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Em Maio tomei a decisão de ler até ao fim do ano praticamente só livros de autores portugueses publicados no século XX. Para suprir enfim lacunas que há muito pretendia superar. E assim foi: nestes cinco meses, até ao momento, li ou reli 28 livros destes escritores (indico-os por ordem alfabética): Agustina Bessa-Luís, Almada Negreiros, Alves Redol, Aquilino Ribeiro, António Alçada Baptista, António Lobo Antunes, Eça de Queiroz, Fernando Assis Pacheco, Fernando Namora, Joaquim Paço d' Arcos, Jorge de Sena, José Cardoso Pires, José Rodrigues Miguéis, José Saramago, Manuel da Fonseca, Mário de Sá-Carneiro, Miguel Torga, Nuno Bragança, Raul Brandão, Rui Zink, Sophia de Mello Breyner Andresen, Tomaz de Figueiredo, Urbano Tavares Rodrigues e Vergílio Ferreira.
Livros de todas as décadas do século XX. De estilos muito diversos, reflectindo imaginários muito variados. Alguns de leitura penosa, reconheço: estive quase a abandonar dois deles a meio - um pela escrita incompetente e canhestra, de manifesta pobreza vocabular; outro pela ridícula profusão de adjectivos, em doses imoderadas e enjoativas. Mas o balanço, até ao momento, é largamente positivo: várias obras funcionaram para mim como revelação ou deslumbramento. Já falei de algumas, tenciono falar de outras. Hoje refiro-me apenas à mais recente, aliás uma releitura: A Noite e a Madrugada, de Fernando Namora.
Menciono-a porque estamos em 2019, ano do centenário do nascimento do autor de Domingo à Tarde, que tão maltratado tem sido post mortem. É uma injustiça que exige reparação. E só pode ser reparada lendo os livros que nos deixou.
«Raia de Espanha. Serranias azuis e violetas que se amaciam subitamente em olivais, campinas de trigo, planaltos de terra vermelha. Caminhos de estevas, de fragas, onde o perigo sai dos buracos e dos muros, ou caminhos melancolicamente guarnecidos de plátanos, abrindo clareiras na mata de pinheiros mansos, dum verde calmo e opulento, onde se escondem os celeiros das companhias agrícolas. Mas antes dos ganhões desempregados e dos contrabandistas de profissão chegarem a essas terras têm que atravessar os baldios do seu país. Para cá das faldas desabrigadas, com o rio Erges esmagado em granito e quartzo, o casario nasce dos moinhos afogados nas enxurradas, sobe penosamente as margens das ribeiras, agacha-se à sombra das rochas e espraia-se por fim em aldeolas mesquinhas. Depois vem a planície, triste como um descampado, devassada pelo vento de Espanha que satura o ar de poeira e solidão. Planície nua, crestada pelo sol que amadura as infindáveis searas de trigo.»
Boa prosa, sugestiva descrição de uma paisagem que nos marca para sempre. Português do melhor.
Namora não merece este esquecimento a que vem sendo votado. Urge revisitá-lo, começando precisamente por este magnífico romance a que em boa hora regressei.