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Delito de Opinião

Aos amigos tudo...

João Sousa, 31.07.19

O filho do secretário de Estado da Protecção Civil é sócio de uma empresa que celebrou vários contratos com entidades públicas.

A Joule e a Joule Internacional, empresas detidas pelo pai, pela mãe, pelo irmão e pela própria ministra da Cultura, fizeram contratos com a Câmara de Lisboa e com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

O pai do ministro das Infraestruturas e da Habitação continuou, imparável, a celebrar contratos com o Estado apesar do filho fazer parte do governo.

O marido da ministra da Justiça assumiu publicamente ter deixado apenas de fazer contratos públicos com o Ministério onde a sua mulher exerce funções governativas.

Perante isto, Augusto Santos Silva, aquele que foi certo dia apresentado por um jornalista que o entrevistava como possuidor de uma "fina ironia", diz ser "um absurdo interpretar literalmente a lei de incompatibilidades". Diz isto mas não me parece ser um exercício da tal "fina ironia": é antes um corolário da frase que ficou colada a Almeida Santos "aos amigos tudo, aos inimigos nada, aos restantes aplique-se a lei".

Um ano quente na Albânia

João Pedro Pimenta, 31.07.19

Ultimamente os Balcãs não têm sido notícia na comunicação social portuguesa, e a Albânia menos ainda. O pequeno país encravado pela Grécia, pelo que restou da ex-Jugoslávia (incluindo um prolongamento étnico chamado Kosovo) e pelo Adriático raramente é referido em Portugal. Era-o quando os partidos maoístas o viam como "farol do socialismo", quando houve a rebelião de 1997, a guerra no Kosovo ou quando a sua selecção de futebol venceu Portugal em Aveiro, em 2014, no arranque da qualificação para o Europeu de França, causando ondas de choque que levaram à demissão de Paulo Bento e à contratação de Fernando Santos (e consequentemente, à vitória no Euro, por isso, um agradecimento especial à equipa albanesa).

Apesar de continuar a ser um pouco obscuro, tem uma localização geográfica de relevo (nos vários sentidos da palavra, já que grande parte do território é montanhoso), nos Balcãs ocidentais, e a uns cem quilómetros, do outro lado do Adriático, fica a Itália. Aquele território, à primeira visto discreto, dividido anteriormente entre o Epiro e as tribos Ilírias, tornou-se uma peça importante do Império Romano, do ocidente como do oriente, antes de se dividir entre vários pequenos potentados, ocasionalmente unidos. Seguiu-se a invasão turca, apesar da furiosa oposição de Skandeberg, rivalizando com Veneza no litoral. Durante séculos, os albaneses ocuparam importantes cargos administrativos no Império Otomano, chegando a vice-reis e depois a reis do Egipto, só sendo destronados por Nasser. Até 1912 foram possessão dos turcos, ano em que alcançaram a independência, na Guerra dos Balcãs, com a hostilidade dos vizinhos sérvios, montenegrinos e gregos, já que eram o único país de maioria muçulmana. Seguiram-se a Primeira e Segunda Guerra Mundiais, muita instabilidade, república seguida de monarquia, a invasão italiana e o auxílio alemão e a expulsão de ambos pelos partisans comunistas, que tomaram o poder. O novo regime, liderado por Enver Hoxha, embora não dependesse da URSS, exaltava Estaline, e aquando da desestalinização de Krushov rompeu com os soviéticos, virando-se para a China, a qual também abandonou depois desta estabelecer ligações com os EUA. Era absolutamente dependente da liderança dogmática de Hoxha e tornou-se um estado isolado e empobrecido, quase sem relacções diplomáticas, repressivo e nacionalista ao máximo, mantido pela paranóia da hipotética invasão jugoslava ou grega, o que levou à construção de milhares de mini-bunkers por todo o país. Tornou-se também num estado oficialmente ateu, em que qualquer demonstração religiosa era severamente punida.

Hoxha morreu em 1985, e o regime começou a amolecer, mas só depois das grandes manifestações de 1991 é que caiu definitivamente, tornando-se numa democracia parlamentar. Mas sofreu inúmeros sobressaltos, com a complicada passagem de um sistema comunista maoísta rural para uma economia de mercado, o colapso da economia em 1997, que levou a dois meses de guerra civil e ao domínio de vastas partes do território por gangues e milícias várias, e a guerra do Kosovo, com milhares de kosovares albaneses a fugir para lá e o receio de uma invasão sérvia. A partir do ano 2000, a situação política e social melhorou consideravelmente.

Mas as suas particulares circunstâncias têm agitado a política local. Dois partidos dividem a chefia de governo: o Partido Democrático, de centro-direita, europeísta, que surgiu como alternativa quando o regime comunista ruiu, mais popular no Norte, e o Partido Socialista, de centro-esquerda, herdeiro directo do antigo partido único convertendo-se à pressa á social democracia, com mais apoio no Sul. É este que se encontra actualmente no poder, desde 2013, com Edi Rama como primeiro-ministro. Rama teve um percurso pouco usual para um político de carreira: formou-se em belas-artes, viveu como pintor e escultor em Paris, expondo algumas vezes as suas obras, e jogou basket (mede perto de dois metros). Entrou depois para a política, e como presidente da câmara de Tirana mudou a cidade, com novos planos urbanísticos e ordenando que se pintassem os deprimentes prédios dos tempos comunistas com cores garridas. Acabou por perder a capital para Lulzim Basha, mas, como líder do Partido Socialista, ganhou as legislativas seguintes, tornando-se primeiro-ministro, e voltou a ganhá-las há dois anos. Quanto a Basha, tornou-se por sua vez líder do Partido Democrático e da oposição.

Foram precisamente as eleições de 2017 que ajudaram a despoletar as manifestações que desde o início do ano se organizam contra o governo. Acusam Rama de estar mancomunado com o tráfico de cannabis (cujas plantações abundam no país) e de ter falsificado boa parte dos votos que lhe deram a vitória, em conluio com os grupos de traficantes. Mas acusam-no igualmente de estar a recuar naquilo que fora uma das suas promessas mais veementes: o cumprimento de metas para a adesão futura à União Europeia, por pressões de Vladimir Putin.

Um dos grandes objectivos de Putin é o de impedir novas adesões à UE, se não puder enfraquecê-la e desagregá-la, como com o Brexit. Assim, tem feito pressão ou usado subterfúgios para adiar ou impedir novas entradas. Tendo em conta que os estados que pediram a adesão se encontram nos Balcãs, incluindo a sua tradicional aliada Sérvia (que alguns temem que possa ser um cavalo de Tróia da Rússia), Putin tudo fará para não perder a sua influência naquela zona, sobretudo nos países ortodoxos, com os quais tem uma estreita ligação cultural.

Por isso mesmo, a oposição tem-se manifestado não somente com as bandeiras da Albânia mas também com as da UE, Estados Unidos e Alemanha, para realçar o seu sentimento pró-ocidente. As eleições municipais de fins de Junho foram boicotadas e só o Partido Socialista é que participou. As manifestações na rua, muito concorridas, sobretudo em Tirana, tanto têm sido pacíficas como têm alguns picos de violência, como aconteceu em Maio. Além das bandeiras, exibem-se cartazes apelando à demissão do governo, com imagens comparando Rama a Enver Hoxha ou colocando-o entre os líderes comunistas clássicos. Basha, o líder da oposição, costuma liderar estes movimentos e discursar aos manifestantes. Têm como grito de guerra "Rama Ik (fora, ou sai)", clamado até à exaustão exigindo a demissão do governo, que acusam de ser ilegítimo, e a convocação de novas eleições. Mas Rama não cede, acusa a oposição de conspirar e de produzir calúnias contra ele, e usa as suas armas, como a de que em alguns relatórios da UE consideraram o sistema judicial albanês, com inúmeros juízes colocados pelo Partido Democrático, altamente corrupto e viciado.

Se é certo que a prática da corrupção e do banditismo são correntes no país, já é mais difícil saber se o actual governo tem sabotado os seus próprios esforços para a aproximação à UE. Rama viveu em França e um dos objectivos que tomou a cargo é o de uma futura adesão, apoiando também a entrada na NATO, entretanto já concretizada (quem diria há uns anos, a Albânia na NATO...). À partida, todos deveriam querer esse rumo. Mas as jogadas e chantagens dos russos são infindas, como já se viu, e embora a Albânia não seja o parceiro privilegiado nos Balcãs (até porque há o Kosovo, na prática uma criação americana), não é de excluir que tenham sido utilizados métodos menos claros. Pelo menos são essas as acusações da oposição, que disso se aproveita para vincar os seus galões pró-ocidentais. Em todo o caso, o clima político no país está bastante tenso, quase de insurreição. Os próximos meses poderão revelar se as coisas acalmam ou se se complicam ainda mais, mas até ver, só prejudicam o cumprimentos dos critérios de adesão à UE.

 

(Em cima, uma amostra das manifestações correntes em Tirana, onde são visíveis bandeiras da UE, dos EUA e da Alemanha, além das da própria Albânia e do Partido Democrático, cujo líder discursa num palanque).

O Padeiro dos Olivais regressa à Pátria

jpt, 31.07.19

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Avenida Dailly, Schaerbeek, Bruxelas, de onde partimos no último sábado, eu em verdadeiro torna-viagem, quiçá o meu último, quem sabe se apenas o deste agora. Decidido o regresso automobilizado logo os patrícios ali vizinhos me aconselharam os cuidados necessários ao trabalhoso caminho: que ultrapassássemos Paris durante a noite, para evitar o seu demoníaco trânsito. Assim o fiz, largando a de facto bela e aprazível Bruxelas ao fim da tarde, de molde a cruzar aquele horroroso remoinho durante a meia-noite dominical, ainda assim atarefadíssima. Mas o conselho mais fundamental foi o dedicado ao combustível: que atestasse à saída do país, cerca de Mons. Que reabastecesse o mínimo possível em França, que tão mais cara por lá servem a gasolina – tanto que até terá provocado aquilo dos “coletes amarelos” que andaram nas bocas nestes últimos tempos, principalmente aquelas mais ditas eurocépticas. Assim o fiz, carregando a meio do franco trecho, e reforçando o pouco necessário já no País Basco gascão. E que atestasse no início do reino nosso irmão e de novo no seu término, ali nas imediações da antes mítica Vilar Formoso. Pois, disseram-me, e não só acreditei como o comprovei, a gasolina é tão mais cara em França do que na Bélgica e em Espanha. E é isso a verdade, como qualquer viajante mais atento o pode comprovar.

Mas o que mais me surpreendeu foi já conduzindo na Pátria Amada, apesar desta tantas vezes dita "Gasta", e assim o ir parecendo. Pois, autoestrada adiante fui vendo os anúncios dos preços do combustível. E bem fidedignos o são, pois mostram que a gasolina comum é mais cara em Portugal do em Espanha. E do que na Bélgica - onde as pessoas ganham, grosso modo, cerca de três vezes mais. E até do que na França - a tal terra dos furiosos "coletes amarelos", onde os rendimentos ainda são maiores. Não o acredita o prezado e almejado leitor do blog? Dirá que este bloguista é um "lusotropicalista"? Um "neoliberal"? Um "(filo)fascista"? Um "ressabiado/ressentido/invejoso"? Ou mesmo um "populista"? Ou até, como agora sói dizer-se, um mero "padeiro dos Olivais"? Não acredita mesmo? Então confirme aqui.

Lisboa alcançada. Malas amontoadas em casa. E vou às compras, à grande superfície fronteira, um estabelecimento Pingo Doce. O equivalente, por assim dizer, ao Colruyt de Schaerbeek onde abastecia parcelas do rancho até há tão pouco. Venho com os preços bruxelenses, essa Brasília da Europa, bem frescos na memória. E fico estupefacto: não só tantos dos vegetais são mais caros, os espinafres (especializei-me, entretanto, num saboroso esparregado, lembrando-me da saudosa matapa), os espargos, os cogumelos, as berinjelas, as abobrinhas (sempre galicamente ditas courgettes), com preços mais acima. E etc. Mas, e notai bem, até o pão é mais caro. O pão. Vou repetir, sem isso acompanhar com alguma praga, até o pão é mais caro.

Parcas compras feitas e vou até ao Arcadas, desde há décadas o meu café de bairro, saudoso que venho da bela imperial da casa, sem igual, vos garanto, e dos seus apreciáveis salgados. Para além do convívio, este talvez o produto mais refinado da casa. Saudações feitas o patrão logo me mostra, comentando-a, como é uso entre nós, a capa do diário - e ainda não sabia eu ter este sido visitado pela inspecção das finanças e como tal, dada a alguma mácula vasculhada, convocado a adoçar as suas relações com o poder governamental, características da nossa política que os intelectuais e teclistas avençados juraram menosprezar. A capa do diário? Meia dúzia de VIPs socialistas não foram apresentados a tribunal há uns meses, como se esperaria se seguindo as leis. E o tal PS, o partido da dupla funcional Sócrates & Costa, voa nas sondagens para a maioria absoluta.

A gasolina é mais cara do que em França, o pão mais caro do que em Bruxelas. E a malta segue trepidante, "no comboio descendente," vão todos "à gargalhada, uns por verem rir os outros, e os outros sem ser por nada", vão "todos à janela, uns calados para os outros, e os outros a dar-lhes trela, mas que grande reinação! Uns dormindo, outros com sono, e os outros nem sim nem não".

"Populista", dirão alguns intelectuais comentadeiros. "Masculino tóxico", dirão teclistas adamados e não só. Serei, isso e até pior e menos. Mas que fique claro neste meu regresso à gasta e amada Pátria: não é só a gasolina, até o pão é mais caro do que "lá fora". Acreditem, que sobre esse assunto este Padeiro olivalense segue atento.

E a malta gosta disto. Que fazer? Torre-se o pão velho. Ou açorde-se-lo, se para isso houver arte.

E que se lixe, que isto, qu'esta gente, não tem arranjo.

Ética em combustão acelerada

Pedro Correia, 31.07.19

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1

O filho do secretário de Estado da Protecção Civil é sócio de uma empresa que celebrou vários contratos com entidades públicas, um dos quais por ajuste directo, num valor global superior a dois milhões de euros - situação expressamente proibida pela lei que regula as incompatibilidades dos titulares de cargos políticos.

O Governo adquiriu por mais de 300 mil euros e fez distribuir pelo País, via Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), milhares de estojos anti-incêndios - com material inflamável - produzidos por uma empresa de que é proprietário o marido de uma autarca socialista e que foi recomendada à ANPC pelo líder do PS no concelho de Arouca, também adjunto do gabinete daquele secretário de Estado, que até Setembro de 2017 presidia ao mesmo município.

Confrontado com estas notícias, o governante resiste a apresentar o pedido de demissão. Seguindo os péssimos exemplos da anterior ministra da Administração Interna e do anterior ministro da Defesa, que se agarraram até ao último momento ao umbral do portão governativo no rescaldo da tragédia de Pedrógão e da farsa de Tancos. Um e outro só acabaram por sair devido à pressão directa do Presidente da República.

 

2

Vivemos dias de lassidão ética e moral, com reflexos nas mais recentes notícias referentes à contínua diluição de fronteiras entre o exercício de funções políticas e a manutenção de interesses privados na órbita do Estado. Acompanho tudo isto, como a generalidade dos portugueses, e não posso deixar de fazer comparações. Quando António Guterres era chefe do Governo, por exemplo, dois ministros (Murteira Nabo em 1995 e António Vitorino em 1997) demitiram-se mal surgiram notícias alusivas à alegada falta de pagamento de um imposto entretanto abolido, a sisa, e um terceiro (Jorge Coelho) cessou funções em 2001, na própria noite em que ocorreu a tragédia de Entre-os-Rios, de que resultou a morte de 59 pessoas - número inferior às 116 vítimas mortais registadas nos incêndios de Junho e Outubro de 2017.

Outros tempos, outros modos. Outra noção dos princípios éticos e da responsabilidade pública.

 

ADENDA: Estado contratou o pai, a mãe e o irmão da ministra da Cultura.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 31.07.19

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Adolfo Mesquita Nunes: «A proposta do PS não é apenas disparatada nem eleitoralista, que também o é. É uma medida puramente socialista, de quem acha que pode resolver os problemas da natalidade com subsídios e incentivos directos e discriminações positivas. Como sempre, ficam por resolver todas as outras barreiras que, desde a lei do arrendamento à rigidez laboral passando pelo regime fiscal, impedem as famílias de, querendo, terem mais filhos. E assim se deitam uns bons milhões de euros ao lixo. É isto o socialismo.»

 

Ana Vidal: «Tudo se inventa, hoje em dia. Qualquer teoria é defensável desde que não tenha de ser provada. E no que toca a teorias de auto-ajuda, a oferta é quase infinita. Há até um maduro que defende qualquer coisa de tão extraordinário como o "parto orgásmico". Isso mesmo, leram bem. Um orgasmo durante o parto... querem coisa mais aliciante, tão "a calhar" naquele momento?»

 

Coutinho Ribeiro: «Há coisas que me deixam a matutar: como é que eu fui nascer precisamente no dia do orgasmo?»

 

João Carvalho: «Ana Lourenço chegou à fala com o secretário de Estado das Obras Públicas. É inenarrável a conversa que mantiveram, com Paulo Campos a referir-se a ele próprio na terceira pessoa, à jogador de futebol: "O Paulo Campos disse", "o Paulo Campos fez", "o Paulo Campos aconteceu"...»

 

Leonor Barros: «O rendimento médio dos portugueses é um indicador fiável de que a necessidade de apoio é premente e que deve repercutir-se no imediato. Daqui a dezoito anos as necessidades são outras, 252 euros com juros, segundo a Deco, servirão para muito pouco.»

 

Sérgio de Almeida Correia: «Ao longo de mais de 20 anos de advocacia nunca deixei de cumprimentar um magistrado antes do início e do final de uma diligência. Por educação e por respeito para com a justiça e a magistratura portuguesa. Na passada 2ª feira, uma ilustre juíza, no final dos cumprimentos da praxe, virou-se para os advogados e disse que "qualquer dia talvez seja melhor eliminar esta parte", esclarecendo que o seu receio se devia à gripe A.»

 

Eu: «O meu aplauso para Manuel António Pina, um dos melhores colunistas da imprensa portuguesa. Também ele é contra a indignação selectiva da CGTP, que encara as violações dos direitos humanos só com um olho aberto enquanto mantém o outro convenientemente fechado, não vá o PCP incomodar-se.»

O que se passa com o centro-direita em Portugal?

Luís Menezes Leitão, 30.07.19

Se há coisa que caracteriza uma doutrina de centro-direita é defender o reconhecimento a quem tem mérito. No acesso ao ensino superior público isso expressa-se precisamente pelo facto de as vagas na universidade serem preenchidas pelos alunos com melhores classificações. Admitir que um aluno possa pagar para entrar numa universidade pública, ficando assim beneficiado face a colegas com classificações mais elevadas é estabelecer uma diferenciação no acesso ao ensino superior público com base na condição social. Tal não só seria claramente inconstitucional como seria contra os mais elementares princípios de justiça. Sinceramente estou muito preocupado com o estado actual do centro-direita em Portugal.

Centeno pode contar com Rio

Pedro Correia, 30.07.19

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Rui Rio continua a surpreender-nos. Na mesma semana em que vem a público apoiar com entusiasmo a putativa designação do socialista Mário Centeno para director-geral do FMI, escorraça sem remissão a social-democrata Maria Luís Albuquerque - antecessora de Centeno na pasta das Finanças - das próximas listas eleitorais do PSD, apesar de o nome da ex-ministra ter sido indicado pela estrutura distrital laranja por Setúbal.

Com tais gestos quase simultâneos, talvez sem reparar, o antigo autarca do Porto subscreve e aplaude os quatro anos do consulado Centeno - recordista dos impostos em alta e do investimento público em baixa - e repudia as traves mestras da política financeira do seu próprio partido, de que Maria Luís foi um rosto emblemático. Em vez de enfrentar os socialistas, como seria de supor, continua a cortar às fatias o que resta da agremiação social-democrata, indiferente às luzes de alarme que se acendem a cada sondagem.

Não podia haver maior incentivo, por parte do presidente do PSD, ao voto em António Costa. Começo a interrogar-me se não será mesmo isto o que Rio realmente pretende: uma maioria estável, sólida e absoluta do PS na próxima legislatura. 

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 30.07.19

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André Couto: «Há poucas décadas o Benfica jogava apenas com portugueses e foi assim que conquistou o que de mais precioso tem no Museu do Clube. Assim se formaram ao longo de décadas dezenas de históricos que hoje alimentam as ilusões e os sonhos, a alma e a mística. Continuando desta forma em breve restará uma amálgama de nada, um clube com uma história longínqua e identidade desconhecida.»

 

Ana Vidal: «Ontem foi um dia especial para os delinquentes. Com ordem de soltura para um passeio no pátio para desentorpecer as pernas, respirar o ar puro e morno de uma bela noite de Verão lisboeta, e também - ou não fosse o delito a opinião - conspirar e delinear estratégias futuras de fuga ou de motim, ou ainda de manobras de diversão para iludir a guarda armada da blogosfera.»

 

João Carvalho: «Vivemos num país de palavras perdidas, em que muita gente gasta muito tempo a falar muitas palavras para dizer coisa nenhuma. A política encarrega-se de provar todos os dias aquilo a que me refiro.»

 

Eu: Tomás Vasques fala-nos de tudo isto em páginas impressionantes – inesquecível, por exemplo, o capítulo em que o general e Fidel se encontram. A [Arnaldo] Ochoa, trágica figura de revolucionário convertido em personagem romanesca, aplicam-se bem os versos de Heberto Padilla, outro cubano que pecou por dissidência: "Muerte, / no te conoszco, / quieren cubrir mi patria / con tu nombre."

Socorros alternativos

João Campos, 29.07.19

Depois das golas inflamáveis para protecção em caso de incêndio distribuídas pela Protecção Civil, aqui fica uma ideia para as campanhas de segurança balnear: basta o Instituto de Socorros a Náufragos trocar as bóias de salvação tradicionais das praias por uma destas, no mais moderno estilo vintage (o tom de ferrugem é a opção mais barata; pode-se arranjar material em cores mais interessantes).

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Aceita-se ajuste directo. Dr. Cabrita, não tem de quê. 

"Diamonds Are Forever"

Cristina Torrão, 29.07.19

Nunca fui grande fã de James Bond, apesar de um dos seus primeiros filmes estar ligado a um acontecimento especial na minha família: o nascimento do meu irmão. O filme 007 Contra Goldfinger tem data de 1964, mas, pelos vistos, chegou aos cinemas nacionais em 1966. Nesse Verão, o meu irmão estava para nascer e os meus pais alojaram-se em casa dos meus avós maternos. De férias, o meu pai estava desejoso de ver o novo filme do 007 e, num belo dia, a seguir ao almoço, certificando-se, ele e o meu avô, de que a minha mãe estava bem e nada indicava que acontecesse algo de especial nas horas seguintes, abalaram para o cinema, na baixa portuense. Quando regressaram, o meu irmão já dormia na sua alcova de recém-nascido e a parteira já se tinha despedido. Um parto rápido e fácil, como há poucos. E escusado será dizer que, enquanto o meu irmão e eu vivemos na casa paterna, o meu pai contava esta história em todos os aniversários do filho.

Passariam, porém, vários anos, até eu ver um filme do James Bond. Já não sei qual foi o primeiro, sei que fui ver o Alvo em Movimento ao cinema, com um Roger Moore já entradote e com a canção-tema interpretada pelos Duran Duran, uma banda muito popular, na altura. Em 1985, eu tinha já 20 anos, mas, se vi algum, ou alguns, anteriormente, não me marcaram por aí além, caso contrário, lembrar-me-ia. Entretanto, já vi vários James Bond, claro, embora só tenha chegado ao legendário Goldfinger na Alemanha (talvez nos anos 1990), numa exibição televisiva.

Enfim, acção e efeitos especiais nunca foram o meu estilo. Aprecio filmes de espionagem, mas mais reais, o James Bond entra muito no reino da fantasia, com invenções estrambólicas e aquela ideia de um vilão super-poderoso que pretende dominar o mundo. O 007 é mais um super-herói do que um agente secreto. Foi nesta ideia que agarrei, em 2010, a fim de brincar com a criação de Ian Fleming, quando me estreei na blogosfera, numa história, também ela estrambólica, sobre um clone do Hitler, em 2112 (logo eu, que ando sempre a viajar pela Idade Média, haveria de fazer uma incursão pelo futuro). Um cientista especializado em clones é raptado por um grupo de nazis, numa época (fui optimista), em que já ninguém se lembra deles. Porém, o cientista sabe o que são nazis, pois viu filmes antiquíssimos sobre a 2ª Guerra Mundial, em casa de um colega de liceu que se interessava por velharias.

Na sua aflição, o cientista tem este pensamento:

Caso fosse bem sucedido, eu proporcionaria uma segunda vida a um psicopata que, há quase 200 anos, originara uma guerra mundial. Como se isso não bastasse, o energúmeno ordenara, por decreto, a exterminação pura e simples de grupos étnico-religiosos. E era com esse monstro que os doidos daqueles nazis se propunham dominar o mundo!

Uma ideia que nem sequer era original. Será que me tinham escolhido para um filme que contava essa história pela milionésima vez, sem me informarem, a fim de que a minha actuação fosse autêntica? (…) Dei comigo a perguntar-me quando surgiria o super-herói, ou o agente secreto, que me libertaria, evitando a catástrofe mundial.

Por falar em agentes secretos: ao ver os filmes antigos do meu colega de liceu, constatei que o 007 surgiu há 150 anos! Era no fundo de calcular, pois Hollywood prepara-se para comemorar a estreia do 100° filme. O que eu aliás achei deveras interessante, foi que o James Bond dos primeiros sessenta anos era heterossexual! Em vez de Bond-boys, havia Bond-girls! (Talvez não fosse má ideia ter vivido em fins do século XX)...

Recordei-me desta passagem, a propósito da transformação de Bond numa mulher, com a actriz Lashana Lynch. Devo dizer, porém, que, depois do espanto inicial, esta metamorfose não me aquece, nem me arrefece, apesar de achar um absurdo o destaque dado à notícia na revista do jornal Expresso e aqui reportado pelo Pedro Correia. Tal como ficaria indiferente a um Bond homossexual. O filão James Bond, como Ian Fleming o criou, há muito se esgotou. Os filmes interpretados por Pierce Brosnan vieram provar isso mesmo, ao assumirem a fantasia, bem retratada num Q interpretado por John Cleese. Com Pierce Brosnan, o 007 já não se levava a sério.

Tentou-se, no entanto, modificar este rumo com Daniel Craig. Em vão. O James Bond não adquiriu o charme dos anos 1960, 70 e 80. Nem nunca mais adquirirá. Talvez seja melhor assim. As jóias são para apreciar, não para modificar. As jóias nunca envelhecem.

No final de Casablanca, Rick diz a Ilsa: “We’ll always have Paris”. Os fãs do 007 também têm jóias únicas, para recordar e rever.

“Diamonds Are Forever”.

Políticas de identidade: supremacismo ignorante

Tiago Mota Saraiva, 29.07.19

imagem via facebook de Ricardo M. Santos

Fernanda Câncio pode-se enganar? Claro que sim.
O que se sublinha são dois erros de facto. Ninguém, à excepção de Câncio, atribui a Lénine uma das mais emblemáticas frases do Manifesto do Partido Comunista - "Proletários de todo o mundo, uni-vos!" - e poucos serão os que confundem uma categoria de classe social - proletário - com identidade.
O problema destes erros é que Câncio tem escrito frequentemente sobre o comunismo e comunistas a partir de uma posição de superioridade intelectual que não lhe permite errar naquilo que são as mais básicas noções sobre o tema.

Ora, a sua resposta ao coro de críticas coloca a questão noutro plano.
Câncio não entende que deva pedir desculpas públicas mas sim atacar quem se indignou com os seus erros boçais. Tal como outros que vão ocupando os vários "lugares da fala", Câncio pensa que a medida do seu sucesso é o número de partilhas e "followers". Os que a criticam devem ser tratados como autoritários, burros ou machistas de modo a obter a solidariedade militante - quanto mais não seja pelo silêncio - das várias "identidades" em que Câncio diz estar inscrita. Na ansia de visibilidade o que importa é publicar textos sensacionalistas e estridentes na certeza que o erro será esquecido assim que conseguir espoletar nova polémica com muitas visualizações.
Noutros tempos, Câncio estaria protegida por bons revisores de texto que não deixariam passar estes erros gritantes mas nesta época de consumo rápido rareiam proletários para esconder a ignorância das elites.

A minha é maior que a vossa

Pedro Correia, 29.07.19

Constituição espanhola tem 169 artigos. A Constituição da V República Francesa, 89. A da Alemanha, 146. A da República Italiana, 139. A da Bélgica, 198. Portugal, onde a mania de legislar é quase uma doença endémica, supera tudo isto: a lei fundamental portuguesa tem 296 artigos. Aqui está uma oportuna matéria de reflexão para a próxima legislatura da Assembleia da República, que terá poderes de revisão constitucional. Já que tanto se fala em «andarmos a par da Europa», não seria mau começarmos por ter uma Constituição à dimensão europeia.

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