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Delito de Opinião

Um desporto francês

João Pedro Pimenta, 30.11.18

 

Muita gente fica admirada com a violência das manifestações dos "Coletes Amarelos" em França, como se fosse um fenómeno raro por aqueles lados. O caso é sério, mas não é exactamente o Maio de 68 e menos ainda a Revolução Francesa. Manifestar-se com certa agressividade é uma velha tradição no hexágono: desde a Jacquerie da Idade Média, continuando com a Fronda, a Comuna, e claro, as referidas Revolução Francesa, que realmente mudou o país, e o Maio de 68, e muitíssimas outras pelo meio, é quase um desporto nacional, ao lado do ciclismo e do futebol.


Aí em meados da década passada assisti a uma manifestação bem no centro de Paris., perto da Ópera Garnier Eram bombeiros, com umas exigências quaisquer. Vinham de uniforme, capacete, e em alguns casos de machado em punho. A impedir a sua marcha, barreiras policiais e camiões de água. Quando se lançaram os jactos de água actuaram e conseguiram travá-los por uns momentos. Mas logo os bombeiros voltaram à carga e aí a polícia não esteve com meias medidas e usou o gás lacrimogêneo. Eu andava a fotografar os acontecimentos e apanhei em pleno com aquilo. Garanto-lhes que a experiência não é nada aconselhável. Refugiado no átrio de um edifício vizinho, a lavar a cara num bebedouro que julguei na altura oportuno (pior a emenda que o soneto), junto a uns japoneses atemorizados, ouvia ao lado um veterano com ligeiro ar tardo-anarquista, desdenhoso: "isto não é nada, jeunne homme. Eu estive no Maio de 68, e aí é que era".

Os jornais do dia seguinte deram umas breves notícias ao acontecimento. Era mais um entre tantos outros semelhantes.

PS: deculpem-me a qualidade das fotografias, mas o scanner não conseguiu melhor.

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Leitura recomendada

Pedro Correia, 30.11.18

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A peça de capa da edição desta semana da revista Sábado, que nos traz uma surpreendente revelação pela pena de Maria Henrique Espada: os milhões gastos pelo Governo de Salazar para promover a imagem de Portugal nos EUA, nas décadas de 50 e 60. Vários jornais aceitaram de bom grado este bónus financeiro, começando pelo New York Times

 

A excelente entrevista do nosso Adolfo - apresentado como "carismático vice-presidente do CDS" - ao diário espanhol El Mundo. Começando pelo título: «No podemos ceder ante proyectos que mitigan la libertad». Eis outra frase que merece destaque: «Não gosto do identitarismo da esquerda populista nem do contra-identitarismo da direita populista.»

Virar a página da austeridade (II)

Diogo Noivo, 30.11.18

Já o referi aqui: ferrovia num caos sem precedentes, degradação das condições de segurança interna a um nível do qual não há memória no período democrático, hospitais a viver uma época especialmente penosa, e a maior carga fiscal dos últimos 22 anos. Ficámos hoje a saber que, por ordem do Governo, os alunos com maiores dificuldades económicas só receberão metade das bolsas de mérito que deveriam ser entregues no 1º período. Ainda bem que virámos a página da austeridade e que o “muro” já não existe.

Códigos

Pedro Correia, 30.11.18

Vou ao balcão da pastelaria, peço para me embrulharem um croissant misto (sem manteiga) e um sumo. 

O empregado pergunta:

- Quer palhinha?

Detesto palhinhas. Respondo:

- Não. Palhinha está no Braga.

Ele ri, percebendo de imediato o trocadilho. Saio do estabelecimento a pensar como seria mais cinzento e baço o nosso quotidiano sem estes pequenos códigos de comunicação que tanto nos ajudam a colorir os dias.

Sem ética de responsabilidade

Pedro Correia, 29.11.18

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Faz hoje dez dias, um troço de cerca de 100 metros de uma estrada confiada à guarda das entidades públicas - neste caso, a Câmara Municipal de Borba, sob a vistoria e supervisão da Direcção-Geral de Energia e Geologia e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes - abateu tragicamente, sobre uma ravina de cerca de 80 metros que tinha sido cavada, junto a ambas as bermas, por empresas extractoras de mármore. O acidente - se é que podemos chamar-lhe assim - provocou a morte de cinco pessoas. Por mera sorte, não se registaram mais vítimas mortais: o abatimento ocorreu ainda sob luz solar e num momento de trânsito reduzido nesta via que ligava Borba a Vila Viçosa e onde costumavam circular autocarros escolares, entre muitos outros veículos. Até o cortejo da volta a Portugal em bicicleta ali passara dois meses antes.

Repito: decorreram dez dias. E, uma vez mais, ninguém se demitiu: todos continuam firmes nos seus postos. Apesar de haver sucessivos alertas, que remontam a 2002, de especialistas pertencentes a entidades como o Instituto Superior Técnico ou a Universidade de Évora a alertarem para os graves danos ali gerados por eventuais deslizamentos de terras, potenciados em situações de chuva contínua. Já em 2006 o Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação classificara o local como zona de "alto risco".

Tal como em Pedrógão, quando só outra devastadora série de fogos florestais, quatro meses depois, conseguiu desalojar a ministra Constança. Tal como em Tancos, onde o ministro Azeredo demorou mais de um ano a extrair consequências políticas do furto ali ocorrido e que ainda permanece por esclarecer na totalidade. É um padrão na nossa administração pública: a ética da responsabilidade rumou a parte incerta.

Jornalismo e cidadania

Alexandre Guerra, 28.11.18

O jornalismo confronta-se com novos fenómenos de erosão que o empurram por caminhos tortuosos. Os cidadãos das sociedades livres e democráticas, com menos tempo e paciência para se dedicaram a grandes exercícios de leitura jornalística e reflexão, vão encontrando novos focos de “distracção”, inspirando-se em fontes pouco credíveis para construir as suas percepções sobre quem os governa e administra a polis. Aos preconceitos e ódios, inerentes à própria natureza humana, junta-se a instrumentalização dos títulos noticiosos enviesados que se propagam nas redes sociais – sem que alguém tenha uma verdadeira preocupação de ler o seu conteúdo –, os tweets incendiários, os posts populistas e demagógicos, as imagens adulteradas e as tão badaladas fake news. Tudo isto ajuda a sedimentar essas percepções nefastas que se vão metamorfoseando em falsas realidades e narrativas alternativas, onde tudo vale (ou nada vale). Cada qual constrói uma espécie de play list de soundbites de acordo com as suas crenças e convicções.

 

A comunicação é hoje um processo perverso, em que uma evidência objectiva, como dois mais dois serem quatro, se tornou num exercício criativo, dando lugar a inúmeras “realidades” fantasiosas, tantas aquelas em que cada um quer acreditar. No fundo, é uma questão de crença e não de aceitação da realidade como ela, efectivamente, é. Se antigamente as notícias eram referenciais de verdade, hoje, aos olhos das pessoas, o jornalismo perdeu muita da força que tinha para impor na comunidade a versão impoluta dos factos e acontecimentos.

 

Na visão mais pessimista, o jornalismo deixou de ter capacidade para se sobrepor ao ruído das “redes”, porque, infelizmente, e devido a vários factores, deixou-se fragilizar, descredibilizar e, especialmente em Portugal, acantonou-se num círculo vicioso de elites e gabinetes. Passe o exagero, diz-nos a experiência empírica mais recente que o jornalismo deixou de ter o poder para fazer cair ministros quando surge a “cacha” com evidências cabais de uma violação do “contrato social” firmado entre o governante e o governado. E isso é muito preocupante.

 

O definhar do jornalismo não pode ser única e exclusivamente imputado às contingências económicas e ao desinteresse das chamadas “massas”, por terem deixado de consumir hard news provenientes de fontes válidas. Há inúmeras responsabilidades que são partilhadas pelos profissionais do jornalismo: seja quando são os próprios meios de informação tradicionais a importar para as suas agendas e editorias o tom displicente da “conversa de café” e o registo incendiário das redes sociais; seja quando são os comentadores e opinion makers, que têm responsabilidades cívicas muito importantes junto da opinião pública, a ignorarem a natureza intrínseca das coisas, para porem em prática agendas próprias ou para assumirem o papel de activistas ou pregadores da moral.

 

Paradoxalmente, nunca se consumiram tantos conteúdos como agora, mas sabemos que os meios noticiosos mainstream vão perdendo o seu público, a sua influência junto da comunidade. A cada dia que passa fica-se com a sensação de que o jornalismo vai morrendo um pouco. Vai abdicando dos seus princípios e valores, vai violando o seu código deontológico e vai delapidando o seu capital de instituição de referência na sociedade.

 

Como em todas as profissões, há bons e maus jornalistas, há uns que se deixaram cegar pela arrogância dos tempos gloriosos, outros que se acomodaram na secretária, há ainda outros que se esqueceram do que é ser jornalista e foram consumidos pelo seu ego. Porém, a maioria dos jornalistas, de forma séria e profissional, fazem o seu trabalho em prol do bem comum, muitas vezes enfrentando inúmeras contrariedades, algumas delas vindas das suas próprias estruturas empregadoras.

 

Nutro o maior respeito e gosto pelo jornalismo, já que cresci nesse ambiente, ainda no tempo das máquinas de escrever. Lembro-me de quando era criança, nos anos 80, depois de o jornal estar “fechado” madrugada adentro, ir com o meu pai, jornalista desportivo desde sempre, ver se estava tudo bem com a impressão nas rotativas da gráfica que havia em frente à Escola de Música do Conservatório Nacional, no Bairro Alto. Já o meu avô tinha sido tipógrafo no Diário Popular (na verdade, linotipista). Como não podia deixar de ser, após ter concluído a universidade, comecei a minha carreira profissional precisamente como jornalista na secção de política internacional, onde estive durante alguns anos, tendo depois transitado para a área da consultoria de comunicação, na qual me mantenho desde então.

 

Por interesse pessoal, mas também por motivos profissionais, gosto de acompanhar os debates que se fazem lá fora (cá dentro, menos) sobre o futuro do jornalismo. Contacto quase diariamente com jornalistas e, sempre que se proporciona, gosto de trocar ideias sobre o estado da profissão em Portugal e no mundo. Na generalidade dos casos, percebe-se que existe, da parte dos seus profissionais, a consciência dos problemas e da deriva editorial que se verifica genericamente nos meios de comunicação social. Constata-se que existe a vontade de encontrar um caminho sólido, que devolva a essência primária ao jornalismo, mas ao mesmo tempo, sente-se uma espécie de resignação perante uma tendência que parece imparável.

 

Sobre o jornalismo pairam ameaças, incertezas e indefinições, não apenas a propósito do modelo de sustentabilidade económica, mas no âmbito da sua própria essência e papel fulcral na defesa da democracia. Ora, um exercício pleno de cidadania deve estar assente nos direitos políticos, sociais e cívicos de cada cidadão, o que pressupõe duas coisas: conhecimento da realidade que nos rodeia e escrutínio a quem exerce o poder.

 

Que ninguém se iluda, o declínio do jornalismo é também o declínio da cidadania e da democracia. É por esta razão que, na minha opinião, são indignos da confiança do Povo aqueles que vêem no jornalismo uma ameaça aos seus projectos de poder e de “governance”. Além disso, são tolos e irresponsáveis os que acham que o jornalismo pode ser substituído pelas “verdades absolutas” que emanam das redes sociais. É importante nunca esquecer que uma sociedade democraticamente saudável e forte exige como requisito obrigatório um jornalismo virtuoso e de referência.

 

Texto publicado hoje no Público.

O Raposão, com a ministra no México

jpt, 27.11.18

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(Teodorico e Alpedrinha por Rui Campos Matos)

 

Foi-se a ministra, orgulhosamente lesbiana, a Guadalajara, decerto que com adido à ilharga – mas não a Cuernavaca com o necessário Cônsul, estou disso certo – e por lá resmungou algo, sobranceira a portugueses, Portugal e seus jornalistas e jornaleiros. Entretanto, cá longe, noutro “lá fora”, ando eu a reler, 35 anos depois, o “Relíquia”. Eça não é, diz quem sabe, o Zola, o Balzac, muito menos o Flaubert, mas é o que temos, e ainda que me solavanque o encanto – tetrali o “Os Maias” por causa do filme de João Botelho, e disso me apercebi, já nada adolescente ou vinteanista, franzindo o meu cenho ao traço grosso da caricatura que escorrega daquele Ega – continua uma delícia.

 

Enfim, perorava a ministra lá em Guadalajara quando o Raposão, o bom do Teodorico, me aportou a Alexandria, naquela sua ímpia, pois humana, peregrinação à então Terra Santa. Logo se acolheu ao afamado e recomendado “Hotel das Pirâmides”, deparando-se com um patrício (onde é que não há um português?), “moço de bagagens e triste“, ali algo desvalido dados os infortúnios de amores e impensares, o Alpedrinha, figura ímpar do panteão queiroziano, mais que não seja por aquela sua sábia e monumental saída, que em mim habitava sem lhe recordar a autoria (“Tu já estiveste em Jerusálem, Alpedrinha?“, perguntou-lhe o Teodorico, “Não senhor, mas sei … Pior que Braga, algo que talvez tenha acicatado aquele Luiz Pacheco). Chegava-se pois, no mesmo fim-de-semana da ministra no México, o bom do Teodorico às terras da Esfinge e, lá de tão longe, responde à sáfica governante: “E se o cavalheiro trouxesse por aí algum jornal da nossa Lisboa, eu gostava de saber como vai a política.”, atreveu-se o Alpedrinha. “Concedi-lhe generosamente todos os “Jornais de Notícias” que embrulhavam os meus botins“, logo concedeu o malandrote.

Isto nem em Cuernavaca lá iria. Quanto mais em Guadalajara.

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