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Delito de Opinião

Temple of the Dog, 25 anos depois

Alexandre Guerra, 30.09.16

A partir do início dos anos 90, Seatlle passou a ser o símbolo de uma tendência social e cultural que influenciou e inspirou parte de uma geração, na altura ainda na sua adolescência. É certo que a cidade já tinha visto nascer Jimi Hendrix e que, antes, já tinha experimentado um fervilhar musical, sobretudo ligado ao jazz. Mas, é no final dos anos 80 e início da década de 90, quando uma parte dos adolescentes se encontram musicalmente órfãos e as “trends” da altura pouco lhes diziam, que Seattle emerge como um centro de sub-cultura que vem rasgar por completo com as tendências instituídas.

 

Este movimento “independente”, que mais tarde viria ser chamado de “grunge”, resulta da combinação espontânea de talento, juventude e irreverência (e, já agora, de alguma droga à mistura). O que alimentou esse movimento foi a música, um determinado estilo de música, à volta da qual se criaram tendências culturais e sociais, um certo estilo de vida, e que se prolongaram durante muitos anos. O expoente máximo desse fenómeno criativo não terá durado mais do que cinco anos, talvez entre 1989 e 94, mas foi o suficiente para criar colossos como os Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden, Alice in Chains ou Stone Temple Pilots. Mas estas bandas, provavelmente, não teriam existido se não fossem os Mother Love Bone, grupo criado em 1988, considerado como o percursor do movimento “grunge” e que durou até 1990, tempo suficiente para fazer um espectacular EP, chamado Apple, já lançado depois da morte por ovedrose do seu vocalista, Andrew Wood.

 

E a história começa a partir daqui. Daquela banda, faziam parte Jeff Ament, baixista, e Stone Gossard, guitarrista, músicos que viriam a fundar os Pearl Jam. E como? Porque, Chris Cornell, amigo de Andrew Wood e que dispensa qualquer apresentação, foi ter com Ament e Gossard para fazerem um álbum de homenagem ao antigo vocalista dos Mother Love Bone. Esse álbum viria a ser feito com a colaboração de Eddie Vedder que, juntamente com Cornell, gravaria o espectacular dueto, Hunger Strike.

 

O álbum chamou-se Temple of the Dog, nome também desta banda improvisada, e foi das melhores coisas feitas no último quarto de século em termos musicais no estilo rock/alternativo. É muitas vezes esquecido pelo público mais “mainstream”, mas quem gosta de música e esteve atento ao fenómeno “grunge”, reconhece a importância e a qualidade daquele álbum na influência que teve em tudo o que se lhe seguiu. Foi um trabalho único e, entretanto, cada músico seguiu a sua vida com o sucesso que se conhece.

 

Hoje, dia 30 de Setembro, 25 anos depois, vai ser lançada uma reedição de aniversário de Temple of the Dog, e com o anúncio de que essa super-banda se vai reunir em Novembro para dar uns concertos nos Estados Unidos. Em tempos de alguma desertificação no panorama rock actual, é sempre inspirador recuperar o que de muito bom se fez.

 

Música recente (31)

José António Abreu, 30.09.16

Eleanor Friedberger, álbum New View.

Cada canção dos The Fiery Furnaces parecia conter ideias suficientes para três ou quatro temas distintos. Sozinha, Eleanor faz pop mais normal. Mantém-se, contudo, um elemento de estranheza, em parte inerente à voz dela, em parte decorrente das letras offbeat e da própria música. É como se a maioria das canções estivesse em equilíbrio instável, podendo desmanchar-se a qualquer momento.

O mundo às avessas

Pedro Correia, 30.09.16

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Jorge Coelho (militante do PS)

«A pobreza só se resolve com o crescimento da nossa economia, só se resolve com a criação de empregos, com a criação de trabalho. É preciso haver estabilidade na nossa política fiscal porque isso é importante para o investimento externo.»

 

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Pacheco Pereira (militante do PSD)

«Uma política que pretenda diminuir as desigualdades passa também por taxar uma parte da riqueza e por garantir que essa riqueza não cria um mecanismo de acumulação que gera cada vez mais desigualdade. Há muita gente em Portugal que ou foge para os paraísos fiscais e não paga o imposto que devia ou que é muito menos taxada do que são os mais pobres.»

 

Na Quadratura do Círculo (SIC Notícias), 22 de Setembro

Do princípio ao fim (8)

José Navarro de Andrade, 30.09.16

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“«La caballería ya no tiene sentido», comentó el capitán Arderíus al término de la reunión del 8 de febrero, martes.”
Assim começa assim “Herrumbrosas Lanzas” de Juan Benet (1927-1993). A melhor maneira de alegar a favor dos méritos desta escolha como admirável abertura de um livro é recorrer à frase que inicia outro livro de forma exemplar: “A beginning is the time for taking the most delicate care that the balances are correct.” (“Dune” de Frank Herbert).
Mesmo em Espanha, embora tenha atingido aquele ambíguo estatuto em que fica mal a um literato confessar que nunca o leu, a verdade é que Juan Benet continua a ser um autor secreto e intimidante, havendo poucos leitores com paciência e necessidade para se afoitarem aos parágrafos caudalosos e às oceânicas 720 páginas de “Herrumbrosas Lanzas” – livro tão lateral aos apetites literários prevalecentes que está omisso da Wikipédia.
Por conveniência editorial, que o autor artisticamente converteu em figurino folhetinesco, o livro foi publicado em 3 volumes autónomos (partes I-VI em 1983; parte VII em 1985 e partes VIII-XII em 1996) e só em 1998 saiu do prelo a póstuma edição integral, contemplando ainda as supostamente incompletas partes XV e XVI, não havendo traços das XIII e XIV em falta. A corrente edição de bolso da editora Debolsillo (ISBN: 9788499080079) traz de brinde uma carta topográfica de Region, desenhada pelo próprio Benet (de profissão engenheiro de estradas) que é uma preciosa companhia à leitura da obra.
Por uma daquelas coincidências que por vezes encadeiam a literatura, mais barrocas do que invulgares (o que confunde os idealistas, perpetuamente esperançosos de verem o dedo do transcendente a furar a casca do tangível), a história editorial de “Herumbrosas Lanzas”, no que teve de intrincada, acidentada, mas sobretudo de resoluções pragmáticas, ilustra e reflecte
a mecânica do enredo do livro.
“Herrumbrosas Lanzas” é o relato de uma ínfima e quase frívola campanha da Guerra de Espanha, desenrolada na periférica região de Region (inevitável redundância) quando as tropas e os militantes fiéis à República sediados em Region (a cidade homónima da região), lançam um assalto à franquista cidade de Macerta, através da montanha que separa os dois vales. A matéria romanesca de “Herrumbrosas Lanzas” são os planos, os preparativos, as intendências, as discussões processuais, as controvérsias bélicas e as conspirações e traições dessa campanha, havendo um bom par de batalhas expostas com a inquestionável ferocidade que nelas costuma manifestar-se. Ou seja, “Herrumbrosas Lanzas” captura o lado mais exposto da condição humana, normalmente evitado pela literatura coetânea, que prefere apascentar as personagens e as ficções pelas acostumadas vertentes da psicologia e do sentimentalismo.
Segundo Javier Marías “Herrumbrosas Lanzas” é o livro definitivo sobre a Guerra de Espanha. Desta vez é possível concordar com ele.

De blogue em blogue

Pedro Correia, 30.09.16

Um ano de Chic' Ana: 366 dias de sucesso deste que se tornou o blogue mais comentado da plataforma Sapo. Votos de que o sucesso redobre no ano que agora começa.

 

Nuno Garoupa reforça o plantel d' A Destreza das Dúvidas, um blogue cada vez mais imperdível.

 

Movimento pelo Jardim do Caracol da Pena: eis uma causa que merece apoio.

 

Um estranho caso de hibernação estival: quase quatro meses de silêncio no Abrupto.

Diário semifictício de insignificâncias (16)

José António Abreu, 29.09.16

Entro para executar a única operação que alguma vez levei a cabo num consultório de dentista: uma limpeza. (Sim, é verdade, nunca tive uma cárie e mal me recordo de ter dores de dentes, o que às vezes me deixa a ponderar se estarei a perder experiências fundamentais numa vida normal.) Saio do consultório com uma cárie que é uma sombra mal visível na radiografia, uma sugestão para encher as arestas de três dentes, outra para encher as zonas junto às gengivas de dois, mais um aviso quanto à necessidade de corrigir uma deformação causada pelo modo como cerro os dentes durante a noite. Para ser franco, saio porque fujo, depois de dizer ao médico que hei-de tratar do assunto no mesmo tom em que ele me disse boa tarde. Saio a pensar que ele até pode ter razão em tudo o resto mas que, quanto ao cerrar dos dentes, acontece mais durante o dia.

Do princípio ao fim (7).

Luís Menezes Leitão, 29.09.16

"Jemand mußte Josef K. verleumdet haben, denn ohne daß er etwas Böses getan hätte, wurde er eines Morgens verhaftet" (Alguém devia ter difamado Josef K. porque, sem que ele tivesse feito nada de mal, foi preso numa manhã). É assim que se inicia o livro de Franz Kafka, Der Prozeß (O processo), escrito por volta de 1915, mas apenas publicado cerca de 10 anos depois. Este início retrata bem uma das angústias que atravessou todo o séc. XX: o medo da prisão em resultado da denúncia alheia. Esta prisão poderia ser efectuada pela Gestapo, pelo KGB, pela Stasi, pela polícia do apartheid ou até pela PIDE portuguesa. E por isso este início do livro é dolorosamente familiar em qualquer país. Curiosamente, no entanto, nenhuma destas polícias existia quando o livro foi escrito.

Mas o núcleo do livro é precisamente o que acontece depois da prisão: o processo. O processo é labiríntico e envolve Josef K. como uma teia de onde ele nunca se consegue livrar. Entra pela primeira vez num mundo de iniciados. O advogado explica-lhe como ir adiando o processo, mas que não conseguirá resolvê-lo. O juiz também terá contacto com o processo, mas não o decide. E Josef K. desespera para ter acesso ao processo, sem nunca conseguir.

 A maior simbologia que já foi feita sobre o acesso à justiça está num capítulo onde se conta uma parábola, capítulo que aliás tinha sido previamente publicado autonomamente como conto: Vor dem Gesetz (Perante a lei) aqui reproduzido em filme. Nesse capítulo conta-se a história de um homem que se aproxima de uma porta que dá acesso à lei. No entanto, a porta é guardada por um porteiro que não o deixa entrar. O homem aguarda ano após ano sem que o porteiro o deixe alguma vez entrar. Até que, por fim, envelhecido e moribundo, o homem desiste. Mas pergunta porque, durante tantos anos, foi ele o único a esperar à porta, sem que mais ninguém tentasse entrar. A resposta do porteiro é arrasadora: Esta porta estava aqui apenas para ti e, agora que desististe, vou fechá-la e mais ninguém entrará.

E a crueldade da justiça surge no capítulo final, com a execução de Josef K., às mãos de dois desconhecidos. Ele bem pergunta onde está o juiz que ele nunca tinha visto ou o alto tribunal que nunca alcançara. Mas agora tudo é inútil. Josef K. é executado, limitando-se a murmurar "Como um cão!", como se a vergonha devesse sobreviver-lhe ("Wie ein Hund!" sagte er, es war, als sollte die Scham ihn überleben). E de facto também aqui a vergonha do processo nunca é individual, espalha-se por todos os familiares e amigos e sobrevive até à morte do visado.

 

É curioso que uma obra-prima destas só tenha sobrevivido porque o amigo de Kafka, Max Brod, se recusou a destruir os papéis do autor, ao contrário do que tinha sido o desejo deste. Talvez Kafka pensasse que o mundo não estivesse preparado para uma descrição tão crua do sistema de justiça. Um ideal altamente nobre, com uma aplicação prática que pode ser extremamente perversa.

Cristalino!

Luís Menezes Leitão, 29.09.16

Acompanhei com bastante cepticismo a euforia nacional em torno do "sucesso" da candidatura de António Guterres à ONU, expressa em sucessivas votações. Sempre achei que essas votações não serviam absolutamente para nada, uma vez que a Realpolitik é que iria decidir quem iria ser o Secretário-Geral da ONU. E, por isso, a figura dos candidatos a responder a interrogatórios sucessivos "para inglês ver" é perfeitamente patética.

 

Neste momento, por razões geopolíticas, está assente que o próximo secretário-geral da ONU deverá vir da Europa Oriental e que deverá preferentemente ser uma mulher. Não faz por isso qualquer sentido esperar que um homem da Europa Ocidental possa ganhar a eleição. Mesmo que ganhe todas as votações, haverá sempre um veto de um membro permanente a inviabilizar a ascensão ao cargo. E não vale a pena falar em violação às regras democráticas: a ONU não é uma democracia já que, se o fosse, não haveria direito de veto.

 

A questão tem paralelo com o que se passou com o austríaco Kurt Waldheim em 1981. Tendo sido indiscutivelmente um bom secretário-geral da ONU, cumpriu dois mandatos à frente da organização com o agrado geral. Quando se tentou recandidatar a um terceiro mandato, surpreendentemente surgiu o veto da República Popular da China. Era o único país que se opunha à reeleição, pelo que Waldheim insistiu. 16 vezes se apresentou a votos e 16 vezes a China o rejeitou. A justificação para o veto foi apenas esta: Waldheim fora um excelente secretário-geral, mas em 35 anos da organização esse cargo fora ocupado durante 25 anos por homens do ocidente. Agora a China queria um secretário-geral oriundo do terceiro mundo. E assim Waldheim acabou por retirar a sua candidatura, tendo sido eleito o peruano Javier Pérez de Cuellar, que teve um mandato sem qualquer brilho à frente da organização.

 

Portanto, não vale a pena os nossos políticos fazerem de virgens ofendidas, e proclamarem a sua indignação pela entrada na corrida de Kristalina Georgieva, que já se percebeu muito bem que vai ser a escolhida. Aliás, já se sabia desde o início que, a bem ou a mal, o próximo secretário-geral será da Europa do Leste. Um dos maiores problemas actuais na esfera internacional é a ascensão da Rússia, e é necessário um secretário-geral que possa fazer a ponte entre a Rússia e o Ocidente, essencial para resolver antes de tudo o conflito na Síria. Neste quadro não é o currículo de Guterres na área dos refugiados que lhe permite qualquer expectativa de ascender ao cargo. Como ele próprio costuma dizer: "é a vida!". Na verdade, ele de nada se pode queixar que isto desde o princípio foi sempre absolutamente cristalino.

Um tiro de pólvora seca

Pedro Correia, 28.09.16

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Parece cada vez mais óbvio que a polémica em torno do novo imposto sobre o património imobiliário anunciado pela deputada bloquista Mariana Mortágua foi um tiro de pólvora seca, precipitado pela preocupação do BE em antecipar-se ao PCP no preenchimento da agenda mediática. António Costa esvaziou-a na primeira oportunidade e dela resulta apenas uma espécie de marcação de território ideológico com matriz identitária – algo que só interessa aos parceiros menores da actual maioria parlamentar.

“Combater os ricos” - caricaturados na propaganda clássica como obesos de cartola, prontos a ceder aos pobres apenas as cinzas dos seus charutos - é uma bandeira da esquerda pura e dura que o PS nunca partilhou.

Há excelentes motivos para o primeiro-ministro se demarcar do debate ideológico em curso, passatempo que nunca seduziu este "moderado social-democrata”, como ele próprio se intitula. Os sinais que as inflamadas declarações de Mariana Mortágua num evento socialista transmitiu à sociedade portuguesa, tão carente de recursos financeiros, são errados. Por demoverem as poupanças, desmobilizarem as aplicações dessas poupanças na economia real e desencorajarem o investimento de que a nossa economia tanto carece em tempo de estagnação.

De resto, “acabar com os ricos" sob o pretexto de que é preciso acabar com os pobres constitui uma mistificação grosseira: nunca pobre algum enriqueceu a partir do empobrecimento de um rico, como as chamadas “revoluções proletárias” do século XX amplamente demonstraram. Eis a maior vantagem do conhecimento histórico: evitar que se repitam trágicos erros do passado.

Do princípio ao fim (6)

Diogo Noivo, 28.09.16

“A raíz del regicidio del 1 de febrero, última escena trágica de la historia de Portugal, que es, siglos hace, un continuado naufragio, pudieron algunos creer que iba a cambiar el rumbo de su vida pública. No los que lo conocen. Aquel acto, tal vez justiciero, en todo caso fatal, fue de una justicia, de una fatalidad anárquicas.”

Miguel de Unamuno, “Desde Portugal”, Julho de 1908

Ensaio reunido no livro Por tierras de Portugal y de España (Alianza Editorial, 2014)

 

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Miguel de Unamuno, filósofo espanhol, um dos mais importantes da Geração de 98, viveu apaixonado por Portugal. Não era uma paixão cega, acrítica. A admiração e o fascínio iam quase sempre de mão dada com a exasperação.

Insuspeito de simpatias com a monarquia, Unamuno foi prudente – se não desconfiado – com o advento da república portuguesa. Muito poderia ser escrito a este respeito. Aqui, registo apenas a solidez e a seriedade intelectual de alguém que, não gostando da monarquia, recusou entregar-se nos braços do republicanismo português. Para este autor, a política, que se quer séria e importante, não se coaduna com lógicas de barricada. Em Miguel de Unamuno, a paixão por Portugal foi o motor de um espírito crítico sem concessões, de uma cidadania activa e comprometida vinda de alguém que, não sendo português, foi mais exigente com a pátria do que muitos dos seus contemporâneos lusos.

No ensaio “Desde Portugal”, cujo primeiro parágrafo aqui cito, após deambular pelas páginas de Oliveira Martins, Eça de Queiroz, Alexandre Herculano, entre outros, conclui que o pessimismo endémico dos portugueses resulta da apatia, “una apatia que produce a veces arranques de furia”. Normalmente mal direccionados, claro. Pouco terá mudado em Portugal.

Mais adiante, Unamuno arremete contra a pseudociência progressista e “pedante” das classes médias dirigentes, deslumbradas com trivialidades vindas do estrangeiro. Isto é, se fosse ressuscitado e voltasse a Portugal, Miguel de Unamuno não estranharia, por exemplo, as certezas dos economistas que fazem carreira no PS, no Bloco de Esquerda e na direita que gostava de ser liberal.

No parágrafo que abre este texto, o intelectual espanhol vê o regicídio como um acto de uma justiça e fatalidade anárquicas. No final do ensaio, Unamuno remata o assunto atestando que em Portugal, como na Galiza, pode “florecer el anarquismo, pero no el sentimiento de liberdad. Y la anarquia es la servidumbre”. Volvidos mais de cem anos, tudo está na mesma.

Abreviando bastante, uma das principais conclusões a retirar da leitura de “Desde Portugal” no início deste século XXI é que o país é dono de uma coerência estóica. A pele rija do carácter nacional é imune à passagem do tempo e, sobretudo, à aprendizagem que advém da experiência. É verdade que muito mudou. A alfabetização é quase total, a tecnologia superou a barreira da imaginação, a esperança média de vida aumenta. Mas o país é o mesmo. Sem tirar nem pôr.

Enfim, e honrando o propósito desta série que agora fazemos no DELITO, está tudo no primeiro parágrafo do ensaio: a paixão sofredora por Portugal; o espírito crítico; o acontecimento que serve de mote para perscrutar o carácter nacional; o fado imutável do naufrágio histórico.

A última "pomba" do Médio Oriente

Alexandre Guerra, 28.09.16

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Desde que me lembro de ter alguma consciência política e sensibilidade para as questões do mundo, que convivo quase diariamente com o conflito do Médio Oriente, seja em momentos de maior ou menor intensidade. Não estarei a exagerar se disser que aquela realidade israelo-palestiniana me tem acompanhado ao longo da vida, onde aliás já tive o privilégio de estar por mais que uma vez. Havia três figuras que faziam parte desse meu mundo: duas já morreram há uns anos; Ytzhak Rabin, em 1995, e Yasser Arafat, em 2004. E a terceira figura era Shimon Peres, que morreu esta manhã. Todos eles foram em tempos das suas vidas "falcões", que lutaram pela sua terra, mas morreram como "pombas" na tentativa de encontrar uma solução de paz para um conflito milenar.

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