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Delito de Opinião

The Art Of Slowing Down

Alexandre Guerra, 31.05.17

Arte, o único tema com direito a vídeo até ao momento. Grande malha.

 

Há uns dias, o agente do Slow J tinha-me perguntado se eu tinha gostado da “cena”. A “cena” a que ele se referia era o The Art Of Slowing Down (TAOSD), o novíssimo álbum de estreia do sadino João Batista Coelho, conhecido no mundo musical como Slow J. Eu não só gostei imenso da “cena”, como acho (a crítica ficou rendida) que estamos perante uma das melhores "cenas" feitas nos últimos anos em Portugal. É muito raro a música nacional oferecer-nos criações verdadeiramente inovadoras e disruptivas. É certo que há muita coisa com qualidade no mercado português, mas poucas merecedoras de um estatuto superior.  

 

“Eu estou aqui para fazer música nova”, disse há umas semanas este jovem de vinte e poucos anos numa entrevista ao Público. E fê-lo. Hip hop, R&B, rock, pop, electrónica, fado, semba, jazz, estão lá todos estes estilos, conciliados de uma forma irreverente e selvagem e ao mesmo tempo ordeira e precisa. É um daqueles álbuns que ouvimos com um prazer imenso na tranquilidade do lar, pela sua criatividade, pela sua qualidade, pelo rigor na produção. As letras cruas e acutilantes atingem-nos na alma.

 

(Ainda) Longe do panorama mainstream, Slow J estudou Engenharia de Som em Londres e demorou três anos a fazer este álbum. Ele já tinha criado algum buzz nos meandros da música nacional em 2015, aquando do lançamento do EP The Free Food Tape. Mas, agora, com o lançamento do álbum TAOSD, o nível é outro. Numa época de produção cultural massificada e de consumo imediato sem grande filtro crítico, é uma satisfação ver que há artistas que se entregam de corpo e alma à verdadeira criação artística.

Já li o livro e vi o filme (186)

Pedro Correia, 31.05.17

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DIÁRIO DE UMA CRIADA DE QUARTO (1900)

Autor: Octave Mirbeau

Realizador: Jean Renoir (1946)

Realizador: Luis Buñuel (1964)

Implacável sátira à moral burguesa da sua época, esta obra-prima da literatura fascinou cineastas como o francês Renoir, filmando nos EUA, e o espanhol Buñuel, filmando em França. Paulette Goddard interpreta a criada no primeiro, mais poético; Jeanne Moreau no segundo, mais corrosivo.

Convidado: FILIPE NUNES VICENTE

Pedro Correia, 31.05.17

 

Agincourt no estádio

 

Muito elogiada é a equipa que ataca pelos flancos, explorando as faixas laterais, ao invés daquela que afunila o seu jogo ofensivo. Ora, militarmente falando, flanco significa lado; a vantagem de que os agressores gozam, num ataque assim, reside no facto de os defensores adversários se terem de dividir. Com efeito, se se flanqueia ao mesmo tempo que se continua a ocupar a zona central, a concentração e disciplina dos defensores são afectadas. Isto pode ser observado em qualquer jogo de futebol: o lateral/extremo galopa até à linha de fundo e os centrais adversários tentam adivinhar a intenção precisa do malandro ao mesmo tempo que tentam controlar as rapaces que vão aparecendo na grande-área; por exemplo, os Jonas, os Ronaldos, os Nenés.

Agincourt, na temporada de 1415/16, foi um bom exemplo das virtudes do ataque pelos flancos ainda que noutro tipo de palco: Henrique V derrotou os franceses não obstante a inferioridade de efectivos (cinco para um a favor de Carlos VI). Este tipo de ofensiva introduz um elemento de desordem, no caso do futebol, na marcação esforçada e honesta; é insidioso e releva da ilusão. Pode ser utilizada  em superioridade ou igualdade numérica e constitui uma manobra ao dispor tanto da poderosa squadra como do Arrasquinha FC; habita, enfim, um universo popular e democrático.

O sucesso dos ingleses em Agincourt resultou do alargamento da chamada zona de morte, como explica John Keegan, que é definida pela extensão da arma prevalecente. Do ponto de vista da infantaria, trata-se, claro, da zona onde se travam os principais combates homem a homem. Em Agincourt a zona de morte foi alargada desde a frente da defesa francesa até aos seus flancos, permitindo às tropas de Henrique V um ataque envolvente. O resultado foi devastador no exército de Carlos VI (que era doido, ou talvez não, por isso não esteve na batalha).  

 

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A História está alagada de casos similares, desde Aníbal, inexorável com as tribos da Occitânia e do Ródano, ao longo da sua marcha sobre Roma, até ao flanquear da Linha Maginot pela tropa nazi. Curioso é observar, no caso do futebol, como o temperamento dos povos imagina formas diversas deste tipo de ofensiva. Bem sei que os tempos mudaram, as diferenças esbateram-se, mas podemos ainda imaginar diferenças de berço. Os britânicos e os nórdicos, quais soldados disciplinados, procuram os centros rectilíneos para a grande-área, que terminam em cabeceamentos certeiros; os sul-americanos e os latinos optam a maior parte das vezes por descobrir diferentes centímetros quadrados de relva, parando a meio, quando esperávamos que acelerassem, acelerando quando já nem os julgávamos lá. Como, por exemplo, Messi.

 

 

Filipe Nunes Vicente

(blogue DEPRESSÃO COLECTIVA)

"Colossal": a depressão e as consequências imprevistas

João Campos, 30.05.17

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Não é exactamente inédito vermos o fantástico a desbravar os territórios sinuosos da depressão - leia-se, a título de exemplo, Low, a notável banda desenhada em curso de Rick Remender e Greg Tocchini. Nem mesmo a incursão pelo género kaiju/mecha, tão caro à ficção científica japonesa, é exactamente original como metáfora neste tema - recorde-se a brilhante e retorcida série Neon Genesis Evangelion, através da qual Hideaki Anno terá exorcisado os seus próprios demónios em meados dos anos 90. Ainda assim, existe algo de profundamente refrescante em Colossal, o mais recente filme do realizador e argumentista espanhol Nacho Vigalondo. Talvez isso se deva à magnífica Gloria de Anne Hathaway, obrigada pelo desemprego e pelo refúgio no álcool a abandonar a cosmopolita Nova Iorque e a regressar à vila esquecida da sua infância, onde descobre que o seu descontrolo pessoal tem a consequência improvável de materializar um kaiju gigantesco em Seoul. Ou talvez se deva ao guião coeso, a alternar com mestria a ligeireza e o absurdo da premissa fundametnal do filme com o lado mais soturno dos fantasmas que Gloria enfrenta, sem nunca perder de vista a história que pretende contar. Ou talvez se deva à realização segura de Vigalondo, que num género com tendência para o som e para a fúria opta por um silêncio bem doseado e por uma sobriedade visual quase revolucionárias - sabe que é nas suas personagens, e não na pirotecnia, que reside o coração do filme, por mais fantásticos e colossais que sejam os monstros que projectam.

 

 

Ou talvez seja por tudo isto e por qualquer afinidade que cada espectador encontre com aquelas personagens, com os seus relacionamentos conturbados, com as situações que enfrentam, com as consequências imprevistas das suas acções e omissões. Pois por mais fantástica ou absurda que possa ser a premissa de Colossal, ela mais não é do que uma metáfora especialmente bem construída para uma ou outra situação que, cada um à sua maneira, todos acabamos por conhecer tão bem. 

 

(Colossal encontra-se actualmente em exibição numa mão-cheia de cinemas da grande Lisboa e do Porto)

A mercearia reabriu

Teresa Ribeiro, 30.05.17

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Depois de uns dias fechada, com uma cruz na porta, a pequena mercearia reabriu, com os mesmos caixotes de fruta no passeio. Tudo igual, excepto a roupa da velhota, antes indistinta, agora uma mancha negra a assombrar pêssegos e limões. Ela e o marido, em guerrilha permanente, eram tema de piadas no bairro. As quezílias diárias deixavam-lhe o olhar velado, carregado de azedume e a ele uma expressão de enfado impossível de disfarçar. Para o cenário trivial de uma mercearia de bairro era drama em excesso, daí ter tanta graça aquele desconcerto a dois. 

O azedume dos olhos dela, por estes dias, desfez-se em tristeza. Todos comentam que de repente ficou uma sombra da mulher que foi. Amar um traste pode ter-lhe envenenado a vida, mas amar um desertor está a matá-la de vez.

Grandes ilusões e memória curta

Luís Naves, 29.05.17

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Durante setenta anos, a Europa Ocidental esteve sob protecção americana, com o evidente resultado de um prolongado período de paz e prosperidade. Esta aliança resistiu a todas as administrações, a várias crises (Suez, Berlim, Cuba, Kosovo), mas a chanceler Angela Merkel parece acreditar que é altura de tentar outra coisa: ela disse ontem que “os tempos em que podíamos confiar totalmente em outros [países] acabaram”, numa referência ao Reino Unido e aos EUA, aqueles por quererem abandonar a UE, estes por não cederem às posições europeias em matéria de globalização, financiamento da NATO e alterações climáticas.

O que a chanceler sugeriu, e que entretanto foi suavizado, corresponde à aparente subversão da ordem mundial definida em Ialta pelas potências vencedoras da II Guerra Mundial, devendo os europeus definir no futuro o seu destino. Essa conferência ainda não foi revogada e os vencedores são os mesmos (a Rússia é a herdeira legal da URSS). Para mais, a chanceler falou em nome dos ‘europeus’, não usando a expressão ‘nós, os alemães’. Ao considerar que já não se pode contar, como antes, com os aliados ingleses e americanos, assumindo-se como suposta ‘líder europeia‘, Merkel repetia uma ideia que faz o seu caminho na eurocracia: os principais obstáculos ao futuro da Europa são as nações que a compõem; se queremos mais integração e segurança, temos de vencer os nacionalismos.

A Alemanha, tão confiante nos benefícios de uma integração acelerada, admite livrar-se da tutela americana que lhe garantiu a independência. Compreende-se a frustração de Donald Trump e de Vladimir Putin, herdeiros dos vencedores de Ialta, que obviamente não vão facilitar estas ambições. Com a saída do Reino Unido da UE, provavelmente numa separação litigiosa, a chanceler enfrenta o seguinte panorama inédito: os ingleses (e americanos) estão cada vez mais fora da equação continental e não interferem; os franceses precisam dos mercados alemães; a Itália precisa de ajuda financeira alemã de emergência; a Polónia (enfim, mais o antigo Império Habsburgo) é pobre e precisa do investimento alemão; a Turquia não conta.

Isto, no fundo, é a Europa alemã que Bismarck sonhou e não tem nada a ver com as comunidades europeias e NATO, que visavam a protecção e reconstrução da Europa, integrando os derrotados num conjunto onde os vencedores seriam sempre dominantes. Não se percebe se a tese de Merkel é pacifista, mas há nas declarações um óbvio cálculo eleitoral de conquista de votos à esquerda. No seu partido, isto deve ser controverso, mas o mais incompreensível é o entusiasmo da esquerda europeia, talvez por causa do anti-americanismo. Na UE, os partidos de esquerda estão a dividir-se em relação à ortodoxia comunitária, os radicais a recusarem o europeísmo e a corrente social-democrata a trair os trabalhadores que foram sempre a sua base social, aplaudindo cada nova vitória dos conservadores ou dos social-liberais, enfim das forças pró-globalização. Para quem toma decisões, grandes fatias do eleitorado deixaram de contar.

Neste contexto, a ambição de levar a União Europeia para um caminho estratégico autónomo é mais um passo na direcção do beco sem saída. Podemos não gostar de Trump, mas abandonar uma aliança com os Estados Unidos que correu bem durante setenta anos, em troca de uma aventura que nem aos alemães convém, só pode ser uma grande ilusão ou um erro monumental.

O discurso de Merkel

Alexandre Guerra, 29.05.17

O discurso de Angela Merkel proferido este Domingo num comício para 2500 pessoas em Munique é daqueles que poderá ficar para a História da construção europeia. Não se pode dizer que tenha passado despercebido à imprensa internacional, porque, que se recorde, é a primeira vez que se vê a chanceler alemã a pronunciar-se de uma forma tão assertiva para a necessidade dos europeus contarem com eles próprios e não estarem dependentes dos “aliados” tradicionais, em referências directas aos “afastamentos” dos EUA e do Reino Unido. Ao dizer que a União Europeia tem que “tomar o futuro pelas suas próprias mãos”, Merkel está na prática a assumir que está na hora dos líderes europeus começarem a pensar seriamente na criação de uma efectiva política europeia de defesa e segurança, algo que não existe neste momento. É certo que existem muitas proclamações políticas e alguns mecanismos, mas nada perto daquilo que poderá garantir a defesa física da Europa como um todo perante uma ameaça externa. E nesse ponto é importante não esquecer que a NATO continua a ser a única organização com essa capacidade de resposta, ou seja, com a agilidade de mobilizar forças de diferentes países sob um único “badge” (comando). Em termos de meios militares, a NATO propriamente dita tem uns aviões AWACS (que vão reforçar a sua acção na recolha e partilha de informação entre todos os Estados-membro da Aliança), alguns quartéis-generais e pouco mais, no entanto, tem uma experiência acumulada de décadas, que lhe permite reagir a diferentes ameaças e em diferentes cenários através da interoperacionalidade oleada das forças dos diferentes países colocadas ao serviço NATO. Na prática, a NATO tem sido a estrutura comum da defesa europeia e até há poucos anos o território europeu tinha o exclusivo da sua acção.

 

Não é mentira quando Trump enfatiza o desequilíbrio das contribuições financeiras de cada país aliado para aquela organização. É um facto histórico com origens conhecidas no surgimento da Guerra Fria e que durante muito tempo serviu os propósitos norte-americanos na lógica do sistema bipolar, onde parte da Europa era claramente uma área de influência sob o “guarda-chuva” de Washington. Desde o fim da ameaça do Exército Vermelho sobre a Europa que a discussão sobre a Defesa do Velho Continente tem sido recorrente, nomeadamente ao nível do investimento que é preciso ser feito por cada país. Concomitantemente, várias administrações em Washington têm, ao longo dos anos, lançado avisos à Europa para que começasse a investir mais na Defesa e no orçamento da NATO. Por várias vezes, e sobretudo em momentos de crise, política ou militar, líderes europeus vieram para a praça pública falar entusiasticamente na necessidade da Europa começar a gastar mais na sua Defesa. Chegaram a ser ensaiados alguns projectos comuns, mas que nunca se concretizaram. Por isso, aquilo que Merkel disse no Domingo não é propriamente novo no conteúdo nem na forma. A verdadeira novidade foi ter sido Merkel a dizê-lo, sobretudo no tom particularmente firme em que o disse. É certo que estava influenciada pelo ambiente pouco diplomático provocado por Donald Trump nas cimeiras da NATO e do G7, mas para a chanceler ter assumido uma posição daquele calibre é porque a mesma deverá vir acompanhada de uma política firme nos próximos tempos.

Merkel foi a primeira líder europeia a assumir uma divergência desta magnitude com a administração Trump. Em causa estão valores fundamentais para a Europa, como são as alterações climáticas, mas é preciso não esquecer que, à margem da cimeira da NATO, o Presidente americano tinha ameaçado restringir as importações de carros alemães para os EUA. Nestas coisas da política internacional, e ao contrário do que muita gente possa pensar, as relações pessoais entre líderes podem fazer toda a diferença no adensar ou no desanuviamento de uma potencial situação de escalada político-diplomática. Neste caso, admite-se que a convivência entre os dois, primeiro em Bruxelas e depois em Taormina, não tenha corrido pelo melhor. Acontece. Agora, é preciso que nos corredores da diplomacia sejam encetados esforços no sentido de se manterem os canais de comunicação abertos entre Berlim e Washington, porque, uma coisa é certa: a Europa não está em condições de caminhar sozinha em matéria de Defesa e vai continuar a depender do envolvimento dos EUA na NATO durante muitos e longos anos. Por outro lado, Trump não deve esquecer, nunca, que apesar de todas as diferenças, é com a Europa com quem os EUA partilham os valores basilares da democracia e do liberalismo que norteiam a sua democracia e sociedade. Além disso, Trump também não se deve esquecer de um conceito muito importante e desenvolvido há uns anos por Robert Keohane e Joseph Nye, o da interdependência complexa. E neste aspecto, EUA e Europa estão ligados um ao outro como dois siameses.

O esquecimento e a desmemória

Pedro Correia, 29.05.17

Caroline with her father, President John F. Kennedy

 

Em quatro dos cinco jornais diários generalistas de âmbito nacional que ainda se publicam em papel entre nós, não há hoje uma linha sobre o centenário de John Fitzgerald Kennedy, nascido a 29 de Maio de 1917.

Se o 35.º Presidente dos EUA tivesse sido futebolista, certamente não faltaria espaço para a efeméride num país onde dois canais de televisão supostamente especializados em "notícias" ocupam mais tempo a palrar sobre as tricas do futebol do que sobre qualquer outro tema.

Gastam-se demasiadas palavras a propósito da crise do jornalismo contemporâneo enquanto faltam exemplos concretos que configurem a tradução prática dessa crise - que é de modelo editorial, acima de tudo.

Pois aqui está um. Que devia envergonhar estes jornais que cultivam o esquecimento e se comportam como se a desmemória fosse uma virtude.

Three Peaks

Rui Rocha, 29.05.17

Graças ao governo do Costa, a Laura Palmer não foi assassinada. Está só a fazer um banho de algas. O detective Dale foi substituído por uma mulher para cumprir as quotas. Um sobrinho do Carlos César é agora o Xerife Harry que tinha sucedido na função ao pai e ao avô. A Shelly Johnson deixou o Bobby Griggs e vive com a Donna Marie Hayward. Fizeram um contrato com uma barriga de aluguer mexicana. O Benjamin Horne, outrora o homem mais rico de Twin Peaks, veio viver para Portugal e comprou o palacete de Sintra em que o Phill Collins estava interessado. A filha, Audrey Horne, é colunista do DN. A árvore sussurrante é o Marques Mendes disfarçado de Estrunfe dos Óculos. A sério. Ninguém morre. Não percam tempo a ver a série na televisão. Aproveitem para descansar. Estão todos felizes. Os picos não são dois, são três. O Bloco, o PCP e o PS. O gigante encolheu e até o anão cresceu.

A ver o Banda passar

Rui Rocha, 29.05.17

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Mesmo não sendo encarnado, como português sinto-me ultrajado. Então o David Banda que nós, inchados de orgulho patriótico, vimos com estes que a terra há-de comer vestido com a camisola do Benfica e que imaginávamos a dar cartas pelos estádios desse mundo fora, a levar o nome do país aos mais prestigiados certames futebolísticos, um verdadeiro Centeno da bola, afinal já andou por aí a sonhar com o Paris Saint Germain? Ai o carvalho!

Convidado: MAURÍCIO BARRA

Pedro Correia, 29.05.17

 

Delitos de opinião

 

 

Primeiro Delito

Após a Comissão Europeia recomendar que Portugal deve sair do Procedimento por Défice Excessivo, encerrou-se simbolicamente o período que Portugal levou a recuperar (vá lá, ainda está no recobro) da gestão danosa, incompetente, irresponsável e (alegadamente) criminosa de Sócrates, que, enquanto foi primeiro-ministro, nos levou à beira do abismo da bancarrota.

O mérito desta saída, diz-se, foi do governo de Passos Coelho, que trouxe o défice de 12% para os 3%, e do governo de António Costa "que prosseguiu com sucesso esta caminhada histórica" (sic SIC)

Ora bem, este mérito não é uma estatística.

Este mérito foi uma obrigação.

Que durou oito anos.

E quem a pagou fomos todos nós, os portugueses.

Com o PSD, por um lado, e o PS, por outro lado, a imporem-nos as suas receitas que deveríamos cumprir para as pagarmos.

Mas, ao que parece, vamos ser obrigados a continuar a pagar.

Porque nenhum deles, nas funções de Estado para que foram eleitos, procedeu ao ajustamento estrutural do défice da República.

 

 

Segundo Delito

O ajustamento estrutural do défice, as famosas reformas estruturais, não se fizeram, nem se fazem, porque não interessam ao “centrão de interesses políticos e económicos” que se revezam e ocupam alternadamente a “mesa do Estado”.

Vivemos num sistema político endogâmico, que já vai na terceira geração, com uma lógica de ocupação do poder por parte de grupos de afinidades com um único objectivo: controlar o orçamento de Estado, compartilhar os interesses económicos, estar por “dentro “ das decisões financeiras (um caso exemplar foi a saída do Ministro Álvaro Santos Pereira do governo de Passos Coelho: enquanto estávamos todos distraídos com o rigor económico de Vítor Gaspar, o grande inimigo a abater era o verdadeiro reformista desse governo que queria uma economia de mercado a funcionar normalmente, com regulação, escrutínio, investimento em novos sectores estratégicos, sem protecção aos monopólios rendeiros da economia portuguesa. Foi corrido. Paulo Portas fez o seu “número” e o tempo, que entretanto passou, demonstrou os resultados que se pretendia com a sua ridícula irrevogabilidade).

Somos um país pequeno, com uma economia de mercado limitada, onde poucas grandes empresas controlam os vectores essenciais da economia (energia, combustíveis e comunicações), onde as PME’s (sobretudo P’s) ora investem, criam emprego, exportam e alimentam o mercado interno, ora estão muitas vezes descapitalizadas dependendo de apoios “distribuídos” pelo Estado, com uma miríade de micro empresas familiares que são as veias capilares desta economiazinha, com um sistema financeiro em grande parte arguido e em trânsito para ser julgado, que tenta, qual fénix, ressurgir do pântano imoral e antiético em que se afundou, com um quadro legislativo que em parte resulta das relações espúrias de grupos parlamentares permissíveis a interesses particulares, com uma pequena economia paralela que garante a parca sobrevivência e os últimos resquícios de dignidade de trabalho a quem pouco ou quase nada tem, um país onde três milhões setecentos e oitenta e dois mil portugueses se levantam todos os dias para ir trabalhar para sustentarem as suas famílias e as receitas do Estado, e seiscentos e sessenta e três mil funcionários do Estado têm emprego garantido com benefícios por motivos eleitorais (com a excepção merecida dos que trabalham na saúde, emergência, protecção civil e segurança interna e externa)*

*Dados Pordata para 2016

 

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Terceiro Delito

E assim vamos continuar?

Talvez não por muito mais tempo. Mais do que alguns desejam, menos do que alguns quereriam.

A sociedade civil que se interessa sobre a sua vida e a vida dos outros, a grande franja de moderados que não se sentem representados, os democratas que não querem que o país caia em projectos radicais que ponham em causa o seu conforto económico, social e de segurança, os que abominam e se envergonham da corrupção endémica que hoje está perfeitamente investigada e identificada, são os novos agentes de mudança e já começaram a participar nos diferentes níveis da actividade cívica. Vão querer decidir o seu próprio destino.

Ou o PSD e o PS compreendem e se adaptam ao tempo que passa, ou os eleitores desvinculam-se progressivamente. Porque eles, por si só, já mudaram.

É o Novo Centro, democrata e humanista, que despreza o “centrão”.

Nas eleições autárquicas, verificou-se isso claramente.

Nas eleições presidenciais, brutalmente.

Porque começam a estar fartos.

Estão fartos das limitações desta democracia que é uma rotunda da qual não saímos e voltamos sempre ao mesmo sítio, fartos dos complexos de esquerda e direita que estão sempre ao lado dos problemas contra as soluções, fartos das mesmas receitas ideológicas de sempre que futebolizaram e infantilizaram o combate político.

São portugueses europeus.

Não querem continuar a ser um "Portugal dos Pequeninos".

 

 

Quarto Delito

Já repararam que, se vivêssemos num regime presidencialista, o actual sistema partidário estava todo esfrangalhado?

 

 

 

Maurício Barra

(blogue GRANDE HOTEL)

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