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Delito de Opinião

Estranhas Formas de vida

Luís Naves, 27.08.16

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Uma frase:

“No que se refere ao Orçamento de Estado para 2017, estamos disponíveis para examinar e propor as soluções que sejam necessárias para repor os direitos perdidos pelo povo português. Tudo aquilo que for negativo e nos empurrar para trás votaremos contra”.

Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, explicando que será uma “ilusão” o governo acreditar que é possível ter crescimento económico e respeitar as “imposições e ameaças” da UE.

Diário de Notícias 21 de Agosto de 2016

 

Um post:

Há demasiadas interrogações sobre o caso da reestruturação da Caixa Geral de Depósitos, como se pode ler neste post de Maria Teixeira Alves, em Corta-Fitas. 

 

A semana

Domingo, 21 de Agosto de 2016

Martin Jacques interroga-se neste artigo sobre as consequências da grande crise de 2008, a maior perturbação do capitalismo desde os anos 30 do século passado. O autor britânico escreve sobre o aparente paradoxo do falhanço das ideias neo-liberais não ter ainda produzido uma vaga de ideias contrárias entre as elites intelectuais, que desvalorizam como ‘populismo‘ a vaga de contestação já tão evidente nas democracias avançadas.

A revolução neo-liberal dos anos 70 e 80 do século passado aumentou as desigualdades, permitiu uma onda migratória sem precedentes, reduziu a regulação dos mercados e a dimensão dos aparelhos governamentais. O capital foi beneficiado em relação ao trabalho e o rendimento dos mais pobres estagnou ao longo dos últimos 30 anos. Os ricos ficaram extraordinariamente ricos e, além disso, as taxas de crescimento económico não foram nada de especial. Este período prejudicou os trabalhadores menos qualificados, que foram vítimas da deslocalização dos seus empregos para zonas mais baratas ou que enfrentaram a concorrência dos imigrantes, também pouco qualificados, que aceitavam salários baixos, criando uma pressão que empobreceu o proletariado.

Esta interpretação ajuda a compreender fenómenos populistas como o Brexit ou Donald Trump: o candidato republicano é campeão da classe trabalhadora e contesta acordos comerciais que, até há muito pouco tempo, eram peças fundamentais das crenças políticas da direita. O artigo explica que os movimentos ditos ‘populistas’ estão a atacar o neo-liberalismo, mas também a esquerda europeia, que deixou de defender os trabalhadores: veja-se, por exemplo, a política de imigração, que os partidos de esquerda geralmente apoiaram, embora esta seja prejudicial para os seus eleitores tradicionais. A ideologia da esquerda permanece nos anos 70 e a linguagem é cada vez mais politicamente correcta, ou seja, repleta de eufemismo, evitando as questões essenciais. A mensagem simples, anti-globalização, de movimentos populistas é acompanhada da exigência de controlo sobre as grandes empresas e banca, de limites à imigração.

 

Segunda-feira, 22 de Agosto de 2016

Alemanha, França e Itália querem liderar a reconstrução do projecto europeu no período pós-Brexit e os líderes destes três países estiveram reunidos na ilha italiana de Ventotene, para preparar a cimeira de Bratislava do próximo mês, onde serão discutidos os problemas mais urgentes da UE: consequências do Brexit, conflito na Síria, crise migratória e relações com Turquia e Rússia. A cimeira entre Hollande, Merkel e Renzi não trouxe ideias novas ou decisões históricas, mas houve uma importante carga simbólica no encontro, pois foi nesta pequena ilha que Alfiero Spinelli escreveu em 1941, com Ernesto Rossi, o famoso Manifesto de Ventotene, documento político que defendia a necessidade de se criar uma Europa federal. Neste texto fundador das comunidades europeias, pretendia-se uma utopia socialista que pudesse responder ao nacionalismo que tinha dominado a década anterior.

A Europa enfrenta os mesmos dilemas do tempo de Spinelli: federalismo ou nacionalismo, capital ou trabalho, como acomodar os interesses dos pequenos países, que dose de social-democracia no consenso político. As lideranças parecem não ter ideias práticas: Jean-Claude Juncker afirmava recentemente em Viena que “as fronteiras [nacionais] são a pior invenção jamais feita pelos políticos”, frase incompreensível para a maioria dos europeus. O federalismo, nos termos em que Juncker o imagina, é uma ideia etérea sem sustentação na vontade do eleitorado. Os líderes das três maiores potências europeias da UE pós-Brexit enfrentam rebeliões populistas e pelo menos dois deles. Hollande e Renzi, correm sério risco de não estarem no poder dentro de poucos meses. Além disso, este trio está dividido em relação ao Tratado Orçamental: dois dos países querem flexibilização das regras, o outro resiste. Mesmo assim, estamos longe da ruptura da aliança europeia.

 

 

Leituras

Pedro Correia, 27.08.16

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«A pessoa superior não odeia ninguém. O ódio é, em si mesmo, uma emoção corrosiva e a pessoa superior não desce a tal baixeza

Pearl S. BuckAs Kennedys (1970), p. 250

Ed. Minerva, Lisboa, 1971. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues

Reflexão do dia

Pedro Correia, 26.08.16

«As coisas correram pessimamente ao Governo durante o mês de Agosto. Pelo caso da GALP e pela forma muito amadora como pareceu ser tratada a escolha da administração da Caixa Geral de Depósitos e depois a sugestão de uma proposta de lei para favorecer pessoas especificamente - isso é uma coisa que não se faz. (...) A economia está estagnada. (...) Era preciso haver melhores notícias para os salários, para as pessoas, para o investimento, para o emprego.»

Francisco Louçã, na SIC Notícias

Mas que descaramento!

Teresa Ribeiro, 26.08.16

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Leio a notícia e pasmo: "Medida-chave contra incêndios será facultativa". Reajo a quente: Mas como é que "medidas-chave" podem ser facultativas? Estão a brincar connosco?  Avanço no texto para perceber de que medidas se fala e então fico esclarecida. Trata-se do destino a dar às terras abandonadas, cujo mato nunca é limpo, e que nesta época são sempre referidas como potenciais focos de incêndios florestais. 

O ministro da Agricultura, Capoulas Santos, ainda com parte do país a arder, ousou vir a público dizer que "os municípios que vierem a assumir voluntariamente a passagem da posse da floresta sem dono têm de fazê-lo de forma voluntária e reunir capacidade para gerir esses perímetros florestais".

É claro que na mesma notícia, que li na última edição do Expresso, logo apareceram declarações de três autarcas das áreas mais fustigadas pelos fogos deste ano - Arcos de Valdevez, São Pedro do Sul e Arouca - a informar que se demarcavam dessa possibilidade, alegando não ter capacidade para assumir a responsabilidade. E seria de esperar outra coisa? 

Não me ocorre uma forma mais grosseira de contornar as dificuldades do que este "passa- responsabilidades" do poder central para o autárquico, do autárquico para o central e ainda com esta pérola que é a base de toda esta grande ideia ser facultativa. 

Pela amostra já deu para perceber que para o ano cá estaremos, impotentes e aflitos, a assistir a mais uma reprise do espectáculo de sempre: a irresponsabilidade, a incompetência e o laxismo de quem tem a obrigação de pelo menos tentar, com seriedade, combater este drama sazonal. Enquanto o país arde.

Entre a lágrima e o sorriso

Pedro Correia, 26.08.16

De longe em longe somos surpreendidos pela notícia do desaparecimento de alguém que imaginámos imortal. Aconteceu-me em Abril de 2015 com Manoel de Oliveira, que partiu aos 106 anos: parecia-me inacreditável que um homem iniciado na aventura do cinema ainda na era do mudo, parceiro de tantas cenas com Vasco Santana na mítica longa-metragem A Canção de Lisboa, se mantivesse entre nós. Aconteceu-me há dias com o professor Moniz Pereira, personalidade que tanto admirei, campeão em várias modalidades e treinador de campeões - desde logo o incomparável Carlos Lopes, primeira medalha de ouro olímpica portuguesa: permaneceu connosco até aos 95 anos, despedindo-se no termo de uma vida cheia e a vários títulos exemplar.

Também na música acredito que vários dos meus ídolos são imortais. Gente maiúscula, que na maior parte dos casos já seduzia multidões muito antes de eu nascer e continua por aí: Vera Lynn (99 anos), Charles Aznavour (92 anos), Tony Bennett (90 anos), Juliette Gréco (89 anos), Harry Belafonte (89 anos), Chuck Berry (89 anos), Sonny Rollins (85 anos), João Gilberto (85 anos), Omara Portuondo (85 anos), Little Richard (83 anos), Jerry Lee Lewis (80 anos), Kris Kristofferson (80 anos) e Hermeto Pascoal (80 anos).

 

Toots Thielemans (1922-2016) 

 

Quando um nome grande da música se apaga sinto-me como quando era pré-adolescente, ao descobrir que afinal não existia Pai Natal.

Voltou a acontecer esta semana, ao saber da notícia do falecimento de Toots Thielemans: sempre o escutei, fascinado, desde que me lembro. Este belga míope e sem aura de vedeta era o homem dos desafios impossíveis em matéria musical: foi ele quem trouxe a harmónica para o jazz, casando o instrumento de que era exímio praticante com um género mais associado ao piano ou ao saxofone.

Foi um casamento longo e de inegável sucesso. Thielemans atravessou décadas no primeiro plano da arte musical, cativando sucessivas gerações que o ouviram em palco ou nos registos discográficos. E também no cinema, onde se escuta na abertura de Boneca de Luxo (1961) e na inesquecível banda sonora do pungente Cowboy da Meia-Noite (1969).

Tocou com quase todos os nomes grandes da música que lhe foi contemporânea - de Benny Goodman e Charlie Parker a Paul Simon, de Sidney Bechet e Miles Davis a Diana Krall. Passando por Ella Fitzgerald, Bill Evans, Dinah Washington, Dizzy Gillespie, Stéphane Grappelli, Oscar Peterson, Quincy Jones, George Shearing, Pat Metheny, Stevie Wonder, Milton Nascimento ou Elis Regina.

Reparem neste delicioso duo com a intérprete de Águas de Março em que Thielemans transforma o assobio em instrumento de luxo na mais célebre das suas composições, Bluesette:

 

 

A festa da música, a festa da arte, a festa da vida. Também por isto Toots Thielemans - que nos deixou esta terça-feira, aos 94 anos, apagando-se durante o sono - me parecia imortal.

Numa das ocasiões recentes em que foi homenageado na sua Bélgica natal este modesto cidadão do mundo que apenas queria ser um artesão esforçado, quase como se pedisse desculpa pelo talento, afirmou que na sua idade já só podia mover-se "nesse pequeno espaço existente entre a lágrima e o sorriso".

Legou-nos a música - e também esta suave sabedoria de vida que conservou até ao fim. Gigante sem parecer que o era, rumo ao pôr-do-sol enquanto os mágicos acordes da sua harmónica soavam já na eternidade.

Música recente (21)

José António Abreu, 26.08.16

Mesa, álbum Loner.

No segundo trabalho da era pós-Mónica Ferraz dá-se a mudança para o inglês. Não obstante achar que os Mesa nunca conseguiram moldar o português da forma como outras bandas o fazem (pense-se nos Clã), hoje sinto falta da ligeira incongruência que o esforço parecia introduzir-lhes na música. Em inglês, soam-me mais normais.

Paradoxo

Sérgio de Almeida Correia, 26.08.16

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"What we now see emerging is a notion of democracy that is being steadily stripped of its popular component – easing away from demos" - Peter Mair (1951-2011)

 

A fotografia da bancada do Parlamento Europeu vazia e com um único deputado não deixa de ser curiosa e, ao mesmo tempo, elucidativa desse afastamento do demos de que falava o saudoso Peter Mair, talvez o mais brilhante cientista político da sua geração. Desconheço se o livro já foi lido e se é conhecido dos políticos portugueses, mas o paradoxo está em que o deputado que ficou na bancada e que serve de ilustração à capa deste livro póstumo de Mair é um ex-jotinha, Carlos Coelho, o deputado europeu do PSD que é reconhecidamente um dos mais trabalhadores, preocupados e esforçados políticos nacionais. A fotografia é injusta para ele, não fazendo jus ao seu trabalho, sem deixar de ser igualmente um reconhecimento pelo seu empenho, visto que foi o único que lá ficou. De qualquer modo, poucos se devem poder orgulhar de terem sido capa num livro de Peter Mair. Pelas boas e pelas más razões.

Diário semifictício de insignificâncias (7)

José António Abreu, 25.08.16

Início da manhã, em Aveiro. O nevoeiro ia-se dissipando. O Sol estava quente mas ainda suave, intensificando de tal forma as cores que era como se quase tudo tivesse acabado de receber uma demão de tinta. Algumas pessoas passeavam os cães, os primeiros barcos com turistas ronronavam pela ria. Senti vontade de ficar sentado, a apreciar um daqueles momentos em que as cidades – algumas cidades – conseguem mostrar-se belas, pacíficas, acolhedoras.

Mas não podia - e o homem com quem me encontrei não estava satisfeito. Explicou-me que já por duas vezes tivera que adiar as férias. «Se não conseguir tirar a semana que vem, ainda dou em doido.»

«Vai para o Algarve?».

Disse que sim. Se conseguisse. «Nem é pela praia. Preciso é de variar.»

«Mas tem sorte», disse eu, apontando para o canal onde passava mais um barco. «Vive numa zona fantástica. Uma zona turística por excelência.»

Esboçou um sorriso. Disse: «Sim, é verdade.» Depois encolheu ligeiramente os ombros.

No regresso, pus-me a pensar que a habituação é uma coisa traiçoeira. Faz perder a capacidade de ver a beleza (e não apenas do local de residência; frequentemente, também das pessoas com quem se reside). Como tantos outros, ele precisa de mudar de sítio não para conhecer algo diferente (já terá estado no Algarve), nem para fazer algo de substancialmente diferente (deitar-se-á na praia e sentar-se-á em esplanadas, comerá gelados e beberá cervejas, lerá livros e consultará a internet no telemóvel), mas para fazer quase o mesmo, longe de casa.

Acredito que necessitamos de mudança. Mas dá-me ideia que normalmente apenas procuramos – e, por conseguinte, apenas obtemos - a ilusão de mudança. Ainda que, em vez de conduzir até ao Algarve, voemos para Cabo Verde, Cuba ou Istambul. (Há dias contavam-me a história de alguém que, temendo os assaltos, não saiu do carro alugado durante a visita a Nápoles.) Sem o sabermos, somos turistas acidentais, constantemente em busca do que nos é familiar (note to self: ler outro livro de Anne Tyler). Mas sabemos que alguma coisa está errada. Por isso tantas vezes apenas dizemos das férias que «já acabaram», e passamos o ano a renovar as ilusões.

 

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Eduardo Prado Coelho

Patrícia Reis, 25.08.16

"O mais terrível é sentirmos a irreversibilidade do tempo. Que mesmo quando tudo se repete, já nada se repete, pela primeira vez. E que nós nos gastamos como borrachas na demorada corrosão das coisas. Um dia acordamos e já não é a primeira vez. A não ser quando a paixão nos diz que, nupcial e navegante, cada gesto de amor é sempre o primeiro."

Food for thought (1)

José Maria Gui Pimentel, 25.08.16

Fareed Zakaria entrevistou recentemente na CNN Bryan Stevenson, um advogado, professor e activista americano que pôs o dedo na ferida ao classificar os EUA como uma "post-genocidal society". A questão racial na América está, de facto, muito longe de estar resolvida. À superfície, na opinião publicada e politicamente correcta, existe há muito um consenso que vê o tema como tabu, e que faria o leitor distante supor o fim do racismo. Nos últimos anos, noutras frentes, como no entretenimento, e sobretudo em meios urbanos, a questão racial parecia ter praticamente desaparecido. Como se isso não fosse suficiente, um presidente negro foi eleito - e reeleito - em 2008 e 2012. 

 

Apesar destes passos, é hoje evidente que subsiste um largo substracto da população que manteve as suas convicções e foi acumulando, escondido dos media, ódio e ressentimento. Isto mesmo foi visível nos recentes confrontos entre a polícia e a população negra, e não foi também irrelevante para a absolutamente imprevista candidatura de Donald Trump.

 

Os eventos recentes mostram, com efeito, que a questão racial nunca foi bem sarada. Stevenson alega que parte do problema reside no facto de esse trauma nunca ter sido discutido abertamente, como noutras geografias com problemas semelhantes (e.g. Apartheid). Terá, pelo menos, razão parcial. Dá que pensar.