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Delito de Opinião

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 02.05.19

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João Carvalho: «A fragata portuguesa Corte Real, que comanda as operações de segurança da NATO ao largo da Somália, voltou a detectar actividade criminosa e acabou por interceptar 19 piratas fortemente armados. Logo a seguir, porém, teve de libertá-los, porque o nosso Código Penal não contempla o crime de pirataria.»

 

Paulo Gorjão: «Admito que desse jeito a Vital Moreira ter a sua Marinha Grande. Felizmente, os tempos são outros. Não estamos propriamente a eleger o primeiro civil para a Presidência da República, nem estamos na fase final da consolidação democrática.»

Instantes em sépia, com capa de muitas cores

Maria Dulce Fernandes, 01.05.19

Não via a Maria João vai para 20 anos. Eramos as marronas da turma, companheiras de carteira e cúmplices, durante os dois últimos anos de liceu, naquele palacete dos Condes da Ribeira Grande, hoje em vias de se tornar Hotel Museu.
Curiosamente a Maria João está uma elegância. Ela que era referida carinhosamente como “a gordinha" conseguiu uma silhueta curvilínea e mantém uma forma impecável. Confesso que senti uma ponta de inveja e saudade de mim, de quando éramos as duas contra as revolucionárias de Santo Amaro, as que votavam nas greves para poderem ir para a praia.
Conversámos horas sobre tudo, sobretudo sobre as nossas peripécias de miúdas que em meses cresceram anos. As nossas campanhas no Liceu para as eleições presidenciais foram loucas. Apoiante incondicional da UEC e de Octávio Pato, a Maria João colava os seus cartazes por cima dos meus e pintava bigodinhos de Hitler nos "meus" Ramalho Eanes. No fim do dia arrumávamos as trouxas e seguíamos a rir que nem umas malucas das peripécias do dia. Foi sempre assim. Unia-nos uma forte amizade e uma loucura saudável que todas as colegas e professores aceitavam, apreciavam e até acarinhavam. Depois das escaramuças ideológicas, a política ficava sempre relegada para aquele plano em que não belisca a amizade.
A Maria João nunca teve filhos. Foi como cooperante de PCP para as ex-colónias e o que viu e viveu por lá marcou-a de tal modo, que a ideia de pôr filhos no mundo deixou de fazer sentido.
Senti-a calada e reticente durante grande parte do tempo em que tagarelámos interruptamente, mais eu e as minhas lembranças. A dado momento olhou-me fixamente, apenas para dizer que o “terceiro marido” era a Guilhermina Parada, que estavam juntas há quase 10 anos e que nunca se tinha sentido tão realizada.
Sorri-lhe. Depois de um amigo e colega se revelar transsexual e de o meu surfista dourado, a minha grande paixão de adolescente me apresentar o marido, ver a minha melhor amiga feliz com quem escolheu para companheira, só me pode encher de alegria.
A Maria João continua a dar aulas, contando os dias para a reforma dourada que ambiciona, repleta de projectos e planos para uma volta ao mundo a dois. Falava da itinerários, povos culturas, paisagens… ah a reforma, são apenas mais cinco anos.
Despedimo-nos com a promessa de não esperarmos outros 20 anos, até porque quem sabe, nem os temos para esperar.
Quem sabe nem cinco anos teremos e a utópica reforma nunca chegará. Penso nisso todos os dias.

Dor, saudade e raiva

Diogo Noivo, 01.05.19

Perdi uma amiga que tinha um coração doce e um sorriso glorioso. Corrijo, não a perdi. Foi-me roubada de maneira vil, insidiosa e cobarde. Lamentavelmente, não sou o principal lesado. Antes fosse. Há dois petizes que ficaram sem mãe e um querido amigo que ficou sem o amor da sua vida. Há uma mãe viúva à qual foi arrancada a sua única filha. Há ainda um grupo de amigos de longa data que ficou amputado.

As razões do cretino responsável por tamanha desgraça são para mim imperscrutáveis. Na verdade, as razões pouco importam. A nuvem de angústia e dor lancinante que deixou a pairar sobre várias cabeças é demasiado grande e opressiva para ser explicada. Só percebemos a enormidade da coisa quando nos toca na pele.

Resta-me agarrar a saudade, as muitas memórias de amizade e carinho. E recriminar-me por não ter estado mais presente. Porque não tenho qualquer ambição de chegar ao céu, que sempre me pareceu um sítio aborrecidíssimo, espero que a ira do destino se abata com um fulgor brutal e impiedoso sobre o filho da puta que nos roubou.

DELITO há dez anos

Pedro Correia, 01.05.19

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Cristina Ferreira de Almeida: «Sócrates olha em volta, furioso: - É asneira sobre asneira. Apre! E depois eu é que tenho que escrever aos pais das criancinhas para limpar a porcaria que vocês fazem!»

 

Leonor Barros: «Usar as crianças indevidamente para propaganda já foi suficientemente mau, não era preciso terem tentado que elas mentissem também. O voto pode sempre pôr esta gente na ordem.

 

Paulo Gorjão: «Não me lembro da última vez em que vi uma tomada de posição de um Governo, de um Parlamento ou de um Presidente da República que me fizesse sentir orgulhoso da minha -- da nossa -- classe política.»

 

Eu: «Agem em 2009 como se estivessem em 1975. É preciso dizer-lhes, todas as vezes que for preciso, que a rua não é propriedade deles. A rua não é propriedade de ninguém.»

Impossível esquecer

Cristina Torrão, 01.05.19

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O 1º de Maio foi também o dia da morte de Ayrton Senna, um dia, a partir do qual, a Fórmula 1 nunca mais foi a mesma para uma infinidade de pessoas (onde eu me incluo). Hoje, em que se completam 25 anos sobre a tragédia, deixo-vos com as palavras de Lídia Paralta Gomes, que, na altura, tinha apenas seis anos, um exemplo do impacto que a morte deste carismático piloto teve na vida de muita gente (para ler o texto completo, clicar no link):

Quando o braço da direção do Williams de Ayrton Senna se partiu em dois e o carro do brasileiro bateu desgovernado no muro de cimento da curva Tamburello - nome que nunca mais me saiu da cabeça e que desde então associo a coisas terríveis -, a minha vida ficou virada do avesso. É um exagero, eu sei, mas tentem explicar a uma criança que o seu primeiro ídolo desapareceu, ainda por cima a fazer aquilo em que era o melhor, e mesmo que naquela altura não fosse de caras o melhor, continuava a ser o mais carismático, o mais talentoso, o mais mágico, o mais malandro, aquele que nos fazia a cada quinze dias, a mim e à minha família, ligar a televisão ao fim de semana pela hora do almoço, os únicos almoços em que estávamos juntos, para vermos o Grande Prémio, isto quando a Fórmula 1 ainda era assunto de canal aberto.

Ou de como peguei numa revista que guardávamos como um tesouro, uma dessas revistas do coração, como dizem os espanhóis, (...) e a esquartejei, porque queria guardar só para mim as últimas fotos de Senna a sorrir e de como isso ia provocando uma guerra civil no país do nosso quarto, meu e da minha irmã, que é cinco anos mais velha que eu e por isso viveu o 1 de maio de 1994 e os dias seguintes com muito mais violência. Colámos o que foi possível colar com fita-cola, ao menos aquele pedaço de Senna dava para salvar.

 

Imagem: Mike Hewitt

As "folhas secas" de Caracas

Pedro Correia, 01.05.19

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É, desde já, uma das imagens do ano. E também uma das mais chocantes. Um blindado antimotim da Guarda Nacional Bolivariana salta um separador numa larga via circular de Caracas e arremete a toda a velocidade rumo à faixa contrária, onde se agrupam largas dezenas de manifestantes desarmados, atropelando-os sem piedade, como quem esmaga folhas secas no alcatrão. Logo alguns ficam estendidos no solo, ignorando-se o que lhes sucedeu.

O mundo inteiro viu: esta é a verdadeira face da ditadura de Nicolás Maduro. Um regime que apregoa o socialismo revolucionário enquanto reprime, esmaga e tortura os humildes que ousam contestá-lo. Um regime que encerra órgãos de informação, censura vozes livres, aprisiona deputados e autarcas, silencia cadeias de televisão internacionais e suprime comunicações telefónicas, asfixiando a liberdade. Um regime que condena a população à penúria, à desnutrição e ao desabastecimento dos bens essenciais. Nos últimos oito anos, os venezuelanos perderam em média oito quilos por efeito da fome endémica e da falta de proteínas. Enquanto o ditador, encerrado no palácio, vai engordando.

 

Falta tudo em Caracas: luz, água, alimentos e medicamentos. Só não faltam os crimes: é a capital onde se regista a maior taxa de homicídios do planeta, quase todos permanecendo impunes, grande parte deles cometidos pelos chamados "colectivos", gangues armados até aos dentes por Maduro para esmagar focos oposicionistas nos bairros populares, funcionando como a face mais negra e sangrenta do regime.

A Venezuela é também o país com a maior taxa de inflação a nível mundial: 10.000.000% ao ano, algo impensável para os nossos padrões europeus. Nada se consegue pagar com o dinheiro da treta, que não vale sequer o papel em que é impresso, no país que possui as maiores reservas de petróleo do hemisfério ocidental. Enquanto o caudilho se entrincheira num bunker palaciano, vigiado a todo o momento pela guarda pretoriana que Cuba lhe forneceu, totalmente isolado do povo, há largos meses sem descer à rua. Transformado num títere de Havana.

 

O mundo inteiro viu o Golias blindado, ao serviço da revolução falhada, esmagar os Davids civis que se atreveram a protestar contra a tirania. O mundo inteiro indignou-se. Todo? Não, todo não. Para Catarina Martins, coordenadora do BE, a culpa da fome, da miséria e da repressão armada na Venezuela socialista resulta da «ingerência máxima» dos Estados Unidos. Debitando a vulgata pró-soviética dos tempos da Guerra Fria. Evitando cuidadosamente pronunciar uma só palavra de crítica a Maduro.

Como se não tivesse observado as imagens de Caracas. Ou - pior ainda - como se as tivesse visto e ficasse indiferente a elas.

Entre os mais comentados

Pedro Correia, 01.05.19

Em 22 destaques feitos pelo Sapo em Abril, entre segunda e sexta-feira, para assinalar os dez blogues nesses dias mais comentados nesta plataforma, o DELITO DE OPINIÃO recebeu 19 menções ao longo do mês. 

 

Os portais foram estes, por ordem cronológica:

Belles toujours (28 comentários)

Reformismo e revolução (38 comentários)

Uma coerência exemplar (36 comentários, segundo mais comentado do dia)

O bispado de Bolsonaro (34 comentários)

Lavourada da semana (26 comentários)

As flores de estufa (36 comentários)

Penso rápido (91) (30 comentários)

Belles toujours (26 comentários)

A Igreja Católica em crise (91 comentários)

Assombro e dor (40 comentários)

Estátuas dos nossos reis (apêndice 1) (34 comentários)

E que tal ter férias em Caracas? (34 comentários, terceiro mais comentado do dia)

Votos de uma Santa Páscoa (23 comentários)

O Sri Lanka e o estado do Ocidente (50 comentários)

Lavourada da semana (22 comentários)

Estrelas de cinema (30) (38 comentários, terceiro mais comentado)

Pago jornal, levo propaganda (56 comentários, terceiro mais comentado)

Belles toujours (62 comentários, terceiro mais comentado)

O "direito" a prejudicar outros (64 comentários, terceiro mais comentado)

 

Com um total de  768 comentários  nestes postais. Da autoria do JPT, da Cristina Torrão e de mim próprio.

Fica o nosso agradecimento aos leitores que nos dão a honra de visitar e comentar. E, naturalmente, também aos responsáveis do Sapo por esta iniciativa.

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