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Delito de Opinião

Os comentários da semana

Pedro Correia, 26.04.20

«O vírus mata todos os que puder levar, independentemente do credo político, religioso, da raça e do sexo, não estando eu bem certo quanto a estes últimos dois, existindo estatísticas que mostram o contrário. Mas adiante.

O vírus é essencialmente democrático. Não discrimina os que contagia e mata aqueles que tiver oportunidade. Tal como aconteceu com a gripe espanhola, a peste bubónica, a peste negra e tantas outras pestes e pandemias. É o pleno da democracia, unicamente ofuscado pela diversidade genética e pelo facto de nós sermos nós e as nossas circunstâncias.

O vírus mata comunistas, fascistas, ditadores, republicanos, democratas, monárquicos, muçulmanos, cristãos, budistas, judeus, nacionalistas, revolucionários, negros, brancos, vermelhos, amarelos, xenófobos, islamofóbicos, misandríacos, misóginos, ateus, agnósticos, sensatos, irascíveis, simpáticos, inteligentes, estúpidos, figuras conhecidas, pessoas anónimas, ricos, pobres e remediados. E de todos os géneros da "construção social" sistematicamente arrasada pela Biologia.

Mata os que pode e, quanto mais mata, com menor probabilidade de "sobreviver" e de infectar fica. Por isso o vírus, para além de democrata, é estúpido.

Assim como são estúpidas todas as reacções motivadas pelo pânico, pelo medo do desconhecido, pelo stress a que toda a mudança de paradigma obriga, desde que não fundamentada em sólidas bases científicas. Mas esta é a condição humana, espelhada com o destaque habitual nos meios de comunicação e na actuação da generalidade dos governos europeus. Nada de novo, portanto.

Que a "cura" que nos foi imposta se pode vir a revelar pior do que a doença, disso não tenho dúvidas. Que há que aplanar a curva de infectados em função do tempo, para evitar o colapso dos sistemas de saúde, também não me restam dúvidas. Que não se pode parar a actividade económica sem que haja consequências, não há quaisquer dúvidas, basta olhar para o aumento da taxa de mortalidade entre 2009 e 2015.

Entre outros factos ridículos, destaco a inexistência de estimativas, mesmo que grosseiras, do número de vítimas indirectas que a crise económica já instalada irá provocar, por contraposição à multitude de modelos epidemiológicos existente. Até parece que as crises económicas não conduzem a aumentos da taxa de mortalidade.

E não me venham dizer que estou a pretender trocar vidas por euros. Não é verdade. Apenas gostava de poder equacionar óbitos com óbitos, sem ter em conta os custos. Para depois poder equacionar óbitos com óbitos e respectivos custos.



PS - Pelo que tenho conhecimento, já há pessoas a passar fome, devido à paragem forçada da economia que as levou a ficarem sem receita mensal. Entretanto, do outro lado do mundo, em Taiwan e na Coreia do Sul, a vida tem decorrido com a normalidade possível, os restaurantes têm estado sempre abertos e não houve necessidade de quarentenas cegas investidas na qualidade de comissões liquidatárias da economia que nos resta. Ridículo.»

 

Do nosso leitor Elvimonte. A propósito deste texto do José Meireles Graça.

 

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«Muito antes da pandemia já trabalhava a partir de casa (três dias em casa e dois dias no escritório). Tenho a sorte de trabalhar numa empresa que não vê o trabalho a partir de casa como um bicho de sete cabeças e que até me incentivou quando propus este modelo por razões pessoais (passei de uma cidade a 50 quilómetros de Lisboa para uma aldeia a 140 quilómetros). A minha vida melhorou substancialmente, com muito mais tempo para os miúdos.

No meu círculo de amigos tenho alguns que se queixavam (isto antes do Covid) que não tinham tempo para os filhos, por causa do trabalho. Que os deixavam na escola às 7h e iam busca-los às 19h.

Trabalham todos em Lisboa, mas são naturais de várias zonas do país (Alentejo, Oeste, Beira Alta, entre outras), o que me levou a dizer-lhes muitas vezes para voltarem para as terras, mantendo os mesmos trabalhos, propondo à empresa para trabalharem a partir de casa (todos temos trabalhos que podemos trabalhar a partir de casa, basta um computador). As respostas eram "Achas que a minha empresa concordaria?", "Passada uma semana despediam-me", entre outras. Agora todos estão em casa a trabalhar remotamente e a produtividade não diminuiu.

Agora já pensam de maneira diferente e alguns ponderam mesmo abordar os responsáveis para trabalharem remotamente.

Obviamente que esta situação é crítica e anormal, mas não deixa de ser oportuna para se pensar em como podemos melhorar a nossa vida no pós-Covid. E o trabalho a partir de casa irá com certeza tornar-se uma realidade. Os gestores das empresas julgo não terem desculpas para não aceitarem este modelo como uma mais-valia garantindo assim o equilíbrio trabalho-vida pessoal que tanta gente apregoa.»

 

Do nosso leitor Trigueiros. A propósito deste meu postal.

Último reduto

Cristina Torrão, 26.04.20

Em mais um dos meus passeios solitários, dei com uma inscrição a giz, no passeio. Uma passagem da Bíblia, mais propriamente, do Evangelho segundo São Mateus.

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Traduzido à letra: “Vinde a Mim, quando tudo se torna pesado (ou difícil) demais”.

Fui procurar a versão portuguesa, pois todos sabemos como são problemáticas as traduções da Bíblia. Tive inesperada dificuldade em encontrar a passagem, só com a ajuda da internet lá fui, devido a um pequeno erro na inscrição. Não se trata de Mt 11,18, mas de Mt 11,28. E, como tenho duas Bíblias portuguesas, deparei com duas versões diferentes (uma da Difusora Bíblica, na sua 15ª edição, de 1991; outra intitulada “a Bíblia para todos”, tradução interconfessional, publicada entre nós pela Sociedade Bíblica de Portugal, numa edição de 2009):

“Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei”.

“Venham ter comigo todos os que andam cansados e oprimidos e eu vos darei descanso”.

No fundo, estas diferenças não são relevantes. O importante é aquelas palavras me terem feito parar, olhar para elas durante momentos, fotografá-las. Quando me resolvi a continuar, não imaginava que depararia com mais duas citações bíblicas (a qualidade das fotografias não é boa, as condições sol/sombra não facilitaram). Desta vez, vou usar apenas a tradução da publicação mais recente. Da primeira Epístola de São Pedro:

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“Confiem-Lhe todos os vossos problemas, porque Ele se preocupa convosco.”

1 Pe 5,7

E a passagem bem conhecida do Salmo 23 (que até estava ilustrada):

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“O Senhor é meu pastor, nada me falta”.

Deus é o nosso último reduto. Perante situações que nos ultrapassam, é a Ele que apelamos. E a verdade é que regressei a casa mais calma, com menos receio de que não ultrapassássemos esta crise. Como se tivesse encontrado pelo caminho alguém que me garantisse que Deus está connosco.

Deus não é uma máquina de resolver problemas, nem é o génio saído da garrafa que nos satisfaz desejos. Ele apenas nos ampara, nos dá força. Em vez de pedirmos a Deus que nos tire os obstáculos da frente, devemos pedir-lhe força para lidar com eles. E, quando as adversidades nos ultrapassam, ajuda pensar que a solução talvez não esteja nas nossas mãos. "Eu dou o meu melhor, o resto é com Deus" - por vezes, basta este pensamento para nos sentirmos mais aliviados e corajosos.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 26.04.20

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Ana Margarida Craveiro: «Eu também sou fã da Madeira. Das levadas que fiz, dos mergulhos em Porto Moniz, das lapas e das espetadas.»

 

João Campos: «Não costumo celebrar feriados, mas normalmente não falho um 25 de Abril lá na terra (desde que vim para Lisboa, falhei um, e foi por causa de uma rapariga). É que por lá, a data é sempre sinónimo de festa rija: bifanas e cerveja à venda na rua a preços de amigo, concertos, foguetes (consta que este ano foi mais fumo que fogo; eu não os vi, estava na cerveja). Este ano foram lá os nossos Blind Zero, e deram um bom concerto, ainda que curtinho. Mais importante, a data serve também para rever amigos e conhecidos dos anos de escola, que todo o concelho acorre à vila na noite de vinte e quatro para vinte e cinco.»

 

João Carvalho: «Armando Vara não se revê nas escutas públicas e não sabe como o seu nome surgiu ligado ao caso PT/TVI. Talvez ele seja correspondido: cheira-me que o país também não se revê em Armando Vara e também não sabe como o seu nome surgiu ligado a um caso de peixe embrulhado.»

 

Eu: «É quase injurioso equiparar Paris à ilha do Corvo para efeitos de "direito ao subsídio de transporte", ainda por cima em nome da "igualdade estatutária dos deputados". Que isto venha plasmado num despacho do presidente da Assembleia da República - segunda figura da hierarquia do Estado - para justificar as deslocações semanais à Cidade-Luz da deputada que figurou em terceiro lugar na lista do Partido Socialista por Lisboa torna o caso ainda mais extraordinário.»

Pensamento da semana.

Luís Menezes Leitão, 26.04.20

Estávamos habituados a encarar o mundo em que vivemos como um sistema determinista, com regras claras e estáveis, em que todos confiavam. Mas o que a teoria do caos nos ensina é que mesmo os sistemas deterministas podem ser afectados por pequenos eventos imprevisíveis. Isto é explicado pelo denominado efeito-borboleta, que refere que um simples bater de asas de uma borboleta na China pode provocar um furacão na Califórnia.

Desta vez não foi uma borboleta, mas uma mordedura de morcego num pangolim, que depois foi vendido num mercado chinês. E o que causou não foi um furacão, mas uma pandemia mundial com consequências dramáticas a nível da saúde e da vida de imensas pessoas e com uma provável quebra brutal do PIB mundial, a que se seguirá uma recessão gigantesca. A dúvida, no entanto, é que mundo iremos encontrar depois desta pandemia. Depois de o caos se ter instalado, a recuperação integral do sistema pode tornar-se impossível.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana.

Dia da Liberdade

Pedro Correia, 25.04.20

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Estado de emergência a vigorar até 2 de Maio, data em que será presumivelmente substituído por um estado de calamidade pública. Supressão parcial ou total da liberdade de circulação, da liberdade de reunião, da liberdade de manifestação, do direito à greve, do direito de resistência, do direito de emigração, do direito de  iniciativa económica privada. Centenas de pessoas detidas por crime de desobediência. Selos sanitários em hotéis e restaurantes - deixando implícito que os restantes serão pestíferos ou purulentos. Medição de temperatura a futuros clientes à entrada de restaurantes e de trabalhadores nas empresas. Praias com lotação limitada - algo jamais visto neste país, nem sequer em períodos de ditadura. Interdição da prática de cultos religiosos, em flagrante contraste com o culto dos rituais do Estado, que continuam a praticar-se. Perseguição a velhos nos jardins públicos e a jovens surfistas nas águas do mar. "Cercas sanitárias" decretadas em vários perímetros municipais, mesmo em concelhos com apenas dez casos de infecção por coronavírus detectados. Mecanismos de "reconhecimento facial" em avaliação para possível réplica local dos métodos que já são correntes na China. Câmaras térmicas para detectar trabalhadores com febre. Drones com altifalantes exigindo às pessoas para recolherem a casa, como cães-pastores empurrando ovelhas para o curral. Desenvolvimento de tecnologias intrusivas para "medir o nível de confinamento" e "analisar a mobilidade dos cidadãos". Preparação para a chamada "geolocalização de contágios" por aplicação em telemóvel. Monolitismo de opiniões, a pretexto da obediência às autoridades sanitárias, transformando qualquer crítica em delito de lesa-patriotismo

Dia da liberdade. Festejemos, pois. 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 25.04.20

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Eu: «Alguns dos que se indignam agora contra a grosseria do Presidente checo, Václav Klaus, foram os mesmos que aplaudiram Hugo Chávez nas suas prédicas descabeladas na cimeira ibero-americana de Santiago do Chile que levaram o Rei de Espanha a proferir a célebre frase: "Por qué no te callas?" E esses mesmos que agora apontam o dedo acusador a Cavaco Silva por se ter mantido em silêncio em Praga são os mesmos que então disseram que Juan Carlos devia ter permanecido em silêncio perante as ofensas de Chávez ao anterior Governo espanhol. Dá gosto ver tanta coerência.»

Vírus socialista

José Meireles Graça, 24.04.20

De entre as muitas incógnitas que rodeiam a Covid19 uma não tem recebido praticamente nenhuma atenção, e essa é se a repugnante coisa é de esquerda, de direita ou do centro. Proponho-me dilucidar esta dúvida excruciante.

As medidas tomadas para garantir o afastamento social implicaram a suspensão de direitos constitucionalmente garantidos, o reforço dos poderes policiais, banalizando a detenção (o nome púdico que se inventou para qualificar a prisão sem julgamento) sob pretextos fúteis, a redução dos trabalhos parlamentares ao mínimo, o encerramento compulsivo de empresas, o encerramento total ou parcial de estabelecimentos que, podendo teoricamente funcionar, deixaram de o fazer por falta de clientes, a redução ou eliminação dos proveitos de trabalhadores independentes e profissionais liberais, o avolumar das dívidas do sector privado (que já eram de 191% do PIB em 2019, excluindo o sector financeiro, a que acrescem 150% do sector público não financeiro), o avolumar da dívida pública (que estava, no mesmo ano, mais ou menos em 250 mil milhões), o aumento demencial do risco de imparidades nos bancos e nas empresas que sobreviverem… a lista é infinita.

Tudo isto tem consequências na vida do Estado, que verá as suas receitas afundarem por depressão da actividade económica e as suas despesas crescerem por efeito do aumento da quantidade de desempregados com subsídio e de gente a necessitar de apoio, e na das pessoas, sobretudo, de imediato, daquelas (pequenos patrões, independentes) cuja vida depende de a ganharem todos os dias com o que vão fazendo…

Uma hecatombe. Importa perceber se é um mal menor, por que razão se aceitou, até agora pacificamente, uma tão inclusiva operação de suicídio colectivo, e o que explica a relativa tranquilidade da classe política, mormente a da parte dela que governa.

Do que se sabe da Covid, parece que a taxa de mortalidade é, se for, apenas ligeiramente superior à da gripe, ou seja, 0,1%; que, de forma muito mais acentuada que a gripe, atinge os velhos, sobretudo se maiores de 70 anos, mas poupa os jovens; que é mais contagiosa, incluindo por assintomáticos; que talvez deixe sequelas que a gripe não deixa, ao menos em alguns recuperados; e que requer um internamento mais longo, quando ele é necessário, incluindo naqueles casos que chegam aos cuidados intensivos.

Nunca se pararam países por causa de um risco de morte de 0,1%; e menos ainda se o principal grupo de risco, isto é, os maiores de 70 anos, representa, mesmo numa sociedade envelhecida como a nossa, 16% da população, convindo também não perder de vista que a média de idades dos que morrem pela Covid é superior à da esperança de vida (a confirmar, ignoro se é assim por toda a parte). E, antes que se me venha dizer que, estando a falar de morte, é insensível pôr a vida das pessoas num prato da balança, e no outro a economia, lembro que eu próprio estou muito perto daquele grupo de risco, e que as recessões causam, além de quantidades imensuráveis de sofrimento, mortes por suicídio, falta de assistência médica, subalimentação, e todo o cortejo de misérias que afligem os que não têm voz e estão longe da asa protectora do Estado e dos holofotes da opinião pública. De resto, uma das razões porque o SNS estava tão mal equipado para responder aos picos de afluência era a contenção de despesas, necessária por se ter optado por outras afectações da despesa pública, e isso por causa… da economia, a tal que agora devemos ignorar.

Se isto é assim, porquê então o fervoroso apoio inicial às medidas de contenção? A explicação encontra-se, simplesmente, no medo. Medo do desconhecido, medo do que nos toque pela porta, senão directamente ao menos a familiares queridos, medo de raciocinar no meio do estouro da boiada. E medo induzido pela histeria interesseira da comunicação social: esta não venderia um chavo se noticiasse tempestades dizendo que não levantaram telhados, não provocaram sérias inundações nem arrancaram árvores pela raiz. Daí que não vejamos quase nunca a taxa de mortalidade nem os contextos, e vejamos todos os dias opiniões de médicos e outros profissionais exaustos, cientistas sortidos a aproveitar a boleia para promoverem as suas disciplinas e as suas relevantes pessoas, e cidadãos com minúsculas cátedras de influência a juntarem-se à procissão da moda, que é a dos salvadores da pátria cheia de febre e tremuras, tolhida de pavor. Para não falar dos políticos que, se forem de esquerda, recebem de braços abertos o maná do reforço dos poderes do Estado e da sua importância na vida da colectividade e, se forem de direita, querem cavalgar a onda da opinião pública e não parecerem menos aflitos com a gestão da crise.

A boiada estoura mas pára pelo cansaço. E a razão pela qual está a diminuir de velocidade mas ainda não parou é que reformados e pensionistas são três milhões e seiscentos mil; funcionários públicos 683.000; trabalhadores em layoff (que ganham dois terços do salário mas poupam em deslocações e refeições fora de casa) à volta de um milhão; desempregados com subsídio aí uns 160.000, a crescer todos os dias; e trabalhadores ainda no activo serão não muito longe de 4 milhões.

Toda esta gente acha que o preço de não ir a concertos nem restaurantes, e ficar em casa a aturar a canalhada, não é demasiado alto para evitar riscos que lhe dizem ser descomunais. E teria razão se não fosse ela a pagar, a prazo, o custo da paralisia.

E decerto os funcionários públicos, reformados e pensionistas, o principal fonds de commerce do socialismo pátrio, só pagarão sob a forma de aumentos protraídos; os outros que se desenvencilhem quando a factura chegar.

O Governo aposta que não virá factura nenhuma, confiante em que a EU fará o que for preciso para não deixar desmoronar o edifício, sapado pelo estado calamitoso das finanças italianas e dos outros países do sul da Europa. E não só não virá factura, e portanto não haverá austeridade, mas inclusive a economia vai finalmente modernizar-se através do digital, do combate às alterações climáticas e da substituição de importações do Oriente, tudo sob a lúcida orientação de Siza ou doutro capitão socialista da indústria de perdigotos que estiver de turno.

Se a Europa vai cair nesta arola não sei – é possível que arranje umas meias tintas de bodo aos pobres (o nome técnico é subvenção) e empréstimos a pagar à la longue. Mas lá que vem arame, vem. Tanto que o patrão dos patrões do encosto ao Estado e da economia dirigida já esfrega as mãos.

É provável que a malta em casa se incline a inundar as ruas, mal o vírus seja notificado que o estado de emergência acabou; que as medidas de regresso à normalidade não sejam excessivamente respeitadas porque parte delas não tem outro propósito que não seja fingir que as anteriores foram razoáveis; que haja um estremecer de cidadania em relação a proibições absurdas, como a de limitação do acesso a praias, ou à forma desumana como se pretende decretar a prisão domiciliária sine die dos velhos, para o efeito de os proteger deles próprios; e que fique um rasto de reforço de estatismo porque seremos submergidos pela propaganda da imensa sorte que tivemos em atravessar esta fase sob a esclarecida, e benevolente, direcção das autoridades.

E então, a maldita Covid, sempre é da direita anacrónica, da esquerda progressista ou da outra nem tanto, do centro… como é que fica?

Ora bem, não é uma coisa boa, portanto deve ser de direita. Mas a verdade é que nasceu num país de retórica comunista, logo deve ser de esquerda. Porém, as medidas tomadas em múltiplos países implicaram diminuição das liberdades, e portanto tanto poderia ser fascista como comunista. O caso é difícil, mas não creio que seja necessário recorrer ao polígrafo: o vírus reforçou os poderes do Estado, veio com doses massivas de propaganda, infantilizou os cidadãos, provocou grande estragos na economia que vão ser corrigidos com dinheiro da Europa para promover himalaias de corrupção, amiguismo, e elefantes brancos. Donde, só pode ser socialista.

O Irão e a Áustrália ficam no mesmo hemisfério

João Pedro Pimenta, 24.04.20

A propósito da questão da sazonalidade do covid, estava ontem a ver um artigo de um "jornal de referência" que duvidava da mesma porque o vírus tinha atingido em força a Austrália e o Irão, porque são "terras quentes".


Ora bem: a Austrália realmente recebeu o vírus no Verão, embora até nem tenha sido assim tão atingida (tendo começado bem antes, tem números claramente melhores que os nossos, tanto em contaminados como em mortes, e a maioria já recuperou). Mas o Irão estaria assim tão "quente"? A antiga Pérsia apanhou com isto em força em Fevereiro, sobretudo na região mais a Norte, onde fica Teerão e a cidade santa de Qom, principal foco da coisa. Não é preciso ir muito longe para se concluir que a neve nas montanhas da região, ali para o Elburz, não é propriamente artificial, e verificar que a temperatura média por ali entre Fevereiro e Março vai de 0 a 15 graus, com um clima frio e seco, o mais apropriado para este vírus. Quentíssimo, como se vê.

Às vezes o jornalismo de rigor devia preocupar-se em ser realmente rigoroso e não só a apregoá-lo.

Inaceitável

Pedro Correia, 23.04.20

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Amarga ironia: a única deputada independente do parlamento português é impedida de falar na sessão solene alusiva ao Dia da Liberdade.

Por mais que discorde do que Joacine Katar Moreira possa dizer, defenderei sempre o seu direito a falar no hemiciclo. Sobretudo num dia como este.

Se ela continuar impedida de subir à tribuna parlamentar no 25 de Abril, Ferro Rodrigues volta a cobrir-se de vergonha. Com máscara ou sem máscara.

As canções da minha vida (14)

Pedro Correia, 23.04.20

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 AS TIME GOES BY

1931

 

Há canções que me lembro de ouvir desde sempre. Esta é uma delas. Fixei-a, em particular, nos meus felizes dez anos, quando vi – com poucos meses de intervalo – dois filmes que por motivos diferentes me fascinaram: Casablanca e Citizen Kane. Rodados, eles também, com uma diferença temporal muito curta. Quando o mundo estava em chamas e olhava para os Estados Unidos como porto seguro, farol de esperança e oásis de liberdade. Da fábrica de sonhos de Hollywood saíam produtos industriais que viriam a transformar-se em obras de arte. E nunca os sonhos tinham sido tão necessários como naquela era de pesadelo.

Casablanca (estreada em 1942, com realização de Michal Curtiz) usa sabiamente a guerra como pretexto para exaltar o amor romântico e perpetuá-lo muito para além das contingências do destino. Eis o segredo de uma fita sem par que parecia fadada para ser apenas mais um título da linha de montagem da Warner Brothers, o estúdio que se gabava de andar colado à realidade. Num cenário onírico, com as areias da Califórnia a fingirem de solo marroquino e uma Casablanca envolta em inédito nevoeiro, ali nascia mais do que um marco na história do cinema: emergia também um mito do nosso imaginário colectivo.

 

Poderá uma canção tocar-nos ao ponto de nos mudar a vida? Quando Ilsa Lund (Ingrid Bergman) roga a Sam (Dooley Wilson), o pianista, para cantar As Time Goes By no bar do Rick, diríamos que sim. Aqueles acordes soavam a guia e lema. Mobilizaram-na a tal ponto que ela se declarou disposta a romper todas as juras e a esquecer todos os combates. Como se não houvesse nada mais para escutar, antes ou depois.

Na película de Curtiz, era território interdito: Rick Blaine (Humphrey Bogart) proibira o pianista de interpretar aquela balada que lhe evocava memórias de um lugar inacessível e de um tempo irrepetível. A proibição só se quebra quando Sam é incapaz de resistir ao pedido de Ilsa, súbito clarão iluminando a noite. Mas é dos lábios dela que escutamos pela primeira vez um trecho deste tema musical que percorre toda a longa-metragem de modo obsessivo.

 

Vendo aquela cena, ninguém diria que esta canção hoje tão justamente celebrada quase chegou a ser excluída de um filme que esteve para ter Ronald Reagan como protagonista. Reza a lenda que o compositor Max Steiner, nomeado para um Óscar pela banda sonora de Casablanca, detestava As Time Goes By a tal ponto que fez questão de substituí-la naquela cena capital por Perfídia, rumba popularizada escassos anos antes pela orquestra de Xavier Cugat – e que surge, aliás, noutro momento da película.

Por ironia, a partitura de Steiner passou para segundo plano, obscurecida precisamente pela canção que ele tanto detestava. Um tema saído da inspiração de um compositor de segunda linha do teatro de revista norte-americano, Herman Hupfeld (1894-1951), e composto como “material adicional” para Everybody’s Welcome, peça musical de Irving Kahal e Sammy Fain estreada em 1931 em Nova Iorque. Contra ventos e marés, demorou mais de uma década a saltar das tábuas da Broadway para a glória planetária. E a firmar-se como uma senha melódica de sucessivas gerações, sem fronteiras temporais ou espaciais.

Ainda no palco, foi interpretada por Frances Williams. Não tardou a ser gravada logo em 1931 por Rudy Vallée, popular cançonetista da época, tendo obtido algum êxito. Mas a verdadeira fama só surgiu ao renascer no filme, pela segunda vez como enxerto em pauta alheia. A versão discográfica da década anterior foi então recuperada, inaugurando um cortejo interminável de versões. O tema de Hupfeld viria a tornar-se um ícone da música popular norte-americana nas vozes de Frank Sinatra, Nat King Cole, Louis Armstrong, Carmen McRea, Jimmy Durante, Sammy Davis Jr. – e até com intérpretes tão improváveis como Carly Simon, Bryan Ferry e Rod Stewart.

Os seus acordes iniciais transformaram-se na assinatura musical da Warner. E o Instituto do Filme Americano elegeu-a em 2004 como a segunda mais popular canção da história da Sétima Arte, tendo apenas Over the Rainbow à sua frente.

 

Revejo o filme, uma vez e outra: é talvez o melodrama que mais vezes me prendeu ao ecrã nas diversas fases da vida. Rick, no decisivo diálogo que trava com uma Ilse em lágrimas no aeroporto, alerta-a para a realidade: aquele era um tempo de hinos bélicos, não de melodias de amor. O mundo precisava de ser salvo.

Ficou-lhes a memória de Paris. E a canção, que era só deles, passou a ser nossa: nunca nos separaremos dela, irá acompanhar-nos para sempre.

Canção que – logo no título – nos fala do tempo a escoar-se. E que nos ajuda a perceber tudo quanto há de precário no que é eterno e tudo quanto há de eterno no que é precário.

 

«It's still the same old story / A fight for love and glory / A case of do or die. / The world will always welcome lovers / As time goes by.»