Sugestão: um livro por dia
O Tacão de Ferro, de Jack London
Tradução de Inês Dias
Romance
(reedição Antígona, 2019)
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O Tacão de Ferro, de Jack London
Tradução de Inês Dias
Romance
(reedição Antígona, 2019)
A atribuição dos Óscares começa a parecer-se com a atribuição dos prémios Nobel. Premeiam-se filmes medíocres e desempenhos médios, esquecendo-se dos verdadeiros filmes de qualidade que surgiram neste ano. Para mim, quem deveria ter recebido o óscar de melhor filme era Correio de Droga, de Clint Eastwood, um verdadeiro testamento cinematográfico. O Guia para a Vida é um filme razoável, mas nada mais do que isso. Quanto ao melhor actor, se Rami Malek tem de facto uma boa interpretação em Bohemian Rapsody, fica a milhas do desempenho de Christian Bale em Vice. Quanto à melhor actriz, acho que o prémio deveria ter ido para Lady Gaga, uma verdadeira revelação em Assim nasce uma estrela, em que praticamente carrega sozinha o filme às costas. Mas são insondáveis os desígnios da Academia. Siga, que para o ano há mais.
Houve um tempo em que evitava comer porque tinha pressa para ir jogar futebol com os outros. Ou porque era esquisito e não gostava do que me davam. Detestava mioleira (e ainda detesto e fico feliz por saber que hoje em dia esse alimento foi praticamente banido das mesas) e todas as aves (a situação não se alterou, embora abra de quando em vez uma excepção para uma canja ou empada de perdiz feita lá em casa, sem gorduras, peles, cartilagens ou ossinhos). Mas como nesse tempo os meninos não tinham quereres, e se faziam birra ficavam de castigo, ensinaram-me a comer de tudo. Até ter quereres. Não gostei embora me tivesse feito bem.
Anos mais tarde comecei a apreciar outras coisas, como, por exemplo, feijoada, cozido à portuguesa, dobrada, orelha e outras coisas que só de ver e sentir o cheiro naquele tempo me davam náuseas.
Com a idade, por força das circunstâncias da vida e em homenagem ao que na devida altura me ensinaram, acabei por me tornar mais exigente e por ter curiosidade em aprender como muitos pratos se confeccionavam.
E hoje faço-o, sempre que posso e me deixam, com excepção do Natal, quando ainda o tinha, única altura em que me davam o direito de me impor, tornar-me dono do espaço e preparar uns mexidos ou o prato principal da Noite de Natal.
Hoje considero-me um gastrónomo razoável e aqui há uns anos fui entronizado por alguns amigos que comungam dos mesmos interesses numa respeitável confraria, o que estimula ainda mais o meu gosto por uma boa comida e um bom vinho. Prazeres cada vez mais únicos pelos momentos irrepetíveis de degustação e convívio civilizado que proporcionam. Saber comer ou apreciar um bom vinho também são artes que se aprendem ao longo da vida. Primeiro com quem sabe, depois praticando.
O que também me leva a detestar cada vez mais restaurantes pretensiosos com cozinheiros afectados e medíocres, cadeias de fast food, messes, cantinas, e até alguns lugares que mais parecem estábulos ou chiqueiros do que espaços destinados a refeições de humanos, tal a má qualidade da matéria-prima, da confecção e da apresentação do que querem impingir-nos.
Tudo isto para vos dizer que foram estas as razões que me levaram a escolher o Mesa Marcada como blogue da semana. Apesar de ultimamente andar com pouca actividade, espero que os seus autores regressem em força.
Que vos faça bom proveito. E vos estimule os sentidos para um dos pequenos grandes prazeres desta vida.
D. João VI (1816-1826)
Autor: ainda por identificar
Ano da inauguração: 2008
Localização: Rio de Janeiro, bairro de Santa Cruz, no Palacete Princesa Isabel / Centro Cultural Municipal de Santa Cruz
«São agora duas formas de falar o português, de tal forma que já não digo 'Português do Basil', digo Brasileiro, referindo-me à língua. Basta conviver com aquela malta (e o meu genro, papai da minha neta, é um desses casos) para perceber que não percebemos metade do que dizem: autonomizaram-se, e a vastidão do seu território (pensemos assim: a região do Pantanal tem sensivelmente o tamanho de Portugal, e é pouco habitada...) ajuda à vastidão do vocabulário, nomeadamente porque a língua reporta para o que nos corcunda, o que fazemos, etc., e temos realidades absolutamente distintas, donde...
Às vezes, falando com o Fellipe, não percebo metade do que diz, mas ele percebe tudo o que digo.
Depois, há que perder, de uma vez por todas, a aura do Portugal colonizador, essa bela porcaria, quando o Brasil é uma miscelânea absoluta: posso pegar no nome do meu genro, por exemplo: origens? portuguesas, africanas, alemãs, italianas, francesas e, motivo de muito orgulho, neto de uma pura Tupi-Guarani (não é à toa que defendo cada vez mais a miscelânea das gentes, que, aliás, produz belos espécimes: a minha neta tem um olhar asiático, a pele clara, um sorriso de desmaiar e, claro, fala incongruências lindas, aos 11 meses, mas seguramente terá o melhor dos mundos - muito mundo - dentro de si).
Ninguém se desviou do tema, que o tema é uma mescla (não será à toa que os brasileiros riem de ventre para cima com a treta do AO-Coiso).»
Da nossa leitora Alexandra G. A propósito deste meu texto.
Arsène Lupin, Ladrão de Casaca, de Maurice Leblanc
Tradução de Hugo Gonçalves
Policial
(edição Leya/Público, 2019)
«Há um perigo na Venezuela», onde um tirano proto-comunista, cabeça de turco de uma ditadura militar, não hesita em mandar atirar contra o povo, condenando-o à doença e à fome, perante a indignação universal.
Universal? Nem tanto. Ainda não li nenhum texto indignado contra Maduro subscrito em conjunto por Freitas do Amaral e Francisco Louçã, semelhante ao que publicaram há dois meses no El País em vigoroso alerta contra Bolsonaro. Quanto à Venezuela, continuam de olhos bem fechados.
Cada vez que vejo na televisão o Maduro a discursar, só me vem à mente esta personagem do Tintin.
Quem gosta de comer com o pé no acelerador deve escolher outro poiso. No Dom Joaquim, hoje o melhor restaurante de Évora, a gastronomia aprecia-se com um ritmo propício à digestão e à verdadeira sabedoria. Que nos manda seguir devagar para chegar longe.
Évora é uma das cidades portuguesas onde mais se honra a excelência das nossas tradições gastronómicas. E o melhor restaurante da bela capital alentejana, que nunca cessa de nos deslumbrar pela sua beleza paisagística e pelo vigor que mantém na defesa do seu rasto cultural, é o Dom Joaquim, inaugurado em 2007 e assim denominado em alusão ao chefe Joaquim Almeida, comandante destas navegações gastronómicas de longo curso. Um restaurante situado dentro das muralhas da cidade, a dois passos do histórico Largo das Alterações, onde em 1637 se produziu o primeiro levantamento popular contra o invasor castelhano, em antecipação da independência que viria a ser recuperada três anos depois.
Honrar os pergaminhos culinários do Alto Alentejo, reabilitando a comida de tacho e forno tantas vezes desprezada nestes tempos em que se come de pé no acelerador e se recorre com exagerada frequência aos congelados, é um dos nobres propósitos desta casa. Quem aqui vem, não espere velocidades: há que saborear bem, no seu devido tempo, cada prato que chega à mesa. Também não espere “cozinha de fusão” nem outras modernices: aqui a prioridade é cultivar os valores ancestrais da gastronomia transtagana. Com uma palavra amável para o cliente, que pode já ser ou vir a tornar-se um amigo: no Alentejo, comer, conversar e conviver são verbos de parentesco muito próximo.
Sugestão a abrir: se quer conseguir lugar, é imprescindível reservar mesa. A sala é espaçosa, além de bem decorada, mas acaba quase sempre por encher.
Coelho à São Cristóvão
Para inaugurar a refeição, recomenda-se ovos mexidos com espargos verdes, cogumelos de coentrada, ovos de codorniz de vinagrete ou coelho à São Cristóvão – sendo este desossado e desfiado após levado a assar, e depois temperado com azeite em abundância, vinagre, alhos picados e coentros.
Migas de espargos com carne de porco
Feitas as apresentações, rumemos aos pratos principais. Se apostar na tradição, não se arrependerá. E aqui tradição rima com sopa de cação. Mas também com arroz de lebre malandrinho, borrego assado no forno com batatinhas a murro, migas de espargos verdes com carne de porco do alguidar. Pode também optar por aquele que para alguns comensais mais regulares se tornou o ex-libris da casa: bochecha de porco assada em vinho tinto acompanhada de puré de maçã. Ou por outra emblemática criação do chefe: almofada de porco preto – uma generosa empada com borrego, leitão, bacalhau ou caça que chega à vontade para duas pessoas.
Se é incapaz de rematar uma refeição sem ceder à tentação da sobremesa, seguem duas sugestões: pudim de água de prata ou bolo de chocolate com aguardente vínica e frutos secos. Além da doçaria mais tradicional da região, nunca aqui com falta de comparência.
Javali estufado
À margem da ementa fixa, aguarde que lhe transmitam as novidades gastronómicas da semana: aqui a rotina não rouba lugar ao imprevisto. No Dom Joaquim, por exemplo, comi o melhor javali estufado que guardo na memória. Regado com um tinto alentejano proveniente da abundante adega da casa. Aconselho o Bojador, que superou com distinção a prova.
Tudo com o requinte prévio da travessa em vez de chegar já empratado da cozinha, contrariando uma péssima tendência agora em voga. Tudo em porções generosas, que convidam à partilha. Porque essa é outra tradição a honrar e preservar neste Alentejo que tem memória.
Restaurante Dom Joaquim
Rua dos Penedos, n.º 6, Évora.
Telefone 266 731 105.
Horário: 12.00-15.00, 19.00-22.45. Encerra aos jantares de domingo e às segundas.
D. João VI (1816-1826)
Autor: ainda por identificar
Ano da inauguração: 2008
Localização: Brasília, nos jardins do Palácio da Imprensa Nacional e do Museu da Imprensa
Alegria para o Fim do Mundo, de Andreia C. Faria
Poesia
(edição Porto Editora, 2019)
Pré-internet, tínhamos a ditadura do microfone. Quem o possuía controlava a comunicação. Na idade da internet o microfone foi democratizado e passámos a ter a ditadura do megafone. Quem grita mais alto vence.
Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana
D. João VI (1816-1826)
Autor: ainda por identificar
Ano da inauguração: 1996
Localização: Rio de Janeiro, bairro do Caju, na antiga Casa de Banho de D. João VI (onde outrora foi uma praia)
Nada mais errado do que incluir o conservadorismo entre as ideologias, com as suas infindáveis terapias de catálogo para os problemas do mundo. Ser conservador é, essencialmente, um estado de espírito. Impulsionado pelo nosso instinto de preservação e alicerçado na convicção de que é inútil dissipar energias na mudança do que funciona bem. Que é quase sempre mais do que parece.
Disto nos fala, com a linguagem requintada e os argumentos esclarecidos a que o autor nos habituou em obras anteriores (como As Vantagens do Pessimismo), o mais recente livro de Roger Scruton disponível no mercado editorial português. Numa linguagem despida de pomposidades académicas, este catedrático britânico que é um dos pensadores mais estimulantes do nosso tempo impele-nos a resistir aos lugares-comuns. Desde logo àqueles que levam os conservadores a terem tão má imprensa.
Razão e emoção
Um conservador é, geralmente, uma pessoa mais aborrecida do que um revolucionário pronto a inaugurar novas eras, indiferente ao cortejo de horrores das revoluções pretéritas. Os arautos da revolução costumam socorrer-se da emoção em defesa dos seus argumentos – e a emoção atrai audiências vibrantes e variadas.
Os conservadores, mais racionais do que emotivos, cultivam a estabilidade, a hierarquia e a tradição. Pessimistas antropológicos, admitem existir uma forte probabilidade de que o futuro venha a ser pior do que o presente, sem acreditarem na progressão linear da aventura humana. Pretendem, portanto, manter o essencial das estruturas políticas e da organização social que já vigoram, rejeitando o grande salto no escuro que para eles sempre representa a ruptura revolucionária.
Nos capítulos iniciais de Como Ser um Conservador, Scruton inspira-se em autores tão diversos como Stefan Zweig ou T. E. Eliot para combater o mito determinista que ainda leva milhões de pessoas a depositar uma fé inabalável no nosso destino histórico rumo ao progresso. Este mito originou os devastadores totalitarismos do século XX impondo uma nova lei da razão prática: «É sempre correcto preservar as coisas quando, em substituição delas, se propõem coisas piores.» (p. 18)
Um conservador tem a noção exacta do seu lugar na sociedade e do seu papel na história – cabe-lhe assegurar, desde logo, uma ligação harmónica entre os traços identitários que lhe couberam em herança e o legado que transmitirá às gerações futuras. Um território, um conjunto de costumes submetidos ao império da lei, um património cultural e linguístico: «O conservadorismo é a filosofia do vínculo afectivo. Estamos ligados a coisas que amamos e desejamos protegê-las da decadência.» (p. 50)
Separar águas
Isto leva um genuíno conservador a separar águas. Em relação aos predadores ambientais, por exemplo. Os valores ecológicos são inerentes à militância conservadora, que figura na primeira linha da defesa do ecossistema e da biodiversidade – não por acaso, “conservationist” é ambientalista em inglês. O étimo da palavra não engana.
Também há diferenças nítidas entre um conservador e um liberal: o primeiro preocupa-se acima de tudo com o valor; o segundo parece mais interessado no culto do cifrão, indiferente à evidência de que tudo quanto é sagrado não tem preço. Tal como existe uma demarcação perante o nacionalismo erigido em ideologia enquanto sucedâneo da religião, procurando nela o que não pode obter – «a finalidade última da vida, o caminho para a redenção e a consolação de todas as mágoas». Subsistem enfim divergências várias face à «grande ilusão socialista de que os pobres só são pobres por os ricos serem ricos» e que é possível «redistribuir recursos» como se estes irrompessem de geração espontânea.
São linhas de demarcação muito úteis para arrumar ideias nesta obra que se assume como um veículo de saudável provocação política e não como um guia pronto-a-pensar. Uma obra por vezes demasiado insistente nas teses eurocépticas que conduziram ao Brexit e que não precisa de ser lida pela ordem cronológica dos capítulos: bastaria aliás o sétimo – desassombrado libelo contra os novos dogmas da correcção política intitulado “A Verdade no Multiculturalismo”, entre as páginas 111 e 127 – para lhe conferir valor intrínseco. O que nada tem a ver com preço.
Casa de Campo, de José Donoso
Tradução de Sofia Castro Rodrigues e Virgílio Tenreiro Viseu
Romance
(edição Cavalo de Ferro, 2.ª ed, 2019)
Paula Fernandes