Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Um dia simbólico para os refugiados

João Pedro Pimenta, 31.12.18

Todos os números demonstram que de ano para ano chegam menos refugiados à Europa. De 2015 em diante, os números são claramente mais baixos. E no entanto ainda são pretexto para discursos inflamados de ódio e publicações em páginas manhosas de autores não identificados nas redes sociais (ou de oportunismos descarados pela barricada adversária, aquela que escreve "refugiados bem vindos, turistas vão-se embora").


Este ano o Prémio Nobel da Paz coube, e muito justamente, a Denis Mukwege, um médico congolês que ao longo dos anos tem tratado milhares de mulheres violadas nas terríveis e quase ignoradas guerras que assolam a região dos Grandes Lagos de África; e Nadia Murad, uma rapariga iraquiana yazidi que se viu escravizada e vítimas das maiores sevícias pelos membros da seita conhecida como "Estado Islâmico", depois de ver a sua família massacrada pelos mesmos, e que conseguiu fugir do seu cativeiro para a Alemanha. Um médico tratando de mulheres refugiadas no seu próprio país (ou dos vizinhos mais pequenos) e uma refugiada vítima de uma das maiores pragas dos últimos anos. A distinção que lhes coube relembra como os refugiados nem sempre são "invasores" nem migrantes económicos, mas sim, na maior parte dos casos - daí o estatuto que detêm - pessoas que fogem da guerra e da morte quase certa, sempre em condições dramáticas e difíceis de suportar para a maioria dos que vivem na Europa ocidental. Por vezes ficam e até se superam. Eles ou os descendentes.

 

Resultado de imagem para nobel peace prize 2018

No mesmo dia do anúncio dos prémios, a 6 de Outubro, decorriam as cerimónias fúnebres de Charles Aznavour, na catedral arménia em Paris, com honras de estado na presença das mais altas figuras de França e da Arménia. Aznavour era uma das grandes figuras da música francesa, um resistente e uma voz que parecia eterna, e também uma das grandes figuras da francofonia. Mas era igualmente filho de refugiados, que como milhares de outros arménios, se refugiaram em França fugidos do genocídio do povo arménio perpetrado pelos turcos durante e depois da I Guerra, designação ainda hoje negada no país. O cantor apoiava a diáspora dos arménios e as suas causas e entrou mesmo em filmes que recordavam a desdita de que foram alvo (em Ararat, por exemplo).

 

Imagem relacionada

 

Assim, no mesmo dia em que o Nobel da Paz era atribuído a refugiados e seus protectores, assistiu-se à despedida de um filho de refugiados que se tornou num dos mais queridos artistas do país que acolheu os seus pais. Uma coincidência feliz e simbólica, que podia e devia ter sido mais realçada.
Um bom ano de 2019 para todos.

Votos de um excelente 2049

Luís Naves, 31.12.18

No actual ciclo político, que agora entra no seu crepúsculo, foram valorizadas as ideias de rebeldia, de mescla e de extravagância. No próximo ciclo, teremos sobretudo tradição, identidade e comunidade. A globalização recuará, pois deixa de ser necessária. Os países atrasados darão saltos gigantescos (e terão problemas por isso) e haverá menor consumo desnecessário de recursos. As pessoas vão provavelmente combater os comportamentos desobedientes, rejeitar a miscelânea, vão torcer o nariz perante pessoas obcecadas com a ostentação da sua riqueza e o que isso implica na destruição do ambiente. Estas mudanças de sociedade ocorrem num mundo pós-digital, que incorporou a linguagem binária em tudo, mas que ainda não sofreu em pleno o impacto da segunda grande vaga das novas tecnologias, que trazem sobretudo a inteligência artificial e a engenharia genética. A combinação das duas é o nosso futuro, que completa uma nova civilização, da qual temos por enquanto apenas vislumbres. Imagine-se uma pequena comunidade de pessoas saudáveis (com longas vidas), onde professores robóticos têm o conhecimento que hoje é exclusivo de universidades de elite; juízes, investigadores de polícia ou administradores públicos (máquinas inteligentes) que não podem ser comprados ou ameaçados por interesses especiais ou pela delinquência; modelos de cirurgiões e chefes de cozinha capazes das maiores proezas nas suas áreas, algo que hoje só encontramos em grandes cidades. As elites deixarão de o ser, vivendo como os outros cidadãos, e a excelência ficará ao alcance da mais pequena, insignificante comunidade, entretanto tornada auto-suficiente. Sim, é possível que nos próximos 30 anos se produza esta revolução: as pessoas comuns terão imenso tempo livre e qualidade de vida, acedendo à melhor instrução possível. Estas ambições, hoje exclusivas de uma fina camada de gente, dos ricos que frequentaram as melhores escolas e têm os melhores hospitais, estarão ao alcance do zé-ninguém da aldeia. As cidades vão diminuir de tamanho e vamos regressar às cidades médias, às vilas, aos campos.

Entre os mais comentados

Pedro Correia, 31.12.18

Em 21 destaques feitos pelo Sapo em Dezembro, entre segunda e sexta-feira, para assinalar os dez blogues nesses dias mais comentados nesta plataforma, o DELITO DE OPINIÃO recebeu 15 menções ao longo do mês. Incluindo cinco textos na primeira posição.

 

Os textos foram estes, por ordem cronológica:

Leitura recomendada (32 comentários)

"Tu tens cara de ser rico" (32 comentários)

A China e o país inibido (47 comentários)

Os comunocapitalistas (32 comentários)

Estátuas dos nossos reis (104) (216 comentários, o mais comentado do dia)

Pensamento da semana (160 comentários, o mais comentado do dia)

Só eu me espantarei? (66 comentários, o mais comentado do dia)

Marcelo (18 comentários)

Quem não tem cão caça com PAN (80 comentários, o mais comentado do dia)

Belles toujours (40 comentários, terceiro mais comentado do dia)

DELITO: blogue político do ano (46 comentários, terceiro mais comentado)

Ficar bem na fotografia (17 comentários)

Grandes romances (25) (56 comentários, o mais comentado do dia)

Jingle Bells (40 comentários)

Expressamente (30 comentários)

 

Com um total de  942 comentários  nestes postais. Da autoria do JPT, da Ana Vidal e de mim próprio.

Fica o nosso agradecimento aos leitores que nos dão a honra de visitar e comentar. E, naturalmente, também aos responsáveis do Sapo por esta iniciativa.

1 milhão e 174 mil visualizações

Pedro Correia, 31.12.18

Despedimo-nos de 2018 com números bem expressivos: este ano recebemos 562.160 visitas e registámos 1.174.860 visualizações. Estatísticas que confirmam o DELITO DE OPINIÃO como um dos mais visitados, mais lidos e mais populares blogues portugueses. Mantendo uma linha bem definida desde o primeiro dia, está quase a fazer dez anos.

A todos os leitores que nos procuram e comentam, e em nome da tribo "delituosa", aqui ficam os nossos agradecimentos.

Leituras

Pedro Correia, 30.12.18

2014_visitante_2048x2048[1].jpg

 

«A vida tem um único significado: há que saboreá-la enquanto dura e tirar dela o maior partido, já que a morte mora em nós desde que nascemos.»

B. Traven, O Visitante da Noite & Outros Contosp. 49

Ed. Antígona, Lisboa, 2014. Tradução de Manuela Gomes

Blogue da Semana

Diogo Noivo, 30.12.18

A escolha desta semana é criticável. Pode ser vista como uma expressão de compadrio e de endogamia bloguística. O que não pode é ser criticada por falta de qualidade ou de relevância. Tudo isto para dizer que a escolha desta semana recai sobre o blogue O Diplomata, do nosso Alexandre Guerra.

Há anos que a política internacional é um parente pobre – quando não esconjurado – da informação em Portugal. Sem surpresa, o debate sobre assuntos internacionais no nosso país é fraco, episódico e destituído de enquadramento (excepção feita ao trabalho de uns poucos analistas notáveis, como Miguel Monjardino). N’O Diplomata, o Alexandre anda em sentido contrário, trazendo para a blogosfera temas, análises e pontos de vista que quase nunca têm espaço condigno na programação noticiosa, razões mais do que suficientes para ser nomeado  blogue da semana.

Uma ténue linha

Sérgio de Almeida Correia, 29.12.18

IMG_20180929_180333.jpg

Estava tudo preparado. Era inadiável e teria de ser nesta altura ainda que tal ocorresse num momento em que estaria desacompanhado.

Ciente do relativo baixo grau de dificuldade da intervenção, confiando nas mãos de quem  há muito conquistara pelo seu mérito a “outorga do direito de mexer no corpo e na alma dos outros”, como há dias dizia numa belíssima entrevista o Prof. José Fragata, encarei o que me estava destinado sem qualquer apreensão.

Quando já depois de preparado para o ritual me vieram medir a pressão arterial e a frequência cardíaca, esta última espantando a simpática enfermeira, desconhecedora da minha condição física e do treino a que disciplinadamente me entrego, quando vislumbrou os 49 que a maquineta registava, estava convicto de que iria correr bem e certo de que dentro em pouco estaria tudo terminado. Pura rotina, portanto.

No bloco operatório, ainda antes de partir durante algumas horas para outras paragens, tive oportunidade de registar a boa disposição dos que me rodeavam e com eles trocar algumas palavras para logo me perder na distância das luzes do tecto.

Tudo terminado, rodeado pela eficiência e profissionalismo com que as coisas haviam começado, voltei a mim, sentindo desde logo o desconfortável despertar da anestesia e a impossibilidade de respirar normalmente, pressentindo aquela desagradável sensação de aperto na bexiga que eu sabia que me iria incomodar ainda durante algumas horas.

Obtida a alta e iniciado um curto período de descanso e recuperação até à primeira consulta, confirmava-se o sucesso da cirurgia e um lento regresso à normalidade, pese embora sentisse ainda a garganta muito dorida.

Recebidas as recomendações para os dias seguintes, até que me voltasse a apresentar numa segunda consulta, regressei a casa e procurei seguir à risca o que me fora dito.

Nessa noite não consegui evitar dois espirros, a que se seguiu um terceiro na manhã seguinte quando fazia as necessárias abluções à zona que fora mexida.

De repente, no meio desse ritual, sinto algo desprender-se do meu nariz. Vindo do seu interior, no que de início pensei ser alguma crosta, coágulo ou qualquer secreção que se libertava no pós-operatório, saiu uma pequena placa com a forma de uma vela, aí com uns seis centímetros por dois na sua parte mais larga.

Confesso que nesse momento fiquei em pânico perante a perspectiva de com os espirros e as lavagens ter dado cabo do trabalho que dias antes tão minuciosamente havia sido feito.

Sozinho, sem saber o que fazer, visto que também era impossível recolocar a placa onde estava, tentei contactar com o meu médico. Nada feito, tinha-se ausentado. Enviei um e-mail . Na volta só recebi silêncio.

Resolvi então pegar no telefone e falei com alguém no hospital onde estivera. Queria contactar o homem que me operara. Passados alguns minutos fui esclarecido de que essa tentativa se revelara igualmente infrutífera. Estava incontactável. A solução seria eu deslocar-me até às urgências do hospital onde estivera internado para que um otorrino pudesse avaliar a situação e aconselhar-me o que necessário fosse.

A proposta era inviável. Eu estava a mais de trezentos quilómetros e não iria fazer de novo esse percurso de regresso ao local de onde saíra dias antes no estado ainda dorido e debilitado em que me encontrava.

Entretanto, falei com a outra metade de mim, que sabendo das minhas preocupações e do, muitas vezes, excesso de previdência com que rejo a minha vida para evitar correr riscos desnecessários, me aconselhou a que não fosse piegas. “Se não te dói nada, se te sentes bem, para que vais tu outra vez para o hospital incomodar as pessoas? Vais à consulta de dia 27 e vais ver que não é nada”, ouvi do outro lado da linha.

Passados alguns minutos recebo uma chamada telefónica. Era do hospital. Aconselhavam-me a ir à urgência mais próxima de minha casa. Agradeci a sugestão, fiquei a matutar.

Vesti-me devagar, desprezando, por cautela e receio do que mais pudesse suceder, movimentos bruscos. Embrulhei a placa num lenço de papel, procurei as chaves do carro e meti-me ao caminho. Pouco convencido, mais por descargo de consciência do que por convicção ou impulso de necessidade.

De facto, nada me doía. E também não me sentia pior do que antes daquele momento em que a placa fora expelida pelo meu organismo. Aparentemente estava tudo bem. Mas eu precisava de alguém que me tranquilizasse, que me garantisse que não teria, inadvertidamente, feito asneira. Sofria só de pensar na perspectiva de ter acabado de estragar um trabalho bem feito. E caro.

Uma médica jovem e interessada recebeu-me prontamente nas urgências. Consciente do melindre da situação logo após o meu relato inicial, disse-me que iria chamar um especialista. Este não estava ali de momento mas havia sempre um preparado para acudir a alguma situação mais grave. Que aguardasse um pouco e já me diria alguma coisa. Momentos volvidos teve o cuidado de vir ter comigo e de me dizer que já tinha falado com quem me iria ver, alguém cujo nome eu sabia ser de um dos melhores, e que bastaria aguardar mais alguns minutos para estar a ser observado.

Enquanto esperava fui pensando em mil e uma coisas. No aborrecido que era estar a incomodar alguém numa altura em que todos, reunidos em família e ansiosos com a hora de abrir os embrulhos, estão mais preocupados com o bacalhau e o peru do que com a sorte dos outros, tanto mais que corria o sério risco daquele episódio ser perfeitamente normal e de estar ali prestes a fazer figura de medroso, servindo como motivo para todos se rirem e gozarem com a minha excessiva preocupação perante situações que à generalidade das pessoas só exigem calma, paciência e pensamentos positivos.

É aquele senhor, esclarecia a médica que antes me recebera enquanto acompanhava o sujeito que acabava de chegar e que eu reconhecera ser, pelas fotografias que vira, o Prof. X. Devia ter menos de sessenta anos. Provavelmente da minha idade, mais coisa menos coisa, embora parecesse mais envelhecido e com os brancos que eu não tenho.

— Então o que é se passa?, perguntou enquanto me cumprimentava. Foi o Y que o operou?

Relatei-lhe a minha inesperada aventura, mostrei-lhe a placa que logo me assegurou ser de silicone. Sem me deixar terminar perguntou-me pela garganta. Não lhe dói nada? Não, está só dorida. Então e a outra? A outra, balbuciei. Não sei de nada, não saiu mais nada. Sente-se aí, ordenou-me, temos de ver onde ela está.

Com o poderoso foco à frente dos meus olhos, enquanto o Prof. X ia mexendo nos instrumentos, percebi que havia ali alguma preocupação. Baixei as pálpebras, passaram mais uns longos segundos; por fim ouvi um “já localizei”. Menos mal. “Vamos ver se consigo lá chegar, mas para isso preciso de um mais comprido, para ir buscá-la”.

Quando me apercebi de que “a outra” também tinha saído fiquei mais aliviado. Respirei fundo. Já está safo, disse o Prof. X. Depois, na quinta-feira, quando for à consulta diga ao Y o que aconteceu. Os pontos cederam. Deve ter feito muita força. Já pode deitar isso fora. Fez bem em ter cá vindo porque logo à noite, quando se deitasse, sufocava. Não lhe doía, não o incomodava, não deu por nada...

Naquele momento percebi a sorte que no meio de tudo me acompanhara. Uma ténue linha separou o sucesso da tragédia. Uma linha invisível, incontrolável, que podia ter transformado uma intervenção bem sucedida numa inacreditável sucessão de azares com todos os ingredientes para terminar da pior forma nas primeiras horas de um Dia de Natal.

Paguei a minha visita e saí. Circulei então pela cidade, até acabar por estacionar junto a um centro comercial. Deambulei por ali olhando para os outros, vendo-os passar apressados com os sacos coloridos das últimas compras de Natal. E pensei na injustiça que seria se tudo tivesse terminado de outra forma. Para quem me operou, para quem contribuiu para que tudo corresse bem e tivesse um final feliz. Como nos filmes habituais da quadra.

Aos poucos revi mentalmente o filme dos acontecimentos. Libertei-me daqueles momentos de incerteza e da forma tão pouco convicta como me fizera à estrada.

Terminados estes dias, cinco anos passados sobre a última vez que estivera em casa pelo Natal, senti que havia sido brindado por uma espécie de taluda invisível. De cujo verdadeiro valor praticamente ninguém se apercebeu. A não ser o Prof. X naquele instante em que segurou a ponta e a puxou. Hoje o meu rosto será igual ao de ontem, conterá os mesmos sulcos e as dúvidas e incertezas de sempre. Condescendo que um dia assumirão outras formas para eventualmente se repetirem noutras circunstâncias. Quem sabe se noutros lugares. Talvez até com outros como eu. Tudo isso é possível.

De uma coisa, porém, fiquei mais seguro. Morrer só se morre uma vez. Nascer pode acontecer repetidas vezes numa única e simples vida. Basta uma ténue linha. Não é preciso sequer vê-la. Há quem lhe chame sorte. O nome é irrelevante. A diferença é que desta vez vi-a. Senti-a. Sem dor, sem aviso prévio. E houve alguém que comigo a viu, e me disse, para que eu pudesse aqui contá-lo. O que não me fazendo mais feliz do que era antes ainda assim pode ser descrito. Como se fora um conto e nunca tivesse acontecido.

A vida é uma ténue linha. Irrepetível. Por isso é tão importante aprender a vivê-la. E reaprendê-lo tantas vezes quantas as necessárias para que continue a fazer sentido percorrê-la. Com sentido. Com a consciência de que ela existe. E de seguir a linha, essa ténue linha, diariamente. Sabendo por onde se vai, por vezes sem apercebê-lo, ao sabor dela.

Seguindo-a, seguindo-a, seguindo-a, silenciosamente, sem pressas, até que desapareça na linha do horizonte. Quando a noite cair. E os nossos olhos se voltarem a fechar. Numa ténue linha.

Um Bom Ano para todos vós.

Pág. 1/9