Sugestão: um livro por dia
O Dicionário do Diabo, de Ambrose Bierce
Tradução e apresentação de Manuel Afonso Costa
(edição Sistema Solar, 2016)
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O Dicionário do Diabo, de Ambrose Bierce
Tradução e apresentação de Manuel Afonso Costa
(edição Sistema Solar, 2016)
“Os blogues são como as ostras: às vezes têm pérolas dentro, às vezes causam indigestão.” Não, espere, isso faz sentido. “Blogues são como ostras: eles abrem e fecham.” Ah, muito melhor. Que tal “blogues são como as portas de um guarda-fatos: eles abrem e fecham”?
John Locke cogitou, pouco antes de dar entrada nas urgências, em como o entendimento humano se assemelha a um armário fechado cujas frinchas não nos permitem mais do que um vislumbre da realidade exterior. Cogitou ele nisso quando percebeu, pela cintilação da luz, que aquele que estava prestes a deixar de ser o seu melhor amigo de sempre atravessava o quarto na direcção do guarda-fatos onde se acoitava. Depois a inútil resistência da mulher nua, as mãos grandes e peludas puxando as portas contra um corpo excessivo de militar condecorado por mais de mil actos de bravura, nem todos em batalha.
“Sabe que eu desconfiava, John?” – disse o bom militar – “eu abri o armário, e cá está você”.
JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA
Sol, 15 de Janeiro de 2010
«É difícil imaginar Pedro Passos Coelho no papel de líder do PSD nacional.
(...) Por tudo isto, admito que Aguiar-Branco pode ser o líder de que o PSD precisa.
E sendo este palpite naturalmente falível - até porque só o conheço da televisão - o passado diz-me que, de uma forma geral, a intuição não me engana.»
A eleição de Donald Trump veio colocar Vladimir Putin numa posição de enorme relevância no sistema internacional, talvez como nunca tenha tido antes, porque, pela primeira vez, tem em Washington um interlocutor que lhe parece reconhecer o seu poder czarista e autoritário sem qualquer constrangimento ou julgamento moral. Mais, Trump parece estar disposto a aceitar e a respeitar as regras do jogo definidas por Putin, naquilo que poderá ser um paradigma com algumas semelhanças ao sistema de Guerra Fria em matéria de delimitação de zonas de influência. Perante isto, e à luz daquilo que se tem vindo a saber, é muito provável que Putin venha novamente a estar num plano de igualdade com o seu homólogo norte-americano. Trump parece querer conceder-lhe esse privilégio, já que não o deverá fazer a mais nenhum chefe de Estado. Além disso, do que se vai percebendo, Trump acreditará que o mundo pode ser gerido novamente pelas duas potências, numa divisão de influências, onde a China e outros Estados emergentes não lhe merecem grande atenção (quantas vezes ouvimos Trump falar do Brasil, da Índia ou até mesmo do Reino Unido ou da Alemanha???). Hoje, mais do que nunca, é importante perceber quem é Putin, como pensa e como age.
Acompanho com atenção o percurso de Vladimir Putin ainda antes de ter sido eleito Presidente da Rússia pela primeira vez em 2000. Quando a 9 de Agosto de 1999 o então já falecido Presidente Boris Yeltsin demitia o seu Governo e apresentava ao mundo uma nova figura na vida política russa, poucos eram aqueles que conheciam Vladimir Putin. Aos 46 anos, Putin, ligado ao círculo de São Petersburgo, e antigo oficial do KGB (serviços secretos), assumia a chefia do novo Executivo, com a motivação manifestada por Yeltsin de que gostaria de vê-lo como seu sucessor nas eleições presidenciais de 2000. Segundo alguns registos, Putin nunca terá tido a intenção de seguir uma carreira política, no entanto, teve sempre um alto sentido de servidão ao Estado, como aliás fica bem evidente na recente biografia de Steven Lee Myers, "O Novo Czar" (2015, Edições 70). Na altura, terá confessado que jamais tinha pensado no Kremlin, mas outros valores se erguiam: “We are military men, and we will implement the decision that has been made”, disse Putin. Muitos viram na decisão de Yeltsin o corolário de uma carreira recheada de erros e que conduzira o país a um estado de sítio. A ascensão de Putin era vista como mais um erro. Citado pelo The Moscow Times, Boris Nemtsov, na altura um dos líderes do bloco dos "jovens reformistas" na Duma e que viria a ser assassinado em Fevereiro de 2015, disse que Putin causou uma fraca impressão na primeira intervenção naquela câmara. "Não era carismático. Era fraco." Também ao mesmo jornal, Nikolai Petrov, do Carnegie Moscow Center, relembrava que Putin deixou uma "patética imagem", sendo um desconhecido dos grandes círculos políticos, e que demonstrava ter pouco à vontade com aparições públicas, chegando mesmo a ter alguns comportamentos provincianos.
Apesar disso, a Duma acabaria por aprovar a sua nomeação para a liderança do Governo, embora por uma margem mínima. É preciso não esquecer que Putin reunia apoio nalguns sectores, nomeadamente naqueles ligados aos serviços de segurança, que o viam como um homem inteligente e com grandes qualidades pessoais. E, efectivamente, após ter assumido os desígnios do Governo, Putin começou de imediato a colmatar algumas das suas falhas, nomeadamente ao nível de comunicação, e a desenvolver capacidades que se viriam a revelar fundamentais na sua vida política. É o próprio Nemtsov que reconheceu o facto de Putin se ter tornado mais agressivo e carismático, dando às pessoas a imagem do governante que os russos prezam. Características que se encaixaram na perfeição ao estilo musculado necessário para responder às explosões que ocorreram em blocos de apartamentos de três cidades russas, incluindo Moscovo, em Setembro de 1999, vitimando sensivelmente 300 pessoas, colocando o tema da segurança no topo da agenda da vida política russa, para nunca mais sair de lá. Em Outubro desse ano, como resposta, Putin dava ordem para o envio de tropas para a Chechénia.
Nas eleições presidenciais de 2000, Putin obteve 53 por cento dos votos, contrastando com os 71 por cento conquistados quatro anos mais tarde. Por motivos de imposição constitucional que o impedia de concorrer a um terceiro mandato presidencial, Putin teve que fazer uma passagem pela chefia do Governo entre 2008 e 2012, mas era claro que nunca teve verdadeiras intenções de deixar os desígnios da nação nas mãos do novo ocupante do Kremlin. Conhecendo-se um pouco da história política russa e da sua liderança, facilmente se chegaria à conclusão de que Putin era o homem por detrás do poder, enquanto o novo Presidente em exercício, Dimitri Medvedev, seria apenas um "fantoche". Medvedev compreendeu bem o seu papel nesta lógica de coabitação, remetendo-se praticamente a uma mera representação institucional, sem ousar discutir com Putin a liderança da política russa. Como na altura se constatou, a forma seria apenas um pormenor porque o que estava em causa era a substância da decisão. Ouvido pela rádio Ekho Moskvy, na altura, o analista russo Gleb Pavlovsky ia directo à questão central: "We can forget our favourite cliche that the president is tsar in Russia." E neste caso o Czar é Vladimir Putin que tanto o poderia ser na presidência, na chefia do Governo ou noutro cargo qualquer, desde que fizesse as devidas alterações constitucionais e que continuasse acompanhado dos seus "siloviki".
Aparentemente, Putin tem em Washington um parceiro que não o recriminará e que respeitará a sua liderança, desde que o Presidente russo não mexa com os interesses norte-americanos que, diga-se, nem será assim um exercício tão difícil de aplicar. Actualmente, Moscovo joga algumas das suas prioridades geoestratégicas e geopolíticas em tabuleiros que Trump já deu a entender não estar interessado. Agora, é ver a partir de dia 20 de Janeiro como o Czar Putin e o populista Trump se vão entender.
A Escada de Istambul, de Tiago Salazar
Romance
(edição Oficina do Livro, 2016)
"Este livro segue a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico de 1990"
«Queria terminar o ano com uma boa acção.
Toda a gente escreve e diz - e escreve e diz muitas vezes - "status quo".
E não é.
É "statU quo".
A palavra “status”, fazendo expressão com “quo”, tem de ir também para o ablativo, por uma questão de concordância.
Apesar de o meu portátil discordar de mim e alinhar com a maioria…»
Do nosso leitor João de Brito. A propósito deste texto do José António Abreu.
Porto, 2016.
Longe vão os anos em que devorava livros atrás de livros e conseguia ler mais de setenta em cada ciclo de 12 meses. Mas para 2016 a minha meta concretizou-se, entre leituras e algumas releituras voluntárias ou obrigatórias.
Não contabilizo os livros que deixei a meio, aqueles de que só li uns quantos capítulos para efeitos de algum trabalho que tivesse entre mãos ou aqueles a que retornei por episódica curiosidade de leitor nostálgico em busca de fragmentos de um tempo que já não volta. Foram 48, no total.
Média de quatro por mês, exactamente como tinha previsto.
Os romances dominaram - característica que mantenho desde a adolescência. Mas houve também conto, novela, ensaio, memórias, teatro, os policiais de que nunca abdico.
Algumas obras-primas da literatura que há muito constavam da minha lista de prioridades: Júlio César e Macbeth, de Shakespeare; Lolita, de Nabokov; Diário de uma Criada de Quarto, de Octave Mirbeau, Revolutionary Road, de Richard Yates. O fabuloso Spartacus, de Howard Fast. Estimulantes romances já deste século: Telex de Cuba (Rachel Kushner), O Segredo dos Seus Olhos (Eduardo Sacheri), Cartas por um Sonho (Ángeles Doñate).
Umas quantas boas surpresas (Butterfield 8, de John O'Hara; Forrest Gump, de Winston Groom; Mãe, de Pearl Buck; Duelo ao Sol, de Niven Busch). E outras quantas decepções (Os Homens e os Outros, de Elio Vittorini; O Carteiro de Pablo Neruda, de Antonio Skármeta; Crash, de J. G. Ballard; O Gato e o Rato, de Günter Grass).
Foi um ano que me permitiu visitar ou revisitar Kafka, Steinbeck, Camus, Remarque, Vinicius, Chandler, Simenon, Colette, Daphne du Maurier, Oscar Wilde, Rubem Fonseca.
Ou Eça, Lídia Jorge e Manuel Alegre, entre os portugueses.
Gostava que 2017 também fosse um ano assim.
Diz-me o bate-chapas da oficina de automóveis que arrendou parte do meu crânio (a que não está ocupada pelo cérebro) que apenas uma vez, em toda a música para piano de Mozart, se encontra a indicação de pianissimo ao lado de um fortissimo: é na Sonata Nº 8 em Lá menor. “Hawking”, acrescenta o factotum da oficina com os olhos perdidos no calendário Pirelli, “chamaria talvez a isso ‘uma singularidade’”. E o electricista jura acreditar que “Mozart teria sido capaz de compor o Big Bang”, o cujo, garante, “mais não é que um pianissimo seguido de um fortissimo”.
Eu ia contestar, um pianissimo não era de certeza, era género coisa nenhuma, quando muito um da Capo. Mas o mecânico meteu-se na conversa e lá do fundo, enquanto examinava o carburador do Ford Cortina, pôs-se lírico:
“Já imaginou? O universo inteiro em música para piano?”
Calei a objecção. Durante uns minutos, uma eternidade, todos os outros sons se envergonharam e ouviu-se a Sonata número 8 em Lá menor, de Mozart, o homem que podia ter composto o Big Bang.
Em 22 destaques feitos pelo Sapo em Dezembro, entre segunda e sexta-feira, para assinalar os dez blogues nesse dias mais comentados nesta plataforma, o DELITO DE OPINIÃO recebeu dez menções ao longo do mês.
Os textos foram estes, por ordem cronológica:
Dizer muito em duas palavras (46 comentários)
Bloco, Cuba e "laços de sangue" (48 comentários)
Os iluminados (22 comentários)
O cerco (100 comentários)
Pacheco e a "excepção" comunista (66 comentários)
Upstairs, downstairs (48 comentários)
Alepo, cidade-mártir (54 comentários)
Oposição criativa é isto (32 comentários)
Reflexão do dia (30 comentários)
O asfixiante mundo das boas intenções e a tendência para legislar sobre tudo o que mexe (51 comentários)
Com um total de 497 comentários nestes postais.
Fica o nosso agradecimento aos leitores que nos dão a honra de visitar e comentar. E, naturalmente, também aos responsáveis do Sapo por esta iniciativa.
Depois do Fim, de Paulo Moura
Crónicas internacionais
(edição Elsinore, 2016)