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Delito de Opinião

A minha história devida

Paulo Sousa, 28.08.20

Julgo que tudo começou pela experiência lançada por Paul Auster numa rede de rádios norte-americanas. A ideia baseava-se na leitura de histórias enviadas pelo público, que poderiam ter desde dois parágrafos a duas páginas, e teriam de ser verdadeiras. O sucesso traduziu-se em mais de 4.000 histórias envidas pelo público, que após uma rigorosa seleção alimentaram um programa de rádio durante alguns anos, assim como o livro True Tales of American Life editado pelo escritor.

A Antena1 criou há uns anos uma rubrica inspirada nesta ideia. A História Devida, de seu nome, esteve no ar durante algum tempo e ainda andou pelo Canal Q. Julgo que já tenha terminado.

As histórias que ouvi nesta rúbrica eram na generalidade bastante interessantes. E porque todos temos uma história para contar, que era o mote do programa, um dia também quis participar e enviei a minha história. Foi para o ar em dezembro de 2006, e partilho-a aqui convosco.

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 28.08.20

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Livro dois: Três Retratos - Salazar, Cunhal, Soares, de António Barreto

Edição Relógio d' Água, 2020

213 páginas

 

António Barreto destaca três figuras que deixaram marca no século XX português e justifica os motivos desta escolha em sucessivos blocos ensaísticos que nunca fogem da polémica. Os eleitos são António de Oliveira Salazar (1889-1970), Álvaro Cunhal (1913-2005) e Mário Soares (1924-2017). O primeiro, porque concentrou o poder quase absoluto durante quatro décadas consecutivas, moldando o País à sua vontade. O segundo, porque manteve o PCP durante meio século sob rígido controlo, impondo-lhe uma marca muito pessoal. O terceiro, porque rivalizou com o segundo na oposição ao salazarismo, sem destronar a hegemonia comunista neste combate mas vencendo-o no turbulento processo revolucionário pós-25 de Abril: protagonista no lançamento dos alicerces da democracia política em Portugal, foi primeiro-ministro e Presidente da República. «Estes três políticos viveram uns dos outros, porque viveram uns contra os outros.»

Não são olhares isentos nem descomprometidos. Barreto detesta Salazar e Cunhal, mantendo um indisfarçável apreço por Soares, com quem trabalhou como ministro no primeiro Governo Constitucional, e pertenceu ao núcleo central da sua campanha presidencial, em 1985.

As palavras mais agrestes estão reservadas ao antigo chefe do Governo e ao dirigente histórico comunista. Barreto, aliás, equipara-os em várias características: «Invulgarmente inteligentes, parece que detestavam os medíocres, mas estes foram-lhes indispensáveis. (…) O essencial, para ambos, era o seu próprio poder.» Mas nem Soares escapa ao crivo crítico do autor. No último capítulo, reservado ao fundador do PS, elege-o como herói da contra-revolução vitoriosa em 1976, mas critica-o na descolonização com a sua escrita acutilante que nunca perde elegância formal: «Queria simplesmente ver-se livre de África.» Em 1974 e 1975, sublinha, «os portugueses não negociaram coisa nenhuma, cederam, assinaram e vieram embora». Soares, ministro à época, viverá mal com esta memória até ao fim. Barreto testemunhou e cá está, felizmente, para nos lembrar.

 

Sugestão 2 de 2016:

Nada, de Carmen Laforet (Cavalo de Ferro)

Sugestão 2 de 2017:

Singularidades, de A. M. Pires Cabral (Cotovia)

Sugestão 2 de 2018:

Deuses de Barro, de Agustina Bessa-Luís (Relógio d' Água)

Sugestão 2 de 2019:

A Língua Resgatada, de Elias Canetti (Cavalo de Ferro)

De boca bem tapada

Pedro Correia, 28.08.20

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Passeio nas ruas de Lagos, onde me desloco pela segunda vez neste Verão. Mais gente por estes dias, mas confirma-se a tendência: muito menos turistas do que no ano passado. Tanto em terra como sobre as águas, fluviais ou marítimas.

Cruzo-me com um número crescente de pessoas, na rua, usando máscaras. Devem confundir o Algarve com a Madeira, onde - aí sim - as autoridades forçam a utilização permanente de máscara em todos os locais públicos ao ar livre, exceptuando (por enquanto) praias e piscinas.

 

Não falta, no entanto, quem utilize aquilo só como enfeite. Transportando-a na testa, no queixo, na orelha, no ombro, no pulso, no cotovelo, onde calha. Para andar assim, não será melhor ficar guardada?

No passeio público, junto à ribeira de Bensafrim, cruzo-me com um pai e dois filhos pequenos: vão todos de máscara encarnada, com o símbolo do Benfica. Sinto-me como espectador de um Carnaval antecipado.

 

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Bem à portuguesa, na hora de comer, formam-se filas. Todos acorrem à mesma hora aos mesmos locais. Largas dezenas de pessoas - sem manterem distância de segurança - amontoam-se, aguardando vez, à porta de estabelecimentos como a Casa do Prego e a Adega da Marina.

Chegam a esperar mais de uma hora por um lugar em espaços apinhados, onde a comida é de uma banalidade confrangedora, quando existem, ali bem perto, muitos restaurantes com melhor ementa e espaço disponível.

 

Nunca hei-de entender estes comportamentos. Mais risíveis só as pessoas que vou vendo, de toalha estendida no areal da Meia Praia, também de máscara posta: devem imaginar que a brisa marítima transporta o vírus.

Reparo num par de namorados caminhando de mão dada à beira-mar. Vão ambos mascarados, como se receassem contaminação mútua. Até o amor cede passo à disciplina sanitária, mesmo na idade em que a líbido comanda a vida.

Também se beijarão de máscara? Não me custa imaginar tal coisa. Em tempo de pandemia, todas as precauções são poucas.

 

O maior dilema ocorre na hora de comer. Creio ter chegado a hora de o Presidente da República fazer um apelo aos criativos da indústria portuguesa, incentivando-os a conceber uma máscara com fresta removível na zona labial para permitir a rápida ingestão de alimentos sem necessidade de retirar o famigerado adereço. Portugal registaria a patente e mostraria ao mundo como se faz.

Poderia chamar-se Máscara Marcelo, em merecida homenagem ao cidadão português que transporta aquilo há mais tempo e durante mais tempo. Foi, aliás, o primeiro a correr sagazmente para casa, encerrando-se durante duas semanas em voluntária quarentena doméstica, enquanto quase todos andávamos por aí, à vontadinha, expostos à codícia do Covid.

Ele é que a sabe toda, vou pensando entre dois mergulhos. A praia continua desafogada - sinal evidente de que o inquilino de Belém permanece longe daqui.

 

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DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.08.20

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João Carvalho: «Claro que não tardaram a aparecer também ambientalistas a dissertar sobre o aquecimento global, as graves consequências para a fauna do planeta e todas essas coisas. Porém, desta vez, gente mais atenta e menos apressada chegou-se à frente com uma outra verdade mais objectiva e fundamentada: eram jacarés de estimação abandonados por proprietários idiotas, que devem ter-lhes achado muita gracinha enquanto os bichos eram pequenos e serviam de corta-unhas, mas descobriram depois que se tornam uma maçada quando esticam e deixam de caber no bolso e quando é preciso dar-lhes comida e a banheira já não chega para o banho.»

 

Eu: «De súbito, à esquerda e à direita, certos artilheiros nada melhor têm a dizer do que procurar ridicularizar uma manifestação hoje realizada em Lisboa (e em mais outras cem cidades do mundo) a favor da iraniana Sakineh Ashtiani, condenada por suposto "adultério" a ser apedrejada até à morte - a forma mais bárbara de execução. É bem verdade que os extremos se tocam. Insuspeitáveis almas gémeas aliviam-se em sintonia nestas ocasiões, não para intervir a favor das vítimas mas em generosa condescendência com os carrascos. Lembremo-nos disto da próxima vez que alguma destas luminárias decidir impingir-nos virtuosas pregações. Em nome dos bons costumes, do "liberalismo", do "socialismo", da revolução permanente, sei lá que mais. Ou até em nome dos direitos humanos, que por vezes costumam dar jeito para alinhavar uma crónica quando falta inspiração para outro assunto.»

Dez livros para comprar na Feira

Pedro Correia, 27.08.20

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Livro um: As Sílabas de Amália, de Manuel Alegre

Edição D. Quixote, 2020

63 páginas

 

Em ano de centenário do nascimento de Amália Rodrigues, Manuel Alegre presta tributo à inigualável cantora que levou as três sílabas de Portugal aos quatro cantos do mundo. Reunindo aqui os seus poemas que Amália tão bem cantou na década de 70 e outros que ele foi compondo em tempos posteriores, com a intérprete de Fado Português como fonte explícita de inspiração.

É um «livrinho» - assim lhe chama o autor no prefácio. Em número de páginas, na verdade, sabe a pouco: apetecia-nos mais. Mas pressinto que Alegre usa o termo sobretudo na acepção carinhosa de um pai incapaz de enjeitar um novo filho, mesmo quando já tem a descendência mais que assegurada. E é também um diminutivo que rima com os «versinhos» mencionados por Amália, aludindo à sua própria condição de letrista - iniciada com Estranha Forma de Vida, tão marcante no reportório e no imaginário amaliano.

«A sua maneira de cantar dava outra dimensão a cada verso e fazia da própria língua uma música inconfundível. Ela sabia dizer cada palavra e, quando cantava, nem uma sílaba se perdia», assinala Alegre no sucinto mas emocionado texto introdutório deste opúsculo dividido em quatro partes: "As Sílabas de Amália" (com duas homenagens em forma de poema, uma das quais inédita); "Quatro Poemas Cantados por Amália com Música de Alain Oulman" (incluindo o popular Meu Amor é Marinheiro, que viria a ser gravado em 1997 por Maria Bethânia, e uma versão alternativa da Trova do Vento que Passa, antes popularizada na voz de Adriano Correia de Oliveira); "Teoria do Fado" (com dois inéditos); e "Eu Queria Dar-te um Fado" (que inclui o poema Lisboa Ainda, escrito já durante o surto pandémico, quando o País se encontrava em estado de emergência).

Lê-se num ápice. Mas o mais importante é o que fica depois, a vibrar-nos na memória e a interpelar-nos as raízes. Um sentimento que Alegre tão bem traduz nestes versos (de Teoria do Fado): «É um íntimo tremor obscuro impulso / que devagar aperta na garganta / pulsa no coração bate no pulso / e é por isso que dói quando se canta.»

 

Sugestão 1 de 2016:

O Islão e o Ocidente, de Jaime Nogueira Pinto (D.Quixote)

Sugestão 1 de 2017:

A Máquina do Tempo, de H. G. Wells (Antígona)

Sugestão 1 de 2018:

Delito de Opinião, de vários autores (Bookbuilders)

Sugestão 1 de 2019:

O Fundo da Gaveta, de Vasco Pulido Valente (D. Quixote)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 27.08.20

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João Campos: «Há poucas coisas tão boas como sermos surpreendidos - no bom sentido - por um livro. Não sei como é que as outras pessoas compram os seus livros, quais são os critérios que utilizam, ou como chegam a um livro em particular. Comigo, isso normalmente acontece por influência. Por exemplo, o gosto pela literatura de ficção científica devo-o a um antigo (e extraordinário) professor de Filosofia, que sabendo do meu gosto pelo género no cinema e das minhas incursões pela escrita de ficção, me emprestou aquele que é um dos livros da minha vida: The Snow Queen, de Joan D. Vinge. Já o gosto pela "literatura de fantasia" surgiu do meu interesse antigo pelas mitologias, por alguns jogos mais ou menos geek que jogava durante a adolescência, e pelo impacto visual da adaptação de The Lord of the Rings, de Tolkien, realizada com mestria por Peter Jackson.»

 

Isabel Teixeira da Mota: «Hoje são muitas as instituições - “pai, mãe, irmãos, marido, namorado, vizinhos, autoridades, imprensa, rádio e televisão” - que se juntam para promover nádegas e umbigos, em especial no Verão, sem sequer perceberem que «não há nada mais feio, mais triste e ofensivo». E eu, que li com gosto as crónicas de Nélson Rodrigues, encontrei alguém que me proporcionou um enorme consolo estético e me reconciliou com a língua portuguesa do Brasil. Tudo num único movimento: uma escrita excelente.»

 

Leonor Barros: «Pode ser preconceito, se for assumo-o sem problemas mas isto das mulheres a falar de futebol pode parecer algo estranho. Não é a primeira vez que o faço mas sempre que o faço é pelo factor surpresa. E foi isto lá pela tarde por causa do sorteio de grupos, seja lá o que isso for. Pelo que lhe calhou em sorte, o Futebol Clube do Porto terá de se defrontar com o Beşiktas de Istambul, o CSKA de Sofia, e o Rapid de Viena. A propósito desta má sorte, Carlos Manuel afirmou que o problema para os jogadores eram as viagens. Ora como se sabe nenhuma das três dista a mais de umas quatro ou cinco horas de voo. Ou o Carlos Manuel tem com as coordenadas trocadas ou não recuperou às Provas de Recuperação à disciplina de Geografia, repetitiva, eu sei, mas nada a fazer. Andam estes viris rapazes a ser pagos a peso de ouro para se queixarem de uma viagenzita de avião ali mesmo na esquina da Europa. Meninas, é o que é.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Cada segundo que passa é uma conquista. Cada minuto vivido é um tiro no infortúnio. Cada hora respirada é uma morteirada na desgraça. E ao fim do dia que é sempre noite ainda se arranjam forças para sorrir para uma câmara, dizer uma larachas e cantar o hino. Eles, os desgraçados, o sal da terra, são a final os primeiros porta-vozes da esperança para quem à superfície, na dor da sua ausência, tem a sorte de ver todos os dias o raiar da aurora e se pode aquecer com os primeiros raios de sol.»

 

Teresa Ribeiro: «Não conheço um filme que fale da decadência física e psicológica de uma mulher que já conheceu o estrelato de uma forma tão cruel, por isso a coragem da protagonista ao aceitar o papel que lhe propuseram numa fase em que a sua carreira chegava ao fim é um dos aspectos mais admiráveis deste noir cuja trama é relatada por um cadáver. Pormenor notável, de que só tomamos conhecimento no fim.»

 

Eu: «Amanhã, em mais de cem cidades do mundo, haverá protestos contra a barbárie anunciada no Irão, onde nos últimos 31 anos pelo menos 150 pessoas foram apedrejadas até à morte. Em Lisboa protesta-se também. No Largo de Camões, às 18 horas. É um protesto igualmente contra o relativismo cultural, que nos impele a "respeitar todas as culturas", mesmo aquelas que toleram, incentivam e propagam a barbárie. Estas culturas não merecem qualquer respeito. Mais: merecem que nos pronunciemos activamente e deliberadamente contra elas. Mais ainda: não merecem sequer ser associadas ao nobre substantivo "cultura", tantas vezes abastardado. Porque barbárie e cultura são realidades incompatíveis. Digam o que disserem os relativistas.»

A Inquisição e os Deuses

José Meireles Graça, 26.08.20

A Inquisição Portuguesa foi fundada em 1536 e durou até 1821. O último executado terá sido o jesuíta Malagrida, em 1761, sob pretextos religiosos mas na realidade por ser opositor ao bom do Marquês de Pombal, que tinha uma inclinação muito marcada para fazer equivaler os seus inimigos aos da Coroa, e a todos dispensar castigos espectaculares, que já na altura eram, nos países civilizacionalmente mais adiantados, considerados bárbaros (Voltaire era vivo, e aliás escreveu sobre a execução do padre italiano; e Edward Gibbon iria, pouco depois, publicar o seu Declínio e Queda, uma história magistral onde, lateralmente, a Igreja Católica saía mal ferida).

Portugal não foi pioneiro na criação do hoje execrado organismo, e aliás a sua mão foi de início forçada, à boleia de um contrato de casamento no complicado xadrez político da época; e nem a Inquisição se distinguia, nos seus processos, da barbárie das instituições penais do tempo, nem era compreensível como um poder independente do do Estado, isto é, do Rei, nem a rasoira do pensamento único era um exclusivo dos países católicos.

A tolerância teria de esperar muito tempo até ter um módico de consagração na lei e nos costumes. E convém ter presente que ela não é natural: a reacção instintiva perante a diferença é a hostilidade, porque temos isso nos genes; e a dos poderes, ontem e hoje, é a da conservação do status quo, e portanto a tentativa da eliminação do inconformismo, por ser uma ameaça potencial.

Pergunta-se: quando falamos da Inquisição estamos a falar do passado? Aparentemente, sim: ninguém corre o risco de ser torturado e queimado por causa das suas opiniões, muito menos religiosas. E o pecado de invocar o nome de Deus em vão passou de moda, porque não se invoca em caso algum, salvo como bordão de linguagem.

Mas deuses há muitos, tantos pelo menos como os modernos crimes, e estes são a ofensa à Igualdade (entre os géneros ꟷ em si mesma, a palavra, todo um programa ꟷ ou material, entre os cidadãos), à Identidade de grupo, ao direito à Indignação, o Sexismo e ser professo do Fascismo, seja lá isso o que for, antes de um extenso etc.

O desrespeito por estes deuses pode determinar hoje, nesses faróis de civilização que são os países anglo-saxónicos, a perda do emprego, em particular nos meios onde a liberdade de opinião é mais necessária, isto é, nas universidades. E, sendo as coisas como são, a mancha demoníaca e asquerosa da intolerância e do abuso chegaria cá se ainda aqui não estivesse.

Mas está, e tem nome – é a Autoridade Tributária. Trata-se de uma organização cujos membros são recompensados, como eram os familiares do Santo Ofício, pelas exacções que praticam; que ignora reiteradamente decisões judiciais, insistindo em práticas já censuradas por decisões anteriores; cujas decisões só podem ser contestadas por quem tiver meios para pagar, primeiro, e esperar, depois; e cujo Grande-Inquisidor, invariavelmente um sinistro frade menor que é ou julga não ser um socialista, é apreciado não pelo respeito que impõe que os serviços (isto é, os esbirros) tenham pelos contribuintes, mas pelos volumes de receita que consegue extorquir.

Esta história é exemplar: A Segurança Social cometeu um erro que nada tem de inocente (os erros da Segurança Social consistem invariavelmente em não pagar o que deve, não o fazer tempestivamente, ou ser impermeável a críticas e inacessível a reclamações – características que partilha com boa parte da Administração); o Fisco prejudicou os contribuintes porque considerou, no ano em que foram recebidas, prestações que, por serem devidas em anos anteriores, deveriam ser imputadas aos exercícios a que respeitam; os contribuintes que reclamaram viram as suas pretensões indeferidas sob pretextos capciosos (a não retroactividade das leis existe para defender os cidadãos, não o Estado); e a Assembleia da República interveio desastradamente, obrigando não a SS e a AT a entenderem-se para corrigir o torto, com juros e pedido de desculpas, mas o desgraçado do pensionista a requerer a correcção, coisa que muitos não saberão fazer, quase todos a terem de pedir ajuda, tudo dependente do prazo de 30 dias que foi arbitrariamente fixado, e sem nenhuma garantia de que aos abusos anteriores não se somem outros, incluindo o de não reembolsar.

Por que razão a Segurança Social não pagou a tempo? Quem foi responsável? Quem decidiu? Quem calou? Quem, na AT, achou bem refugiar-se em interpretações legais que ofendem o senso e a justiça?

Dito de outro modo: quem são os patifes? Não sabemos. Nem, aparentemente, os jornalistas querem saber, ou os cidadãos perguntar. Não ignoramos porém que na AT há um responsável político, que me dizem ser pessoa estimável, e na Segurança Social outro, a respeito do qual a ninguém, salvo algum fanático socialista, ocorre dizer semelhante coisa.

Não são, é claro, nada estimáveis, e ambos deveriam ser demitidos, a par de uma severa razia nos serviços.

Não acontecerá porque de um lado estão uns pobres diabos pensionistas; e do outro o Estado socialista, o principal deus moderno que até os mesmos pensionistas devem adorar.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.08.20

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João Carvalho: «Invariavelmente, o fundamentalismo exacerba-se quando se passa por cima dessa regra básica que é consagrar a diferença como um direito, para que o respeito pela diferença seja um dever. Ignorar esta regra é, afinal, desafiar os outros. Escusadamente. A violência é o passo seguinte.»

 

Leonor Barros: «Desde que se começou a aventar a hipótese de se fazer uma revisão ao Estatuto do Aluno, até ela ser efectivamente feita e finalmente promulgada pelo Presidente da República que não se fala de outra coisa. A bandeira principal, a pólvora, a panaceia que poria fim a todos os males do mundo, assim como uma banha da cobra que iria erradicar as enfermidades do mundo educativo estava aí, prestes a surgir e a repor a verdade do mundo e a justiça do universo: a distinção entre faltas justificadas e injustificadas. Da esquerda à direita, os líderes, sub-líderes, assessores dos líderes, amigos dos líderes e animais domésticos dos líderes políticos encheram as balofas bocas com palavras doutamente ignorantes e o povo cordato e obediente regozijou em júbilo com a mais esparvoada das mentiras.»

 

Rita Ferro: «Tentarei então explicar, com a moral bem arredada do assunto, como convém, para não mascarar, pouco que seja, o que sinto a este respeito: ao infiel, falta a consciência de que pode matar, e da forma mais bárbara; ao fiel, falta a noção – tão básica – de que uma infidelidade pode tornar o companheiro mais feliz, desde que a mentira o proteja. Para todos os efeitos, ambos os perfis são abjectos.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «O candidato [presidencial Francisco Lopes] é apresentado como electricista de profissão e quadro do partido. Sendo ele profissional do PCP desde Setembro de 1974, faz-me espécie que o candidato ainda seja apresentado como electricista. A não ser que durante todas estas décadas em que trabalhou para o partido também estivesse incumbido da instalação e fiscalização das instalações eléctricas nos centros de trabalho do PCP. Mas o "Colectivo" decidiu que fosse apresentado como tal e ele assume. Para o "Colectivo", apresentar o candidato como electricista é a única maneira de ainda o manter ligado à classe operária, aos trabalhadores, àqueles que andam por aí a bulir à margem do "Colectivo", pagando impostos, votando nos outros partidos.»

Costa: «Os gajos são cobardes»

Pedro Correia, 25.08.20

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Foto: António Pedro Santos / Lusa

 

Em Abril de 2016, o primeiro-ministro exonerou o titular da pasta da Cultura, lançando-lhe um solene aviso: os membros do Executivo «nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo». Isto porque João Soares, em escrita ligeira de Facebook, prometera umas "bofetadas" (retóricas) em dois comentadores que o haviam criticado.

«Costa põe João Soares na ordem e obriga-o a pedir desculpa», apressou-se a titular o Diário de Notícias.

 

Quatro anos depois, ignorando as suas próprias advertências, Costa comporta-se com uma leviandade que, em comparação, remete a do ex-ministro da Cultura à gaveta das traquinices infantis.

Perante pelo menos três jornalistas do Expresso, em frase à margem de uma entrevista mas que ficou registada numa gravação remetida (por dolo, irresponsabilidade ou negligência profissional) por aquele semanário a dois canais televisivos, o chefe do Governo disse esta frase, aludindo aos médicos que prestaram serviço em Reguengos de Monsaraz: «É que o presidente da ARS mandou para lá os médicos fazerem o que lhes competia. E os gajos, cobardes, não fizeram.»

Foram palavras proferidas off the record, mas não deixam de ser indignas de um primeiro-ministro - sobretudo de um primeiro-ministro que já tinha sido profundamente infeliz em Junho, quando afirmou que a escolha de Lisboa como palco da Liga dos Campeões era «um  prémio para os profissionais da saúde» que há seis meses combatem o Covid-19 em Portugal. Como se a pandemia tivesse alguma coisa a ver com o futebol.

 

O Costa de 2020 devia seguir o conselho do Costa de 2016: um primeiro-ministro nem à mesa do café deve deixar de se lembrar que é membro do Governo.

Eu, se fosse o João Soares, recordava-lhe isto agora.

Se eles o dizem...

Sérgio de Almeida Correia, 25.08.20

fotos-gp-styria-motogp-2020857524_7_1200x690.jpeg(créditos: Motociclismo)

"No fue solo una victoria merecida, fue más que eso. Fue el triunfo de la humildad, del trabajo, de la dedicación de un tipo que procede de un país sin tradición en las dos ruedas, que carga sobre sí mismo el peso de una bandera y que ha pasado por momentos realmente duros en su trayectoria." (Nacho González - SWINXY, in Miguel Oliveira y la justicia poética)

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.08.20

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João Campos: «Dois portugueses participaram numa das mais entusiasmantes - e relevantes - descobertas dos últimos tempos na área da Astronomia: um sistema solar semelhante ao nosso, localizado a 127 anos-luz da Terra, na constelação de Hidra. Tem sete planetas: cinco gasosos, como Neptuno; um gigante gasoso, como Saturno; e um rochoso, que se pensa ser muito semelhante à Terra, apesar de a proximidade para com a estrela impossibilitar a existência de vida nos moldes em que a conhecemos.»

 

João Carvalho: «A vitória é impossível e a luta desigual é inglória? Nem por sombras: a vitória está na resistência, na abnegação, no sacrifício do bem-estar. Mesmo quando a consciência é abalada por dúvidas próprias da fragilidade humana, ainda é ela que pode garantir a vitória. E deter o poder continuará a ser uma coisa efémera, por muito que os investidos tudo façam para prolongar a estadia — mais por obscuros interesses pessoais e menos pela transparência da missão de serviço público.»

 

José António Abreu: «Afinal por que gostamos tanto de pele bronzeada? Aparentemente por causa de Coco Chanel e de Josephine Baker. A primeira ter-se-á distraído ao sol durante uma visita à Riviera na década de vinte do século passado, enquanto a segunda começava mais ou menos na mesma altura a deixar os parisienses pelo beicinho por cantar bem e, acessoriamente, por aparecer quase nua em palco. Os fãs de ambas, umas revistas de moda e alguns industriais com olho para o negócio trataram do resto. (Como se pode negar a perfeição da sociedade capitalista, que nos leva a gastar montes de dinheiro em férias na praia mas nos dá em troca um tema para dois dias de conversa, um bronzeado para duas semanas e a visão de corpos quase nus?) Antes de Coco e de Josephine, pele escura era vista como característica das classes baixas, forçadas a trabalhar ao ar livre.»

 

Eu: «Nunca devemos menosprezar a estupidez humana como força motriz da história. Muitos actos do nosso quotidiano só são explicáveis à luz da imensa estupidez que os motiva. Repare-se em dois acontecimentos muito recentes que tiveram amplo eco na imprensa mundial: um russo com idade para ter juízo morreu, à impensável temperatura de 110 graus, quando disputava um concurso destinado a apurar quem conseguiria resistir mais tempo sob o sufocante calor extremo de uma sauna finlandesa; um reputado cirurgião plástico, daqueles que costumam recauchutar mil beldades de Hollywood, morreu num acidente de trânsito em Los Angeles enquanto enviava um twitter com o mais recente retrato do seu caniche de estimação ao mesmo tempo que conduzia. O caniche, talvez por viajar no banco de trás, sobreviveu ao acidente.»