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Delito de Opinião

O comentário da semana

Pedro Correia, 31.01.16

«Há uma dimensão das análises que, curiosamente, nunca vi contemplada: o financiamento dos partidos através das eleições.
Os das esquerdas, que não contam com a simpatia nem as bolsas dos privados que têm a massa, financiam-se através do Estado, de diversas formas, incluindo as eleições.
O caso é evidente no bónus de 500 mil euros que o BE irá receber por estas eleições e na (lamentada) perda de 380 mil do PCP pelo mau candidato que escolheu e pela participação na geringonça (bendita geringonça se ajudar a acabar com o último dinossáurio político na Europa Ocidental).
E o PCP financia-se ainda através das autarquias que gere, que enche de filiados (só na minha, com 903 funcionários, tem mais de 500 militantes), pois estes pagam a dízima ao partido. E através de todos os cargos que consegue em todas as estruturas do Estado, nos mais diversos acordos que faz: veja o caso da Área Metropolitana de Lisboa, cujo 1.º secretário é Demétrio Alves.
Por isto o PCP é o mais acérrimo opositor de qualquer reforma do Estado: está sempre contra qualquer racionalização administrativa.
A proliferação de estruturas é o sangue donde se alimenta.
O instinto de sobrevivência deste dinossáurio, forjado na clandestinidade durante quase metade da sua longa existência (foi criado em 1921), condiciona toda a racionalidade que que por lá possa existir.»

Do nosso leitor M. S. A propósito deste meu texto.

Primárias americanas

Luís Naves, 31.01.16

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Começa amanhã no irrelevante estado do Iowa o ciclo frenético das primárias americanas, cujo momento decisivo (pelo menos no caso dos democratas) deverá ocorrer no início de Março, na chamada super-terça-feira. No Verão, haverá convenções partidárias e a votação presidencial realiza-se em Novembro.

As sondagens indicam que, do lado republicano, o milionário Donald Trump tem vantagem, só não se sabe quais serão os rivais capazes de aguentar até Abril ou de dar luta até à convenção (talvez Marco Rubio ou Ted Cruz). Do lado democrata, apesar da subida do esquerdista Bernie Sanders, a eleição parece ao alcance de Hillary Clinton. Mesmo que sofra contratempos no Iowa ou em New Hampshire, Hillary tem vantagem nos estados do Sul que votam na super-terça-feira e já garantiu a maioria dos delegados institucionais do partido.

As eleições americanas baseiam-se num mecanismo arcaico do século XIX que convive mal com a sociedade mediatizada do século XXI. Este paradoxo favorece um sistema oligárquico, dependente de quantidades impressionantes de dinheiro, e produz campanhas que afunilam os temas, discutidos com extrema demagogia. A política americana está a tornar-se mais populista e virada para dentro, incapaz de ter um olhar sobre o mundo. Os candidatos precisam de ter cuidado com temas tóxicos (imigração, armas, aborto) e nunca perdem tempo com assuntos complexos, que não interessem à televisão.

A América é um império relutante, que ao longo da sua História manteve políticas de isolamento, sobretudo após intervenções externas. Na pré-campanha, Trump já radicalizou o partido republicano, que parece aderir a um isolacionismo patológico. Do lado democrata, a favorita Hillary Clinton foi chefe da diplomacia americana, mas aí está também a sua vulnerabilidade. Com a política externa submetida a discussões de política interna, a América tenderá a desinteressar-se pelos conflitos mundiais, o que implicará eventual abandono de aliados, acções a meio-gás, paralisação institucional, hesitação ou até incapacidade de agir.

Blogue da Semana

Diogo Noivo, 31.01.16

Estreio-me na série Blogue da Semana sugerindo aos leitores do Delito que passem pelo Café Steiner para tomar qualquer coisa. Vale a pena visitar este blogue do El País por várias razões. Primeiro, o bom gosto de homenagear George Steiner. Segundo, Jose Ignacio Torreblanca, o autor, é um excelente analista de política internacional, especialmente de assuntos europeus. Terceiro, no Café Steiner há uma atenção cuidada aos desenvolvimentos da cena política espanhola, que vive um dos momentos mais interessantes (e incertos) das últimas décadas. Por fim, um blogue espanhol que faz referência a Pessoa no seu texto de apresentação é merecedor de amizade lusa.

As canções do século (fim)

Pedro Correia, 31.01.16

 

Estas coisas nunca acontecem bem como as planeamos. Eu tinha pensado inicialmente numa série de 365 canções que marcaram o século XX - uma por dia, ao longo de 2010. O segundo ano de vida deste blogue.

Lembro, a propósito, as primeiras que seleccionei: Starting Over (John Lennon), Time After Time (Margaret Whiting), Impossible Dream (Luther Vandross), Cucurrucucu Paloma (Caetano Veloso), Bon Annniversaire (Charles Aznavour), Valsinha (Chico Buarque), Perfidia (Ibrahim Ferrer), The Man I Love (Billie Holiday), Gracias a la Vida (Violeta Parra), Trouble (Elvis Presley), Eleanor Rigby (Beatles), La Foule (Edith Piaf), Singin' in the Rain (Gene Kelly), Desafinado (João Gilberto) e Something Stupid (Frank e Nancy Sinatra).

A adesão inicial dos leitores e o próprio entusiasmo que fui ganhando durante a elaboração da série prolongou-a por outros anos: 2011, 2012, 2013, 2014, 2015. Entrou até em 2016, com direito a destaque no portal do Sapo, por ser a mais antiga série diária em publicação ininterrupta na blogosfera portuguesa.

Termina hoje, com uma capicua perfeita e ao inevitável som do arrebatador e profético tema dos Doors que pela primeira vez escutei num dos filmes que integram o meu panteão pessoal: Apocalypse Now. A música é indissociável do cinema, é indissociável da vida, é inseparável da biografia de cada um de nós: se pudéssemos escolher a banda sonora das nossas vidas quantos temas musicais seleccionaríamos?

 

 

Descobri muito mais do que supunha nas pesquisas que fui fazendo para estas Canções do Século que hoje se despedem de vós. No fundo era esta uma das motivações mais fortes que me levaram a lançar a série: ampliar a minha própria cultura musical. Sem a circunscrever ao universo anglo-americano, contrariando assim uma das lacunas mais recorrentes e um dos erros mais grosseiros neste domínio: como é possível ignorar Tom Jobim, Edith Piaf, Carlos Gardel, Caetano Veloso, Antonio Machín e Jacques Brel quando se elaboram listas dos temas musicais que mais marcaram o século XX?

 

 

Nem sempre foi fácil escolher entre originais e versões. Se nunca tive dúvidas, por exemplo, em eleger Les Feuilles Mortes na interpretação de Yves Montand que lhe deu fama, noutros casos optei por uma versão que se tornou mais célebre ou simplesmente por ter encontrado um vídeo com maior qualidade sonora. Aconteceu por exemplo com Sea of Love, gravada originalmente em 1959 por Phil Phillips e que aqui trouxe na versão muito posterior de Cat Power. Houve outros casos, embora raros, em que optei pelas duas versões. Aconteceu com Les Moribonds, de Brel, e da versão norte-americana intitulada Seasons in the Sun, que sempre associarei ao quente Verão de 1974, interpretada por Terry Jacks. Ou o célebre My Way, popularizado por Frank Sinatra, que começou por ser Comme d' Habitude, na voz de Claude François.

Voltou a acontecer ontem, propositadamente, com At Last - fabulosa canção composta por Harry Warren e Mack Gordon que foi logo um êxito ao estrear num filme da 20th Century Fox em 1942. Chegou aqui nas suas duas melhores versões: a de Etta James em 1961 e a de Beyoncé, que entrou para a história ao abrilhantar o baile inaugural da presidência Obama, em 2009.

 

 

Nem sempre foi possível encontrar vídeos disponíveis na rede com o padrão estético que as circunstâncias exigiam. Acabou por imperar a tese do mal menor: julgo que os leitores terão relevado esta falha. Houve também problemas suscitados por direitos de autor: gostaria de ter trazido aqui mais temas do meu sempre idolatrado Bob Dylan, mas a rigorosa Sony ia-me informando que não estavam disponíveis. Os Supertramp, na sua composição original, permaneceram quase sempre inacessíveis pelo mesmo motivo.

Mas música nunca faltou por cá - de 1902 (o tema mais antigo) a 1999 (o mais recente); dos A-Ha aos Zombies, por ordem alfabética.

Os mais representados, julgo que sem surpresa, foram os Beatles (com 54 canções). Seguiram-se Chico Buarque (33), Frank Sinatra (29), Rolling Stones (21), Ella Fitzgerald (21), Caetano Veloso (16), Brel (16), Elvis Presley (15), Elis Regina (15), Beach Boys (14), Stevie Wonder (14), Nat King Cole (14), Dylan (14), Billie Holiday (14), Leonard Cohen (13), Ray Charles (13), Simon & Garfunkel (13), Lennon (13), Charles Aznavour (13) e Piaf (13).

Alguns dos intérpretes foram morrendo enquanto a série durou: Jean Ferrat, Lena Horne, Crispian St. Peters, Cesária Évora, Whitney Houston, Donna Summer, Robin Gibb (dos Bee Gees), Chavela Vargas, Andy Williams, Lou Reed, Joe Cocker, Natallie Cole, David Bowie, Black (que imortalizou o tema Wonderful Life). A quase todos foi possível prestar aqui, no dia imediato, a merecida homenagem musical.

 

 

Alguns leitores estranharam a ausência de portugueses neste longo desfile. É fácil de explicar: tenciono fazer outra série de Canções do Século só com vozes e temas nacionais. Tal como não excluo organizar outra dedicada apenas a temas instrumentais, que desta vez ficaram de fora: será então possível trazer aqui Glenn Miller, Santana, Astor Piazzolla, Egberto Gismonti, Benny Goodman, Anton Karas, John Coltrane, Miles Davis, Nino Rota, B. B. King, Paco de Lucia, Ry Cooder e tantos outros.

Do século XXI poderei ocupar-me mais tarde. Por agora suspendo as funções de DJ do nosso DELITO que durante tanto tempo desempenhei com gosto. Passo o testemunho ao Rui Herbon, que a partir da próxima madrugada tomará conta da emissão. Espero que acompanhem o próximo desfile musical com o mesmo interesse que me demonstraram durante estes seis anos. E agradeço a todos as preciosas sugestões que me foram dando.

Um blogue também serve para intercâmbio de conhecimentos. É útil e desejável aprendermos um pouco mais uns com os outros. E divertindo-nos de caminho, sempre que possível.

Foi o que aconteceu comigo. Não vou esquecer.

 

Estado da Arte orçamental

Diogo Noivo, 30.01.16

O homem quer, o homem sonha, a austeridade morre. É esta a convicção do Governo e dos partidos de esquerda que o apoiam. O problema é que, com excepção da aliança frentista, ninguém acredita neste aforismo.

As agências de rating não estão convencidas com o esboço de Orçamento de Estado para 2016. Mas deixemos as agências de rating. São pérfidas, a face mais visível do grande capital especulativo que oprime os trabalhadores e o povo.

Os bancos, entre os quais o Commerzbank, tão pouco estão convencidos com as intenções oníricas do Executivo nacional. Mas deixemos os bancos. São geridos de forma irresponsável. São os sicários que estiveram na origem da crise internacional.

A Comissão Europeia une-se ao coro de receios. Teve a ousadia de, por carta, questionar o Governo socialista e, pasme-se, alerta para o incumprimento de metas com as quais o Estado português se comprometeu. Mas deixemos a Comissão. Todos sabem que Bruxelas é parte integrante de um pacto mefistofélico com bancos, com as agências de rating e, pior, com o anti-cristo que dá pelo nome de Angela Merkel.

O Conselho de Finanças Públicas, já em terras lusas, também suspeita das contas apresentadas no esboço de Orçamento. Mas deixemos o Conselho de Finanças Públicas. Na sua maioria, são cinzentões académicos, destituídos de uma noção real das coisas.

Por último, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) não só questiona as contas do Governo, como afirma que contribuem “para melhorar artificialmente o esforço orçamental, interferindo com a medição da variação do saldo estrutural conforme estabelecido no Pacto de Estabilidade e Crescimento e reflectido na Lei de Enquadramento Orçamental”. Em bom português, as contas estão marteladas. Mas deixemos a UTAO. De acordo com o deputado Paulo Trigo Pereira, em declarações proferidas há dias na RTP, a unidade técnica pecou na forma como se pronunciou e está a fazer o jogo da direita.

No meio de tudo isto, o que é real? A realidade é a pátria soberana, diz-nos José Pacheco Pereira. E essa quem a define é o Governo.

A criança problemática

Luís Naves, 30.01.16

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Os defensores da frente de esquerda subestimam as dificuldades da sua estratégia populista. O Governo parece cercado por duas opções incompatíveis: continua a consolidação orçamental ou perde a confiança dos mercados. Dito de outra forma: o País cai em crise política ou as taxas de juro sobem. A questão não está apenas nas exigências de Bruxelas, que teme os efeitos da súbita perda de credibilidade portuguesa, mas na percepção dos investidores e na ilusão de que será possível convencer os credores de que esta é uma luta entre bem e mal.

O Governo ignora os sinais da realidade. O problema das migrações transformou-se na crise mais séria da última década na Europa. Um grupo de países de Leste (com os mesmos votos que a França) uniu-se em rebelião contra os poderes da Alemanha, e talvez mais do que isso. A banca italiana pode necessitar de um resgate gigantesco. A UE entrou numa difícil negociação sobre reformas internas, visando manter o Reino Unido nas instituições; sem mudanças profundas, algumas difíceis de concretizar, os ingleses poderão abandonar a organização.

Estas negociações decorrem num ambiente inquinado pela ascensão dos populistas de direita. A Frente Nacional, em França, ultrapassou um patamar eleitoral que ameaça o regime da Quinta República; outro partido, Alternativa para a Alemanha, conquistou parte do eleitorado da CDU da chanceler Angela Merkel; o governo minoritário dinamarquês (liberal) terá de aplicar uma lei injusta que confisca os refugiados, demonstrando que os populistas de direita (Partido do Povo, DF), fora do governo, mexem todos os cordelinhos; o fenómeno do crescimento de formações que contestam o sistema tradicional estende-se ainda à Suécia, Finlândia e Holanda. Todos estes países receberam multidões de refugiados, pelo que parece pura hipocrisia o tom das críticas em Portugal. E como se resolve isto? Suspende-se a democracia? Entretanto, a zona euro não estabiliza e a Espanha entrou numa crise política que talvez só tenha solução em Maio.

Nem é preciso alargar o palco para se perceber que 2016 será um ano de instabilidade. Ao contrário do que escrevi, o populista Donald Trump tem mesmo hipóteses de ser nomeado candidato republicano às eleições presidenciais americanas de Novembro de 2016. Esse pesadelo não é impossível, nem sequer improvável. Para piorar os cenários, o petróleo barato pode não durar muito tempo, sobretudo se tiverem êxito as tentativas russas de negociar cortes na produção; a alternativa é o inevitável estoiro de economias emergentes, o que pode provocar uma nova vaga na crise financeira mundial.

Talvez António Costa acredite ser possível passar entre as gotas desta chuva torrencial, mas parece insensato apostar em travessia tão arriscada. Convinha ter prudência, pois com tantos problemas entre mãos, os nossos credores tentarão matar à nascença qualquer veleidade de insubordinação da “criança problemática”.

Descubra as diferenças

Pedro Correia, 30.01.16

«O Governo quer melhorar a situação das pessoas que têm salário, melhorar os direitos laborais, melhorar as reformas, e subitamente este Governo surge aos olhos dos burocratas de Bruxelas como inteiramente subversivo. E estão a pô-lo na ordem. (...) Portugal não é uma colónia dos burocratas de Bruxelas.»

Pacheco Pereira, 28 de Janeiro

 

«A Comissão Europeia está a assaltar o nosso país.»

Catarina Martins, 29 de Janeiro

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