nem sempre fui apreciadora de favas. Aliás, durante toda a minha juventude devo ter sido a maior odiadora de favas da família. Qualquer receita de favas bem podia aguardar até vir a mulher da fava-rica, no que me dizia respeito, mas foi um gosto que fui adquirindo com o tempo e não troco umas belas favas guisadas (com coentros, entrecosto, toucinho e enchidos), ou salteadas como acompanhamento ou o sublime puré de favas, por um almoço de sushi, por exemplo (bom, a verdade é que não troco seja o que for por um almoço de sushi).

A primeira vez que fui à fava, foi na quinta da Barra Cheia. Devia ser Maio e eu devia ter onze ou doze anos. Apanhámos umas poucas de sacas de serapilheira cheiinhas de vagens de fava, que dividimos pelo consumo imediato, pelo congelador e pela secagem. A minha mãe gostava das favas grandes e rijas para puré. Tirava-lhes a casca, os olhos e a pele e cozia-as com duas cebolas, cinco dentes de alho, um raminho de coentros, sal e azeite. Servia-as com pedaços de pão torrado, os antepassados dos croutons. Não mudei muito a receita; acrescento uma cenoura, um alho francês e uma curgete apenas quando as favas são tenras para puré e passo todo o puré triturado pelo crivo para limpar as peles que depois de moídas se tornam muito desagradáveis.

As favas, compro-as na vagem. Nem sempre as descasco de imediato. Espero a companhia da minha filha, que tem saudades de se sentar com a avó a descascar favas e a ver televisão. A minha neta junta-se a nós e o meu neto ajuda a desestabilizar tudo, com riso qb à mistura.

 Há tradições que são para manter.

Estátua ao deputado desconhecido

Pedro Correia, 25.02.21

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Nunca percebi o que simboliza no alto do Parque Eduardo VII aquela pedrinha fálica lá implantada há mais de 20 anos. Sem volumetria para aquele espaço, em óbvia colisão com o enquadramento paisagístico, dando a sensação de que aterrou no local por erro no endereço: garantem-me que estava destinada não a um jardim de Lisboa mas das Caldas da Rainha.

Já que ali se encontra, convém dar um significado à coisa. Inspirado pela verve de um parlamentar socialista, que anda por aí num frenesim a exigir o camartelo para o belo Padrão dos Descobrimentos concebido em 1940 pelo arquitecto Cottinelli Telmo e pelo escultor Leopoldo de Almeida, eu - que milito na facção oposta à dele, contrária à demolição de monumentos - proponho que o "pirilau" do Parque passe a homenagear o Deputado Desconhecido.

Como a imagem mostra, com ejaculação incluída. O tal parlamentar ainda agradece. Eis algo que talvez não lhe agrade derrubar.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.02.21

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Adolfo Mesquita Nunes: «Não estou, nem de perto, entre aqueles que evitam a esperança do que se passa no mundo árabe nos dias que correm. Mas se há caminho que não percorro, nem aqui nem noutros casos, é na leitura unívoca da rua. As manifestações espontâneas de rua abarcam milhares ou milhões de vontades, muitas delas incompatíveis e não é possível dar-lhes uma única orientação. Aliás, momentos como este, se acaso se eternizam, derivam sempre em ditadura, porque um Estado não consegue cristalizar permanentemente essas reivindicações, e estas quando se colam a um regime, morrem, confundindo-se com ele perdendo a sua razão de ser.»

 

Catarina Reis da Fonseca: «Há algumas coisas que podem não fazer muito sentido em Black Swan, como a associação entre questões sexuais ("go home and touch yourself") a um lado negro da personalidade de Nina ou certas cenas com demasiado sangue à mistura. Mas Black Swan é só isso? E o contraste perfeito das cores?  O confronto permanente entre branco e negro? O bem e o mal, a sanidade e a loucura, a lucidez e a alucinação, a racionalidade e a obsessão. A obsessão existe na vida real. Aronofsky não a inventou, lamento.»

 

Fernando Sousa: «Habituada ao ritmo da guerra, a cidade não soube onde pôr as mãos quando ela acabou. A paz não passou de uma notícia nem mereceu um brinde. Antes não havia dia sem saídas para o mato, colunas de camiões cheios de soldados, ainda compostos e de barba feita, ou sem regressos de contingentes rendidos, meio-despidos e de rostos cinzentos, cansados e esfomeados. O frenesi guerreiro tinha acabado.»

 

Laura Ramos: «Quando eu me embrenhava na vida escolar da descendência, até aos mínimos pormenores, já então não podia evitar o  distanciamento crítico e aperceber-me dessa evidência que era a feroz feminização do ensino, na tenra idade em que se molda a personalidade dos homens e das mulheres, no seu diário de sucessos e insucessos. E eu, que cresci num tempo em que persistiam, bem potentes e injustas, as réstias sexistas do sagrado direito à concorrência desleal masculina, vi-me mãe-investida-em-advogada-do-diabo, a insurgir-me contra um sistema de aprendizagem e de avaliação totalmente dominado pelo modelo de comportamento feminino, onde os rapazes não encontravam espaço cognitivo nem  re-cognitivo.»

 

Luís M. Jorge: «O passado não favorece os entusiastas. Ainda recordo, por exemplo, quando Pacheco Pereira e José Manuel Fernandes reclamavam bombas sobre Bagdad. Os cínicos, como eu, manifestaram-se. Mas o tempo e as farsas de cem mil cadáveres trazem circunspecção e sabedoria. Também gosto de os ver agora, tão recolhidos, tão hesitantes em celebrar o derrube das ditaduras do norte de África.»

 

Rui Rocha: «Dizem-me que o Governo quer fazer constar a profissão no Cartão de Cidadão. No caso de Sócrates continuar muito mais tempo no Governo não é preciso cansarem-se muito. Basta preverem as situações de boy e de desempregado

 

Teresa Ribeiro: «Primeiro vemos Angelina Jolie a caminhar pela rua como numa passerelle. Cabeleira farta, cabelos soltos, vemo-la depois sentada numa esplanada. A seguir de perfil, de costas, em contra luz, de vestido de noite, cabelo apanhado, à média luz, em lingerie de renda, etc, etc. O guarda-roupa é luxuoso, a bijuteria exuberante. Que linda que ela é. Johnny Depp não sabe bem o que está ali a fazer. Enfim, ganha uma pipa de massa e passeia por Veneza, nada mau. Li numa revista que se enamorou de uma casa no Grande Canal e que a vai comprar. (...) O Turista não é uma catarse. Trata-se apenas e só de masturbação mental. O problema é que a Jolie não faz o meu tipo.»

 

Eu: «Um dos problemas deste país é gastarmos muito mais tempo a ler opiniões de gente burra do que de gente inteligente e bem informada. Ainda agora, a propósito das revoltas no mundo árabe, se percebe isso: damos um pontapé numa pedra na rua e saem de lá dez recentíssimos "egiptólogos" a debitar inanidades sobre a incompatibilidade radical entre a democracia e o mundo árabe. Alguns são os mesmos que há 30 anos garantiam ser impossível haver estados de direito na América Latina e há 20 anos juravam que o sistema democrático jamais vingaria na Europa de Leste.»

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