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Delito de Opinião

Distracções

Sérgio de Almeida Correia, 25.02.17

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 (foto Daniel Rocha/Público)

O País arranjou mais um motivo para se entreter, para se perder em discussões estéreis e, provavelmente, arranjar mais uma comissão para não concluir coisa alguma.

É normal que em Portugal os dirigentes se desresponsabilizem de cada vez que há problemas nas áreas sob a sua responsabilidade ou que as suas receitas não dêem os resultados esperados. E tanto faz que sejam membros do Governo, actuais ou passados, autarcas, administradores de empresas ou responsáveis partidários. As excepções são raras e contam-se pelos dedos de uma mão.

Todavia, não existe nada de mais reprovável num dirigente do que não só desresponsabilizar-se como ainda aproveitar para atirar responsabilidades para os inferiores hierárquicos. Como se eles, dirigentes, não estivessem lá para exercerem o poder, para mandarem, para tomarem decisões, para assumirem os riscos do mando, para usufruírem dos respectivos benefícios e cumprirem as obrigações que se esperam de um dirigente, das quais uma das menos olvidável será a do legado e do exemplo que deixem para os seus subordinados, embora sejam poucos os que se preocupam com a imagem que transmitem para dentro e para fora da organização a que pertencem.

Os maus exemplos têm-se multiplicado, alguns começando mesmo na Presidência da República e na Gomes Teixeira. De S. Bento, e do papel de alguns deputados, há muito que deixou de fazer sentido falar-se do que a maioria por ali faz, pois são poucos, em especial nos maiores partidos, os que produzem algo de útil e fazem mais do que levantar o braço ou carregar num botão nos momentos das votações, funcionalizada como está, a todos os níveis, a política e o exercício da função de deputado. São deputados mas se estivessem a picar o ponto num qualquer serviço da administração pública ou numa fábrica ninguém notaria a sua falta. 

O que neste momento se repete com a saga das "offshores", com as estatísticas que ficaram por divulgar, com os 10 mil milhões que voaram nas barbas do fisco, do ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e dos titulares das Finanças, corresponde ao padrão habitual (e repare-se que não estou a discutir se era devido o pagamento de quaisquer impostos ou não). Uma vergonha que é a imagem de uma boa parte da nossa elite dirigente, daquilo que temos à disposição nos partidos e nos Governos e um exemplo da forma como os responsáveis são os primeiros a se desqualificarem, protegendo os partidos essa recorrente desresponsabilização.

Sempre pensei que responsáveis políticos, administrativos e empresariais que se limitam a colocar "vistos" nas informações e propostas que lhes chegam remetidas pelos subalternos dariam excelentes amanuenses, servindo para tudo menos para dirigir o que quer que fosse. Como se essa gente não fosse paga para dirigir, orientar e decidir.

Atirar para a Autoridade Tributária a responsabilidade pelas consequências dos seus próprios "vistos" (o que é que um tipo faz com um "visto"?), bem como a ausência de resposta às propostas que lhe foram enviadas para a divulgação das estatísticas, não está ao nível do que se espera de um secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, mas sim ao nível de um cabo de esquadra.

Não admira, pois, que à medida que se vai sabendo mais alguma coisa sobre o que foi o descalabro da gestão de Núncio e do CDS-PP nos Assuntos Fiscais, um cidadão normal fique preocupado ao recordar-se de ouvir o "atira-culpas" dizer que "quando os socialistas gastarem o dinheiro que ainda resta e a festa acabar, o CDS tem de estar preparado para exercer uma vez mais o exercício do poder e a sua acção governativa". 

Como já se viu que latosa é coisa que não lhe falta, calculo que para Núncio o dinheiro que os socialistas andam a gastar será aquele que resta, ou seja, aquele que ele e os seus pares no Governo não conseguiram que saísse do país com os tais 10 mil milhões, já que só assim se compreende a desfaçatez com que o afirma.

Mas esse é um problema do visado e do partido que lhe dá guarida.

o modo como tudo isto é visto pela direcção do partido a que Paulo Núncio pertence, que se permite afirmar "que sobre o combate à fraude e à evasão fiscal, nós estamos muito tranquilos, porque sabemos muito bem o que fizemos no anterior Governo" (vê-se), é um problema dos seus militantes, dos seus eleitores e de todos nós. Como também foi, e ainda é um problema de todos nós, só para referir alguns exemplos, o que aconteceu com José Sócrates ou com as PPP, com o desempenho presidencial de Cavaco Silva, com a CGD, com a PT ou com o modo como as nossas autoridades judiciárias continuam a investigar e a julgar.

Seria por isso bom que os portugueses não se distraíssem com os núncios e as freiras que por aí arengam, nem com os seus números de feira, perdendo de vista o essencial.

De facto inaceitável.

Luís Menezes Leitão, 24.02.17

Dou inteira razão à Ministra sueca. É de facto inaceitável que um país se proponha isentar reformados estrangeiros de imposto sobre as pensões ao mesmo tempo que sangra os seus nacionais com taxas de imposto sobre o rendimento expropriatórias e, não contente com isso, ainda vem a seguir lançar mais impostos sobre o património que os desgraçados ainda conseguiram poupar, apesar da sangria fiscal sobre o seu rendimento. Se os reformados suecos estão cá a residir, e beneficiam dos nossos serviços públicos, então que paguem impostos como toda a gente. Basta o que basta!

As canções da minha vida (2)

Pedro Correia, 23.02.17

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SUMMERTIME

1935

 

Já não me recordo qual foi a primeira vez que a ouvi. Mas sei bem que me prendeu para sempre. Com aquela toada dolente e melancólica - cantiga de embalar inspirada em espirituais negros, memória musical de uma América sulista ainda com ecos da escravatura.

É impossível ficar indiferente ao sortilégio desta canção composta pelo inigualável George Gershwin (1898-1937), talvez inspirado nas melopeias eslavas que a mãe Rosa, imigrante russa transplantada para Brooklyn, lhe entoava no berço.

Summertime é o mais inesquecível trecho da ópera Porgy and Bess que Gershwin, no auge da sua fama como compositor, estreou em Outubro de 1935 na Broadway. E a partir daí ganhou asas, adquirindo expressão própria: tornou-se um inconfundível standard de jazz, interpretado em mais de 25 mil versões oficialmente registadas ao longo de oito décadas de história da música norte-americana em múltiplas vozes - de Billie Holiday a Norah Jones, passando por Janis Joplin. Sem esquecer a notável versão dos Sheiks em Portugal (1965).

 

Stephen Sondheim elegeu-a como a mais bela canção de sempre - não apenas pela hipnótica partitura do judeu novaiorquino mas também pelos versos de DuBose Heyward (1885-1940), autor do romance Porgy (1925), no qual a ópera se inspirou, e do libretto de Porgy and Bess, em parceria com Ira Gershwin (1896-1983), irmão de George. Poema e pauta combinam na perfeição, sugerindo a languidez estival a que alude a palavra inicial. Precisamente a que dá origem ao título.

Holiday foi a primeira a gravá-la com sucesso, em Setembro de 1936. Mas ninguém a interpretou de forma tão calorosa e envolvente como Ella Fitzgerald, num dos melhores álbuns que a história discográfica já registou: Porgy and Bess, em dueto com Louis Armstrong, que também canta além de nos propiciar o luxurioso som do seu trompete.

Escuto uma vez e outra o CD - e é sempre como se fosse a primeira vez. São 4 minutos e 58 segundos de pura arte musical, gravados em Agosto de 1957. No ano seguinte Porgy and Bess saltaria enfim do teatro musicado e do disco para o cinema, com o filme homónimo de Otto Preminger interpretado por Sidney Poitier, Dorothy Dandridge, Sammy Davis Jr, Pearl Bailey e Diahann Carroll. Um elenco só negro, por imposição de Ira Gershwin, detentor dos direitos da obra. Anos antes recusara a ridícula sugestão de Harry Cohn, patrão da Columbia Pictures, de rodar o filme com Fred Astaire e Rita Hayworth maquilhados de afro-americanos.

 

Dou por mim inúmeras vezes a trautear Summertime. Seja para celebrar os dias estivais, seja para antecipá-los. Crente como Ruy Belo que "é triste no Outono concluir que era o Verão a única estação".

Conheço-me bem: é sempre bom sinal.

 

«Summertime / And the livin' is easy / Fish are jumpin' / And the cotton is high // Your daddy's rich / And your mamma's good lookin' / So hush little baby / Don't you cry // One of these mornings / You're going to rise up singing / Then you'll spread your wings / And you'll fly to the sky.»

 

Ele que se chegue à frente

Sérgio de Almeida Correia, 23.02.17

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 (foto JE, Cristina Bernardo)

Começo a ficar nauseado com as notícias que leio da novela da CGD. Estou cansado da conversa dos sms de António Domingues para Mário Centeno. Eu sei que há quem não queira que sejam divulgados, apesar de poder perceber a razão. E também que o Presidente da República tivesse ficado incomodado com a situação.

Estou por isso mesmo de acordo com a proposta do líder parlamentar do BE.

Se o Dr. António Domingues faz tanta questão em "enterrar" o ministro das Finanças, por se sentir enganado, despeitado ou injustiçado, então que se chegue à frente. E em vez de andar a verter os sms pelos amigos aos bochechos, que depois os vão mostrar ao Presidente da República, aos jornais e a todos os que com eles tomam café, e que no dia seguinte reproduzem veladamente o respectivo conteúdo sem que a gente (opinião pública, cidadãos normais) possa saber quem verdadeiramente está a falar verdade ou a mentir, o ideal é que tenha a coragem de os mostrar de uma vez por todas para se acabar com o forró e não se perder tempo com comissões e merdas quejandas tão ao gosto daquela rapaziada das "jotas" de São Bento.

O Dr. António Domingues que convoque uma conferência de imprensa e distribua uma impressão dos sms à comunicação social. Será a única maneira das comunicações ficarem acessíveis a todos de uma vez e de cada um poder tirar, sem filtros nem intermediários, as respectivas conclusões.

Não acredito que alguém na posição de António Domingues, com o seu currículo e tão elevado sentido da honra e da palavra, necessite de andar a passar a informação dos sms, às escondidas, para o Observador e o Correio da Manhã. A não ser que haja que cumprir a agenda de alguém, haja mais alguma coisa que ainda não nos tenha sido dita ou lhe falte uma outra coisa. 

De qualquer modo, seja qual for a razão, será bom que se despache. Não vale a pena continuar com esta farsa. O País tem mais que fazer do que perder tempo com novelas deste jaez. Era só o que faltava ter agora de aturar um tipo de conversa como este, vindo de onde vem, sobre os sms.

Acabem lá com isso. O Dr. Domingues que seja homenzinho e mostre ter sentido de responsabilidade. Ninguém é insubstituível.

Mais um caso para o Poirot

Sérgio de Almeida Correia, 23.02.17

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O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais desconhece de que assunto se trata. Eu também. Os inspectores tributários querem ver esclarecido o destino de 10 mil milhões de euros. Eu também. O Ministério das Finanças e os partidos, através dos seus deputados no parlamento, querem saber o que se passou. Eu também.

Entretanto, "[h]á oito meses que estão a marinar no Parlamento várias propostas para combater a “criminalidade económica, financeira e fiscal”". Só há oito meses?

Longe de Portugal, perdido como já estou no meio de tantas "reformas" do Estado, da Administração Pública e de tudo e mais alguma coisa, creio que a pessoa ideal para esclarecer o que aconteceu aos milhões, e todos os outros mistérios que assolam o nosso país, é o meu velho amigo Hercule Poirot. É tipo para fazer um trabalho limpinho. Não cobra honorários, desconhece o que são horas extraordinárias ou subsídios, não é funcionário do Estado, não depende de nenhum partido, não pede emprestado aos amigos, nunca foi ao BES, não conhece ninguém na CGD, e ainda confidenciou-me que não faz tenções de se reformar. 

Para já, é uma sorte que se saiba quem são os beneficiários do subsídio de lavagem. Desta parte está o Poirot livre. Mas, pelo sim, pelo não, o melhor é que ele também investigue se todos os que recebem o subsídio tinham um carro para lavar. Ainda me lembro de em tempos haver uns figurões que recebiam um subsídio de residência, por estarem deslocados em Lisboa, tendo casa própria na capital. E houve um que até foi a correr mudar a residência para o Algarve para passar a receber o subsídio.

Em Portugal, nestas coisas das lavagens, seja dos carros ou dos milhões, sabe-se sempre quem paga e quem fica sem os milhões, tal como nos subsídios. Mas nunca se sabe muito bem quem lava o quê e a quem. Nem com que mão.

Reflexão do dia

Pedro Correia, 22.02.17

«A Lituânia passou entre 2008 e 2010 por um ajustamento duríssimo, com reduções dos salários públicos de 20% a 30%, com cortes nas pensões acima de 10%, com toda a coreografia dramática das exigências do FMI (pobreza, desemprego, desesperança) e se está hoje onde está é porque o sacrifício valeu a pena. O mesmo aconteceu na Irlanda. Ou, em parte, na Espanha. Se Portugal continua a ter ainda hoje um PIB abaixo do que registava em 2009, se cresce a ritmo de caracol, se a pobreza se mantém na ordem dos 20% da população e se continua a ser ultrapassado pelo cão e o gato, é porque o sacrifício não valeu a pena. Afinal, Portugal não deixou de ser um paraíso para as corporações patrocinadas pelo Estado. Não deixou de ser condescendente com ministros que fogem à verdade. Permite fugas de dez mil milhões de euros para os off-shores perante a passividade das autoridades tributárias. Subalterniza a Matemática e o Português nas escolas. Dá horários de privilégio a funcionários públicos. Isenta os restaurantes da equidade fiscal.»

Manuel Carvalho, no Público

As canções da minha vida (1)

Pedro Correia, 22.02.17

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LA VALSE A MILLE TEMPS

1959

 

Escutei-a pela primeira vez aos 15 ou 16 anos, quando comprei um “33 rotações” de Jacques Brel, que logo se tornou num dos álbuns que mais rodaram no meu gira-discos portátil, fiel companheiro desses anos de adolescência. Um álbum de 1972, simplesmente intitulado Jacques Brel. Mantenho-o bem preservado e ainda a ele regresso em momentos de indizível nostalgia.

La Valse a Mille Temps era o penúltimo tema dessa colectânea de grandes êxitos de Brel (1929-78), belga que se despediu demasiado cedo da vida mas deixou um rasto inapagável na música de raiz francófona. Vendeu 25 milhões de discos sem nunca atraiçoar os seus ideais artísticos. Compôs, escreveu e interpretou canções que são pequenos tesouros da narrativa musicada, cruzando a trova medieval de cariz romântico com a balada de protesto contra o conformismo burguês que sempre combateu.

 

O tema nasceu em 1959, quando Brel era cabeça de cartaz no Bobino, uma das mais famosas salas de espectáculos de Paris. Nesse ano prodigioso da sua carreira, concebeu também o inimitável e arrepiante Ne Me Quitte Pas. As duas canções integrariam o quarto LP do belga, surgido ainda em 1959. Com a valsa a abrir o álbum (cuja capa aqui reproduzo), justamente galardoado com o Prémio da Academia do Disco Francês.

Com 3 minutos e 48 segundos de duração na gravação original (de 14 de Setembro de 1959, com orquestra conduzida pelo maestro François Rauber), La Valse a Mille Temps começa como valsa lenta e bonançosa e vai rodando num crescendo cada vez mais acelerado e jubilatório até ao limite do impronunciável, ao jeito de um carrossel descomandado, ameaçando vencer o cantor pela exaustão. Não por acaso, poucos foram os que se atreveram a emular Brel nesta que é uma das suas mais extraordinárias interpretações. Um deles foi Carlos do Carmo, que em 1980 superou com distinção o desafio no mítico palco do Olympia, também na capital francesa. Do espectáculo sairia aquele que é talvez o seu melhor disco gravado ao vivo.

 

Só há pouco tempo me apercebi: esta é uma das canções que mais vezes me acompanham. Dou por mim a trauteá-la, a assobiá-la, no seu rodopiar festivo, como quando a escutei pela primeira vez naquelas manhãs de ilusória Primavera perpétua, quando o tempo parecia ter vocação para eternizar-se ao comando da voz de Brel soando a princípio quase infantil nesse compasso ternário de caixinha de música.

«Au premier temps de la valse / Toute seule tu souris déjà / Au premier temps de la valse / Je suis seul mais je t'aperçois / Et Paris qui bat la mesure / Paris qui mesure notre émoi / Et Paris qui bat la mesure / Me murmure, murmure tout bas...»

 

Intervalo publicitário

Pedro Correia, 22.02.17

Como o País não é só Lisboa, longe disso, aqui fica o convite para uma nova sessão de apresentação da Política de A a Z, desta vez em Braga. No próximo sábado, às 17 horas, na Livraria Bertrand do Shopping Liberdade Street Fashion. Com intervenções de Luís Marques Mendes e Nuno Barreto.

Um convite dirigido aos meus colegas de blogue e a todos os nossos leitores da capital minhota.

Gostava muito de vos ver por lá.

 

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Isto está a animar

Sérgio de Almeida Correia, 22.02.17

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Pois é, contra factos não há argumentos, diz ele. 

Então e a dívida, que Passos Coelho, Gaspar e Maria Luís Albuquerque andaram durante quatro longos anos a fazer que encolhiam, e que António Costa está aflito para conseguir controlar, isso não interessa?

Já nem falo dos 10 mil milhões que entre 2011 e 2014, a Autoridade Tributária, na altura sujeita aos olhinhos da coligação PSD/CDS-PP, deixou sair de Portugal para paraísos fiscais, porque lá virá o tempo em que também mais essa roupa se lavará. Temo é que haja nódoas e odores que já não saiam e que também não possam ser imputadas aos antecessores.

O melhor mesmo, enquanto não sair o segundo volume da nova edição da sebenta do Prof. Cavaco, é aguardar pelas explicações do Prof. Bambo, personalidade de reconhecido mérito junto dos meios judiciais. Ele deverá ser, neste momento, o único capaz de se pronunciar sobre o que está a acontecer, e sobre o que mais irá acontecer aos portugueses, sem correr o risco de lhe serem chamados nomes feios. Por exemplo, como "burlão". 

Modo de Vida (46)

Adolfo Mesquita Nunes, 21.02.17

Há uns meses, andava eu pelo Porto, encontrei o 'Pensadora das Coisas Pensadas', da Agustina. Comprei-o, que ainda o não tinha, e abri uma página ao acaso, para nesse acaso me fixar na primeira frase que me surgisse. É um hábito antigo, este, o de abrir ao acaso os livros dos autores de que gosto muito, como que para receber uma inspiração, um conselho. Tiro uma fotografia, registo o dia, e procuro onde aplicar o ensinamento. Ontem dei pela fotografia que tirei ao 'Pensadora das Coisas Pensadas', num imprevisto exacto, oportuno: "O mistério da vida cumpre-se em cada homem de uma forma única. A harmonia depende possivelmente de que deveríamos impor menos as fórmulas de felicidade, que é bom senso de raros, e aceitar redimensionando-a pela responsabilidade própria, a incoerência de todos".

Estou com Adele: Lemonade é o álbum do ano

Alexandre Guerra, 21.02.17

Admito que, entre tantos assuntos da maior importância nacional e internacional, as minhas atenções viraram-se para uma discussão menos profícua que ocorreu nos últimos dias, mas que me suscitou bastante curiosidade. Até percebi a razão de existir, mas para ter certezas tive que ir ouvir os álbuns “25” de Adele e “Lemonade” de Beyoncé (este último andava para ouvi-lo desde que fora lançado). Apesar da minha estranheza inicial e das muitas críticas que se fizeram ouvir, percebo agora porque razão o Grammy de Melhor Álbum do Ano tenha ido para o “25”. Não concordo com a decisão, mas percebo-a à luz daquilo que são os Grammy que, à semelhança dos Óscares, premeiam e dão primazia ao “mainstream”. Não quer isto dizer que o vencedor não seja de grande qualidade musical porque, neste campo, Adele mostra bem os seus pergaminhos e apresenta um álbum pop mais “baladeiro”, bastante bem conseguido, mas sem grandes rasgos criativos e inofensivo em termos de mensagem. Não tem (nem pretende ter) aquele arrojo social e politicamente disruptor que o “Lemonade” de Beyoncé tem e que pretende colocar em causa a ordem estabelecida. E quando se trata de “agitar as águas”, por mais brilhante que seja o álbum (que é), o conservadorismo destas organizações fala mais alto. Neste aspecto, até acho que os Óscares têm sido mais “atrevidos” do que os Grammy que, no ano passado, voltaram a errar ao permitir que o sublime, poderoso, provocador e aclamadíssimo “To Pimp a Butterfly" de Kendrick Lamar perdesse o prémio de Melhor Álbum do Ano para “1989” de Taylor Swift. Da minha parte, não tenho dúvidas de que "To Pimp a Butterlfly" foi o melhor álbum de 2015, tal como fiquei rendido ao "Lemonade" de Beyoncé, uma artista que se assume neste álbum com uma grandeza artística e social, um patamar que Adele não conseguiu alcançar com o seu "25".

 

"Formation", umas das músicas mais interventivas de Beyoncé no muito bem conseguido álbum "Lemonade". 

A falta de memória dos jornais

Pedro Correia, 21.02.17

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José Fernandes Fafe (1927-2017) com Fidel Castro quando foi embaixador em Havana

 

Li hoje seis jornais diários. Cinco deles, ao contrário do que se impunha, não concederam qualquer destaque à morte de José Fernandes Fafe - embaixador, escritor, político, grande figura do século XX português, uma daquelas pessoas de quem se diria sem favor algum que a sua vida dava um romance.

Conspirou contra o salazarismo, foi protagonista de diversos episódios da resistência à ditadura. Após a Revolução dos Cravos tornou-se um dos primeiros embaixadores "políticos" do nosso regime democrático por decisão de Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros pós-25 de Abril, como muito bem lembra Francisco Seixas da Costa no seu blogue, Duas ou Três Coisas.

Tornou-se assim embaixador residente em Cuba, onde conheceu toda a elite do regime comunista, incluindo Fidel Castro, que biografou num  livro muito interessante, cheio de revelações sobre o tirano que governou a ilha com mão de ferro entre 1959 e 2006. As rotas da diplomacia levaram-no ainda a ser embaixador no México, Cabo Verde e Argentina.

Morreu ontem, aos 90 anos e com uma vida cheia. Mas quase toda a imprensa se esqueceu de assinalar o facto com o destaque que se impunha. Incluindo a mais antiga, precisamente a que tinha maior obrigação de avivar as memórias dos leitores. Por ironia, só no mais jovem título da nossa imprensa em papel - o diário i - encontrei um obituário digno do intelectual e do cidadão que Fernandes Fafe foi. Por ironia também, num texto de duas páginas (sem hiperligação disponível) assinado por Sebastião Bugalho, um dos mais jovens jornalistas políticos portugueses.

Os restantes, lamentavelmente, fizeram de conta que não sabiam. Ou não sabiam mesmo, num dia em que os cinco jornais generalistas concederam nada menos de 24 páginas a noticiário avulso sobre futebol.

A crise do jornalismo, de que tanto se fala, tem muito a ver com estas omissões. Cada uma delas é grave. Todas somadas, tornam-se imperdoáveis.