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Delito de Opinião

Crónicas sobre esta estreita faixa de terreno (1)

Paulo Sousa, 29.08.19
Cá em casa, na janela da cozinha, temos um frasco com papelinhos dobrados onde registamos as coisas boas que nos vão acontecendo ao longo do ano. Fazer parte do Delito de Opinião já lá está, dobrado em quatro, para ler no fim do ano.
Fico grato pelo convite do Pedro.
Já estou a adorar fazer parte da casa.
 
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Aos olhos de demasiados dos nossos governantes, existe uma estreita faixa do território português que fica localizado a norte do Ralis, a oeste da ponte Vasco da Gama e a sul do Cristo-Rei. Por vezes de lá chegam algumas notícias de acidentes e outras tragédias variadas. O espaço público é, na sua esmagadora maioria, preenchido por eventos, pessoas e sítios, sempre ligados à capital.
 
Li algures que os franceses, nas suas repetidas e mal-sucedidas tentativas de invasão do nosso rectângulo, terão afirmado que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem. Esta ideia não é nova e dão-se alvíssaras a quem encontrar excepções dignas de relevo.
 
Observar o mundo sempre a partir do mesmo miradouro é limitador. Existem muitas realidades que nunca terão a visibilidade merecida, e sendo ignoradas é como se não existissem.
 
Julgo que foi num periódico espanhol que surgiu o termo urbanitas. Este neologismo serve para descrever pessoas que, por habitarem nas cidades, acabam por não ter em consideração variáveis que não fazem parte do seu quotidiano. E isso leva-as a julgamentos baseados num mais limitado conjunto de valores. Não me arrisco a afirmar que a visão correcta e completa do mundo é a oposta à dos urbanitas. Apenas acho que a ausência de uma parte da realidade limita qualquer análise. O mesmo raciocínio é válido no sentido contrário, sendo que a limitação de fundo será a falta de equilíbrio entre os dois ângulos de observação.
 
É com este pensamento na minha bagagem que irei tentar aqui escrever sobre esta estreita faixa de terreno. Se correr bem até pode vir a ser uma rubrica tão regular como a regularidade com que eu tropece em histórias, ou estórias, deste lado do Ralis.
 
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Em minha casa, no exterior - para que fique claro - vivem diversas espécies. Neste momento eu poderia contribuir para a Arca de Noé e, por ordem de tamanho, com um carneiro, duas ovelhas, quatro patos mudos brancos, duas galinhas pretas, uma castanha e ainda oito frangos castanhos, dos quais um é de pescoço pelado.
 
Adquiri as ovelhas há quase dois anos, principalmente para limparem um bocado de terreno anexo à casa, o que faz delas umas sapadoras especialistas não subsidiadas. Quando as comprei já vinham prenhes e por isso foram mais caras.
 
Além da impecável limpeza do terreno e da compostagem das cascas de frutas e legumes da casa, já nos deram quatro belos borregos, três machos e uma fêmea. Apareceram quase de repente. Uma pariu dois machos num sábado de fevereiro e a outra pariu um casal no dia seguinte. Os partos foram fáceis e os borregos começaram logo a andar e a mamar. O terreno, que era mais que suficiente para duas bocas ruminantes, rapidamente ficou pequeno para seis que, poucas semanas depois já comiam erva.
 
Cresceram juntamente com as galinhas e sempre coexistiram pacificamente dando até por vezes mostra de algum companheirismo.
 
A borrega fêmea foi vítima de um dramático acidente. Um dia após o nosso jantar começamos a ouvir um grande alvoroço e quando lá cheguei já ela estava deitada no chão. Estava com espasmos que rapidamente acabaram, anunciando o pior. Após ter sido observada, já cadáver, por um entendido, reparámos que tinha engolido uma casca de banana e que esta lhe bloqueou a traqueia.
 
Durante vários dias, humanos e ovinos, todos andámos tristes.
 
Dos restantes três borregos, um foi para consumo da casa já no início do verão. Os outros dois foram trocados por um macho adulto, que por acaso é o pai deles. Com estas trocas quis evitar a consanguinidade que acabaria por acontecer caso crescessem junto das respectivas mães. Além disso, com três machos juntos a caminho da adolescência já dava para antever uma acesa luta por território e por fêmeas.
 
Se a jovem fêmea tivesse sobrevivido provavelmente teria sido ela a escolhida a dar continuidade à próxima geração e, nesse caso, as duas mais velhas já nos teriam feito companhia num almoço familiar de domingo. Sim, porque cozinhar carne criada em casa é sempre motivo para reunir aquelas pessoas que nos são queridas e é sempre um evento especial. Foi isso que fizemos com o borrego.
 
Um destes dias vou falar-vos sobre as galinhas.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 29.08.19

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João Carvalho: «Nos quase mil quilómetros da costa continental, os atentados são escandalosos e agrupam-se maioritariamente em dois planos: barracas, habitações precárias e casas modestas construídas sem autorização e que não dispõem das infraestruturas mínimas indispensáveis de salubridade e quejandas (clandestinas, portanto); construções familiares de veraneio ou de exploração turística erguidas com autorização suspeita por conveniências inconfessáveis (de clandestinidade encoberta por despachos irregulares, portanto).»

 

Jorge Assunção: «O governo, através da TAP, cede à pressão dos sindicatos. Nem tão cedo aparecerá um privado interessado na empresa. Nem tão cedo a empresa deixará de apresentar prejuízo. Para um privado o prejuízo constante não é opção. Em empresas controladas pelo Estado é. Todos sabemos quem é que paga. Para o contribuinte não há quem o salve. Neste país, o direito à greve, legítimo e justo, está totalmente desvirtuado, aproveitando sobretudo a quem procura extrair rendas junto do contribuinte.»

 

Eu: «O director do Chicago Examiner, Walter Burns, pede ao mais conceituado dos seus repórteres para lhe ler o parágrafo de abertura da prosa que tem na máquina de escrever. Não gosta nada do que ouve, preguntando-lhe por determinado pormenor. “Isso vem no segundo parágrafo”, esclarece o repórter. “E quem diabo vai ler o segundo parágrafo?”, dispara o director.»

Contra os purismos ortográficos

jpt, 28.08.19

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No postal anterior o Pedro Correia insurge-se contra um pequeno erro ortográfico acontecido na estação televisiva SIC. Não quero contrariar o nosso camarada coordenador, em público ainda para mais. Mas com ele algo discordo, pois considero que devemos matizar um pouco a aversão às instalações ortográficas de índole contemporânea. Dou este exemplo, também recolhido na estação televisiva SIC, local bastante vocacionado para tais desempenhos. Esta minha fotografia é de 30 de Julho. Como qualquer pessoa mais atenta ao futebol (para os mais incautos aduzo bibliografia suficiente) poderá perceber o jornalista (ou "colaborador" como agora sói dizer-se) da SIC não estava a errar mas sim a augurar. Serendipidade, talvez. Ou mesmo profetismo. Deveremos nós cercear este afã em perscrutar o futuro? Aceitemos, pois, com humildade, estes novos rumos. (Orto)Gráficos. E mágicos? ...

A suspensão do Parlamento Britânico.

Luís Menezes Leitão, 28.08.19

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O precedente mais próximo de suspensão de um Parlamento de que me lembro foi quando Lenine, logo a seguir à Revolução de Outubro, mandou encerrar a Duma, fechando as portas e impedindo os deputados de entrar. Foi preciso o comunismo cair na Rússia para que esta voltasse a ter um Parlamento. Parece que o Brexit está a levar muita gente no Reino Unido a perder a cabeça.

O novo ópio do povo

Pedro Correia, 28.08.19

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A TVI, no seu canal informativo, prometia ontem conceder destaque a Assunção Cristas, entrevistada por um jornalista da casa e alguns especialistas em diversas áreas incluídos entre os participantes nesta emissão, transmitida em directo. Sob o título genérico «Tenho uma pergunta para si» (o abuso do redundante pronome "si", que me soa sempre a nota de música, reflecte o empobrecimento da nossa linguagem comunicacional).

Tentei fixar a atenção nesta entrevista, mas desisti a meio. Porque me pareceu desde o início que se destinava apenas a despachar agenda e aliviar um fardo. Decorria tudo num tom tão impaciente, como se houvesse urgência máxima em retirar a presidente do CDS do ar, que obrigou uns e outros a falar em ritmo anormalmente acelerado.

Assunção, pressionada pelo ponteiro dos segundos, parecia uma picareta falante, para usar a expressão que Vasco Pulido Valente colou noutros tempos a António Guterres. Os interrogadores de turno, quando demoravam um pouco mais a formular a pergunta, eram de imediato interrompidos pelo profissional da casa. O próprio Pedro Pinto, ao comando desta emissão tão frenética, parecia mais confinado à função de cronometrista do que de jornalista.

E afinal tanta pressa para quê? Para que o mesmo canal informativo da TVI desse lugar a três cavalheiros de calças de ganga a discorrer tranquilamente sobre os mais recentes rumores do chamado "mercado de transferências" da bola. Preopinavam em modo pausado, de perna traçada, como se estivessem no café e tivessem todo o tempo do mundo para perorarem sobre coisa nenhuma.

Foi a minha vez de recorrer ao cronómetro: cavaquearam das 22.36 às 23.57. Um dos membros deste trio já estivera em antena durante a tarde, entre as 17.58 e as 18.48, tagarelando sobre o mesmíssimo assunto.

Estranho critério jornalístico, estranho critério informativo - cada vez mais monotemático. Como se nada mais houvesse de relevante do que as tricas do futebol.

Alguém aí falou em ópio do povo? Se o fez, acertou em cheio.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 28.08.19

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João Carvalho: «A estas horas, já o primeiro-ministro assistiu ao fecho da comporta da Barragem de Odelouca. Acompanhado por quem? Não se imagina. A acompanhá-lo estava nem-mais-nem-menos que o ministro do Ambiente. Em pessoa. Imparável. Hiperactivo. Ninguém o segura. Depois de duas aparições na praia Maria Luísa, Nunes Correia (assim se chama ele) reaparece (ó loucura!) em Odelouca. Está visto que o ministro do Ambiente é uma espécie de ampulheta do governo: é posto em pé no início do ciclo e volta a aparecer para avisar que a areia está prestes a acabar.»

 

Eu: Discursando na Câmara dos Comuns a 5 de Outubro de 1938, Winston Churchill – então o mais impopular dos políticos britânicos – advertiu Chamberlain para o enorme fiasco de Munique: “Teremos a desonra e teremos a guerra.” Foi apupado pelos seus pares. Mas era o único a ter razão, como meses depois todos perceberam.»

Say "Cheese"

Maria Dulce Fernandes, 27.08.19

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Tenho os meus petiscos de eleição. Gosto de doces bem confeccionados, mas perco-me por queijo. Qualquer queijo. Todo o queijo. 

O meu pai era de Castelo Branco. Lá em casa havia sempre queijo. Queijo tipo rabaçal de boca cheia, queijo picante (o famigerado queijo chulé), queijo conservado em azeite aveludado e suave, queijo tipo Nisa, mais seco e fantástico, e queijo tipo Serra para comer à colherada, simplesmente fabuloso . 

Para mim, desde que haja queijo, está-se bem.

Ou pelo menos estava-se 

Não me lembro de não ter queijo para comer sempre que me apetecesse. 

E apetecer, apetece sempre, mas diz que não. 

Com o avançar da idade tornamo-nos mais serenos, mais calmos, mais ricos em saber e em saber que ganhámos candura, temperança,  conhecimento e peso. 

O peso não é apenas o dos anos, é mais o do que o esqueleto suporta e comporta e toda uma série de óbices que traz por acréscimo. 

HDL, LDL, VLDL, TOTAL... totalmente   dessincronizados... 

Drogas, chás e dietas... eu... a... fazer... dieta !!!! 

Tudo light e com moderação... pois sim. 

Alguém já provou queijo Limiano light? Daquele que não se sabe bem se estamos a comer o queijo ou a embalagem de plástico? Não? Então provem e digam de sua justiça. 

Alguém já provou qualquer queijo digno do nome em versão light que não soubesse a PVC fatiado? 

E leite magro? Parece a aguada de cal com que a minha avó caiava a chaminé. Não tem sabor nem odor... é tudo menos leite. 

A Grande Mudança chegou no ano passado. Deixei de ser uma cinquentona enxuta e passei humildemente à condição de sexagenária. 

Estranhamente, a Grande Mudança deu-se sem qualquer alteração, fosse pela efeméride, tampouco pelas gordurices.  

Não vou comer coisas light nem PVCs ou esferovites. 

 

Para tudo é preciso moderação e eu, que sempre soube quando parar, vou deixar as alfaces para os grilos e as sementes para os passarinhos: tenho um queijo de Azeitão à minha espera que é um mimo. 

Bruxelas e arredores

jpt, 27.08.19

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Em Bruxelas, da qual parti, vão agora confluir os três primeiros da lista europeia do PS, todos antigos governantes de Sócrates (Pereira, seu braço-direito, e ao que parece também usufruindo dos serviços do "chófer", e os dois Marques). E agora também esta Ferreira, feita Comissária Europeia, que foi ministra do Sócrates secretário de estado, quando tudo começou para ele. Maternal, chocou o ovo da mamba, por assim dizer. E fê-lo tão bem que ele, já PM, década e meia passada até a lançou para a Câmara do Porto.

Costa continua a "narrativa" de que não havia indícios sobre algo errado. Alguns amigos meus, daqui a uns anos, vir-me-ão, pesarosos, repetir o choradinho "Eu não vi". Mas não. Percebem, sabem. Vivem nisto porque vivem disto. E por isso, nos pequenos jeitos que vão tendo, sufragam esta gente.

Adenda: 

eu já nem me lembrava mas vejo ecos disso. Esta mulher - para além de complicadas relações matrimoniais com um enorme rombo na Caixa Geral de Depósitos, que me parecem pelo menos moralmente duvidosas - tem esta concepção política: "O dinheiro é do Estado, é do PS!". Ou seja, diz ao eleitorado que o dinheiro que a administração pública gasta, o sempre respeitável erário público, é do partido que está no poder. E, lembremo-nos, para além das complicadas relações matrimoniais com um enorme rombo na banca pública, Ferreira clamou ao seu eleitorado que "o dinheiro é do Estado, é do PS!", quando o seu antigo secretário de estado José Sócrates era o primeiro-ministro. Uma quase infinita desfaçatez.

E é esta mulher, é esta prática da política e é esta visão do mundo, que Costa envia para Comissária Europeia. E é esta mulher que os painelistas avençados e administradores não executivos do costume, mais os dêénes e públicos, irão agora gabar em uníssono.

Mais uma adenda: Henrique Pereira dos Santos teve a gentileza de comentar este texto no meu mural do Facebook . E julgo curial trazer esse comentário para aqui, até porque discordante do teor do postal (ou de parte dele): "acusar Elisa Ferreira de ter chocado maternal ente o ovo, suando foi a primeira vítima de Sócrates (eu estava lá) não é rigoroso. Sobre o resto não tenho nada a dizer, mas sobre o período em que Sócrates se chamava a si próprio o Zé das Sobras por causa da contenção com que Elisa Ferreira o tentou manietar sei o que vi de camarote." Muito lhe agradeço o comentário. E o esclarecimento. 

 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 27.08.19

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André Couto: «Ao longo da governação, o PS, por força da concretização das reformas que a Justiça há muito reclamava, conquistou inimigos, factura da ousadia de querer mais e melhor para o país sem olhar a interesses ou ceder a pressões. Já o PSD, pela mão dos seus sucessivos líderes, em desnorte estrutural, seguiu pelo terreno fácil do populismo sem rumo, apoiando todos os que discordam do Governo.»

 

Jorge Assunção: «O número de desempregados tem crescido quase sem descanso desde o início da década. Quantos desses desempregados vieram do sector público? A grande maioria vem do sector privado. Portanto, quando alguns se referem aos funcionários públicos como "os mesmo de sempre" no que toca a pagar a crise, revelam, no mínimo, desconhecimento. Porque não há quem sofra mais na pele a crise do que aquele que está desempregado. Esse (a) coitado (a) é que é o (a) mesmo (a) de sempre.»

 

Eu: «Sá Carneiro era certamente leitor de Maquiavel. Mas sou incapaz de imaginá-lo a recomendar a um grupo de jovens estreantes nas lides partidárias o autor renascentista como caução intelectual para a separação entre ética e política. Sabendo-se que este é um dos problemas de fundo da vida política portuguesa, mais me custa ainda perceber as vias sinuosas subjacentes ao discurso de Paulo Rangel. Uma tremenda desilusão.»

Incêndios na Amazónia

jpt, 26.08.19

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Mudei-me para Lisboa, regressei ao lar, agora reinstalei internet em casa, visito as redes sociais (e os muito mais interessantes blogs). Vejo que muitos discutem algo relativo aos incêndios na Amazónia. Muitos gritam contra Bolsonaro - são os mesmos que quando este apareceu o guinchavam contra os homossexuais, as mulheres e os negros, secundarizando a sua anunciada política amazónica. Na época isso não lhes era relevante, não estava nas suas agendas de bolso agitando-se. E outros, muitos, gritam contra os que gritam contra Bolsonaro - parece que a devastação da Amazónia já existia antes, descobrem, e isso sossega-os. Esganiçados, o que lhes interessa é criticar os esganiçados do BE e afins.

Mal comparado é como se eu aqui viesse escrever a anunciar que tinha um cancro e as pessoas se preocupassem com os hipotéticos erros ortográficos e até sintácticos do auto-comiserado postal.

As pessoas não são só insensíveis. São-no mas não só. Não são só estúpidas. São-no, e numa até incomensurável dimensão, por mais doutores especializados e analíticos que surjam. Mas não só. São, acima de tudo, más. Não maliciosas. São malvadas. São a Besta. Não umas bestas, que isso é óbvio que também são. São mesmo a Besta. Imunda.

E veraneam!