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Delito de Opinião

Adeus Camões, olá "camones"

Pedro Correia, 31.05.18

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As farmácias devem ser um excelente negócio. Só perto da minha casa, na Avenida da Igreja, há seis. Uma delas, mais modernaça, deixou agora de chamar-se farmácia. Fez obras para «modernizar as instalações» e ressurgiu baptizada como chemist store - assim mesmo à "amaricana", como se em vez de Lisboa estivéssemos em Seattle, Portland, Omaha ou Minneapolis.

Sinal dos tempos: eis o nosso idioma em recuo acelerado nos mais diversos tabuleiros, com a anuência generalizada das entidades públicas, a bocejante indiferença dos nossos putativos "agentes culturais" e o aplauso contentinho dos basbaques que imaginam podermos atrair "resmas de turistas" cá para o torrão se substituirmos a língua materna de Vieira, Eça e Pessoa pelo esforçado vernáculo do senhor Trump.

O estúpido "acordo ortográfico" já tinha funcionado como sinal de alerta: o português necessita de cuidados intensivos. Não apenas na versão escrita, com a abertura da época de caça às supostas consoantes mudas, mas na própria oralidade, com a progressiva atonalidade de sílabas e a contínua condenação das vogais abertas à reforma antecipada. Agora somos colonizados culturalmente pelos "camones". Cada vez mais longe de Camões.

Receio que isto já não se cure com uma simples ida à farmácia.

Hoje nem vimos a fuça do Hitler

Pedro Correia, 30.05.18

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A chanceler alemã está novamente de visita a Portugal.

Quase seis anos depois.

Esclareçam-me, por favor: houve hoje alguma manifestação anti-Merkel promovida pela "verdadeira esquerda", comícios com o Francisco Louçã a chamar-lhe "assaltante", manifestações de rua, acampamentos de protesto junto ao Palácio de Belém, cartazes com a fuça do Hitler e exaustivas transmissões em directo na SIC Notícias?

É que, se houve, eu não notei nada. Posso ter estado muito distraído, mas pareceu-me um dia calmíssimo. O Diário de Notícias até trouxe em destaque esta reconfortante manchete: «Empresas alemãs já são o maior empregador em Portugal despois do Estado».

Em Novembro de 2012, na anterior deslocação oficial da líder alemã a Portugal, foi tudo bem diferente. Mudam-se os tempos, acabam os protestos.

Ganhar projectos na compra

Teresa Ribeiro, 30.05.18

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“Os projectos ganham-se na compra, não na venda” – em poucos dias ouvi esta frase, que pelos vistos se tornou chavão, duas vezes. Foi proferida por pessoas distintas. No primeiro caso tratava-se do gestor de uma grande empresa e no segundo de um empresário por conta própria relativamente bem-sucedido. A frase não me era destinada. Na primeira ocasião foi dirigida na minha presença a um jovem empreendedor e num segundo momento ouvi-a a ser debitada numa conversa entre amigos. A expressão é eufemística e significa que o dinheiro ganha-se na fase de concepção do projecto que se quer vender, embaratecendo-o o mais possível, por forma a poder assegurar uma margem de lucro interessante quando se proceder à sua venda. Esmiuçando ainda mais, o que isto quer dizer é que havendo gente implicada na concepção de projectos, para que um empresário ganhe dinheiro é necessário que não tenha escrúpulos em pagar o menos possível à sua equipa.

Usando uma expressão da moda para comentar um pensamento da moda, este é agora o “paradigma” do sucesso empresarial: aproveitar o estado do mercado de trabalho como uma oportunidade para pagar o mínimo aos seus “colaboradores”. É uma regra que está a ser seguida por todos, do pequeno empresário, aos gestores de topo. Se no primeiro caso se percebe a necessidade de contenção financeira, no segundo revela simplesmente um oportunismo do mais rasteiro para nivelar salários por baixo.

Dir-me-ão que é a lei da oferta e da procura a funcionar, mas o argumento cai por terra facilmente. Recentemente um dos responsáveis do Grupo Manpower Portugal disse-me em entrevista que mesmo para contratar profissionais que escasseiam no mercado, os seus clientes procuram baixar a fasquia salarial até ao limite do aceitável e quando recebem negas dos candidatos ainda se ofendem.

A verdade é que a crise criou uma casta de predadores que está a ser responsável pela crescente amoralidade das relações de trabalho, em que se exige tudo (habilitações elevadas, conhecimento de línguas, disponibilidade total) a troco de quase nada.

Soube agora que os enfermeiros de um dos maiores grupos de saúde em Portugal receberam por carta a informação de que vão deixar de receber horas extraordinárias relativas a serviço nocturno e de fins-de-semana. É ilegal, mas faz-se. Também sei, de fonte segura, que em medicina veterinária o pagamento de horas extraordinárias é uma miragem e que há casos em que até as folgas são negadas (nas semanas em que existem feriados). Ilegal, mas faz-se. A lista de casos, em quase todas as áreas, é infindável.

Estamos no clube dos ricos por um capricho da geografia, porque às nossas elites sempre lhes fugiu o pé para esta mediocridade, que vive da exploração mais mesquinha. Portugal apresenta uma das maiores diferenças entre ricos e pobres à escala europeia. Esta típica marca de subdesenvolvimento diz tudo sobre nós.

Na Feira do Livro de Lisboa

Pedro Correia, 30.05.18

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Tinha prometido dar a notícia. Aqui fica, a pedido de vários leitores do blogue: o nosso livro DELITO DE OPINIÃO está já distribuído nas diversas livrarias dos grupos Bertrand, Leya, Almedina e El Corte Inglés. Podendo igualmente ser adquirido num largo número de pequenas livrarias espalhadas pelo País.

A nossa colectânea está igualmente disponível na Feira do Livro de Lisboa, nada menos do que em três pavilhões: D66, D68 e D70. E também irá ao Porto. Em devido tempo darei mais pormenores.

Quem deu a táctica ao PSD

Pedro Correia, 30.05.18

«Como cidadão, sem responsabilidades políticas, o que posso fazer para manifestar a minha discordância é fazer uso do meu direito ao voto contra aquelas que votarem a favor da eutanásia. Nas eleições legislativas de 2019 não votar nos partidos que apoiarem a legalização da eutanásia e procurar explicar àqueles que me são próximos para fazer a mesma coisa.»

Cavaco Silva, à Rádio Renascença (25 de Maio)

 

«Não é difícil concluir que nem a eutanásia se pode confundir com o suicídio assistido, nem a elevação deste à categoria de instrumento legal, admitido socialmente para lidar com a dor, em qualquer dos seus superlativos, pudesse ser tomado como “natural” e razoável. Vai uma distância grande entre constatar a existência do suicídio como resultado de uma escolha sempre problemática, e que nos choca, e a sua celebração legal como forma razoável de lidar com as situações difíceis da vida.»

Pedro Passos Coelho, ao Observador (26 de Maio)

 

«O não faz sentido nenhum, neste momento, aprovar mais uma medida legislativa das chamadas questões fracturantes, depois de várias outras que a Assembleia da República já decidiu nesta legislatura e com esta maioria parlamentar, sem que os eleitores tivessem sido avisados para o efeito. Não tem nexo que seja o PSD, por causa da liberdade de voto, a viabilizar o cumprimento de mais um ponto do acordo entre o PS e o Bloco de Esquerda.»

Pedro Santana Lopes, ao Expresso (26 de Maio)

 

«Lamento um pouco notar que, relativamente aos movimentos e às pessoas que defendem o não, há um excesso na pressão sobre os do sim.»

Rui Rio, aos jornalistas, citado pela Lusa (25 de Maio)

A votação da eutanásia.

Luís Menezes Leitão, 30.05.18

Rui Rio começa a ter um problema semelhante ao que Freitas do Amaral teve no CDS. Este não gostava do eleitorado que tinha e em consequência esse eleitorado deixou de se rever nele. Com excepção dos líricos do costume, os deputados do PSD demonstraram na votação da eutanásia saber perfeitamente quem são os seus eleitores. O PCP, para escândalo geral da esquerda folclórica, também há muito o percebeu.

"As coisas são como são"

João Villalobos, 29.05.18

Como costuma dizer-se; "É a vida". Existiram posições públicas de parte a parte, existiu uma votação nominal escrutinável d@s deputad@s dos diferentes partidos e o resultado foi, democraticamente, o que foi. A história parlamentar ensina-nos que as causas chamadas fracturantes surgem e regressam, com resultados diferentes, ao longo do designado processo histórico. Saber respeitar as decisões e nem por isso deixar de lutar por aquilo que entendemos poder ter sido - ou possa vir a ser - uma decisão diferente, é a base do nosso modelo constitucional. Dito isto, e por enquanto, o senhor presidente da República já ficou sem mais uma razão para dor de cabeça. "As coisas são como são", escrevia em jeito de assinatura Victor Cunha Rego. Convém relê-lo, nestas como em outras alturas.

Da inutilidade do voto

Luís Naves, 29.05.18

No domingo, ao passar pela feira do livro, sentei-me na praça laranja onde se falava de uma obra sobre a política europeia. Alguém do público fez uma pergunta sobre a situação na Hungria e na Polónia e a eurodeputada socialista Ana Gomes começou a debitar umas vacuidades sobre o tema, com erros factuais. Estava a ouvir aquilo e perdi a cabeça, comecei a dizer em voz alta «isso não é assim», «dê exemplos», mas eu é que fiz figura de urso. No final, quando me aproximei da senhora, para lhe explicar o que pensava ser o seu erro, ela enfrentou-me com olhar vazio, a repetir uma banalidade, como quem dizia: «não te quero ouvir». Aquele foi um pequeno gesto da política contemporânea: as opiniões dos eleitores só são úteis se coincidirem com a ortodoxia, se estiverem na linha justa, se confirmarem as opiniões oficiais. Quem não concordar, pertence à desordem e, naturalmente, desisti de tentar debater o assunto. Há um partido húngaro que ganhou as últimas três eleições legislativas (mais as europeias e regionais) e a interpretação habitual não consegue explicar o fenómeno, mas uma eurodeputada com responsabilidades europeias não estava disposta a ouvir uma interpretação diferente da sua, ou seja, os países de leste não podem bater o pé a Bruxelas, têm de se apresentar de forma disciplinada e de chapéu na mão, para pedir o subsídio que generosamente lhes concedem (o pós-comunismo nunca existiu, a economia deles não está a crescer a 5%, nada de políticas próprias, os eleitores são perigosos nacionalistas e xenófobos).
Não se trata apenas de haver alguns políticos que já não ouvem as pessoas, há um fosso crescente entre as elites e o povo, pois os do topo estão numa bolha de privilégios e entre os que se arrastam pelo fundo fermenta um descontentamento que não tem por onde escapar. Os populistas italianos dizem que votar já não serve para nada e, a avaliar pela comédia felliniana dos últimos dois dias, parecem ter razão. Os mercados impuseram a um país rico (uma potência que integra o G7) um governo tecnocrático não eleito e sem viabilidade parlamentar, cujo mérito será o de manter a ortodoxia financeira que produziu péssimos resultados nos últimos quinze anos. Desta vez, a esquerda acha bem, ao contrário do que aconteceu quando a Grécia tentou sair do euro, situação em que os mercados e a Europa agiram perversamente. Aliás, Europa é cada vez mais um termo vago, pois o directório franco-alemão determina os acontecimentos e ninguém vota nos obedientes mordomos de Bruxelas. Em França, um em cada quatro votos não tem representação parlamentar (nem mediática) e na Alemanha o novo governo é formado pelos dois partidos que sofreram punições do eleitorado e que continuam tranquilamente no poder.
Estes, provavelmente, são apenas sintomas febris de uma doença mais profunda das democracias. A fragmentação política tende a agravar-se e a Catalunha serve como exemplo do que pode vir aí. Após eleições regionais que deram origem a um novo parlamento catalão, uma maioria parlamentar com minoria de votos não ouve um único argumento da minoria parlamentar com maioria de votos. A região ficou ingovernável e está sob tutela de Madrid. A burguesia elitista dos partidos catalanistas despreza com convicção os emigrantes internos (da Andaluzia e Galiza) que votaram no espanholismo. A sociedade está partida ao meio. A surdez política também é demasiado evidente em Portugal, veja-se a discussão de hoje sobre a eutanásia. Nenhum partido discutiu o assunto nas suas promessas eleitorais. Legislar sobre algo que não foi tema de campanha é absurdo (os partidos não têm mandato) e serve apenas para distrair de outros problemas mais importantes. Todos os eleitores podem dizer que, neste caso, o seu voto foi inútil.

Direitos inalienáveis...?

João Pedro Pimenta, 29.05.18

Não tenho, por princípio, uma opinião muito favorável à eutanásia (não se confunda com outras figuras, como a ortotanásia, ou seja, permitir o curso da vida sem suportes desnecessários). Menos ainda quando um grupo de partidos decide legalizá-la sem que tal estivesse inscrito nos respectivos programas eleitorais, sem um debate realmente aprofundado, por mera vontade de fazer acelerar uma legislação "progressista", que ainda por cima existe em pouquíssimos países, e não será por acaso. Ou seja, uma questão da maior gravidade pode passar por uma questão de afirmação política, quando nem sequer se deu oportunidade aos eleitores de exprimir uma opinião que fosse - e recordo que o PS recusou num primeiro momento a votação do casamento de pessoas do mesmo sexo por não ter inscrito a questão no seu anterior programa eleitoral.

 

Mas tenho acima de tudo uma dúvida: caso a eutanásia seja mesmo despenalizada, deixaremos de poder falar em "direitos inalienáveis"? É que francamente, não conheço direito menos inalienável do que a Vida. Caso deixe de o ser, façam o favor de, doravante, apagar a expressão de todas as normas, códigos e manuais onde ela exista.

Voto secreto e consciência livre

Pedro Correia, 28.05.18

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Não sei quem faz assessoria de comunicação a Rui Rio, mas não está a resultar. Alguém lhe soprou ao ouvido que é necessário "aparecer", para dizer não importa o quê. É um péssimo conselho.

Há uns dias, o líder do PSD insurgiu-se contra o facto de o policiamento dos estádios ser pago com "os impostos dos portugueses". Estava mal informado pelo tais que lhe sopram ao ouvido. Esse policiamento é assegurado pela Federação Portuguesa de Futebol, entidade autónoma do Estado, financiada em larguíssima medida pela UEFA.

Hoje voltou a errar o alvo. Mas com maior gravidade. Ao defender o "voto secreto" no hemiciclo na apreciação dos quatro diplomas sobre a legalização da eutanásia que amanhã estarão em debate no Parlamento. Para Rui Rio, os deputados devem "agir em função da sua consciência" e, para o efeito, terão de sentir-se "completamente livres" neste processo de decisão - algo que, no seu entender, apenas o voto secreto assegura.

Extraordinário raciocínio, nada lisonjeiro para os 89 parlamentares do PSD. Rio, que não tem assento na Assembleia da República, entende que um deputado só se sente "completamente livre" quando decide por voto secreto, sem se submeter ao escrutínio da opinião pública em geral e dos seus eleitores em particular, passando incólume pelos pingos da chuva.

Eis uma amostra do tal "banho de ética" que o sucessor de Passos Coelho prometeu trazer à política portuguesa. Banho, sim. Mas apenas no sentido de meter água.

E a crise no Sporting também parece importante

Luís Naves, 28.05.18

Para nós, saloios, começa a ser difícil compreender a política europeia. Diziam-nos que este era um momento decisivo, com as negociações do Brexit, dos planos da pólvora para a zona euro e da sempre excitante distribuição de fundos comunitários. Subitamente, temos duas potências fora de combate. Em Itália, os dois partidos vencedores das legislativas conseguiram chegar a um acordo de governo e tinham maioria no parlamento, mas o Presidente da República (escolhido pelo parlamento anterior) vetou um ministro, levando o primeiro-ministro designado a sair de cena. Está agora a ser negociado por este presidente não eleito um governo não eleito chefiado por um quadro do FMI e que os principais partidos eleitos recusam. Os partidos populistas que venceram as eleições perguntam-se para que serve o voto e prometem torpedear tudo o que mexer antes de novas eleições, enquanto as taxas de juro implícitas da dívida italiana continuam a aumentar. A imprensa de Roma está furiosa com os jornais alemães, que passaram a semana a dizer cobras e lagartos dos populistas italianos e das suas tendências anti-democráticas. O líder da Liga Norte já insinuava ontem que as eleições antecipadas serão um verdadeiro referendo sobre a participação da Itália no euro. Como se isto não bastasse, em Espanha, o PSOE parece ter escolhido o caminho da eutanásia, promovendo uma moção de censura que aparentemente conduz a eleições numa altura em que o Ciudadanos lidera as sondagens com quase 30%, estando os socialistas apenas na terceira posição. Não se percebe a estratégia, mas é previsível que a Espanha esteja entretida na crise durante os próximos meses, quando se discutirem fundos comunitários. Enfim, o directório franco-alemão da UE está a ser contestado pela fronda liderada pelo grupo de Visegrado, que contesta a política migratória de Macron-Merkel e promete resistir a qualquer tentativa do directório de misturar fundos com migrações. A cereja em cima do bolo é a guerra comercial com os Estados Unidos, que continua a fermentar nos bastidores, dirigida sobretudo à Alemanha, por causa do respectivo excedente da balança corrente, mas que acabará por atingir todos os países. Ah, e esqueci-me do Brexit, que também está a correr bem.

Há espera

Pedro Correia, 28.05.18

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Quando se fala na crise no jornalismo, provocada pela revolução tecnológica, pela globalização dos fluxos noticiosos, pela explosão das chamadas redes sociais e pelos novos hábitos de leitura, omite-se em regra uma das principais causas: a irrevogável incompetência de vários dos seus responsáveis actuais. Que produzem, validam e autorizam títulos como este, que esteve horas em exposição na montra digital de um periódico.

As falhas sistemáticas do controlo de qualidade de um produto, na área informativa como noutra qualquer, costumam ser penalizadas pelos consumidores, cada vez mais esclarecidos. E fazem bem.

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