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Delito de Opinião

A sorte da Torre Bela

João Pedro Pimenta, 31.12.20

Do desaparecimento de Wilson Filipe e da sua acção e consequências na Torre Bela já o Paulo Sousa escreveu no outro dia, num post que vale bem a pena ler. Mas há coincidências que se entrelaçam quase de propósito. Precisament quando se voltou a falar na herdade da Torre Bela, por causa daquela matança de gamos e javalis disfarçada de caça, e se recordou a ocupação da propriedade em 1975 e o célebre vídeo da "enxada da comprativa", eis que morre o protagonista de ambas, da ocupação e do filme, Wilson Filipe. 

A tentativa de criar uma cooperativa popular naquela terra, à altura propriedade dos Duques de Lafões, uma das últimas famílias aristocráticas pré-liberalismo, é um bom resumo do PREC. Embora fosse uma expropriação selvagem, a verdade é que esteve longe das barbaridades dos sovietes. Olhando os numerosos testemunhos audiovisuais de tudo aquilo, há momentos de evidente comicidade, notando-se também bastante ingenuidade da parte dos ocupantes, à mistura com o oportunismo de uns tantos aventureiros e revolucionários de ocasião. 

A história da propriedade acompanha desde então o percurso recente de Portugal. De imensa herdade de caça de uma das principais casas ducais, passou a "cooperativa popular", fruto da revolução, durando uns anos, até ser encerrada pela Lei Barreto e o fim do PREC; entretanto, os antigos proprietários receberam a correspondente indemnização, e a agora propriedade, crê-se, de testas de ferro de uma família angolana, preparava-se para ver parte do seu terreno transformado numa central fotovoltaica, pelo que tinha de se transformar a antiga coutada através de uma "montaria" cirúrgica, que também daria para ganhar uns euros extras, e que tão mal caiu nas notícias e nas redes sociais. Coutada de caça, cooperativa popular, central fotovoltaica: as vidas da Torre Bela ao longo das décadas.

Paralela a essas metamorfoses ao sabor dos tempos, temos também duas opções ambientais que se excluem: a reserva florestal de vida selvagem e a central de produção de energia solar. Para se obter energia limpa que não a dos combustíveis fósseis e não renováveis, há que sacrificar um raro habitat de fauna livre. Nada de espantar: as barragens também armazenam água e produzem electricidade, ao mesmo tempo que mudam o clima local, os ecossistemas e retêm sedimentos levando à redução as praias. As ventoinhas eólicas enxameiam as nossas serras. Para não falar das opções da energia nuclear. Valores ecológicos que se excluem mutuamente e que dependem de um sem número de outros factores. 

Por fim, outra história, mais distante e de outro país, mais indirecta mas ainda assim ligada. A saga da Torre Bela foi contada por Thomas Harlan, um realizador alemão de "cinema activista", entusiasta da esquerda radical, talvez para fugir da sombra do pai, Veit Harlan, um dos cineastas mais notórios do Terceiro Reich. Harlam pai dirigiu O Judeu Suss, provavelmente o mais conhecido filme propagandístico anti-semita da época, que no fundo também correspondem a duas gerações alemãs: à que aderiu (ou se adesivou oportunisticamente) ao nazismo e à seguinte, com simpatias pela esquerda radical e até pela extrema-esquerda, que levou à criação de grupos terroristas como os Baader-Meinhof, para se afastar da precedente, numa tentativa de expiar os seus crimes. Escrevi sobre isso quando morreu Thomas Harlan, há uns anos, pelo que não vale a pena repetir-me.

Resta saber se a Torre Bela se tornará uma central fotovoltaica, voltará a ser um terreno de (autêntica) caça, ou o que mais for. Certo é que é um manacial imensos de histórias e de episódios dos quais podemos tirar inúmeras comparações.

E já que não vale a pena estar com grandes "resoluções de ano novo", que seja um ano melhor para todos.

No final do ano, lembremos os ciclos que se repetem

Paulo Sousa, 31.12.20

A generosa injecção de fundos público nos decrépitos órgãos de comunicação social já começa a ter frutos.

Eis a capa de ontem do DN, dia em que este histórico jornal voltou a ter versão impressa:

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E eis também a reacção do nosso Exmo PM:

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Em época de final de ano, é interessante verificar como a vida é feita de ciclos que se repetem.

Neste documentário da RTP sobre a Reforma Agrária, ao minuto 25, podemos ouvir duas quadras laudatórias dedicadas em 1973 ao Presidente do Conselho Dr. Marcelo Caetano, aquando à sua visita a uma herdade modelo, e que bem podiam estar no editorial da edição do dia 30 de Dezembro do 2020 do DN. Aqui vai:

Somos humildes trabalhadores
Dizemos isto sinceramente
Hoje vivemos mais à vontade
Graças ao nosso Presidente

Presidente como este
No mundo não há igual
Melhorou a vida a todos
Salvando assim Portugal (o jornal)

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Aproveito para desejar um Feliz Ano Novo aos co-autores do Delito de Opinião, assim como a todos os leitores que diariamente nos presenteiam com a sua atenção e disponibilidade.

Muito obrigado.

Os melhores livros do meu ano (3)

Pedro Correia, 31.12.20

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À medida que vamos acumulando leituras, outro prazer os livros nos proporcionam. Refiro-me ao gosto da releitura, que em 2020 cultivei em doses adicionais.

Aproveitando o longo período de reclusão imposto pelas autoridades sanitárias e por força das circunstâncias, revisitei várias obras literárias, de autores muito diversos. Como se fosse um reencontro com velhos amigos, sem precisar de máscara.

Isto aconteceu-me tanto com autores portugueses como estrangeiros. Tratando-se, em certos casos, de uma leitura já em dose tripla. Mas nem por isso menos estimulante.

Fica a lista dos dez melhores livros que fui relendo no ano que agora acaba. Por ordem alfabética, como aconteceu aqui e aqui.

 

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A CIDADE E AS SERRAS, de Eça de Queiroz (1901). Já longe da estética realista, de que foi um dos principais cultores, Eça escreveu em França esta magnífica declaração de amor a Portugal. Com personagens, cenários e diálogos inesquecíveis, entre o luxo de Paris e a beleza rústica da paisagem duriense.

 

A ILHA DO TESOURO, de Robert Louis Stevenson (1883). Romance de aventuras para todas as idades - um dos mais célebres de sempre. Na sua galeria de personagens fabulosas destaca-se Long John Silver, o marinheiro renegado que abraça a pirataria, cruzando para sempre a linha divisória entre o bem e o mal.

 

A LINHA DE SOMBRA, de Joseph Conrad (1917). Um navio estagnado devido a uma imprevista calmaria oceânica, com dezenas de tripulantes infectados a bordo, parecendo alvo de uma insólita maldição. O protagonista jamais esquecerá esta sua viagem iniciática em mares orientais com galões de comandante.

 

A SELVA, de Ferreira de Castro (1930). Um dos raros romances portugueses com alcance universal. Castro transforma a sua experiência como jovem trabalhador braçal na Amazónia em material literário de inegável qualidade. Uma obra que tem como protagonista a floresta, com os seus mistérios e os seus terrores. 

 

ATÉ AO FIM, de Vergílio Ferreira (1987). Romance crepuscular do autor de Aparição, centrado num pai que vela o corpo do filho numa capela à beira-mar enquanto desfia memórias relacionadas com encontros e desencontros que mantiveram. Vigília povoada de interrogações e perplexidades sobre o homem e o seu destino.

 

CRIME IMPUNE, de Georges Simenon (1954). Obra capital entre os romances que o prolífico autor belga escreveu sem a presença tutelar do seu comissário Maigret. Ambientado numa pensão de Liège, com hóspedes de várias nacionalidades e oriundos de encruzilhadas diversas. Um deles terá um futuro trágico.

 

MAU TEMPO NO CANAL, de Vitorino Nemésio (1944). O melhor romance português do século XX. Imbatível como ficção literária no cenário açoriano - desenrolada em quatro ilhas: Faial, Pico, São Jorge e Terceira. Obra apropriada nestes tempos difíceis: a epidemia (aqui, de peste bubónica) é um dos temas centrais.

 

O MALHADINHAS, de Aquilino Ribeiro (1922). Obra-prima da nossa novelística, escrita na primeira pessoa do singular, com linguagem pícara e castiça, dando voz a um almocreve de meados do século XIX que percorria serranias beirãs no rescaldo da guerra entre liberais e miguelistas que dilacerou Portugal por muitos anos.

 

O TRIGO E O JOIO, de Fernando Namora (1954). A chamada escola neo-realista produziu romances de indiscutível qualidade. Talvez nenhum com tanta autenticidade como este, centrado num humilde camponês alentejano que ambiciona ser proprietário de uma burra e move tudo para concretizar tal sonho. 

 

VINTE MIL LÉGUAS SUBMARINAS, de Júlio Verne (1870). Quinto romance mais traduzido em todo o mundo, tem encantado sucessivas gerações de leitores e mantém intacto o seu fascínio. Quantos de nós não desejámos embarcar no Nautilus - o primeiro submarino da literatura - sob o comando do enigmático capitão Nemo?

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.12.20

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Ana Vidal: «Uma dica útil para quem gosta de comer e beber alarvemente, sobretudo no dia de hoje. Basta que comece 2011 com esta nova amiga, simpática, discreta e eficiente. Ainda por cima estará a fazer uma boa acção, dando guarida a uma pobre bicha solitária. Ou seja, é um 2 em 1: seja solidário e mantenha a linha.»

 

Laura Ramos: «Talvez possamos refundar a democracia, em vez de lhe lavrar o epitáfio. Talvez tenhamos uma oportunidade única de exigir mais da acção política e dos próprios políticos. Talvez aqueles que têm mais a dar ao país do que a receber deixem de se esconder, e de temer trocar a sua honra pela participação na coisa pública.»

 

Leonor Barros: «Concentremo-nos no essencial. Harmonia, tranquilidade, saúde, lucidez e preseverança para que 2011 se afirme como um ano positivo. A todos os comentadores, visitantes e aos meus companheiros de escrita, votos de um feliz e pleno Ano Novo.»

 

Paulo Gorjão: «O caso Ensitel para mim é muito simples. Não estamos a falar de um conflito de consumo. Isso ficou lá para trás e é secundário para o caso. O que está aqui em causa, nesta altura, é a liberdade de expressão. É a liberdade de expressão da Maria João Nogueira (MJN), mas poderia ser a sua ou a minha. E nisso, peço desculpa, mas não tem que existir qualquer tipo de hesitação. Há que lutar com unhas e dentes. A MJN já nos faz o favor de defender a sua e a nossa liberdade de expressão. Ninguém lhe paga o tempo e as chatices. O mínimo que podemos -- e devemos -- fazer é ajudar a pagar os custos judiciais.»

 

Rui Rocha: «Permito-me uma deambulação pelos conhecimentos elementares sobre espumantes. Para dizer que estes apresentam, basicamente, três tipos. Socorro-me do futebol para ser melhor compreendido. Se o vinho for aparentado com José Mourinho, dizemos dele ser bruto. Se for do género Guardiola, chamamos-lhe doce. Se se apresentar como o cabelo do Jorge Jesus antes de uma segunda demão de Farandol, será meio-seco. Método, dizíamos. Vamos a ele. O vinho espumante pode servir-se na vertical. Tal e qual como subiu a cápsula que resgatou os mineiros chilenos.  Tal e qual como se fosse o descontrolo das contas públicas da Grécia. É o conhecido método wikileaks.  Profusão de borbulhas que se perdem no ar. Também lhe pode chamar método Gonçalo M. Tavares. Mas, só se o vinho for de qualidade. Em alternativa, ponha-se o copo inclinado. Neste caso, o contacto entre o líquido e o cristal que o há-de amparar faz-se de forma menos turbulenta. Como se fosse uma derrapagem da dívida soberana portuguesa. Controlada pela intervenção do BCE no mercado. Como se fosse o descalabro do BPN. (Des)controlado por injecções de milhões.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Como dizia o criador da pantera cor-de-rosa, a vida é um estado de espírito e isso exige que saibamos encará-la em 2011, com ou sem crises, na exacta medida dos nossos sonhos, fazendo da intervenção cívica um grito ao serviço da comunidade e do Estado de direito. Sem este não há democracia, nem estado social, nem liberdade. E a cidadania acabará por definhar e fenecer. Por isso desde já declaro 2011 o ano da cidadania.»

 

Eu: «Desses tempos, de que falarei um dia aqui em pormenor, guardei bons contactos e até algumas amizades para a vida. Tempos em que conheci Eduardo Azevedo Soares, agora falecido aos 69 anos. Foi ministro, secretário de Estado, vice-presidente e secretário-geral do PSD, além de parlamentar. Mantive com ele diversos contactos profissionais, por vezes a propósito de assuntos muito polémicos, e nunca o vi perder uma das suas características principais, que bem o definiam: era um gentleman. Assim o recordo, na hora triste da sua partida. Precisamente por ser um atributo cada vez mais raro na sociedade portuguesa, tomada de assalto nos últimos anos por uma fornada de "animais ferozes".»

Os melhores livros do meu ano (2)

Pedro Correia, 30.12.20

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Como referi anteriormente, há muitos anos que não lia tantos livros como neste 2020 prestes a ficar para trás. Desde a adolescência, mais precisamente. O longo período de confinamento a que estive sujeito, à semelhança do que sucedeu com tantos de nós, incentivou-me a mergulhar ainda mais na leitura. E com proveito, devo confessar.

Ler, como alguém assinalava um dia destes, é a actividade intelectual que mais nos permite contrariar tendências dominantes, rejeitar o espírito de rebanho ou alcateia e mergulhar na subjectividade - no fundo, aquilo que nos diferencia dos restantes mortais.

Senti isso como nunca neste ano de pesadelo. Graças, em boa parte, a autores que escreveram sobre mundos e modas tão diferentes dos que agora experimentamos. Esta é uma conquista ímpar da literatura: fazer-nos viajar a qualquer momento no tempo e no espaço, abrindo-nos horizontes de toda a espécie. Graças a ela, ficamos a saber o que nos antecedeu e a conhecer a face oculta do que nos rodeia. E passamos até a ser iluminados sobre nós próprios.

Fica a lista dos dez melhores livros de autores estrangeiros que li no Ano da Pandemia. Por ordem alfabética, para facilidade de consulta.

 

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A IDADE DA INOCÊNCIA, de Edith Wharton (1920). Romantismo tardio cruzado com suave mas inequívoca denúncia social: eis alguns ingredientes desta fascinante viagem literária que nos apresenta a arrogante e pretensiosa classe dominante de Nova Iorque na década de 1870, com mais sombras do que luzes.

 

A MÃE, de Máximo Gorki (1907). O primeiro - e talvez o melhor - romance da escola do "realismo socialista", que mesclava ficção literária com cartilha política e produziu imensas cópias inferiores em que o talento se rendia ao proselitismo. Inesquecível, a personagem principal - figura cimeira da literatura.

 

A MENTE APRISIONADA, de Czeslaw Milosz (1953). Corajoso libelo contra o totalitarismo comunista a partir da experiência do autor, no auge da ditadura vermelha na Polónia, antes de rumar a um exílio que durou décadas e lhe custou a perda da cidadania. O equivalente em ensaio a O Zero e O Infinito em ficção.

 

A TIA JULIA E O ESCREVEDOR, de Mario Vargas Llosa (1977). Até que ponto a vida, tal como ela realmente é, pode funcionar como eficaz matéria literária? Desafio difícil, mas superado com brilhantismo neste divertidíssimo romance, aquele em que o Nobel de 2010 mais se desvenda sem biombos nem artifícios.

 

CORAÇÃO TÃO BRANCO, de Javier Marías (1992). Talvez o melhor romancista actual de Espanha, Marías elabora aqui uma teia de encontros e desencontros que se vão prolongando no tempo e no espaço, suscitando-nos interrogações sobre o destino humano. Basta o capítulo inicial para ascender ao patamar de obra-prima.

 

O AMANTE DE LADY CHATTERLEY, de D. H. Lawrence (1928). Muito mais do que um clássico da literatura erótica, é um estudo admirável da psicologia feminina e uma desassombrada denúncia dos preconceitos sociais vigentes na Inglaterra saída da I Guerra Mundial, ainda povoada de sombras atávicas.

 

O DEUS DAS PEQUENAS COISAS (1997). O realismo mágico transposto para uma comunidade cristã na Índia com um arrojo e uma destreza literária em nada inferiores ao de Gabriel García Márquez. É também uma obra sobre as marcas da infância que permanecem para sempre inscritas nos sulcos da memória.

 

O MUNDO PERDIDO, de Conan Doyle (1912). Livro de aventuras, na mais genuína acepção do termo, esta obra-prima demonstra-nos que existem sempre novas fronteiras por desbravar, por vezes em desafio aberto à lógica cartesiana. Recomendável aos nostálgicos do género, que suscita fascínio em todas as idades.

 

RESSURGIR, de Margaret Atwood (1972). Admirável romance sobre o fascínio das raízes familiares, os precários laços afectivos que provocam cicatrizes e a atribulada relação entre o homem e a natureza, desenrolada em cenário florestal do Canadá. Ambientalista e feminista antes de estes conceitos se tornarem moda.

 

RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM, de James Joyce (1916). Um dos melhores livros sobre as encruzilhadas da adolescência: Joyce conduz-nos à sua Dublin natal do final do século XIX em óbvia evocação autobiográfica. Tornando-nos testemunhas privilegiadas das suas crises de identidade e dos seus dilemas existenciais.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.12.20

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Ana Margarida Craveiro: «Li-o devagarinho, porque não queria chegar ao fim. A expectativa era grande, depois de Gente Independente. Às primeiras páginas, soube que tinha mais um grande livro nas mãos, daqueles a que me vai apetecer voltar. Foi editado este ano pela Cavalo de Ferro, a minha editora favorita.»

 

Ana Vidal: «Hoje acordámos algures entre o Tigre e o Eufrates, e do mais alto zigurate contemplámos o mundo. Deixámo-nos cobrir de ouro e pedrarias e, com as asas de Enlil, voámos sobre Ur como pássaros deslumbrados. Eu dei-te o sagrado nome de Dumuzi e tu chamaste-me Inanna, tua rainha. E descobrimos em nós o mar primordial, os ancestrais tesouros que tínhamos guardados, sem o sabermos, na montanha cósmica da nossa memória. Hoje fomos inspirados Hammurabis bordando palavras novas em pedra, para que nunca mais as esqueçamos e os vindouros saibam, um dia, que as proferimos.»

 

João Carvalho: «Quando falta informação, vai-se buscá-la. Vai-se? Reparem na entrada desta notícia: "Um fogo de grandes dimensões destruiu um mosteiro medieval situado na abadia de Rochefort, na Bélgica, muito conhecida pela produção de cerveja." Um mosteiro numa abadia? Pode ser que sim. Na Abadia de Rochefort? Mas conhecida pela cerveja é a abadia ou a região? Segundo a própria notícia logo adiante, nem uma nem outra: "o mosteiro do século XIII atingido pelas chamas é muito popular pela produção da cerveja Rochefort Trappist"; mosteiro e abadia são, nesta história, a mesma coisa, apesar da confusão que começa por colocar um no interior da outra.»

 

Luís M. Jorge: «Que Manuel Alegre nada tem na cabeça é uma revelação tardia para quem acompanhou as anteriores incursões do bardo na alta política. A estratégia da candidatura — defender a pátria da fúria dos mercados, resguardar o estado social — nem era má; mas exigia alguém que a executasse com talento. O perfil do candidato — uma alminha impoluta, um independente do PS — tinha sentido, mas dispensava a incarnação de um poetastro oco e egotista. Havia mais gente adequada à estratégia e ao perfil? Havia, pois.»

 

Rui Rocha: «Lotaria de Ano Novo. Número sorteado: Dois mil e onze. Prémio: Seiscentos mil desempregados. Estamos todos habilitados.»

 

Teresa Ribeiro: «O tempo em que o cliente tinha sempre razão, já era. Agora, perguntam-nos, untuosos, em que nos podem ser úteis, ao mesmo tempo que tecem as linhas com que nos hão-de neutralizar, entre sorrisos. Mas mudar este modelo não é complicado. Basta fazer bem o nosso papel, que é o de não ceder à primeira dificuldade. A perseverança da Maria João é, neste contexto, um acto de cidadania. Houvesse ao balcão destas empresas pepsodent meia dúzia de melgas como ela por dia e a situação tornar-se-ia insustentável. A arrogância e a falta de transparência passariam a ser inviáveis do ponto de vista comercial e os consumidores teriam uma vida muito mais tranquila.»

 

Eu: «Uma decisão do Governo tomada apenas a três semanas das presidenciais, para facilitar a vida ao recandidato Cavaco Silva contra o candidato oficialmente apoiado pelo PS. Bem pode Manuel Alegre, justamente indignado com esta acção interna de sabotagem à sua campanha, clamar contra a inconstitucionalidade da medida - um claro ataque ao 'estado social' por parte do Executivo socialista. Cavaco, reconfortado pelas sondagens e pelo esforço desenfreado do Governo em divorciar-se ainda mais dos portugueses, só tem motivos para sorrir. E para agradecer a José Sócrates.»

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.12.20

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João Carvalho: «Sabiam que o homem de Neandertal, extinto há 30 mil anos, já se alimentava de carne e de vegetais e cozinhava o que comia? Pois parece que sim, porque é esta a conclusão de um estudo agora publicado na revista científica norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences que teve por base a análise de partículas de alimentos contidas nas placas de tártaro dos dentes de ossadas do homem de Neandertal descobertas em sítios arqueológicos do Iraque e da Bélgica.»

 

Paulo Gorjão: «Vejo-me obrigado a interromper a minha licença sabática. Mas então neste blogue ninguém fala do caso Ensitel? Twitter, Facebook, blogues, até os snail media já estão em cima do assunto e nós por aqui, nada

 

Rui Rocha: «Ao ler estas novas portarias senti-me envergonhado do país em que vivo. Eu pago impostos para que pessoas nesta situação possam recorrer a serviços de saúde. Não para que fiquem doentes, a morrer em casa, porque não têm dinheiro para pagar a urgência. Isto não é um regime de isenção de taxas moderadoras. É um mecanismo de sanção da pobreza. Isto não são taxas moderadoras. São taxas demolidoras. Não preciso de mais dados. O Estado Social português, imperfeito que fosse, acaba em 31 de Dezembro de 2010. Em 1 de Janeiro de 2011 começa o Estado de Privação.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Para ler Keynes e Friedman, e trocar impressões com Fernando Lima ou Dias Loureiro, Cavaco Silva não deve ter tido tempo para ler Jorge de Sena. E se leu, por aquilo que tem vindo a dizer, não percebeu nada. Alegre devia ter-lhe dito isto. Olhos nos olhos.»

 

Eu: «Um Cavaco Silva surpreendentemente ao ataque, um Manuel Alegre excessivamente contido. Esta pode ser uma síntese daquele que foi - de longe - o melhor debate desta pré-campanha, há pouco transmitido pela RTP. Um debate que Cavaco conseguiu levar para o terreno que mais lhe interessava, o da estabilidade institucional como arma defensiva perante a actual crise económica, enquanto se mostrava muito agastado perante críticas antigas do seu antagonista, que o acusou de pretender destruir o estado social. Alegre pareceu perplexo com a táctica de Cavaco e perdeu preciosos minutos do frente-a-frente procurando justificar aquelas declarações.»

Os melhores livros do meu ano (1)

Pedro Correia, 29.12.20

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É sempre assim. Chego a Dezembro e elaboro o meu balanço de livros e filmes. Neste ano de pesadelo, como muitos de nós classificamos 2020, os meus livros ganharam por larga vantagem aos meus filmes. Apesar do confinamento, ou talvez até por isso, apeteceu-me muito mais mergulhar na leitura do que assistir a filmes. Ler e cozinhar foram, aliás, os meus passatempos favoritos no ciclo de 12 meses que agora chega ao fim.

Os filmes foram ficando para trás. Sendo com frequência trocados também por séries, vistas ou revistas - dos clássicos Columbo e Uma Família às Direitas até ficções televisivas contemporâneas de inegável qualidade, como a intrigante Shetland, a devastadora Hinterland, a negra Absolvição, a sombria Linha Invisível, a desbragada Narcos, a tensa Os Crimes de Valhalla, a cáustica Barão Negro, a surpreendente Hierro, a empolgante Salvação, a imprescindível The Crown

 

Pois desta vez os livros venceram por larga margem: 100-40. Uma goleada, como se diz em linguagem futeboleira. Refiro-me apenas aos livros lidos integralmente neste 2020 que nos virou a vida do avesso: os que abandonei a meio, fosse por que motivo fosse, não entram nesta contabillidade. 

Durante três dias, começando hoje, deixarei aqui a lista dos dez melhores destes cem, multiplicada por três: a primeira, já de seguida, respeitante só a autores portugueses. Amanhã virão os autores estrangeiros. Depois de amanhã, recordo os dez que mais gostei de reler. Títulos sempre acompanhados por duas ou três frases sobre cada obra.

Cada lista fica por ordem alfabética. Podia ter sido outro o critério, mas prefiro este.

 

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A PAZ DOMÉSTICA, de Teresa Veiga (1999). Romance de estreia desta escritora avessa a protagonismo mediático, mais conhecida como contista. Relato sincopado do singular percurso de uma mulher ao longo de um quarto de século de convulsões políticas em Portugal, com drama e comédia entrelaçados.

 

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, de José Saramago (1995). Ponto culminante da literatura portuguesa de ficção em matéria de distopias. Lúcida descrição de um mundo sem fronteiras espaciais ou temporais convulsionado pela cegueira colectiva. De leitura quase obrigatória em tempo de pandemia.

 

GAIBÉUS, de Alves Redol (1939). O neo-realismo português entrava em cena neste romance, trocando as personagens individuais pelo protagonismo colectivo de humildes trabalhadores agrícolas das Beiras que desciam ao Ribatejo para ganhar a vida em tempo de ceifas e colheitas. Quase como escrita de repórter.

 

GAIVOTAS EM TERRA, de David Mourão-Ferreira (1959). Quatro novelas que marcaram a estreia em ficção deste grande poeta. À sua maneira, cada uma celebrando com nostalgia a Lisboa burguesa de meados do século XX. Duas delas originaram filmes, realizados por Jorge Brum do Canto e José Fonseca e Costa.

 

KURIKA, de Henrique Galvão (1944). Muitos ignoram que o futuro opositor de Salazar se distinguira antes como escritor, sobretudo de temática africana, como reflexo dos anos vividos em Angola. Este é um romance em que os animais surgem em surpreendente destaque, num contraponto português a Lassie ou Bambi

 

QUANDO OS LOBOS UIVAM, de Aquilino Ribeiro (1958). Romance-libelo sobre a luta dos camponeses da Beira Alta pelo cultivo de baldios que valeu ao autor um processo judicial e a ameaça de prisão. Inesquecível, a longa cena desenrolada num Tribunal Plenário, com palavras desassombradas em desafio à ditadura.

 

SILÊNCIO PARA 4, de Ruben A. (1973). Quatro personagens em diálogo neste romance incompreendido à época. Obra imediatamente anterior à revolução, ganha em ser lida à distância de quase meio século. Por ser sinal evidente de um fim de ciclo: a mudança de costumes antecipava o vendaval político.

 

TERRA MORTA, de Castro Soromenho (1949). Houve um tempo em que a literatura portuguesa não se circunscrevia ao continente europeu. Entre o legado dos nossos escritores africanistas distingue-se este apaixonado e pungente retrato da gente e do espaço em zonas remotas de Angola na era colonial. 

 

VIVER COM OS OUTROS, de Isabel da Nóbrega (1964). Um prodígio formal, este romance escrito da primeira à última linha num discurso directo que nunca soa a artifício. Na Lisboa privilegiada em que se anteviam os primeiros sinais de desagregação das classes sociais que funcionaram como âncora do Estado Novo. 

 

VOLFRÂMIO, de Aquilino Ribeiro (1943). Romance escrito quase em tempo real, no auge da guerra, quando ingleses e alemães disputavam as riquezas minerais do interior português, aproveitando a nossa neutralidade no conflito. Com personagens credíveis e uma impressionante riqueza vocabular, marca distintiva do autor.

Leituras

Pedro Correia, 29.12.20

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«Evocado dali, Portugal era uma quimera, não existia talvez. Pequeno e lá longe, os que o levavam na memória não estavam certos se viviam em realidade ou se sonhavam com as narrações dos que tinham voltado das Descobertas.»

Ferreira de Castro, A Selva (1930), p. 72

Ed. Cavalo de Ferro, 2019 (45.ª ed)

Leituras

Pedro Correia, 28.12.20

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«Se fosse rei uma semana, afianço-lhes que mondava Portugal. Uma fogueira em cada oiteiro para os ministros, os juízes, os escrivães e os doutores de má morte. Para estes decretava ainda cova bem funda, com obrigação de cada homem honrado lhes pôr um matacão em cima. Uma choldra de ladrões!»

Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas (1922), p. 119

Ed. Bertrand, 2018. Colecção Obras de Aquilino Ribeiro

Sobre Wilson Filipe e a generosidade da esquerda

Paulo Sousa, 28.12.20

Já por várias vezes senti que se tivesse crescido numa herdade ou à volta de uma fábrica onde o proprietário fosse um arrogante plenipotenciário, abusador no trato e faltoso nos direitos, a mensagem comunista teria sido para mim muitíssimo apelativa.

O esforço para entender o imaginário em que se baseia a lógica de parte de esquerda, e que constitui o mainstream português das últimas décadas, é bem menor depois de ler Fernando Namora, ou outro autor do neo-realismo da nossa literatura.

Numa versão italiana, o filme Novecento de Bernardo Bertotolucci é também um excelente exemplo disto mesmo. Aquela enorme bandeira vermelha tecida com as pequenas bandeiras vermelhas guardadas secretamente em casa, que são cosidas todas juntas no dia da libertação do fascismo, por acaso também num 25 de Abril, é incrível. Toda a concepção do filme é grandiosa, a infância das personagens, um proprietário e um assalariado que nasceram no mesmo dia em 1900, foi filmada na Primavera, a sua idade adulta passa-se no Verão e no Outono e no Inverno chega o fascismo. O avô, Alfredo Berlingheri, é representado por um Burt Lencaster que por ter gostado do conceito da obra aceitou representar gratuitamente. O calor, as cores e a energia da Primavera da infância são substituídos pelo frio e pelo gelo da ditadura. Este tempo frio e cruel é personalizado magnificamente pelos abusos perversos do cruel Átila (Donald Sutherland) e da sua amante, Regina.

Na versão de coleccionador do filme, Bertolucci relata que chegou a pedir à Academia Soviética um actor para dar corpo ao assalariado Olmo Dalco, mas que desistiu logo depois de lhe terem começado a pedir o script da obra. Esta personagem acabou por ser representada por um Gérard Depardieu em início de carreira, e que ali contracena com outra estrela maior em ascensão, Robert de Niro.

Bertolucci relata nessa mesma versão de coleccionador, que a rodagem do filme se foi arrastando, semanas após semanas, meses após meses, e dentro do staff do filme algumas relações amorosas foram constituídas. Quando ele decidiu que estava na hora acabar o filme, sentiu que estava a interromper equilíbrios que tinham sido ali estabelecidos. A revolta e o mau-estar sentiram-se de imediato.

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Vi este filme pela primeira vez na Cinemateca em duas sessões (são 5h17m!), legendado em castelhano e, devido à sobrelotação, só consegui lugar sentado no corredor central da sala. Este texto não estava para ser sobre este filme que, pelos muitos momentos fortes e por se tratar efectivamente de uma obra-prima do cinema, merecia um post próprio.

Com tudo isto em mente, entendo que ser de esquerda, mais ou menos revolucionária, é como um grito de revolta, é um acto de generosidade e de humanismo. Mas, e aqui reside a sua fraqueza, na sua acção pretende esmagar a natureza humana.

Na história da nossa recente democracia, existem vários momentos onde estas duas visões estão em confronto, mas em nenhuma encontro a força e a genuinidade como no debate sobre a propriedade da enxada, no filme de Thomas Harlam, rodado na herdade da Torre Bela em Abril de 1975, e em que Wilson Filipe é um dos seus protagonistas.

"Qual é o valor da tua ferramenta?" podia ter sido uma pergunta feita no Novecento de Bertolucci, mas foi feita em Manique do Intendente no prelúdio do Verão Quente de 1975. "Amanhã tiram-me as botas e ficam da cooperativa! Daqui a nada o que eu visto e o que eu calço é da cooperativa!" diz o incrédulo nos amanhãs que cantam.

A injustiça pela incorrecta distribuição de riqueza será uma camada adicional não contemplada pelos estudos de Adam Smith. Entre muitas coisas (a mão invisível será o seu conceito mais conhecido e, atenção não estamos a falar do governo de José Sócrates, o príncipe da esquerda!) preocupou-se em entender como é que a riqueza se acumulava em algumas regiões e noutras não. Ele reparou que nem o talhante, nem o cervejeiro nem o padeiro agiam por benevolência, mas apenas considerando os seus próprios interesses. E concluiu que era possível combinar a natureza humana no empenho dos seus interesses próprios, com o bem comum na criação de riqueza para a economia. Defender isto não implica que o talhante, o cervejeiro e o padeiro, sejam impiedosamente egoístas, mas apenas que eles, zelando pelos seus interesses pessoais, acrescentam riqueza à sociedade e à economia, e se o bolo for maior, haverá mais para distribuir. Adam Smith não fala nesta redistribuição mas eu acho que desde que não se sacrifique a capacidade de criação de riqueza, a redistribuição faz todo sentido.

A esquerda mais aguerrida, não aceita esta lógica. Prefere de longe que seja o estado, e os seus zelosos funcionários, a definir as acções do talhante, do cervejeiro e do padeiro. O estado, ou a cooperativa, deve ser o dono das enxadas e, mesmo sabendo que a história da ocupação desta herdade é apenas mais uma das inúmeras tentativas em expropriar a natureza humana, insistem em repetir a fórmula que repetidamente tem trazido fome e miséria aos que já eram mais pobres.

Tudo este texto foi desencadeado pelo desaparecimento de Wilson Filipe, uma das figuras que lideraram a ocupação da herdade da Terra Bela em 1975 e que defendeu a apropriação dos bens privados pela cooperativa. Não duvido da sua coragem, da sua sede de justiça e da sua humanidade. Foi apenas, como muitos dos idealistas de esquerda, derrotado pela realidade e pela natureza humana.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.12.20

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Ana Margarida Craveiro: «Longe vai o tempo em que as empresas punham e dispunham dos consumidores portugueses. Depois de nos arrastarmos na cauda da lista dos consumidores que assumem os seus direitos (durante muitos anos, comíamos e calávamos, que o livro de reclamações é uma coisa muito séria), surgem pessoas como a Maria João Nogueira, a demonstrar que o acto de compra não se limita a dar dinheiro em troca de um bem. Há um contrato, que deve ser cumprido pelas duas partes. As empresas têm obrigações, e deveres perante a lei. Quando falham, tentar calar o consumidor que reclama é capaz de não ser a atitude mais inteligente.»

 

Bandeira: «Queixemo-nos agora do frio violento, porque quando o calor chegar será tarde demais.»

 

João Carvalho: «A criança regressou a um quadro de vida claramente inadequado e de risco, mas podem todos respirar de alívio: está sã e salva. Tanto quanto esta espécie de jornalismo sem exigência. Ou seja: não está. Porque a notícia, ó gente bacoca, não é que a menina de 13 anos está sã e salva e foi entregue à família, mas sim que a menina de 13 anos foi encontrada longe de casa após três dias com um "namorado".»

 

Rui Rocha: «A recandidatura de Cavaco Silva corre-lhe bem. A conjuntura já lhe era favorável. Alegre, o principal opositor, apresenta-se sem base de apoio coerente. A clivagem política não se faz, em Portugal, entre esquerda e direita. Faz-se entre partidos do arco da governação e partidos do arco-da-velha (PCP e Bloco). Embora ocupem, aparentemente, espaços contíguos, PS e Bloco estão à distância desse fosso profundo que os separa. Alegre dedica-se ao esforço inglório de saltar de um lado para o outro. Em cada viagem, desbarata credibilidade. E, desta vez, não tem uma história de injustiça para contar. Em 2011, não existe um moinho com bochechas ao vento contra o qual um bardo quixotesco possa espetar a barba. Sem moinhos não há crónicas épicas de cavalaria.»

 

Teresa Ribeiro: «Crises económicas e políticas? Foram várias as que Portugal já teve de enfrentar. A novidade é que desta vez sofremos uma enorme pressão do exterior para sermos consequentes. Por uma vez na nossa História os nossos governantes vêem-se fortemente constrangidos a proceder a verdadeiras reformas, as tais reformas estruturais que até hoje nunca desejaram. Esta é a única situação que me diverte e dá esperança neste cenário de crise. É a única boa notícia.»

 

Eu: «Nunca se viu um debate assim: dois candidatos presidenciais que vão defrontar-se nas urnas tratarem-se amavelmente por "colegas". Aconteceu ontem à noite, na RTP, no frente-a-frente que reuniu Defensor Moura e Fernando Nobre, ambos médicos. Parecia mais um debate para o cargo de bastonário da Ordem dos Médicos do que um debate presidencial. Sem dúvida o mais frouxo e desinteressante desta campanha.»

Leituras

Pedro Correia, 27.12.20

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«A atmosfera burocrática tem uma acção mortal sobre todas as coisas que vivem do esforço humano; põe também fim, sob a supremacia do papel e da tinta, a todo o temor e toda a esperança.»

Joseph Conrad, A Linha de Sombra (1917), p. 43

Ed. Relógio d' Água/Público, 2003. Colecção Mil Folhas, n.º 50. Tradução de Maria Teresa Sá e Miguel Serras Pereira

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