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1. As "europeias", tal como as autárquicas - estas particularmente nas grandes cidades -, costumam ser utilizadas pelo eleitorado como voto punitivo dos governos, contestação ou aviso. Em 2014 PSD e CDS conduziam o governo que tomou as medidas mais impopulares desde o início dos anos 1980s, devido aos espartilhos impostos pelo resgate financeiro. Nesse âmbito tiveram um resultado eleitoral fraco. Rio, e outras figuras do PSD, aligeiram o que aconteceu ontem, comparando os resultados e afirmando um crescimento eleitoral. É um mero aldrabismo que traduz duas coisas: cegueira política; desonestidade pessoal dos locutores. A primeira conduz a más estratégias políticas, a segunda enfastia os eleitores. Tudo junto? Leva a mais e maiores derrotas. Ou seja, não basta saber falar alemão para se ter sucesso na política nacional.
2. A trapalhada do CDS e do PSD no recente caso dos professores mostra dois partidos à deriva. Cristas auto-encantou-se com um relativo sucesso nas autárquicas de Lisboa, possibilitado pela efectiva desistência do PSD. E desapareceu desde então: alguém sabe o que o CDS pretende? E sobre a Europa, além de lugares-comuns, e da feira gastronómica do parque bruxelense Cinquantenaire, alguém sabe as concepções actualizadas e rumos do CDS? Alguém tem um "link" para um texto, programático ou de imprensa, produzido pelas actuais elites daquele partido - que teve dirigentes como Adriano Moreira, Lucas Pires, Ribeiro e Castro e Paulo Portas -, que valha algo? De facto, o CDS é sociologicamente um partido de elites mas não as tem. É um vácuo.
Do PSD de pouco valerá analisar: quem conhece o partido resmunga a teia de clientelismos na qual o partido se insere há décadas, e as formas perversas da sua organização interna - a antes célebre "distrital de Lisboa" é disso um caso paradigmático, como por vezes se alude na imprensa. É um partido depauperado, mostra-o a sua plastidade a presidentes como Luís Filipe Menezes, Marques Mendes e este Rui Rio. E um partido desnorteado - e disso exemplo escatológico é ver Carlos Moedas elogiar vigorosamente António Costa e seu governo, quinze dias antes das eleições. O PSD é sociologicamente um partido de massas mas começa a não as ter. Está a esvaziar-se.
Há uma coisa interessante para perguntar: os partidos representam interesses particulares na sociedade, enfatizam a defesa de interesses e vontades parciais (é por isso que são "partidos"). Isso é normal e salutar, ainda que a retórica habitual consagre o vínculo aos "interesses nacionais", como se não houvesse uma normal conflitualidade e até contraste entre os grupos constitutivos da sociedade. Ora, sendo assim, que interesses sociais representam o CDS e o PSD? E como o fazem? Melhor perguntando, até porque estão tão esvaziados intelectualmente que a questão se coloca: como é que os reconhecem?
3. O PS ganhou com esta lista de candidatos. Que é fraca, sem figuras relevantes e/ou reconhecíveis, populares, mas acima de tudo por uma razão: encimada por três governantes de Sócrates, com ele coniventes do pior período da II República. Um deles o braço-direito daquele perverso secretário-geral. Pedro Marques tem, pelo menos, uma grande qualidade pessoal: não tem jeito para campanhas políticas, não é um encantador (um "charmeur"), não tem "carisma" (essa qualidade inqualificável). Parte da oposição - e os humoristas do regime - utilizaram o engraçadismo, essa patetice pequeno-burguesa, para o gozar, aviltar. Que é feio, que parece o Noddy, que parece o Mr. Bean. São uns parvos. Ou, como está agora na moda, por via de um dos piadísticos do reino, "não sabem estar".
O governo não é bom: não há reformas, não há efectivo desenvolvimento, não se aproveita eficazmente uma conjuntura internacional favorável. A carga fiscal é enorme, a austeridade continua, os serviços públicos engasgam-se. A gestão das problemáticas políticas é muito má: catastrófica no caso dos fogos, patética no caso dos roubos nas forças armadas, espantosa de preguiçosa no caso, verdadeiramente estrutural, da substituição da PGR. Enfim, um governo de cabotagem e uma má lista eleitoral: e uma grande vitória. 34% nestas europeias? E com os professores (e suas famílias) a resmungar? O PS vai beijar os 40% daqui a 4 meses, recuperando os tais habituais votos (ou abstenções) de protesto nas eleições europeias.
4. O BE e o PAN sobem, e muito. O impacto das questões ecológicas marca a subida do PAN (o qual apoiei nas legislativas - pois Passos Coelho discursou aos jovens anunciando Dias Loureiro como exemplo, e isso para mim é crime lesa-majestade. Mas o qual me desiludiu com as leizinhas para os "pets", que me parecem mostra de um grupo burguesote com pouca densidade. Mas talvez me engane ...).
O BE sobe porque funciona. Tem uma candidata que cativa - pois é genuína (o que não é sinónimo de cândida). Tem aquela coisa do "carisma" (a tal qualidade inqualificável). E o BE consegue passar a imagem que representa interesses. Teve Robles, mas Robles há em todos os partidos que vão ao poder, é histórico. E a sua direcção (Catarina Martins et al) teve reacção estuporada, precocemente anquilosada, a esse caso. Mas ainda teve - e porventura porque é, de facto, uma coligação - a energia interna para se depurar. No dia seguinte ao conhecimento público da malandrice roblesiana, Luís Fazenda (a UDP) pontapeou a tese da "cabala da direita" e exigiu a auto-depuração. E não vemos isso, essa introspecção, em nenhum outro partido. Vale ouro.
5. Muita abstenção? Instalem-se outras formas de votar. O Estado serve-nos e não o contrário. Que abandone a posição hierática, essa que implica que nós temos que nos dirigir até ele, e sob tutela (como o mostra o anacrónico "dia de reflexão"). Que venha o Estado em busca dos votos. (Também) Voto electrónico - se se pode pagar impostos e contas qual a razão de não se poder votar?; assembleias de voto nos mercados; votações às sextas e sábados.
As instituições europeias são opacas. "Porreiro, pá" disse Sócrates a Barroso ou vice-versa, numa cimeira lisboeta que sublinhou essa opacidade - ainda que Barroso, que todos criticam, ter então feito um discurso extremamente crítico da deriva consagrada naquele rearranjo, o que parece que ninguém ouviu. Os partidos não combatem essa opacidade. O senhor presidente da república auto-retrata-se, em potlatch de narcisismo, e nisso despolitiza a sociedade, ou o intenta.
A comunicação social - ela própria em crise - "comenta", com gente que há décadas perora sem particular viço ou capacidade analítica, o que ainda confunde mais e potencia o afastamento dos eleitores da vida política. Uns porque são avençados e disso dependem - vi no youtube, via fb, um excerto do "Eixo do Mal" onde Clara Ferreira Alves dizia, há algum tempo, "aqui no programa só nos enganámos numa coisa, não acreditámos no que se dizia sobre Sócrates, julgámos que era uma campanha da direita". Ou seja, um conjunto de fazedores de opinião política "não viram" o dado mais importante das últimas duas décadas nacionais. E continuam a fazer opinião, pagos para isso, a influenciarem a classe média. Ontem parece que Sousa Tavares, um já decano, tantas são as décadas em que "faz opinião", a dizer que os votantes do PAN são "urbano-depressivos". As pessoas percebem a incompetência analítica, a pura "cagança", que a utilização da velha expressão dos anos 1980s (Joy Division para a frente) mostra? E é este núcleo que ocupa a (decadente) televisão no comentário político.
Fazer regressar a população ao voto passa pela renovação dos quadros políticos - e não só por apear Cristas (e Melo) e o infausto Rio. Mas passa também por renovar a informação, os fazedores de opinião.
6. Não há extrema-direita em Portugal, tirando aquele núcleo do MIRN e seus descendentes, que nunca cresceu. Nisto sim, é caso para dizer "porreiro, pá".
7. António Costa é um grande vencedor, hábil na condução política como não há ninguém na política portuguesa. José Sócrates é passado. Mas não será julgado. Nem Ricardo Salgado. Como diz Marcelo Rebelo de Sousa, presidente e agente, "o país opta por não optar".
Um dia isto melhorará. A gente já cá não vai estar para ver.