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Delito de Opinião

Entre os mais comentados

Pedro Correia, 30.11.20

Em 21 destaques feitos pelo Sapo em Novembro, entre segunda e sexta-feira, para assinalar os dez blogues nesses dias mais comentados nesta plataforma, o DELITO DE OPINIÃO recebeu 21 menções ao longo do mês, fazendo assim o pleno. 

Incluindo oito textos na primeira posição, seis na segunda e três na terceira.

 

Os postais foram estes, por ordem cronológica:

 

Belles toujours (66 comentários, o mais comentado do fim de semana) 

Como se os mortos infectassem (24 comentários)

Estranha forma de governar (26 comentários)

A incógnita (40 comentários, segundo mais comentado do dia) 

Confusão (70 comentários, o mais comentado do dia)

Quando o gigante se torna anão (88 comentários, o mais comentado do fim de semana)  

Será que Alvito existe? (88 comentários, o mais comentado do dia)

Leitura recomendada (52 comentários, terceiro mais comentado do dia)  

Reacções e falta de memória (41 comentários)   

Heróis de um mundo que já não há (46 comentários, segundo mais comentado do dia) 

Leveza de ser (30 comentários, segundo mais comentado do fim de semana) 

Pensamento da semana (34 comentários, terceiro mais comentado do dia) 

Miguel Sousa Tavares featuring André Ventura (39 comentários)

Um homem comum na Casa Branca (64 comentários, segundo mais comentado do dia)

O historiador sem memória (40 comentários, segundo mais comentado do dia)

Censura em directo (92 comentários, o mais comentado do fim de semana) 

Elogio da crónica (44 comentários, o mais comentado do dia)

Pintores sem prazo de validade (44 comentários, segundo mais comentado do dia) 

Acabou a bebedeira (59 comentários, terceiro mais comentado do dia)

Penso rápido (98) (46 comentários, segundo mais comentado do dia)

Toma lá, dá cá (70 comentários, o mais comentado do fim de semana)

 

Com um total de 1103 comentários nestes postais. Da autoria do João Pedro Pimenta, da Maria Dulce Fernandes, do Paulo Sousa, do JPT, do Rui Rocha, do Sérgio de Almeida Correia e de mim próprio.

Fica o agradecimento aos leitores que nos dão a honra de visitar e comentar.

Desigualdades da pandemia

Luís Naves, 30.11.20

Os trabalhos precários foram os primeiros a ser extintos, começa a falar-se de fome. Os que tinham posições bem remuneradas continuam a ter empregos bem pagos, os outros vão passar dificuldades. Na desigualdade da pandemia, há dados sobre o que se passa na América e não deve ser diferente da nossa realidade. Sabe-se que muitas pessoas deixaram de conseguir pagar comida, rendas, escola ou contas de electricidade. Em contraste, os milionários que se confinaram nas suas fortalezas enriqueceram, pois desta vez a crise não atingiu a riqueza em bolsa. A massa salarial total anterior à pandemia ficou mais ou menos na mesma, mas o número de desempregados aumentou em sete milhões (chegaram a ser mais 18 milhões nos EUA). Ao mesmo tempo, entre Março e Outubro, os 644 bilionários americanos enriqueceram 931 mil milhões de dólares, mais um terço do que tinham. Sozinho, Jeff Bezos ganhou 90 mil milhões com esta crise, quase metade do PIB português. Em resumo, está a decorrer uma gigantesca transferência de riqueza, semelhante à que ocorreu após a crise de 2008, mas muito mais rápida. Isto soma-se a um processo profundo e inquietante. Entre 1940 e 1970, nos EUA, houve um paralelismo exacto entre os aumentos de produtividade e o aumento dos salários. Depois, começou uma estranha divergência. Entre 1979 e 2018, a produtividade americana cresceu 69,6%, mas os salários apenas 11,6%. Esta parece ser a origem do descontentamento contemporâneo e a notícia é que vem aí uma nova vaga: o mundo está a partir-se entre confinados e desconfinados, entre consumo de luxo e consumo intermitente, entre os que têm voz e os que não têm.

Aprenderão à custa deles

Pedro Correia, 30.11.20

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Como aqui antecipei na sexta-feira, nada de relevante foi debatido no XXI Congresso do PCP, que bem poderia - e deveria - ter sido adiado. Jerónimo de Sousa foi reeleito para um quinto mandato como secretário-geral, função que ocupa há 16 anos, e a resolução política foi aprovada por unanimidade, algo bem revelador do monolitismo comunista. O Comité Central mereceu a aprovação de 98,5% dos congressistas, em votação digna da defunta Albânia vermelha, e o candidato vai-a-todas João Ferreira tomou assento na Comissão Política, sério indício de que é o delfim ungido pela velha guarda.

Não havia pressa nem necessidade de nada disto ter ocorrido no momento em que ocorreu. Invocar a lei de 1986, jamais concebida a pensar numa pandemia, para insistir na realização em 2020 de um congresso partidário em estado de emergência num concelho classificado de alto risco sanitário e em que a própria população local está submetida a recolher obrigatório, é mais do que cinismo ou sonsice: é pura estupidez, que só contribuirá para aumentar ainda mais os índices de rejeição do PCP junto dos portugueses.

 

Os comunistas, entrincheirados numa bolha endogâmica, invocam com sofisma essa lei, que em caso algum os impediria de adiar a reunião magna (como fizeram PS, BE e PSD-Madeira) ou realizá-la por via digital (como fez há duas semanas a Iniciativa Liberal).

Em qualquer dos casos, estaria salvaguardado não apenas o respeito pela letra mas também pelo espírito do diploma de 1986.

 

O problema é que o PCP tenta moldar a realidade às suas teses em vez de proceder em sentido contrário, como seria sensato e curial. Tendo votado contra o estado de emergência, procede como se ele não existisse (privilégio negado ao cidadão comum). Ao insistir em chamar "epidemia" à pandemia, como se o novo coronavírus fosse sarna ou sarampo, faz vibrar de júbilo algum negacionismo militante mas não consegue alterar os factos. Que são teimosos, como ensinava Lenine.

Pelos vistos a recente derrocada eleitoral nos Açores, onde o partido foi riscado da Assembleia Legislativa Regional, não ensinou nada aos comunistas. Acabarão por aprender de maneira ainda mais dolorosa, à sua custa, em todas as eleições que hão-de vir.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.11.20

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André Couto«A conferência de imprensa de José Mourinho no fim do Barcelona-Real Madrid desta noite foi uma aula, uma lição de como levar cinco olés na casa do maior rival, virar a situação e terminar como se fosse o grande vencedor da noite. Sem nunca se exaltar, sem nunca cair nas escorregadias perguntas dos jornalistas sedentos de sangue, ainda terminou a refrescar os rostos frustrados com o recente Barcelona-Inter de Milão.»

 

Filipe Anacoreta Correia: «Em Portugal, como no resto na Europa, assiste-se a uma preocupante demissão da sociedade civil em “tomar partido”. As consequências são evidentes aos olhos de todos: desidentificação crescente entre eleitores e eleitos, desmobilização e indiferença diante do sistema político, descredibilização das instituições, que, por sua vez, se tornam incapazes de tomar o pulso à sociedade e mobilizá-la para os desafios com que nos enfrentamos (mais a mais em tempos de crise e de urgência como o que actualmente existe).»

 

Rui Rocha: «Mourinho é ambição, é arrogância e obsessão. É auto-suficiência que transborda para lá das quatro linhas do campo. As vitórias morais devem ser-lhe muito amargas. O que aconteceu ontem foi o confronto do homem com o seu próprio mito. E como não podia deixar de ser, o homem é bastante menor que a dimensão do mito. Mourinho, o treinador, é de carne e osso, falível, sujeito ao erro. Ontem, apanhou um banho de futebol. Lá dentro do campo, onde as coisas realmente acontecem, a aula foi dada por Messi, por Xavi, por Iniesta e pelo seu treinador, Pep Guardiola. Dizer agora que Mourinho foi brilhante na derrota é pregar-lhe uma rasteira. O homem alimenta-se, exclusivamente, de sucessos. No dia em que as suas vitórias passarem a ser grandes exibições nas conferências de imprensa depois dos jogos, Mourinho estará acabado.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «No mundo onde corre, Filipe Albuquerque é um dos melhores, embora não tenha os meios de Mourinho. O feito alcançado no passado fim-de-semana, na prova disputada na Alemanha, mereceu elogios em toda a Europa e até no Brasil, pátria de nomes como Pace, Fittipaldi, Piquet ou o inesquecível Ayrton Senna da Silva, a sua marca não passou despercebida. Os meus heróis têm nome. Este chama-se Filipe Albuquerque e fala português como nós.»

Lamento por um título arruinado

Paulo Sousa, 29.11.20

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Ontem vi o filme “Hillbilly ElegyGosto de histórias baseadas em factos verídicos. Na ficção existem limitações de razoabilidade de que a realidade se deve rir à gargalhada.

Esta é uma história pessoal e familiar, que se tivesse sido inventada pouco passaria de um chorrilho de clichés. Baseia-se num Best Seller com o mesmo nome, escrito por J.D.Vance.

Uma gravidez involuntária nos anos 50 leva um jovem casal a fugir do Kentuky e a estabelecer-se no Ohio. Além da história familiar, o filme mostra-nos também as grandes mudanças ocorridas desde então no midwest, com destaque para a desindustrialização, para a falta de oportunidades da classe média, para a facilidade no acesso a drogas e no fundo para a degradação social.

Olhando à imensidão de informação que foi divulgada nos últimos meses por ocasião das eleições americanas, esta é a América que, por estar descontente com a evolução das suas perspectivas de vida, vota Trump. Salta à vista que ali se comunica com o jargão a que Trump nos habituou. Quando as elites liberais e bem sucedidas dos grandes centros urbanos ficam corados com a rudeza com que o ainda POTUS se dirige aos seus cidadãos, não fez ideia de que é assim que se fala nas zonas rurais. É assim que os rednecks se manifestam e é assim que funcionam. Mal comparado, podemos imaginar o choque de um lisboeta com pedigree quando pára num café duma terriola na cintura urbana do Porto e troca dois dedos de conversa com um local. Eu adoro as nossas diferenças, as nossas pronúncias e a liberdade como moldamos a língua à forma como pensamos e somos, mas no filme, os recorrentes palavrões dentro das conversas familiares surgem como um sinal da degradação moral.

Histórias como esta, algumas com final bem mais triste, desenrolam-se perto da nossa casa, à volta das grandes cidades no nosso país e por todo o mundo.

Apesar do difícil percurso de J.D.Vance, dos momentos traumáticos que a sua instável mãe lhe proporcionou, e assente na sua relação com a irmã e sobretudo com a avó, esta é uma história de superação e até inspiradora para jovens à procura de uma fasquia a que possam ambicionar.

A tradução literal do título desta obra poderia ser qualquer coisa como “Elegia campónia” ou “Elegia provinciana” ou até “Elegia matarruana”. No Brasil, que tem uma tradição bem cómica na tradução de títulos de filmes, este filme chama-se “Era uma vez um sonho”. Em Portugal, alguém que quis sublinhar a sua visão pessoal, poupando-nos assim o esforço de uma análise, achou que a história de um miúdo que cresceu fora das elites, num ambiente terrível, e ainda assim (spoiler alert) consegue formar-se em Yale, deveria ser “Lamento de uma América em ruínas”, o que retrata melhor o tradutor, que o filme.

Maradona

jpt, 29.11.20

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Há alguns séculos no leste do Mediterrâneo contavam-se inúmeras histórias populares. Para fixar e preservar essa oratura, ou folclore como também foi chamado, foi constituído o primeiro Centro de Estudos Etnográficos e Filológicos da história. Ficou conhecido como HOMERO (um acrónimo, ao que julgo saber).
 
Uma das histórias que esses etnógrafos recolheram foi a do herói - ou seja, bastardo de deus - Aquiles. Um tipo fora a casa de outro e fugira com a "mulher do dono". Há quem diga que foi um "rapto de mulher", qual sabina, outros - mais românticos - acreditam que foi coisa d'amor, pouco importa. Os amigos do dono juntaram-se e, em bando, foram recuperá-la. Não foi um coisa tipo KKK, pois apesar do atrevido viver na Ásia não era cigano. Nem preto. Foi muito mais uma cena de "padrinhos", que um chefe não rouba a mulher do outro, é isso a honra ...
 
Quando lá chegaram houve zanga, e grave: Aquiles era o nº 1 do ranking, o MVP da equipa, e por isso carregava a nº 10. Mas ainda assim o treinador, pois o "capo del tutti capi", Agamemnon de seu nome, roubou-lhe a escrava que ele usava sexualmente (nem o dr. Ba nem a Comissão da Condição Feminina têm abordado a situação com a atenção devida ...). Indignado, Aquiles amuou e recusou-se a ir a jogo. Cumpriram-se várias jornadas da competição e o torneio estava a correr mal aos forasteiros, desprovidos do seu astro. Então promoveram um sub-23, prometedor, deram-lhe a tal camisola 10 e a titularidade. Correu mal. Ao saber daquilo, do junior desgraçado, Aquiles caiu em fúria excessiva - logo tablóides aventaram, e ainda aventam pois sempre em busca de escândalos, que ambos eram LGBT, e isso apesar de toda a bronca devida à escrava sexual. Mas tablóide é tablóide.
 
Enfim, tão irado ficou o campeão que saiu à liça, teve uma entrada assassina sobre o capitão adversário, devastando-o de tal modo, completamente "à margem das leis", que o treinador adversário, condoído, entrou em campo a pedir calma.
 
(É certo que depois as coisas não vieram a correr bem a Aquiles. Pois num torneio posterior um tal de Erínea, ou terá sido o Nemésis, não sei bem, fez-lhe uma entrada venenosa ao calcanhar, tão grave que lhe acabou a carreira, de modo precoce).
 
A história ficou. E este é o modelo de herói que seguimos, e tanto amamos, há muito tempo. Nós os pérfidos "ocidentais", netos daquela Grécia. E muitos outros (atrevidos na "apropriação cultural" que desavergonhadamente fazem). Herói pois caprichoso, abusador, furioso, glorioso. Excessivo! E interrompido, breve, pois derrotado após um (in)findável ciclo de vitórias. Nisso tudo Semi-Deus. Frágil nisso, para além da Ética.
 
A ele regresso sempre. Mais agora quando vejo tanto rato de sacristia resmungar contra o nada-exemplar Maradona, pois nada molde de bom pai de família, de honesto pároco ou de recto professor. Pobre gente que nada percebe. Dos homens. E, mais do que tudo, dos deuses e seus bastardos ...
 
Aqui deixo Maradona no Argentina-Bélgica no campeonato do Mundo de 1986. Há quem perceba ... E quem não possa perceber.

O comentário da semana

Pedro Correia, 29.11.20

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«Temos uma herança literária riquíssima, disso não há dúvida. Mas o adolescente de hoje não é o mesmo de há 30, 40 ou 50 anos.

Até acho que hoje demoram mais a crescer, são demasiado protegidos e ganham maturidade mais tarde. Antigamente o adolescente tornava-se "homenzinho " mais cedo. Isso fazia com que compreendesse e retirasse dos livros outros valores, que os incorporasse, identificando-se com a obra.

Isto para dizer o quê? Para dizer que o fomento da leitura, que se dá normalmente entre os 14 e os 18 anos, deveria ser progressivo. As obras escolhidas pelos planos nacionais de leitura, apesar da sua riqueza e valor, não são atractivos para os jovens de hoje. Isso acaba por se reflectir no gosto pela leitura. Os jovens criam resistência. A leitura é vista como uma seca.

 

Em 2014, um liceu do Novo México optou por uma estratégia diferente. Alterou os agendamentos das obras literárias curriculares. Começou a fomentar a leitura de forma gradual, com livros e autores que jamais constariam nas listas leccionáveis. Quebrou inclusive a barreira dos autores ingleses e americanos, fazendo constar também obras de autores de língua estrangeira, como Gabriel García Márquez ou Erich Maria Remarque. Sugeriu aos alunos lerem livros de James Bond, Daniel Silva ou Lee Child e o seu Jack Reacher. Depois foram introduzindo obras cada vez mais complexas e mais exigentes. Mas o bichinho já lá estava e os alunos evoluíram naturalmente e ofereceram muito menos resistência. Aos alunos da middle school deram-lhes Enid Blyton e Os Cinco, depois Harry Potter.

Claro que os intelectuais avisparam-se. Nos EUA, além do inglês, existe a disciplina de literatura inglesa e constar dos planos autores do circuito comercial foi [algo] criticado por algumas personalidades. Mas o certo é que trouxe resultados. Os alunos gostaram, melhoraram os seus resultados e ganharam gosto pela leitura, que teve continuidade.

 

Este exemplo foi mais tarde copiado por uma universidade inglesa, também com bons resultados.

Porquê não optar aqui pela mesma estratégia? Por muito que custe a muita gente, as obras dadas a partir do 7.° ano, com excepção de uma outra, são uma seca para as crianças. As crianças não se sentem motivadas para ler. Ao passo que se se começasse por obras atractivas para os jovens e que os seduzissem, poder-se-ia introduzir gradualmente outras de maior valor literário.»

 

Do nosso leitor O Inconveniente. A propósito deste meu texto.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.11.20

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Ana Margarida Craveiro«No total, este filme de Anton Corbijn não terá mais de trinta minutos de diálogo. É um filme mudo, dominado na perfeição por George Clooney. Bastam-nos as expressões deste grande actor, não precisamos de muitas palavras. Os diálogos e explicações estão todos nos gestos de Clooney, no seu movimento.»

 

Daniel Santos: «Poupando os leitores aos pormenores do acidente que me colocou vários meses deitado numa cama e de perna no ar, foi na blogosfera que me segurei, depois de dias e dias de televisão, semanas e semanas de livros. Comecei por um projecto a solo. Analfabeto me confessava, como ainda hoje me sinto, mas encontrei algo que me fascinava, algo dinâmico que se tornou um desafio para mim.»

 

João Carvalho: «Eleições presidenciais e legislativas no Haiti. Seguidos por milhares de manifestantes nas ruas de Port-au-Prince, 12 dos 19 candidatos à sucessão do presidente René Préval já pediram a anulação do acto eleitoral por acharem que houve fraudes a favor do candidato apoiado pelo partido que está no poder. Não dá para acreditar, pois não?»

 

Rui Rocha: «Muitos não terão dado por isso, mas Portugal é hoje um Estado Social 2.0. É claro que, tal como antes, tudo assenta na rede. De interesses, de compadrios e de cumplicidades que nem às paredes se confessam. Mas, o Estado Social 2.0 é muito mais do que isso. A evolução suporta-se no desenvolvimento de novas Plataformas que aproveitam os efeitos de rede para os tornar mais poderosos. Beneficiando uma certa inteligência colectiva. Desenganem-se. Este país não é para meninos. Nem para velhos. Nem para doentes. Nem para os que praticam o mérito sem rede. É um país para rapazes com acessos e largura de banda.»

 

Eu: «Há muito tempo que não frequentava o Prós & Contras, da RTP. Um programa no qual, salvo raras excepções, o verdadeiro debate está quase sempre ausente, os consensos "moles" - tipo bloco central - prevalecem e costuma ser reservado lugar a um representante do Governo, não vá a gente esquecer-se quem é a entidade patronal do canal público. Faz hoje oito dias, por breves minutos, zapei para lá. Das duas uma: ou tenho muito azar ou de facto aquilo está cada vez menos recomendável.»

O seu tempo próprio

Ana Cláudia Vicente, 28.11.20

1Neste mundo, tudo tem a sua hora; cada coisa tem o seu tempo próprio.

 2Há o tempo de nascer e o tempo de morrer; o tempo de plantar e o tempo de arrancar (..)

5o tempo de atirar pedras e o tempo de as juntar; o tempo de se abraçar e o tempo de se afastar;

6o tempo de procurar e o tempo de perder; o tempo de guardar e o tempo de deitar fora;

7o tempo de rasgar e o tempo de coser; o tempo de calar e o tempo de falar (...).

Livro de Eclesiastes, 3 (1-2;5-7)

Não sei que idade terão os vossos pais, ou teriam. Os meus têm mais de oitenta. Estão a aguentar-se bem. Quando penso neles, recordo como quase nenhuma geração é poupada a aflições: conheceram primeiro a privação de alimento, a guerra; a peste ficou para o fim. Tiveram e têm o seu tempo próprio. E nós, e o nosso tempo? Não sabemos - não é coisa que consigamos realmente prever. Vivemos as primeiras décadas de vida em progressiva melhoria, comparativa abundância. Agora é hora de nos havermos com uma verdadeira dificuldade colectiva. Há semanas ou meses que convivemos com este encargo novo, cheio de cansaços e angústias surpreendentes. É vez de cuidarmos dos nosso mais velhos e dos nossos mais novos em circunstância instável. Todos os dias improvisamos, todos os dias há uma nova exigência a acrescer ao que tínhamos previsto. É isto, foi esta a fragilidade que os outros, neste mundo e noutra hora, sentiram antes de nós?

Num tempo de guardar e de deitar fora, de se abraçar e de se afastar, evoco duas grandes alegrias: trabalhar em algo que importa e  pertencer a uma boa equipa. Quis a sorte que neste ano desse por mim, todos os dias, a fazer parte de um colectivo de pessoas competentes, confiáveis e generosas. Uma pessoa aguenta quase tudo, quando assim acontece.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.11.20

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Ana Margarida Craveiro«Na blogosfera da cozinha, encontramos gente que faz comida porque gosta. Porque chega a casa, e tem prazer a fazer uma refeição em condições, à moda antiga. Eu confesso que também sou assim: cozinhar relaxa-me, dá-me gosto, e nada sabe melhor do que ver o resultado desses minutos ou horas na satisfação dos outros. A cozinha é para os outros, e acho que somos uma sociedade tanto mais forte quanto mais valor dermos a estas pequenas coisas.»

 

Ana Sofia Couto: «Nas primeiras páginas, o poeta, aproveitando o exemplo de Santo Agostinho, que sabia o que era o tempo até começar a pensar na pergunta "o que é o tempo?", diz que o conhecimento da poesia pode significar a impossibilidade de definir "poesia". No entanto (ou por isso mesmo), o que [Jorge Luis] Borges escreve, com a ajuda de outros que também se dedicaram ao ofício, é um modo de reagir a essa impossibilidade. O resultado é um livro extraordinário.»

 

André Couto: «O actual bastonário da Ordem dos Advogados, agora reeleito por mais três anos, é como Saldanha Sanches era: um dos bons, um dos corajosos, um dos poucos sem medo de dizer o que tem de ser dito, quando tem de ser dito! É senhor de uma postura ímpar que faz cada vez mais falta nos dias que correm. (...) Espero que agora os Velhos do Restelo se remetam ao silêncio. O tira-teimas não deixou margem para dúvidas. Parabéns e força para António Marinho Pinto!»

 

João Carvalho: «Reunidos em Bruxelas, «os 16 ministros das Finanças da zona euro acabam de aprovar um auxílio financeiro de 85 mil milhões à Irlanda.» Parece que Teixeira dos Santos até quis doar logo uma nota de dez euros que levava na carteira para demonstrar aos mercados que a situação de Portugal nada tem que ver com a da Irlanda. Um gesto de amor que foi impedido de fazer por estar sujeito a um Orçamento de austeridade e não ser abrangido pelo regime de excepção (vulgo de adaptação) aos cortes salariais.»

 

Teresa Ribeiro: «Foi Saramago que disse um dia que "a nossa única defesa contra a morte é o amor". Quando vemos José e Pilar expostos nas minudências do quotidiano, placidamente instalados um no outro, percebemos a dimensão desta frase. Percebemos igualmente porque, sendo ele ateu, se sai com aquele repto: "Encontramo-nos noutro sítio." Finalmente, entendemos também porque escolheu o escritor para morada aquela ilha espanhola tão inóspita. Quando Miguel Gonçalves Mendes nos mostra que o casal chamou à vivenda onde morava "a casa", faz-se luz. Pessimista como era em relação à espécie humana, aquele lar com a envolvente era uma metáfora: o seu refúgio do mundo.»

 

Eu: «Há dias, em Lisboa, Carlos do Carmo deu uma lição de palco. Pelo profissionalismo - nunca se apresenta perante nenhum auditório, seja ele qual for, sem o trabalho de casa irrepreensivelmente feito. Pelo reportório - tudo quanto cantou, como aliás é seu timbre, era de uma irrepreensível qualidade. E pelas palavras que, na dose certa, soube partilhar com quem o escutava no Pavilhão Atlântico. Um artista é também um comunicador, como bem sabe este homem que, sendo fadista há 47 anos, decidiu "cantar umas sinatradas", segundo ele próprio confessou, fazendo o gosto à voz, como se desfolhasse um álbum de memórias íntimas.»

Toma lá, dá cá

Pedro Correia, 27.11.20

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Raras vezes uma barganha política ficou tão evidente na mercearia interpartidária: o PCP inaugura hoje o seu XXI Congresso, em Loures, após ter viabilizado ontem as contas públicas para 2021 propostas pelo Governo minoritário do PS naquele que foi o último suspiro da "geringonça", nascida em Novembro de 2015 e falecida neste ano da desgraça de 2020.

É algo que, ao nível da linguagem popular, se traduz na expressão "toma lá, dá cá". Neste caso - e na perspectiva do Governo - toma lá congresso, dá cá voto parlamentar. E nem foi necessário ser um voto favorável: para aprovar o Orçamento do Estado bastou a abstenção do partido vermelho e do seu vitalício apêndice verde.

Não custa vaticinar que foi a última vez que tal aconteceu. A tentação de romper já com o PS, a exemplo do que fez o Bloco de Esquerda, era grande entre os comunistas. Também não custa perceber que a aprovação da Direcção-Geral de Saúde ao conclave partidário num dos derradeiros bastiões autárquicos do PCP funcionou como moeda de troca. Apesar de Loures ser um concelho de alto risco sanitário e o congresso implicar a mobilização de centenas de militantes oriundos das mais diversas partes do País em pleno estado de emergência.

Tudo à semelhança do que já sucedera noutros actos litúrgicos a que o clero comunista atribui prioridade absoluta nos seus rituais de culto: o 1.º de Maio, este ano celebrado com a CGTP a violar a interdição governamental de circulação entre concelhos, e a Festa do Avante!, no primeiro fim de semana de Setembro, quando a segunda vaga da pandemia já galopava no Seixal, outro concelho de elevado risco. Dias depois, quando a progressão do vírus se tornara iniludível, o Governo declarou todo o território nacional continental em "situação de contingência".

 

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Cumpre assinalar que nada de relevante será debatido neste congresso. No PCP, que tem metade do Comité Central composto por funcionários do próprio partido, sem efectiva ligação ao mundo do trabalho real, todo o processo de decisão ocorre à porta fechada, nas impenetráveis reuniões do Secretariado (oito homens, duas mulheres) e da Comissão Política (18 homens, três mulheres), nunca sujeitas ao menor escrutínio jornalístico.

O conclave será um mero desfile de monótonos discursos formalmente "anti-sistema", proferidos sempre no mesmo estilo, no mesmo tom e na mesma langue de bois repleta de chavões forjados num partido ainda "revolucionário" de fachada mas rendido ao reformismo burguês. E que usufrui hoje de chocantes privilégios negados ao cidadão comum: enquanto a população se vê forçada a encerrar-se em casa, no próprio concelho de Loures, os congressistas usufruem ali de livre-trânsito em aberto desafio ao recolher obrigatório.

Tudo isto para no domingo reconduzirem como figura máxima o mesmo secretário-geral que ocupa o cargo há 16 anos. Homem, claro: nunca o PCP foi liderado por uma mulher ou teve sequer uma mulher à frente da sua bancada parlamentar. E alguém que é funcionário do partido há largas décadas, como acontece com tantos outros dirigentes, intitulados "operários" sem o serem de facto.

 

3

Toma lá o último apoio parlamentar; dá cá congresso e três dias de tempo de antena, a meses das autárquicas, com chancela das autoridades sanitárias: eis o recado de Jerónimo de Sousa a António Costa. O primeiro-ministro, que se prepara para votar Marcelo Rebelo de Sousa na eleição presidencial de 24 de Janeiro, deixa de ter amparo à esquerda.

Longe vão os tempos das manchetes festivas, em que as trombetas da propaganda governamental enalteciam o ilusório "milagre sanitário" português. Mais longínquos ainda, os dias em que Costa fazia graçolas com uma frase que terá sido proferida por Passos Coelho ao advertir que "vinha aí o diabo".

Pois o diabo chegou, em forma de vírus. Já estilhaçou a "geringonça" e já retirou o PS do Governo dos Açores ao fim de 24 anos de poder absoluto. Na crescente solidão do seu gabinete, Costa estará hoje cem vezes arrependido das farpas que lançou a Passos. Enquanto ganha ânimo para anunciar aos portugueses que este ano não haverá Natal.

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