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Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.09.20

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Ana Vidal: «Este estranho aviso acaba de aparecer no écran do meu computador. Tendo em conta que o que o Firefox considera "constrangedor" é o facto de eu, supostamente, estar a tentar abrir um video chamado "Ana Malhoa Sexy", não só lhe dou toda a razão como lhe louvo os critérios estéticos. O estranho é que eu não estava a tentar abrir coisa nenhuma, mas nem fui averiguar, não vá o Firefox criticar-me outra vez e passar de "constrangedor" a "confrangedor"...»

 

Leonor Barros: «Eles andam aí. Nunca os vemos, sentimo-los a maior parte das vezes e podem assumir diversas formas. Quase sempre anónimos ou com nicks inventados invadem as caixas de comentários e só têm um único objectivo relativamente ao mundo que os rodeia: chatear, e um outro objectivo do foro pessoal, dar um sentido às suas tristes e miseráveis vidas sem rosto.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Qualquer análise da situação política, que queira revelar um mínimo de bom-senso e sentido das realidades, terá de partir de duas constatações. A primeira é a de que os dois principais partidos se têm comportado muito mal, em especial os seus líderes. A segunda é a de que a situação do país obrigaria a que o PS e o PSD fossem capazes de encontrar internamente soluções de governabilidade a curto e médio prazo, coisa para a qual, entre outras, se têm revelado profundamente incompetentes.»

Memórias subjectivas (6)

João André, 25.09.20

Aos Amores*

A Ana Rita foi o meu primeiro amor. Uso o termo "amor" de forma liberal, porque "paixão" seria completamente inapropriado. É que eu tinha entre 8 e 10 anos na altura. Não recordo exactamente a Ana Rita, apenas que era do meu grupo dos tempos livres, para onde ia depois da escola, e que eu terei confessado isso um dia à minha mãe, que provavelmente sorriu, disse algo como "sim filho?, que bom..." e voltou à sua vida pensando que eu estaria a crescer demasiado depressa. Uns anos mais tarde (ou provavelmente meses), veio a Elsa. A minha memória faz-me pensar que terá sido muito depois da Ana Rita, mas pode ter sido um mês apenas. Nessa altura isso era muito tempo. Sei no entanto que era da minha turma no 1º ano do ciclo (5º ano hoje) e que era bastante mais desenvolvida que eu (leia-se: notava-se que já tinha algum peito). Dizer que uma rapariga era mais desenvolvida que eu não é uma confissão excepcional: qualquer rapariga da minha idade era mais desenvolvida que eu. Eu diria que qualquer mulher com uma diferença de idade de cerca de 10 anos será mais desenvolvida que eu ainda hoje. Mas na altura isso era normal: é que eu era um rapaz, e os rapazes são completamente imaturos em relação a raparigas.

Isto é factual, mas será talvez meta-factual. A diferença não é apenas que as raparigas amadurecem física e psicologicamente mais cedo que os rapazes, mas que os rapazes não parecem amadurecer de todo no que diz respeito a raparigas. Se víssemos um gráfico do desenvolvimento emocional de rapazes por tópicos ao longo dos anos, veríamos uma progressão em todas as categorias e estas mais ou menos ao mesmo nível. No que diz respeito a raparigas, os rapazes atingiriam um determinado nível por volta dos 8 a 10 anos e ficariam nesse nível por uns 15 anos. Eu não era diferente. Mais: era pior.

Não que eu fosse parvo para as raparigas. Não, nem pensar (pelo menos não mais que a minha androcondição impõe). Cresci numa família essencialmente matriarcal e rodeado de mulheres, quase só com exemplos femininos. Aprendi muito cedo a respeitar as mulheres. Só que eu era um... como exprimir isto bem? Bom, com a palavra de então: um coninhas. Não é que eu não fosse fixe - não, não era - mas era quase o oposto de fixe. Não tinha roupas de marca, não lia revistas fosse do que fosse, não tinha música em casa para lá das cassetes dos meus pais e preferia ficar a ler (fosse onde fosse) do que ir para o centro comercial subir e descer as escadas rolantes. Isso significa que quando tinha que interagir com uma rapariga que eu não conhecesse minimamente, ficava com os méritos orais de Frankenstein num momento de paralisia mental. A maior parte das raparigs que me conhecessem provavelmente perguntariam como poderiam encontrar a cor de rouge que eu usava quando as conhecia e jurariam a pés juntos não serem vistas na minha presença a não ser que fosse num momento de caridade cristã.

Em resumo: eu era um nerd antes de saber o que era um nerd e nem sequer sabia queStar Trek começara como série.

Isso significa que eu não tive namoradas. Os sentimentos de desejo e atracção estavam lá, como em todos os rapazes. Hormonas são hormonas e não pedem licença ao nosso cérebro para começarem a festa no nosso corpo. Por isso continuei a ter paixões ao longo da minha vida. A seguinte foi a C. (a partir daqui deixo as iniciais, que algumas das pobres vítimas ainda serão conhecidas e prefiro manter o anonimato delas - e esconder as minhas vergonhas). Eu tinha uns 12 anos e ela era da minha turma. Note-se que não era a rapariga mais gira da turma, mas havia algo que me atraía. Possivelmente porque eu me sentava com ela na aula de Trabalhos Manuais (ou Educação Visual, não sei) e ela era simpática para mim. Isso era quanto bastava: alguma rapariga que desejasse a minha devoção infinita, para obter um escravo só precisaria de se lembrar do meu nome enquanto me passasse a borracha para apagar a asneira que eu tivesse desenhado. Isto seria verdade para a maioria dos rapazes, mas para aqueles que estavam no fundo da cadeia alimentar da escola, como eu, tinham reacções algo diferentes.

A C., fora esses momentos que ela nem saberia existirem, mal notaria a minha existência. Ela namorava um rapaz mais velho e andava com o grupo de raparigas populares da escola, uma boa parte delas oriundas da minha turma. Era das coisas mais curiosas: eu dava-me bem com todas as raparigas populares da minha turma. Passava as tardes em casa de uma delas (que era uma amiga da família) e era lá que umas duas vezes por semana o grupo se juntava. Nessa intimidade e afastados de todos, eu era aceite pelo grupo. Todas as raparigas se riam comigo, em vez de se rirem de mim, e tratavam-me como se eu fosse... normal. Uma vez descida a encosta para chegar à escola... eu era novamente o antepenúltimo rapaz mais giro da turma e que tinha ficado atrás do miúdo conhecido como "Formiga".

Depois da C. não se passou muito. Tinha mais com que me preocupar. Mudei de escola, cheguei ao Secundário e a puberdade tornou-me excessivamente consciente da minha própria incapacidade de interagir de forma decente com raparigas. Afundei-me nos livros, nos filmes e passava os recreios a ler com outro amigo nerd (ainda mais que eu) e os momentos de ócio a perguntar-me se alguma vez teria uma namorada. Suponho que terei escrito má poesia, mas felizmente não tenho provas físicas disso. Até à S.

A S. foi provavelmente a primeira rapariga que realmente amei. Amar, como nós entendemos a palavra de forma adulta. Claro que o meu amor era obsessivo, doentio e consumia-me de forma inapelável, mas era um amor verdadeiro. Não era uma paixoneta por uma rapariga gira, popular e que me teria um dia dirigido um sorriso. Era real. Dado que esse amor não trouxe com ele qualquer cura para o meu embaraço perante raparigas, eu continuei sem agir. Vi a S. a começar a namorar o R., um rapaz enorme, o dobro do tamanho dela, popular mas burro como uma manada de vacas, e não comprendia. Ele não era engraçado, simpático, esperto nem sequer fumava. Tinha talvez umas roupas de boas marcas, mas não era o único. Até hoje é um mistério. Claro que a minha imaginação concebeu cerca de 1.763.901 formas de o R. ser exterminado (ou pelo menos removido de cena) em momentos que me elevariam a herói da S. Claro que passei meses sem dar o mais pequeno passo.

Até que, num momento de loucura, após um encontro de fim de semana da turma, lhe perguntei quando ia para casa, se queria namorar comigo. O estômago estava provavelmente na zona dos tímpanos, o fígado dava voltas em torno do esófago, o coração fzia iô-iô entre os pés e o cabelo enquanto esperava uma resposta. Seria agradável dizer que ela confessou o amor que sentia por mim e que teríamos passado por um periodo infinito de felicidade (i.e., cerca de um mês), mas a verdade é que ela sorriu com compaixão e me disse que não.

A obsessão não amainou e ameaço consumir-me excessivamente. Durante os testes, eu olhava para ela, durante as aulas, eu observava-a. A R. e a T. fizeram-me chegar as suas manifestações de interesse pelas vias regulares: dizendo à amiga, que explicou à prima, que disse ao irmão, que informou o colega de futebol, que passou isso ao colega de turma que por acaso ia comigo no autocarro nº 4 durante 3 paragens - convém explicar que elas eram ambas da minha turma, mas estas coisas não se dizem de forma directa. Por esta altura eu já não andaria pelo antepenúltimo lugar, mas não era popular. Ainda assim a R. e T. eram giras, simpáticas e eu dava-me muito bem com elas. Mas não eram a S.

Até que decidi - sim, decidi - que não seria mais consumido pela paixão. Decidi-me a largar esse desejo pela S. A fechar o meu coração à sua existência. Caso contrário, não viveria. Foi mais fácil do que eu supunha. Num dia eu passava os dias a pensar nela e a observá-la,  um par de dias mais tarde não o fazia. Suponho que o meu amor terá abrandado e que aquilo que eu sentia era antes de mais uma obsessão - adolescentes são solo fértil para as cultivar - e que o amor teria decidido seguir em velocidade de cruzeiro. No entanto era como se eu tivesse sentido o meu coração a endurecer (já expliquei que eu lia muito e via muitos filmes?) e passei depois vários anos até sentir que me tinha apaixonado novamente, já na universidade.

A universidade é outro tempo e não falo nisso. Foram 20 anos mas era eu já (mais ou menos) adulto. Não conta para estas memórias.

Falar da Ana Rita, da Elsa, da C. e da S. não é dar conta de toda a minha vida amorosa até aos 18 anos. Nada disto refere os namoricos de Verão, os jogos de bate-pé (cujas regras me pareciam algo esotéricas), os beijos (chochos, no termo estranhamente apropriado que usávamos) em excursões - perdão, "visitas de estudo" - ou festas e idas às matinés da discoteca local. Aos poucos tais actividades foram removendo a minha incapabilidade de interagir com raparigas de forma mais física (se as circunstâncias fossem assexuadas, eu dava-me melhor com raparigas que qualquer outro rapaz que eu conhecia) e aprendi aquilo que qualquer rapaz deve aprender na adolescência. Nunca fui popular, mas não precisava de o ser. Quando olho para trás, vejo que desejei, tive paixões e amei. Não fui particularmente retribuído, mas para dizer a verdade pouca gente que eu conheço diz que o tenha sido. Penso que a minha experiência amorosa, enquanto cresci, terá sido um exemplo da de qualquer rapaz, com as pequenas variações devidas às personalidades individuais. Todas as raparigas que fizeram parte desse meu imaginário estão gravadas na minha memória exactamente como eram na altura, mesmo quando as conheço hoje, mulheres da minha idade. Não tenho nostalgia, mas tenho uma enorme gratidão por terem sido parte tão importante da minha vida. Mesmo que nunca o tenham sabido.

* - título demasiado bom para não roubar Sérgio Godinho

Le ciel de Paris ne sera plus jamais le même

Sérgio de Almeida Correia, 25.09.20

"Non Monsieur, je n'ai pas vingt ans
Vingt ans, c'est l'âge dur
Ce n'est pas le meilleur des temps
Je sais, je l'ai vécu
J'ai dansé sur quelques volcans
Troué quelques souliers
Avec mes rêves et mes tourments
J'ai fait mes oreillers
Et je dis encore aujourd'hui :
Je suis comme je suis

Non Monsieur, je n'ai pas vingt ans
Vingt ans, c'est tout petit
Moi, je n'ai jamais eu le temps
D'avoir peur de la nuit
Ma maison est un soleil noir
Au centre de ma tête
J'y fais l'amour avec l'espoir
Et l'âme des poètes
Les poètes sont des enfants
Des enfants importants

Oui, je me souviens des jours
Quand les jours s'en allaient
Comme un rêve à l'envers
Oui, je me souviens des nuits
Quand les oiseaux parlaient
Sous la plume à Prévert

Moi, Monsieur, quand j'avais vingt ans
J'étais déjà perdue
Perdue, la rage entre les dents
Superbement perdue !
Moi, je dansais avec des morts
Plus vifs que les vivants
Et nous inventions l'âge d'or
Au seuil des matins blancs
J'ai toujours, chevillé au corps
Le même soleil levant

Non, Monsieur, je n'ai pas vingt ans!"

(paroles de Henri Gougaud, musique de Gérard Jouannest)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.09.20

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João Carvalho: «O ministro Mendonça foi ao Parlamento e disse: "Queria aqui reafirmar que o Governo mantém a sua firme intenção de construir a linha de alta velocidade entre Lisboa e Madrid, incluindo, obviamente, o troço entre Lisboa e o Poceirão." Portanto, é para este circo que serve o aumento de impostos, a redução das comparticipações, a descida do poder de compra e todas as medidas de austeridade.»

 

Eu: «Não menosprezem José Sócrates: estamos perante um político profissional. Gostemos ou não gostemos dele, consideremos ou não que é um péssimo governante, admitamos ou não a contínua quebra das suas promessas mais emblemáticas, pensemos ou não que ninguém como ele tem sido o maior coveiro do estado social em Portugal, nunca devemos subestimar o seu talento como manobrador político nem a sua inegável capacidade de sobrevivência contra ventos e marés.»

O regresso da ideologia

Paulo Sousa, 24.09.20

A chegada da IL ao hemiciclo permitiu o regresso do saudável e saudoso debate ideológico ao espaço público.

Durante demasiado tempo, sempre que dois políticos se encontravam à frente das câmaras de uma televisão discutiam apenas a espuma do dia. Fora disso, o melhor que conseguiam era garantir que conseguiriam vedar as sempre incontinentes contas públicas, o que nunca foi mais de que uma redonda mentira.

Como já foi aqui referido pelo nosso colega José Meireles Graça, há poucos dias na SIC Notícias debateu-se a proposta da IL para a adopção de uma taxa única de IRS. Além da proposta em si havia como pano de fundo as declarações proferidas pelo Dr. Anacleto no seu programa da SIC. O deputado da IL, João Cotrim Figueiredo, acusou-o nas redes sociais de ter mentido e deturpado o conteúdo da proposta de flat rate. Esse foi o tema de arranque do debate. No decorrer da troca de argumentos o deputado bloquista enredou-se nas suas fintas semânticas e, provavelmente sem dar por isso, confirmou a mentira do seu chefe. Nada de novo para um conselheiro do Estado Português.

Olhando com atenção, dá para apreciar ainda a forma como o jovem delfim de Louçã afirma que esta proposta não é esta proposta, porque 'eu é que sei bem o que lhe vai na alma'. Esta é uma técnica que consiste na recusa do debate e avança para o julgamento moral. É populismo mas do bom. Se fosse usado pela direita seria asqueroso.

Eu, que gosto de enquadramentos históricos, gostaria de lembrar ao mano mais novo do Daniel Oliveira (aquele que faz rir) que nesta conversa ele assumiu a defesa da situação, ou seja, a defesa de um sistema fiscal que lhe permita (sem óculos escuros ele não consegue esconder a chispa) acabar com os ricos, mas que na prática nos empobrece a todos.

Já aqui referi que os partidos da esquerda unidos à volta do OE, constituem as forças conservadoras da actualidade. O BE e o PCP, os acólitos do PS, são tão coerentes como um apenas um revolucionário conservador poderá ser. Admito que tenham consciência do ridiculo, mas não conseguem resistir a uns biscoitos de reforço positivo.

Os irrecuperáveis vinte anos de estagnação económica, que marcarão estes anos da nossa vida, estão ligados a este modo de esmifrar a riqueza produzida pelos portugueses.

Li não sei onde que o debate político deverá trazer sempre à liça o passado, o presente e o futuro. Estes três diferentes tempos não deverão ter sempre o mesmo peso nas decisões, mas nenhum deverá ser humilhado. Os socialistas que há décadas nos governam são uns amantes obsessivos do presente. Eles desprezam o passado e odeiam o futuro. De facto, eles são os inimigos do futuro. Para os socialistas, em troca do poder imediato não existe nenhuma questão de princípio que não seja negociável. Manter o poder é a sua ideologia. É o seu alfa e o omega. Por ele, tudo.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 24.09.20

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Ana Margarida Craveiro: «Não, Sócrates não fez quaisquer cortes na saúde e educação. Sim, os portugueses aguentam mais uma subida de impostos - assim como assim, têm salários bem generosos, que permitem fazer ajustes rápidos. Sim, as empresas conseguem perfeitamente pagar mais impostos sem continuar a despedir funcionários. Sim, o Estado tem o tamanho certo: concentrado nas actividades fundamentais, eficiente, sem desperdícios. E finalmente sim, a culpa deste descalabro é toda, todinha, do PSD, esse partido de irresponsáveis que resolveu nos últimos anos gastar o dinheiro que não temos.»

 

António Figueira: «A famosa “lenda negra”, que nos séculos XVII e XVIII se criou na Europa no Norte para descrever o atraso cultural das monarquias ibéricas, pode em bom rigor dizer-se que descreve melhor a situação de Portugal que a de Espanha na mesma época. A presença asfixiante da Inquisição, a omnipresença da religião, o fanatismo e a superstição, a ignorância generalizada, a aridez da vida cultural, caracterizavam Portugal - mais pobre, mais fechado, mais centralizado - mais ainda que o seu vizinho ibérico.»

 

João Carvalho: «O ex-ministro Manuel Pinho diz: «Foi importante ter sido ministro cinco anos, mas agora estou a adorar a minha vida em Nova Iorque.» Nós não achamos que tenha sido tão importante o que fez por cá, mas também estamos a adorar sabê-lo noutras arenas lá longe. Especialmente, desde aquele dia em que ele garantiu: «a crise acabou totalmente» e «há sinais extremamente positivos». Foi num dia de Outubro de 2006.»

 

Leonor Barros: «A Língua Inglesa, não fugindo à semelhança de outras, tem muitas variantes. Ele há inglês jamaicano, australiano, indiano, americano, canadiano, britânico, neozelandês, mas para gáudio dos linguistas, creio até que David Crystal estará já reflectindo e pesquisando sobre este extraordinário e inusitado fenómeno, surgiu nos últimos anos uma nova variante: o inglês socratino.»

 

Paulo Gorjão: «O leitor, por mero acaso, está ver o presidente do Conselho de Administração da ERSE, Vítor Santos, a emitir comentários depreciativos num blogue sobre profissionais do sector que a sua instituição tutela? Não está, pois não? Agora, onde se lê ERSE leia-se ERC e onde se lê Vítor Santos leia-se Azeredo Lopes. Assim o leitor já admite essa hipótese? Admite, não é? Pois. Aparentemente, trata-se do exercício da liberdade de expressão... A liberdade de expressão permite dizer que o jornalista não leu a fonte e que escreveu "com base em espírito santo de orelha". Enfim, diria que são acusações muitos graves e totalmente inapropriadas, tendo em conta o cargo institucional de Azeredo Lopes, mas devo ser eu que estou a ver mal o filme.»

A frescura de quem ignora que os pobres não são livres

Paulo Sousa, 23.09.20

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Os habitantes dos bairros sociais abdicariam facilmente da sua "vista maravilhosa" para poderem ambicionar a que os seus filhos pudessem ter uma vida melhor que a deles.

Também podia dizer-lhes que não tem médico de família, nem a dentição completa, nem aquecimento, nem férias, mas não se queixem pois têm uma "vista maravilhosa".

Não quero médicos a mandar

Pedro Correia, 23.09.20

Há por aí alguns responsáveis autárquicos a exorbitar das funções que lhes são atribuídas, torcendo as normas legais: a pretexto da epidemia em curso, querem impor o uso obrigatório da máscara aos munícipes em todos os espaços públicos, incluindo ao ar livre. Algo que as autoridades centrais nunca decretaram - nem sequer quando o País se encontrava sob estado de emergência, com números de infecções e mortes mais preocupantes do que os actuais. Por um motivo muito simples: nada no nosso ordenamento constitucional autoriza tal medida.

Este excesso de zelo autárquico - e refiro-me concretamente, pelo menos, aos presidentes das câmaras municipais de Guimarães, Arruda dos VinhosCastro Marim e Vila Real de Santo António - é aplaudido por alguns talibãs do sistema sanitário que percorrem os telejornais, serão após serão, em defesa aberta de tal medida. Acontece que estes clínicos não foram eleitos para tomar decisões em nome do interesse público. É para isso que existem os governantes, sujeitos à legalidade democrática. No dia em que os médicos tomassem o poder e os políticos exercessem medicina estaríamos todos bem pior.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 23.09.20

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Afonso Ferreira: «O barco aproxima-se da outra margem e vejo uma caravela ancorada em terra e prédios e prédios a riscar o horizonte. No meio dos passageiros surge um homem a berrar. Portugal fez tanta obra e deu tudo. E nós aqui tão pobres sem nada. Portugal fez tanta obra.... – diz ele numa ladainha circular desesperada. Por telefone oferecem-me indicações preciosas para chegar ao destino. Há que apanhar o metro. Há que perceber onde é o estupor, comprar o bilhete para o dito cujo, perguntar a estranhos se vamos na direcção certa. O metro serpenteia pela cidade como uma cobra veloz num espanto mudo. As estações, em revolta com o asfalto, sucedem-se umas às outras – 25 de Abril, Gil Vicente, São João Baptista –, como tesouros do progresso.»

 

Ana Vidal: «Um dia destes atiro para uma mala todas as lembranças, todas as memórias, todos os sonhos vividos, desejados ou apenas temidos, e levo tudo comigo para a derradeira aventura. Não faltarão cheiros, cores, sabores intensos, sol e chuva, terra e mar, muito mar. Tudo isso irá comigo, porque tudo isso se me colou à pele com os anos e já faz parte de mim. Um dia destes reaprendo a dizer lareira, mesa, pão, vinho, consoada, linho, lã, aconchego. Está decidido. Um dia destes salto a janela e volto para casa.»

 

João Campos: «Não deixa de haver alguma ironia no facto de ontem, dia europeu sem carros, ter sido o dia em que mais tempo perdi no trânsito dentro de Lisboa, tanto de manhã como à noite. E nem choveu.»

 

João Carvalho: «Passos Coelho diz que recusou voltar a sentar-se à mesa com José Sócrates porque este quis impor-lhe condições à partida. Silva Pereira, em nome de Sócrates, diz que é falso, que não foram exigidas condições prévias a Passos Coelho. Sei — sabemos todos — que o costume de mentir por tudo e por nada cresceu, está institucionalizado e parece que já muito poucos — cada vez menos — se importam com isso. Eu importo-me. Neste caso, perante duas versões tão contraditórias, é indiscutível que uma das partes mente. É apenas mais uma mentira e não sei — não posso saber — qual das partes é que mente. Não sei, mas sei qual delas costuma mentir.»

 

Paulo Gorjão: «É com profundo pesar que lamento ter de informar que por aqui se bateu em retirada, deste modo privando os leitores não só de um diálogo rico (mérito ao qual sou alheio), mas também da evidente douta sabedoria. É a vida.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «A CP é um desastre ambulante que custa rios de dinheiro aos contribuintes e que para tal conta com a conivência dos ociosos dos sindicatos, com a irresponsabilidade dos partidos políticos, com a complacência dos sucessivos governos e, acima de tudo, com a tremenda falta de cultura cívica dos seus utentes.»

 

Eu: «Tenho acompanhado o percurso desta deputada desde a sua estreia em São Bento. Fiz-lhe, aliás, a primeira entrevista que deu logo nesses dias em que iniciou as funções parlamentares. Foi motivo suficiente para passar a seguir com atenção a actividade posterior de Ana Catarina Mendes. Tem sido um percurso seguro, consistente, credível. Agora como vice-presidente da bancada do PS, revela grande capacidade de trabalho, prepara-se bem para os debates, estuda os dossiês e não abdica do pensamento próprio nas questões de consciência.»

O debate

José Meireles Graça, 22.09.20

O deputado da Iniciativa Liberal debateu na SicN sobre a taxa única de IRS com um ex-deputado do Bloco, um expatriado  que se juntou aos portugueses que, com trânsfugas de outras nacionalidades, fingem que deputam no Parlamento Europeu.

O assunto não tem nem de longe tanto interesse como as mamas de Cristina Ferreira, que ultimamente têm uma preocupante tendência para crescer, nem muito menos a mais recente tolice de um governo qualquer, ou do nosso, para fechar a porta à Covid, o fantasma que não vai matar quase ninguém, enquanto os residentes que não morrem de doenças sérias não tratadas, fome ou exaustão, criam dívidas que julgam que não vão pagar.

Mas um partido político tem de ter bandeiras. E esta, a da taxa única, não tem nenhuma hipótese de ser desfraldada no alto de uma colina de preconceitos, o que não quer dizer que não valha a pena agitá-la – todas as bandeiras vencedoras hoje já foram vencidas no passado.

O tal ex-deputado do Bloco, de nome Gusmão, recita a vulgata da seita, que no caso consiste em dizer que muitos poupam 50 euros (esqueceu-se com admirável manha de esclarecer que seria por mês) enquanto uns poucos, os ricos, guardam milhares que não lhes fazem falta; que isto criaria um buraco nas contas públicas que só poderia ser tapado com cortes no SNS e no ensino público; e que nos países mais desenvolvidos (começou por dizer com aquela lata mentirosa de que os adeptos de Frei Anacleto Louçã e Soror Mariana detêm o segredo que era em todos os da UE, depois centrou-se na Holanda como o farol que, nesta matéria, deveríamos seguir) havia várias taxas de IRS, a mais gravosa sempre altíssima.

Cotrim Figueiredo, com serenidade, rebateu as indignações daquele pai dos pobres. Não disse tudo o que poderia ter dito (por exemplo, ficou por referir que a comparação de taxas sem referir os montantes a partir dos quais se aplicam significa que em Portugal se considera rico, para o efeito de o acabrunhar com impostos, quem é apenas remediado) mas nem houve tempo nem é possível dizer tudo sobre uma matéria complexa, e um debate velho, onde a cada argumento de um lado cabe um argumento do outro, quase sempre ficando de fora os pressupostos de cada trincheira.

Que pressupostos são esses? Do lado do indignado, são a superioridade moral (ele defende os pobres, o opositor os ricos), que é recorrente na esquerda em geral e aparece no Bloco dobrada em raiva virtuosa; a concepção da economia como um jogo de soma nula, isto é, em que as perdas de uns são os ganhos de outros; a ideia de que o investimento, e a gestão, públicos, são equivalentes no desempenho ao investimento e gestão privados; e a opinião de que a igualdade material entre os cidadãos é um bem em si, que não carece de demonstração por ser uma verdade axiomática.

Claro que não há qualquer superioridade moral da esquerda em geral, muito menos de um moço de aspecto piolhoso com os olhos coruscantes de ódio aos ricos, debitando argumentos serventuários de uma trombeteada generosidade e uma oculta inveja; na economia que cresce pouco ou nada, como foi o caso durante a maior parte da história da humanidade, os ganhos de uns eram efectivamente as perdas de outros, mas deixou de ser necessariamente assim desde fins do séc. XVIII; se a gestão privada fosse igual à pública, a nacionalização dos meios de produção não teria produzido, como invariavelmente produziu, sociedades de generalizada carência; e é preciso uma grande dose de cegueira para não ver que os países que nos vêm ultrapassando na hierarquia dos rendimentos por cabeça têm muitas coisas que nos faltam, uma delas sendo a competitividade e a simplicidade fiscais – a igualdade, ou melhor, a obsessão igualitarista, não faz parte desse lote.

Gusmão, estás por fora, meu chapa, a única coisa que contigo pode progredir é o retrocesso. Que poderias ter dito ao teu opositor que enriquecesse o debate? Algumas reflexões, dentro dos pressupostos dele que, já se vê, tem paciência, são os bons: que a fiscalidade simples e modesta, em vez de complicada e rapace, é adjuvante do crescimento, mas que há um tempo de espera que não é seguro que as nossas calamitosas contas públicas possam suportar. Pelo que começar pela reforma do IRC talvez fosse mais judicioso; que o nosso Estado gordo é uma mochila demasiado pesada para um viajante que quer andar mais depressa do que os outros, pelo que a reforma de que toda a gente fala ou implica extinções de serviços espúrios ou não é reforma; e que o Estado de Direito é para valer em todos os domínios, e que portanto a inversão do ónus da prova em matéria fiscal, os poderes inquisitoriais de uma casta de funcionários inimputáveis pagos com prémios pelos seus abusos são perversões a eliminar como condição prévia a qualquer reforma fiscal.

Isto e muitas outras coisas. Que talvez vejam a luz do dia quando houver uma quarta falência, ou o eleitorado descobrir que já só tem atrás de si a Albânia, ou, ou.

Até lá, alguém tem de manter acesa a chama do senso, do realismo e da esperança. Foi só por um quarto de hora? Ora, na Venezuela que Gusmão estima nem isso têm.