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Delito de Opinião

"Os Crimes de Hamburgo"

Cristina Torrão, 29.02.20

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posts que trazem consequências e contactos inesperados. Primeiro, falei nos “Portugal-Krimis”, ou seja, policiais escritos por alemães, mas situados em Portugal. Depois, fui contactada por um dos autores, o que me despertou a curiosidade. Acabei por ler um livro dele, do qual falei aqui. Mas a história continuou: fui, por sua vez, contactada por um jovem autor português que escreveu um policial passado na Alemanha. Os Crimes de Hamburgo é o primeiro romance de Francisco Carvalho, editado em Outubro passado pela Coolbooks, inspirado nos dois anos que o autor viveu na cidade alemã.

É um policial muito bem engendrado, cheio de personagens interessantes, com suspense e bem resolvido. Tem outra mais-valia: o tema é actual. Em Hamburgo, começam a ser assassinados refugiados oriundos de países muçulmanos. Francisco Carvalho revela sensibilidade no tratamento do assunto. Dá-nos a conhecer os centros onde os refugiados são aquartelados, enquanto esperam que a sua situação se regularize, e as dificuldades com que são confrontados. De assinalar também a maneira como consegue transmitir a atmosfera da cidade do Norte da Alemanha, já com ares de Escandinávia.

Trata-se de um bom primeiro romance. E, como Francisco Carvalho, segundo nos informa a editora, «tem mais histórias para contar», penso que compensará ficarmos atentos a este nome.

De gás

José Meireles Graça, 29.02.20

Nos EUA, uma terra de excessos, há um desporto ilegal e pouco conhecido: trata-se de fazer o percurso entre Nova Iorque e Los Angeles, de carro, no menor tempo possível. O recorde foi batido por três moços, há umas semanas, com  27,5 horas, o que dá uma média superior a 160 km/h. Suponho que não ficará por aqui: o carro tinha 75.000 km, salvo erro, era um carro de produção e, excepto pela electrónica embarcada e gadgets diversos, não se distinguia de outros topos-de-gama (para usar a expressão que jornalistas invejosos consagraram) com um cunho desportivo.

Tudo contra a lei e arriscando multas astronómicas e penas draconianas: naquelas paragens trancafiam as pessoas por pecadilhos, os juízes tomam-se por deuses, os polícias por juízes, e os cidadãos law-abiding por polícias, nunca ninguém tendo podido demonstrar se o sistema de justiça é assim porque a sociedade é violenta, ou se a violência das instituições explica uma parte da violência da sociedade. Coisas lá deles, em todo o caso.

Por cá, que eu saiba, ainda ninguém se deu ao trabalho de fazer a mesma coisa entre o Porto e Lisboa, ou entre o Porto e Faro. Se bem que, tanto num como noutro destes percursos, tivesse umas histórias para contar, sem electrónicas nem recordes, que não conto por receio de causar danos ao mesmo tempo à minha reputação de pessoa amante da lei e da ordem e à minha credibilidade.

Há uns dias, três moços morreram em Lisboa numa brincadeira a 300 km/h. O detalhe da velocidade foi glosado abundantemente pela imprensa, mas no troço em que morreram, à hora a que morreram, na marca do automóvel em que morreram (o preço, senhores, o preço do carro, foi pacificamente considerado como circunstância agravante – num Renault Clio sempre era uma morte mais socialmente tolerável), semelhante velocidade é inverosímil.

Que o diabo os leve: a testosterona incita os jovens a fazerem loucuras; não se percebe o que fazem no mercado automóveis que excedem amplamente as velocidades permitidas; é impossível, mas seria desejável, controlar de alguma forma as velocidades acima do permitido de todos os veículos; e estas mortes são a demonstração de que há ainda muito caminho a percorrer pelas autoridades de modo a que se adoptem atitudes civicamente responsáveis, a mal porque a bem há sempre quem fure.

Certo? Errado. Porquanto:

  1. As diferenças de segurança activa entre automóveis são tão grandes, consoante a marca, a idade, o preço, o estado de conservação, as características, que a imposição de um limite igual para todos não pode senão ser, e de facto é, um nivelamento por baixo, que os que podem e sabem com frequência ultrapassam, mesmo inadvertidamente;
  2. Não há limites de velocidade diferentes para bom e mau tempo. E todavia as diferenças de condições de aderência com chuva e tempo seco são enormes. As polícias, porém, têm tendência a, com chuva, não fazerem operações, possivelmente porque os autos de notícia ficam esborratados;
  3. Todos os condutores aprendem a estacionar entre duas árvores, o Código e a controlarem a embraiagem sem solavancos. O que fazer em situações de perigo não aprendem. Ou seja, a formação consiste na escola primária – ensino secundário nunca, que para ir daqui ali o primário chega perfeitamente e somos todos iguais, mesmo que na ignorância;
  4. Todos os automóveis são hoje mais seguros do que alguma vez foram, para velocidades iguais, e todos incorporam mecanismos de segurança activa (travões de disco, suspensões inteligentes, direcções assistidas, ABS e um imenso etc.) que fazem com que, às velocidades legais, e salvo distracções, os acidentes sejam improváveis. Minorados também nas suas consequências, no que intervêm dispositivos de segurança passiva, como airbags, cintos de segurança ou habitáculos indeformáveis, do que aqui não curo;
  5. A maior parte das inovações em matéria de segurança activa não resulta de intervenções dos poderes públicos: vem da competição automóvel, da competição entre as marcas, da inovação, da criatividade e do mercado para infractores.

Atentemos nisto: mercado para infractores. Não faz nenhum sentido produzir automóveis que nunca, mas nunca, possam ser utilizados em situações de velocidade fora dos limites legais, hoje generalizados em todo o mundo. Continuam porém a produzir-se para satisfazer vaidades, por um lado; mas também porque os fabricantes sabem que os condutores jogam ao gato e ao rato com as autoridades rodoviárias.

Jogam cada vez menos porque os meios de controle e repressão têm vindo a acentuar-se. E disto já vemos consequências: há cada vez mais SUVs – não são verdadeiramente desportivos, apesar do nome, proporcionam maior sensação de velocidade sem que ela seja verdadeiramente elevada, e, apesar da configuração de tanques, são menos seguros do que as limousines equivalentes.

Se as autoridades insistirem, a seu tempo os fabricantes competirão pelo luxo, as linhas, as comodidades, a segurança passiva – mas pela segurança activa não porque não será um factor diferenciador.

Quer dizer que os infractores, até agora, têm protegido os cumpridores – estes conduzem carros muito seguros porque não foram feitos para eles.

Pode ser que nada disto interesse no futuro: talvez a evolução tecnológica venha a impor que circulemos sem condutor, a alta velocidade porque a tecnologia permitirá que o façamos em segurança.

No passado ficarão os que morreram porque eram chanfrados, e cuja morte não foi inútil porque garantiu que muitos outros nunca tivessem acidentes.

Entre os mais comentados

Pedro Correia, 29.02.20

Em 19 destaques feitos pelo Sapo em Fevereiro, entre segunda e sexta-feira, para assinalar os dez blogues nesses dias mais comentados nesta plataforma, o DELITO DE OPINIÃO recebeu 16 menções ao longo do mês.

Incluindo dois textos na primeira posição, quatro na segunda e três na terceira.

 

Os textos foram estes, por ordem cronológica:

Ou não sabe ou sabe e cala (48 comentários, terceiro mais comentado do dia)

A beleza das coisas simples (44 comentários)

Obviamente chumbada (40 comentários) 

Pensamento da semana (60 comentários)

Sugestão ao Livre (52 comentários) 

Penso rápido (95) (26 comentários)

Será ou não será? (134 comentários, o mais comentado do dia)  

Da vida animal e da vida humana (68 comentários, segundo mais comentado do fim de semana)  

Urro racista agora é «cântico» (38 comentários, segundo mais comentado do dia)

Agitação no pântano (24 comentários)

Vai chamar racista a outro (50 comentários, o mais comentado do dia)

País real e prioridades legais (70 comentários, segundo mais comentado do dia)  

Ódios e animais de estimação (44 comentários)

Contra a preguiça intelectual (32 comentários, terceiro mais comentado do dia)

O Estado a que chegámos (50 comentários, segundo mais comentado do dia)   

Penso rápido (96) (36 comentários, terceiro mais comentado do dia)

 

Com um total de 816 comentários nestes postais. Da autoria do Paulo Sousa, do João Campos, da Teresa Ribeiro e de mim próprio.

Fica o agradecimento aos leitores que nos dão a honra de visitar e comentar. E, naturalmente, também aos responsáveis do Sapo por esta iniciativa.

Leituras

Pedro Correia, 28.02.20

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«O meu país é triste aonde o mar não chega, nocturno mesmo que ao sol, sombrio ainda que de dia aonde o mar não chega.»

António Lobo AntunesConhecimento do Inferno (1980), p. 54

Ed. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1983 (6.ª edição). Colecção Autores de Língua Portuguesa

Pulido Valente "in memoriam"

Pedro Correia, 28.02.20

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«Encontrei muitos políticos desde 25 de Abril, não encontrei nenhum que não ficasse reprovado num exame elementar de História de Portugal. (...) Fora Marx e Lenine, não abriram os clássicos. Dos grandes sistemas políticos acumularam penosamente meia dúzia de noções triviais, destinadas ao jornal e ao comício.»

 

«Só por milagre o dr. Sampaio, o dr. Soares e o dr. Amaral, seus amigos, afilhados e sequazes, não acabariam colectiva e patrioticamente sentados à mesa do orçamento, esperando pela auspiciosa chegada do dr. Sousa Franco que não tardará. (...) Todos gostam das mesmas situações ambíguas e esfumadas, todos se distinguem na mesma arte subtil de conciliar o inconciliável e justificar o injustificável, e todos padecem da mesma gravidade cordata, parlapatona e pomposa, que em Portugal revela fatalmente o estadista. Não são inimigos, nem sequer adversários: são compadres. E esta é a sua República. Sua - muito deles.»

 

«Entre quadros partidários profissionais, militares, políticos e os fala-baratos do costume, o 25 de Abril não revelou ou produziu ainda um dirigente genuinamente operário ou popular de estatura. Quem se espantará?»

 

«Em Portugal o doutoramento continua a ser um tremendo privilégio. Habilita os seus venturosos possuidores ao adereço distinto de "sr. professor", confere-lhes um pequeno feudo vitalício na Universidade, promove-os a lugares de direcção académica, e quase sempre indica-os aos órgãos de soberania como desejáveis pastoreadores da nação.»

 

«Houve um tempo em que os Governos e as Universidades consideravam um sociólogo o lamentável cruzamento de um socialista e de um astrólogo. (...) Estudar uma sociedade parecia aos Governos implicar o perigoso propósito de a mudar - temeridade que geralmente não acontecia aos sociólogos. Por outro lado, a Universidade pensava sobre a sociologia o mesmo que sobre os horóscopos: à força de generalizações e trivialidades, era realmente impossível não se acertar algumas vezes.»

 

«Tendo muito pouco, o povo quer logicamente alguma coisa e, quando é livre de decidir, recusa sempre a aventura revolucionária, porque vive num curto espaço antes da privação, do desemprego ou da miséria. Os "sonhos" que o intelectual em causa confessa alimentar de "privilégio" sem limites e de "grandeza que não há" não são sonhos do povo, são sonhos do pequeno-burguês socialmente frustrado. A ideologia da revolução não passa de uma ideologia pequeno-burguesa.»

 

«Se os Governos caíssem por causa do descontentamento, o salazarismo tinha caído trinta vezes depois de 1945. Se a agitação fizesse cair Governos, o liberalismo não tinha passado de 1834 e a República de 1911. Se os Governos precisassem para sobreviver de uma sólida base social de apoio, Portugal não era governado desde o fim do século XVIII.»

 

Citações extraídas do livro O País das Maravilhas (Intervenção, 1979)

Esquadra no fundo

Sérgio de Almeida Correia, 28.02.20

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Os resultados das melhores equipas portuguesas de futebol nas competições europeias revelam bem o patamar a que o futebol interno chegou. Se para a Liga dos Campeões já se tinha visto que éramos pequeninos e poupadinhos quando se tratava de mostrar arte e garra; agora na Liga Europa tivemos a demonstração da nossa incapacidade e irrelevância. Até naquilo de que mais gostamos, e em que fomos campeões europeus jogando com uma Selecção Nacional de expatriados, somos incapazes de mostrar algum brio.

Ano após ano, perante equipas da segunda e terceira divisões do futebol europeu, que se o não fossem não estariam numa competição menor da Europa do futebol, somos incapazes de mostrar alguma coisa. Apresentar resultados. Sofrendo golos em catadupa, sendo indiferente estarem a jogar em casa ou fora, nem mesmo quando em vantagem as nossas equipas conseguem segurar os resultados que lhes garantiriam a passagem à fase seguinte.

Bem vistas as coisas, e para não destoar, o futebol que mostramos na Europa, e não falo dos talentos individuais, segue a bitola dos programas televisivos de discussão do "chuto na bola", das arbitragens, das conferências de imprensa dos treinadores, dos comentários dos dirigentes desportivos, do debate político, do funcionamento dos nossos partidos, da confiança no sistema judicial e na justiça que se vai fazendo, e por aí fora.

A má gestão, a falta de visão e de empenho e o desperdício continuam a ser tão intensos que se compreende perfeitamente o afundamento de toda a esquadra em 24 horas. E a razão para que tantos oficiais e marinheiros não se importem de ir servir para o primeiro porta-aviões, às vezes apenas um bote, inglês, espanhol, italiano, ou até francês, que lhes apareça com um colete de salvação.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.02.20

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João Carvalho: «Nestes últimos anos, sempre que há uma desgraça, passou-se a resgatar mortos e feridos. Embirro com o emprego da expressão. Mais recentemente, quando o presidente do BPN foi detido, o tribunal emitiu um comunicado que dizia que Oliveira Costa ia ser ou tinha sido removido para a prisão. Achei horrível. Há pouco, sobre as cheias dos rios, um responsável qualquer mostrou-se na RTP preocupado com a extracção da população. Fiquei sem palavras.»

 

Paulo Gorjão: «Da entrevista de hoje de Paulo Rangel ao Correio da Manhã retenho que não quer privatizar nem a RTP nem a Lusa. Só com a RTP, em 2009, o Estado teve de suportar quase 400 milhões de euros, como lembrou recentemente Pedro Passos Coelho. Rangel, pelos vistos, quer libertar o futuro, mas não pretende mexer nesta despesa. Sobre as SCUT também não me recordo de lhe ter escutado uma palavra nos tempos mais recentes. O mesmo se pode dizer sobre as parcerias público-privadas. Ou sobre as despesas do Estado em geral.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Se é verdade, e eu até agora não ouvi ninguém desmenti-lo, que uma empresa de Luís Figo recebeu o pagamento relativo a uma campanha publicitária do Taguspark através de uma empresa offshore, que assim se furtou ao pagamento dos impostos devidos em Portugal, faz algum sentido apresentá-lo como modelo e exemplo de cidadania que devam ser seguidos pela juventude portuguesa?»

 

Teresa Ribeiro: «Agora as mulheres já não querem "parir". Preferem "ter bebés", de preferência quando assim o desejarem e em condições dignas. Como princípio, não me parece mal. Dêem-lhes horários a tempo parcial - em Portugal quase não existem - boas redes de creches e leis eficazes contra a discriminação no mercado de trabalho e elas desejarão ter mais filhos.»

 

Eu: «Os homens de Sócrates começam a cair. Para já, apenas os homens de Sócrates nas empresas soi-disant privadas: Armando Vara no BCP, o inefável Rui Pedro Soares e Fernando Soares Carneiro na PT. É o fim de ciclo político mais penoso a que tenho assistido desde sempre em Portugal.»

Em favor de quotas

João André, 27.02.20

Este penso rápido do Pedro lembra-me um problema: numa sociedade igualitária, onde toda a gente tem as mesmas oportunidades e não há descriminação de nenhum tipo (não vou listar as diferentes possibilidades, são demasiadas), porque razão não temos uma sociedade menos dominada por homens brancos?

No título tenho a palavra "quotas". Durante muito tempo me perguntei se são boas ou más. Já fui contra, a favor, contra de novo, indecidido e agora sou francamente a favor (deixei passar provavelmente mais umas estações e apeadeiros nestas reflexões e este é um estado de espírito actual). Para falar em quotas tems que começar com uma pergunta: são os homens brancos mais capazes que mulheres e homens não-brancos? Deixo de lado as subdivisões de escandinavos, mediterrânicos, eslavos, etc e tal. Fiquemo-nos pela cor aproximada da pele.

Creio, espero que correctamente, que a esmagadora maioria das pessoas responderá com um sonoro NÃO! Então fica novamente a pergunta: porque não estão tais pessoas igualmente representadas em cargos superiores? Porque não têm o mesmo nível de educação (eu sei que mulheres até têm maior probabilidade de ter cursos superiores que os homens, mas iso apenas amplifica a minha questão)? Porque razão existe tal diferença salarial entre pessoas com a mesma educação e responsabilidades e experiência quando a única diferença é um cromossoma ou o tom de pele? E não falo apenas de Portugal, naturalmente, falo de todo o mundo.

A resposta é, para mim, óbvia: o racismo e machismo existem, estão vivos e muito bem de saúde. Não falo de racismo ou machismo pessoal, onde os indivíduos pensam que o outro é de facto inferior só por ser mais escuro ou ser mulher (embora o machismo seja muito mais aberto). Todos nós os teremos um pouco, mas isso será um resquício da nossa evolução, que favoreceria os nossos grupos (tribos), os quais durante a maior parte da nossa história eram constituídos por pessoas parecidas connosco. A suspeita de estrahos estará entranhada no nosso código genético, mas não é inultrapassável, longe disso. Penso que o racismo e machismo são essencialmente estruturais e legados de um passado onde eram claros, abertos, assumidos e até marcas de honra. Li esta semana que Churchill sugeriu o lema "Keep England White" em 1955, o que se não é suficiente para manchar a imagem do estadista, certamente dá uma nova perspectiva e um período tão recente. Isso só demonstra como séculos de história terão deixado uma sociedade tão entranhada de homens brancos que abrir as portas a outros se torna difícil.

Repito: não é uma questão de racismo ou machismo pessoal. Duvido que na maioria dos casos alguém que escolha um homem branco em deterimento de outro tipo de candidato no papel igualmente qualificado o faça por esses motivos. Será normalmente por questões de ter um perfil pessoal mais adequado, ou algo do género. Em inglês refere-se a isso como "better fit" e é aquilo que normalmente se chama de "similarity bias", ou seja, uma preferência por pessoas semelhantes a nós. Numa sociedade onde os homens brancos dominaram, isso significa que a preferência, mesmo que não intencional, será por outros homens brancos.

Para mim a solução passa por quotas, mas não nas direcções das empresas ou nos cargos mais altos seja de onde for. Tem que ser em todos os níveis em carreiras de todos os tipos, públicas ou privadas. Só assim se elimina essa tendência de escolher alguém semelhante ou, pelo menos, se colocam outras pessoas para a equilibrar o suficiente. Funcionaria? Não sei, mas é a melhor solução que imagino, já que a igualdade de oportunidades já falhou completamente. Haveria muitas outras medidas a tomar, mas apenas falo desta.

Há um benefício adicional: assumindo que a percentagem de pessoas com talento será idêntica independentemente de cor ou sexo, isso significa que num mundo onde os homens brancos são favorecidos, haverá muitos profissionais que estão subvalorizados. As empresas que praticarem alguma discriminação em desfavor de homens brancos poderão colher benefícios inesperados ao pescar num mar essencialmente livre de outros pescadores.

Estaremos simplesmente a ficar velhos?

João André, 27.02.20

Uma das coisas que mais me fascinam são os textos pessimistas. Não falo de textos como os do falecido Vasco Pulido Valente, que apesar de invariavelmente pessimista, tinha esse pessimismo como resultado de um pensamento apurado e meticuloso. Eu discordava frequentemente dele e não me agradava a acidez dele, mas o seu brio intelectual era quase sempre inatacável.

Quando falo de pessimismo, falo daquele que, na maioria das vezes, assume de forma directa ou indirecta um cunho de "no meu tempo..." ou "já não se fazem como antes", ou até de "os tempos mudaram muito". Esta última instância é normal: os tempos de facto mudaram muito. Temos a Indústria 4.0  - ou a 4ª revolução industrial, mas hoje em dia (cá estamos) as coisas só são levadas a sério com um ".0" algures no nome. Temos Internet. Temos redes sociais. Temos internacionalizações e viagens facilitadas. Temos notícias na ponta dos dedos com uma velocidade e variedade incomparável na história humana (mesmo quando a precisão e a minúcia sofrem). As mudanças são muitas, mas são essencialmente tecnológicas ou derivadas de tecnologia.

Só que não são novas. Um dos tipos de textos que mais gosto de ler na The Economist são aqueles que traçam paralelos das queixas presentes com as do passado. É frequente esses textos fazerem referência a alterações (jornais, cafés, comunicações, automóveis, etc) especialmente do final do século XIX e notarem as preocupações que tais alterações induziam nessa altura. Por vezes os textos começam com excertos de (por exemplo) 1895  e nós somos levados a pensar que se escreve sobre algum caso actual. O texto do Sérgio, sem fazer juízos específicos sobre ele, lembra-me isso. Leio-o e, dos temas que acompanho, concordo em traços gerais. Pergunto-me no entanto se tal texto, com uma ou outra modificação, não poderia ter sido escrito em 1950, ou 1920 ou 1880.

Lembro-me com frequência de quando a RTP1 e RTP2 eram as únicas televisões e os telejornais não excediam a meia hora (que a seguir vinha a novela e depois o filme). Não vou queixar-me da qualidade da informação, mas antes de como hoje temos informação sobre tudo e mais alguma coisa. Se um homem matar a mulher em Cabeça Gorda no Alentejo, teremos em algumas horas directos do local, com os repórteres a repetirem as mesmas coisas de hora a hora e a dizer o estado do tempo só para encher chouriços. Em 1991, esse assassinato seria provavelmente ignorado, dado que não se podia enviar o repórter lá e isso só seria um problema se sequer se soubesse de tal caso. A realidade é que há hoje muito mais abundância de notícias e, com a natureza humana inalterada, "if it bleeds it leads", as notícias más serão sempre amplificadas nos noticiários e nas nossas mentes.

Estamos melhor hoje ou antes? Pessoalmente não creio que haja demasiada diferença, mas prefiro saber de mais um caso de violência doméstica, de insegurança rodoviária em Abrantes ou de falta de cuidados médicos em Sátão. Com essa informação sempre se pode exigir alguma coisa. De outra forma ficamos no nosso "vamos andando".

Há lados maus? Claro que sim, isso é inevitável. No entanto penso que, levando tudo em conta, o mundo continua, como sempre terá continuado desde há séculos, dois passos à frente e um atrás, a melhorar e a progredir. Teremos umas pestilências, guerras, fomes e mortes pelo caminho? Por algum motivo já vêm desde o Novo Testamento. São parte da natureza humana.

Por isso, mais que um regredir dos tempos, creio mais num avançar dos anos de quem profere (proferimos) estas palavras. Não é o mundo que está pior, mais perigoso ou mais feio. Creio que somos nós que estamos mais velhos. E o Restelo não está (pelo menos para mim) aqui nada perto.

Penso rápido (96)

Pedro Correia, 27.02.20

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A última mulher que figurou na posição dominante da hierarquia do Estado português foi a Rainha D. Maria II, falecida em 1853.

Mais de cem anos de república, com a sua retórica igualitária, revelaram-se incapazes de gerar o que já havia ocorrido na nossa monarquia setecentista e oitocentista: uma mulher no principal plano de representação simbólica e no principal posto de responsabilidade política.

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