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Delito de Opinião

Gógol não era economista

jpt, 31.03.19

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Inúmeros políticos e assessores saíram à liça para defender o governo neste "affaire famigilia" (que já ecoa na imprensa estrangeira). Até o candidato socratista ao parlamento europeu veio, melífluo, dizer que "não mas enfim ..." (ler o texto ligado pelo Pedro Correia em postal abaixo). Os "comentadores" eixo-domaljugular já confirmaram que tudo está bem no reino. E, cerveja para cima do bolo, Pacheco Pereira reduz as críticas ao emaranhado do governo português à incapacidade geral em criticar as políticas económico-financeiras do PS. Ou seja, na visão do meu antigo professor, um tipo como eu, e nisso parecido com tantos outros, que não estudou economia não tem o direito a interrogar-se ou indignar-se. Mesmo que tenha a ideia de que alguma coisa não correrá bem, que tenha a sensação que este texto de Joaquim Miranda Sarmento é capaz de ser um bom diagnóstico da situação económica nacional, para Pacheco Pereira isso não chega: não sendo eu capaz de escrever a crítica e/ou melhorá-la ou sustentá-la, tenho que me ir calando. Nos tempos em que ele, Pacheco Pereira, nos ensinava a isto chamava-se "economicismo". Mas enfim, os tempos mudam, e há que adaptar as ideias aos novos ares. 

Portanto, irrito-me com coisas? Vejo-as como denotativas do actual "estado da arte", como aquilo do secretário de estado de defesa do consumidor continuar a exercer funções, apesar de querer o namorado capitão como motorista, decerto - é a única razão que consigo perspectivar para tal inaudita pretensão - para lhe possibilitar sexo durante as horas de expediente, tendo-o ali a pénis de semear, por assim dizer? Que me desirrite, dirá o professor Pacheco Pereira, que tivesse eu ido estudar Economia ...

Ocorre-me que Nikolai Gógol não era economista. E que está o meu país cheio de avatares de Tchítchikov. E, também, que o meu antigo e respeitado professor já desapareceu há muito tempo. Ficou só isto.

 

"Resumindo, eis o nosso herói [Tchítchíkov] em pessoa, tal como é! Mas talvez me exijam que o caracterize definitivamente com um único traço: quem é ele, em termos de moral? É claro que não é um herói cheio de perfeições e virtudes. Quem é então? Um canalha? Mas porquê canalha, logo assim de repente, por que teremos de ser tão severos para com o nosso próximo? Hoje em dia já não existem canalhas entre nós, há apenas pessoas bem-intencionadas, amáveis; talvez se encontrem só duas ou três susceptíveis de darem a cara ao opróbrio e à bofetada pública, e mesmo estas falam de virtude. A um homem assim seria mais justo dar-lhe outro nome: homem prático, homem granjeador. A aquisição é que tem culpa de tudo: por causa dela é que foram feitas as coisas que o mundo chama de pouco limpas. É verdade, há neste carácter qualquer coisa de repugnante, e ao mesmo leitor que, nos caminhos da sua vida, tem amizade com um homem assim, que come à mesma mesa com ele e partilha gostosamente com ele as suas horas de lazer, olhará para ele de esguelha se tal homem lhe aparecer na qualidade de herói de um drama ou de um poema. Ora sábio é aquele que não desdenha carácter nenhum, mas, fitando nele o olhar perscrutador, o investiga até às causas primeiras. São rápidas as metamorfoses do ser humano: de um momento para o outro cresce no seu íntimo um terrível verme que canaliza para si, arbitrariamente, todos os sucos vitais. Por mais de uma vez tem acontecido que não só uma forte paixão, mas mesmo uma minúscula paixoneta por uma insignificância qualquer cresça e invada todo o ser humano nascido para verdadeiras façanhas, fazendo com que esqueça as suas obrigações sagradas e veja em ninharias a sua grande e sagrada vocação. Não têm conta, como as areias do mar, as paixões humanas, e todas diferentes umas das outras; e todas elas, baixas ou nobres, no início obedecem ao homem e só depois se tornam os seus terríveis senhores. Bem-aventurado aquele que escolheu para si, de entre todas, a mais bela das paixões: a cada hora e a cada minuto que passa cresce e multiplica-se a sua desmedida bem-aventurança e cada vez ele entra mais fundo no infinito paraíso da sua alma. Há porém aquelas paixões que não são escolha do homem. Nasceram com ele e com ele hão-de morrer, o homem não tem forças para fugir delas. Guia-as uma vontade superior, existe nelas um princípio que perpetuamente nos chama, que não se cala em toda a nossa vida. São destinadas a cumprir uma grande missão na terra: seja na forma de uma imagem sombria, seja levantando voo como fenómeno radioso que alegrará o mundo - dos dois modos, foram chamadas à vida em prol de um bem que, para o homem, é incompreensível. Ora então, no nosso Tchítchikov a paixão que o move não depende dele e, na sua fria existência, talvez já durma aquilo que mais tarde ou mais cedo lança os homens de joelhos perante a sabedoria dos céus. (...)

 

Ora o que é penoso não é a possibilidade de alguém ficar desagradado com o nosso herói, mas, pelo contrário, a insuperável certeza, bem enraizada na alma, de que, com este mesmo herói, com este Tchítchikov, os nossos leitores poderiam ficar agradados. Se o autor não tivesse espreitado tão fundo na alma dele, se não tivesse içado do seu íntimo aquilo que, fugaz, se esconde da luz, se não lhe tivesse desvendado aqueles seus mais secretos pensamentos que a ninguém se confiam, se apenas o tivesse mostrado tal como ele se apresentou na cidade, ao Manílov e aos outros, ah, então toda a gente ficaria contentíssima e tomá-lo-ia por pessoa interessante. (...) Sim, meus bons leitores, não vos apetece ver a miséria humana a descoberto. Para quê, dizem os senhores, será que vale a pena? Não saberemos já que existem muitas coisas estúpidas e desprezíveis nesta vida? Já sem isso nos acontece muitas vezes assistir àquilo que não agrada a ninguém. É melhor mostrar-nos o belo, o admirável. Faça, antes, com que esqueçamos! "Para que me dizes, meu amigo, que as coisas andam mal na minha herdade?", diz o proprietário rural ao seu feitor. "Sei tudo isso muito bem, meu amigo, será que não tens mais nada do que falar? Deixa-me na ignorância, deixa-me esquecer, e então serei feliz." Sendo assim, aquele dinheiro que serviria para, de algum modo, corrigir as coisas, é gasto nos vários meios de procurar o esquecimento. A mente, que talvez pudesse descobrir ainda alguma fonte de grandes recursos, adormece e não tarda, toda a herdade é vendida em leilão e o proprietário, na miséria, vai por esse mundo fora em busca de esquecimento, com a alma pronta a cometer baixezas que, outrora, até o assustariam.

 

O autor ouvirá também acusações da parte dos assim chamados patriotas, desses que, até agora sossegadinhos nos seus recantos, se dedicam a coisas de outro género, amealhando o dinheirinho, assegurando o seu bem-estar à conta dos outros; ora, mal acontece alguma coisa insultuosa para a pátria, na opinião deles, mal aparece algum livro que revele uma verdade amarga, saltam de todos os seus cantinhos (...) e soltam o grito: "Admite-se trazer estas coisas à luz do dia, gritá-las aos quatro ventos? É que tudo isto nos diz respeito, é nosso - e então será bom alardeá-lo? O que dirão os estrangeiros?" (...) uma modesta resposta às acusações de alguns patriotas ardentes que, até determinado momento, se dedicam sossegadamente a uma qualquer filosofia ou a fazerem crescer os seus capitais à custa da pátria ternamente amada e que, em vez de pensarem em não fazer o mal, pensam só em que ninguém diga o que fazem mal. Mas não, não é o patriotismo a causa das acusações, há outras coisas por trás. Por que querem esconder a palavra?"

(Nikolai Gógol, Almas Mortas, Assírio & Alvim, 2017, 284-288. Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra)

(Ilustração "A Chegada de Tchítchíkov à Cidade de N", de Marc Chagall, 1923).

O comentário da semana

Pedro Correia, 31.03.19

«Porquê um dia estabelecido para os pais? Que define ou que propósito justifica? Amam-se mais as crias nesse dia, ou elas mais os progenitores?

No que particularmente me concerne, os outros não sei, a minha experiência enquanto pai foi a que a minha indelével mulher promulgou. Tanto para a família como para a prole.


Nos casos em que a minha participação opinativa se evidenciava por ignorância, ou brilhava por desnecessária, não falhava:

- Sai! Não te metas! Deixa as MINHAS filhas!

(Dia da mãe.)

Nos casos ligeiramente mais problemáticos, aí acertava em cheio:

- Estás à espera de quê? Mexe-te e vai lá resolver o assunto das TUAS filhas.

(Dia do pai.)


De resto não estou a ver muito bem qual a necessidade de um dia determinado para um ou outro progenitor.

E um domingo para dia do pai, como o Pedro preconiza, é que não vejo mesmo nada em que isso possa reforçar a relação entre progenitor e o rebentinho, e muito ao invés estou mais virado para a ruptura total.

Domingo há futebol e não estou a ver qual o pai neste país que, em seu perfeito juízo, o pretira a favor do empecilho que por ali ciranda a tagarelar como um papagaio.

"Logo hoje é que se lembrou de mandar para cá o cachopo. Raio de mulheres, nunca se pode contar com elas."

 

Portanto, domingo nunca. Se as mais das vezes a sintonia conjugal já se encontra meio periclitante, não vai agora o Pedro, dar-lhe o empurrão decisivo.»

 

Do nosso leitor Corvo. A propósito deste meu texto.

Ler

Pedro Correia, 31.03.19

Ética republicana. De Vital Moreira, na Causa Nossa.

Memória de uma entrevista. De João Rodrigues, no Ladrões de Bicicletas.

Feminino plural. De Maria do Rosário Pedreira, no Horas Extraordinárias.

Covil de fêmeas. Do Carlos Natálio, no Ordet.

Isto não é um prato de búzios. Do Manuel S. Fonseca, n' A Página Negra.

Lendas do Sul. Do José Meireles Graça, no Gremlin Literário.

 

Delito à mesa (13)

jpt, 30.03.19

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O "Ponto de Encontro" é o meu porto de abrigo aqui em Schaerbeek. Por cá a um estabelecimento como este chamam "petite restauration", o que pode esconder muito, até apoucando-o. Por isso prefiro, e muito, tratá-lo pelo nosso antigo termo casa de pasto, o qual deixa antever um local de alimento e estada, convívio.

A gente sabe-o, negócios destes não vivem das "estrelas" dos críticos ou da publicidade. Mas muito dependem dos patrões, de como estes sabem acolher a clientela, vinculá-la. E aqui é mesmo a casa do casal Belchior, o Luís e a Sónia, que muito justificam o "cinco estrelas", pois são gente com muito boa onda. Daquela rara de encontrar. Da qual se gosta não por qualquer atendimento particular, por alguma "atençãozinha" feita, pequeno favor ou informação. Simpatiza-se, e chega. E volta-se no dia seguinte.

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Alentejanos de Elvas, mas o Luís cresceu aqui no bairro (na "comuna") até à adolescência, quando a sua família fez "torna-viagem". Chegada a recente crise, trancada a actividade económica na zona, para cá voltou, num verdadeiro regresso à "origem". E se a história local da imigração portuguesa sempre remete para a praça Flagey, em Ixelles, onde se agregaram os patrícios desde os anos 1960s (por lá está o Fernando Pessoa a simbolizá-lo), desde então que também houve um menos conhecido fluxo alentejano ancorando a Schaerbeek - e tanto que no quarteirão acima está ainda a antiga sede do clube "Campomaiorense", encerrado há um ano. Por isso chegar ao "Ponto de Encontro" é encontrar um núcleo alentejano residente, de elvenses e de campomaiorenses em particular. Desde uns poucos de jovens recém-chegados, ainda quase glabros, até outros bem mais antigos, com meio século de Bruxelas, alguns também veteranos da guerra de Angola, com tanto mundo marchado.

Mas o que é muito significativo, demonstrando a qualidade do serviço e a excelência dos donos, é que tendo aberto o "Ponto de Encontro" em Outubro - antes exploraram um café distante apenas dois quarteirões - a casa não se encerrou na clientela portuguesa. Pois abundam os belgas, tantos deles acotovelando-se para o jogo das setas (o Luís é jogador federado, os jogos do campeonato nacional são constantes). Chegam espanhóis, romenos, ocasionais turcos, há um inglês habitual, e brasileiros, pois claro. É Schaerbeek, é Bruxelas, com a bela marca "Elvas", "Alentejo" mas não nela encerrada. Anima. 

E há a comida. Sim, com a tal marca alentejana. Almoços durante a semana, e também jantares aos fins-de-semana. Nos quais a cozinha é reforçada pela amiga Sandra Madeira, elvense, claro está, imigrada há pouco e que antes explorou restaurantes em Elvas e Borba ("Sabores do Alentejo"). O cardápio é curto e variado, 3 pratos do dia nos sábados e domingos, 2 nos dias úteis. E o sistema é o de preço pelo "menu" (exceptuando a sobremesa).

Aqui partilho a bela memória do almoço de sábado passado:

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A sopa Juliana, que estava como deve-de-ser, e que fora antecipada pela mini Super-Bock e por um apetitoso cacho de azeitonas, que se apresentavam em estado muito meritório.

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O cesto de pão, com legítima manteiga Gresso, aqui acompanhado da até mítica água de Carvalhelhos.

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E o que convocara a atenção, migas com entrecosto. Não me é necessário adjectivar a qualidade do prato. Apenas refiro que os três convivas à mesa não deixaram migalha de migas, e roeram, despudoradamente, todas as fibras do saudado entrecosto. Saciados, com extremo agrado, foi como ficámos. Foi esta parte do repasto acompanhado de vinho da casa, dois copos de tinto Ermelinda Freitas por pessoa.

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Para a sobremesa aportou o não tão regional pudim Molotov, símbolo do acima referido cosmopolitismo da casa. Foi comido com agrado geral.

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E para rematar o café e a aguardente Mosca. A "bica" bem tirada, algo não tão usual assim por estas paragens (e outras). E a água-da-vida bem aprazível. Foi, aliás, repetida.

Preço? Com Molotov à parte - e, pormaior que julgo relevante, a dez minutos pedestres do coração do "bairro europeu", a praça Schuman e sua chusma de restaurantes "italianos", "irlandeses" e quejandos - o "menu" importa em 13 euros.

Em suma, belo repasto, excelente acolhimento, clientela simpática, e preço mais do que acessível. Quereis melhor conselho?

Ponto de Encontro, Av. Dailly, 150, 1030 Bruxelles (encerra às segundas-feiras)

Frases de 2019 (9)

Pedro Correia, 29.03.19

Director, um lugar precário

Pedro Correia, 29.03.19

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Como aqui escrevi em 2016, não existe hoje em Portugal um lugar tão precário como o de director de um órgão de comunicação social.

Nesse texto, publicado no DELITO vai fazer três anos, pronunciei-me com dados e nomes sobre a chocante rotação existente na maioria dos títulos jornalísticos diários ou semanários de expansão nacional. Para concluir que esta escassa permanência de um director à frente de um meio de comunicação fragiliza todo o projecto editorial, tornando-o ainda mais vulnerável às pressões - não apenas do poder político mas dos chamados poderes fácticos, da banca à bola, passando por maçonarias de vários matizes e pelas marcas comerciais que funcionam como financiadoras enquanto anunciantes.

Nesse artigo acentuei que 16 dos principais títulos jornalísticos (72,7% do total) tinham directores em funções havia menos de dois anos.

Revisitando hoje o mesmo texto, verifico que doze dos 22 directores ali mencionados - mais de metade, portanto - deixaram de exercer tais funções. Alguns abandonaram a profissão e houve um título que entretanto desapareceu. Mais sintomático ainda: em alguns casos, os referidos responsáveis tiveram não apenas um mas já dois sucessores de então para cá.

 

Desde então já se registaram várias mudanças. Bárbara Reis anunciou em Maio de 2016 que deixaria a direcção do Público, ao mesmo tempo que se tornava conhecida a transferência de David Dinis da TSF para o diário da Sonae, dando por sua vez lugar na rádio a Arsénio Reis, que ali iniciou funções em Setembro de 2016. Em Junho desse ano, André Macedo demitiu-se de director do Diário de Notícias, sendo substituído em Setembro por Paulo Baldaia. Também em Junho de 2016, João Garcia cedeu o lugar de director da revista Visão a Mafalda Anjos. Na revista concorrente, a Sábado, Eduardo Dâmaso assumiu a Direcção a partir de Abril de 2017. E André Veríssimo ascendeu em Novembro de 2017 ao posto de director do Jornal de Negócios.

Entretanto o Diário Económico, que vegetava já só na edição digital, encerrou de vez. Passou a haver duas novas publicações nesta área: o Jornal Económico, surgido em Setembro de 2016 com Vítor Norinha como director, logo promovido a director-geral da empresa proprietária, passando o seu anterior lugar a ser ocupado a partir de Dezembro por Filipe Alves, até aí director-adjunto; e desde Outubro de 2016 o Eco - só com edição em linha -, sob a direcção de António Costa.

Rotação acelerada noutras publicações: em Abril de 2018, Ferreira Fernandes substituiu Baldaia como director do Diário de Notícias; em Julho desse ano, David Dinis cedeu o lugar de director do Público a Manuel Carvalho; em Setembro foi a vez de Afonso Camões ser rendido por Domingos de Andrade no posto máximo do Jornal de Notícias; em Outubro, Luísa Meireles era anunciada como sucessora de Pedro Camacho na Direcção da Lusa; no mesmo mês, Maria Flor Pedroso substituía Paulo Dentinho à frente da informação da RTP.

Mais mudanças, estas já no ano em curso: há duas semanas, António Magalhães cedeu o lugar de director do diário Record a Bernardo Ribeiro. E hoje mesmo João Vieira Pereira foi anunciado como director do Expresso, substituindo Pedro Santos Guerreiro.

 

Apontamentos adicionais:

André Macedo não chegou a completar dois anos no posto cimeiro do DN: só lá esteve 22 meses.

Paulo Baldaia, o sucessor, ficou apenas ano e meio à frente do centenário matutino, agora já fora da Avenida da Liberdade.

Raul Vaz também só se manteve ano e meio como director do Jornal de Negócios.

João Garcia foi director da Visão durante um ano exacto.

David Dinis não permaneceu mais de quatro meses ao leme da TSF. Foi depois dirigir o Público, onde esteve dois anos - entre Julho de 2016 e Julho de 2018. Hoje é anunciado como novo director-adjunto do Expresso.

Pedro Santos Guerreiro aguentou-se três anos à frente do semanário Expresso. Tantos como Pedro Camacho enquanto director da Lusa.

Rui Hortelão manteve-se quase três anos e meio no posto de comando da Sábado. Idêntico ao período em que Paulo Dentinho esteve a dirigir a RTP.

António Magalhães resistiu quatro anos e meio como director do Record.

 

Dos 22 directores dos órgãos de informação diários ou semanários de carácter nacional (televisão, rádio, jornais, revistas informativas e agência noticiosa), só cinco ocupam essas funções há mais de cinco anos. E 15 iniciaram-nas desde Fevereiro de 2016, o que diz muito sobre a instabilidade do cargo. Apenas um ultrapassou a década e meia como director: Vítor Serpa, que lidera A Bola desde 1992. Algo impensável em qualquer outro jornal.

Embora a grande distância deste caso único, é já considerável a longevidade no exercício do cargo de Octávio Ribeiro (que dirige o Correio da Manhã desde Março de 2007), Graça Franco (directora da Rádio Renascença desde Janeiro de 2009) e José Manuel Ribeiro (director do diário O Jogo desde Maio de 2011). Cada vez mais excepções que teimam em contrariar a regra.

Resta ver por quanto tempo.

Duas eleições no Domingo

Alexandre Guerra, 28.03.19

Duas eleições vão realizar-se este Domingo e, por razões diferentes, são de enorme importância para a Europa. Na Turquia, pela primeira vez após os acontecimentos dramáticos de Julho de 2016, que originaram uma autêntica purga por parte do regime de Recep Tayyip Edorgan, vão decorrer eleições locais, numa altura em que aquele país atravessa uma recessão económica e em que a contestação ao sistema político é mais intensa do que nunca. Ao ponto do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) de Erdogan, em coligação com os nacionalistas do MHP, poder perder Ancara e Istambul para a Aliança Nacional, um bloco composto pelo principal partido da oposição, o Partido Republicano Popular (CHP), e pelo Good (IYI), uma formação partidária de direita.

Perante este cenário, a estratégia do AKP tem passado pela acusação à Aliança Nacional de estar a cooperar com o Partido Democrático Popular Curdo (HDP) que, para as autoridades turcas, não é mais do que uma ala política do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), tida como uma organização terrorista. O AKP tem tentado ainda ligar a Aliança Nacional ao movimento Fethullan Gulen que, supostamente, diz o Governo, terá estado por detrás da tentativa do golpe de Estado de há quase três anos.

Embora tenha vencido as presidenciais do ano passado com poderes reforçados, Erdogan precisa de um resultado politicamente robusto – que passará sempre por manter Ancara e Istambul –, para preservar a sua aura de invencibilidade, de modo a evitar as tão populares revoltas da “rua” ou tentações de assalto ao poder, como aquela que houve em 2016 (dizem as teorias da conspiração que o golpe terá sido provocado pelo próprio Erdogan para legitimar uma “limpeza” a vários níveis do Estado).

Não havendo sondagens disponíveis, tem-se falado bastante na possibilidade de Ancara e Istambul passarem para as mãos dos partidos da oposição, uma dinâmica que tem sido aproveitada pelo líder do CHP, Kemal Kılıçdaroğlu, que já fala em “landslide victory”. Para já, está-se apenas no campo da especulação e, apesar de serem eleições locais, no Domingo logo se verá se o povo turco dará um sinal de alarme ao Presidente Erdogan ou se, por outro lado, legitimará a sua política de governação.

Nesse mesmo dia, mais de 35 milhões de ucranianos elegíveis para votar estarão a escolher um novo Presidente, entre cerca de 40 candidatos. Serão as primeiras eleições a nível nacional desde as presidenciais e parlamentares de 2014. Pelo meio, a Ucrânia e a Rússia mergulharam numa profunda crise diplomática e militar, com consequências territoriais e políticas bem evidentes. Num país que viu perder parte do seu território para a Rússia e que se envolveu num conflito em que morreram 13 mil pessoas, um dos principais temas destas eleições tem a ver precisamente com o relacionamento com Moscovo. Entre os principais candidatos, incluindo o actual Presidente Petro Poroshenko, a posição é clara: aproximação à NATO e à UE. É também essa a intenção da antiga primeira-ministra Yuliya Tymoshenko, assim como do candidato surpresa e muito bem colocado nas sondagens, Volodymyr Zelenski, uma estrela televisiva que está a beneficiar da sua popularidade. No entanto, existem nuances entre estes três candidatos.

Com Poroshenko dificilmente haverá qualquer aproximação a Moscovo, sendo pró-UE e NATO, já Tymoshenko, também pró-ocidente e um dos principais rostos da Revolução Laranja de 2004/5, poderá facilitar um desanuviamento nas relações entre Kiev e Moscovo. Pelo menos no passado, a antiga chefe de Governo mostrou bastante proximidade e até empatia com o Presidente russo, Vladimir Putin, chegando inclusive a suscitar alguns boatos na imprensa sobre um possível "affair". Más línguas, certamente. Quanto a Zelenski, é uma incógnita, visto ser um estreante nas lides políticas, mas nada indica que seja um radical.

Perante isto, não é de estranhar que Moscovo esteja fortemente empenhado no condicionamento destas eleições, nomeadamente através de operções subversivas cibernéticas e campanhas negras nas redes sociais. São várias as evidências dessa intrusão, que, aliás, não causam qualquer estranheza, se se tiver em consideração que a Ucrânia ficou sem várias partes do seu território de forma hostil para a Rússia: a península da Crimeia e as regiões de Donetsk e Luhansk. É muito possível que a vitória recaia num destes três candidatos, pelo menos as sondagens assim o indicam, sendo que para o Kremlin, provavelmente, Petro Poroshenko será aquele que menos interessa. Num mundo e numa Europa em aceleradas mudanças face há uns anos, é bem possível que entre o comediante Zelenski e a bela Tymoshenko, Putin, desta vez, prefira ter como interlocutor um cómico. No fundo, seria apenas mais um a juntar-se ao clube dos governantes.

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