Casimiro de Brito
Entraste na casa do meu corpo,
desarrumaste as salas todas
e já não sei quem sou, onde estou.
O amor sabe.
O amor é um pássaro cego
que nunca se perde no seu voo.
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Entraste na casa do meu corpo,
desarrumaste as salas todas
e já não sei quem sou, onde estou.
O amor sabe.
O amor é um pássaro cego
que nunca se perde no seu voo.
Onde a sombra dela se mostra; o fio da roca não é um conto de fadas; Carlota é a coisa estúpida que não arfa; o fim do sexo demora a passar; passamos aos negócios
Carmen sorriu. Não tinha nada a perder. Estava convencida de que Jaime nada teria contado sobre a sua vida ao irmão. Era essa a pouca importância que ela tinha: uma vida que não interessava. Talvez fosse pouco importante. Talvez a sua história não tivesse os contornos apropriados. Jaime pouco sabia das sombras que desciam sobre ela. Paulo estava a ouvir. Carmen decidiu aproveitar.
Queres saber da minha mãe? Ama o meu pai. Cumpre as tradições. Tem imenso brio nas suas baixelas de loiça. Alterna no Natal. Faz questão de só beber gin e, mesmo assim, só depois das seis da tarde. Não tem conversas com o meu pai. Não é possível ter conversas com o meu pai. Ouve o seu querido marido com certo enlevo e a concentração que lhe dedica é semelhante à das mães que dão de mamar.
Carmen, tu precisas de fazer terapia.
Não precisamos todos?
Entretanto, Carlota tinha pensado em todas as coisas obscenas possíveis, cenários, palavrões, ordens, tudo isso na cabeça dela a correr como uma legenda de uma série de origem estranha, dinamarquesa, sueca, qualquer coisa. Não podia dizer a Martim que o sexo, se mental, para ela era auditivo e, para tudo isso, para conseguir chegar lá, precisava de mais do que só o ouvir arfar, precisava de palavras concretas. Se lho dissesse iria pensar que ela, ela na sua saia de haute-couture, era uma puta? Provavelmente. Pensou em tudo e percebeu o corpo dele terminar o orgasmo em cima do seu corpo como quem percebe que perdeu qualquer coisa: as chaves de casa, o táxi da esquina, o elevador. Carlota e as coisas estúpidas de se ser apenas Carlota.
Martim sorriu-lhe e ela viu como os seus dentes, imaculados, tinham um resto de qualquer coisa. O feio pareceu-lhe mais feio por causa disso, porém devolveu o sorriso. Não queria sair de dentro dela, ele, o seu sexo a cair, a diminuir. A coisa humilhante de ser bem educada e esperar. Carlota concluiu
Não servias para puta.
Martim aprendera pouco sobre as mulheres. Não era sensível como Jaime, instruído nas emoções como Paulo. Não. Era um homem de negócios, pragmático, alguém que decidira que a vida teria de lhe sorrir por ser incapaz de se imaginar pobre ou medíocre. Assim, depois do sexo, rápido, eficaz, acreditou que falar sobre as operações complexas do stock de bebidas das discotecas era um tema como qualquer outro. Carlota fez duas perguntas inteligentes e deu consigo a sorrir. Talvez não fosse apenas um encontro de uma noite. Carlota podia ser mais.
Bronco Angel, o Cow-boy Analfabeto, de Fernando Assis Pacheco
Prefácio de Carlos Vaz Marques
Novela
(edição Tinta da China, 2015)
A Ordem dos Arquitectos acaba de publicar no seu site este Regulamento de Inscrição e Estágio. Depois de seis anos (2001-2007) como seu dirigente, têm-me motivado pouco as suas discussões internas cada vez mais alheadas do mundo e do país.
Contudo, esta discussão interna - ou a falta dela -, motiva-me a alertar para o facto de, se nada se fizer, a Ordem dos Arquitectos continuar a fechar-se no seu castelo isolada do mundo, sob o olhar displicente da maioria dos arquitectos.
Aqui ficam algumas notas/observações públicas sobre este documento:
"A ex-ministra das Finanças autorizou o inspector-geral de Finanças, já depois das eleições de Outubro, a optar pela sua anterior remuneração de auditor-chefe no Tribunal de Contas com base numa norma legal que a Procuradoria-Geral da República considerou revogada no final do ano passado. Graças a esta autorização, Vítor Braz, que, tal como Maria Luís, foi assessor do gabinete do secretário de Estado das Finanças em 2001, ficou a ganhar mais 1110 euros mensais.
O despacho da ex-ministra, que não refere o nome de Vítor Braz, tem efeitos a partir de Janeiro deste ano, data da sua designação como inspector-geral. A aplicação retroactiva da decisão é justificada no documento com o facto de a autorização ter sido requerida “antes daquela data”. O que significa que Maria Luís levou mais de dez meses a decidir sobre o pedido do inspector-geral sem se lhe levantarem dúvidas — pelo menos não as fez constar no despacho — sobre a aplicabilidade da norma que a PGR considera revogada.
(...)
Vítor Braz e a ex-ministra não quiseram responder às perguntas que o PÚBLICO lhes dirigiu, por escrito, há várias semanas e acerca das quais contactou repetidamente, e em vão, os respectivos secretariados. Vítor Braz mandou dizer apenas que “o património e o pessoal da IGF são geridos pela secretaria-geral do Ministério das Finanças” - Público, José António Cerejo, 02/12/2015, pp.14-15
Desculpem se vos incomodo com as minhas consumições, mas ando mesmo muito angustiado. A minha filha Leonor fez os exames do básico há mais de dois anos e, ao contrário do que seria de esperar, não apresenta sinais de qualquer trauma. Para ser sincero, ainda agora a apanhei a rir à gargalhada. Conhecem outros casos semelhantes? Não acho isto normal...
A notícia de que PSD e CDS-PP apresentarão uma moção de rejeição ao Programa do XXI Governo Constitucional, desde já condenada ao fracasso, vem fazer justiça ao passado, retomando aquela que para um académico seria "a normalidade": governo empossado, programa discutido, moção de rejeição chumbada. Um ciclo que se repetirá com aqueles que há algumas semanas criticaram o comportamento do PS e que, à falta de melhores argumentos, irão agora copiar. Um modelo falhado para prolongar o espectáculo.
A diferença é que desta vez a moção de rejeição, podendo servir para confortar as hostes da defunta coligação e o seu exército de apeados e desvalidos, reforçará igualmente a vontade da maioria parlamentar e permitir-lhe-á dar uma prova acrescida da sua consistência aos olhos dos portugueses no momento do chumbo.
Não sei quem terá sido o estratega da moção nesta altura, mas pelos efeitos que causará está já de parabéns. Um verdadeiro génio.
Sou de prata e exacto. Não tenho preconceitos.
Tudo o que vejo engulo imediatamente
Tal qual é, desenevoado de amor ou desagrado.
Eu não sou cruel, só verídico –
O olho de um pequeno deus, enquadrado.
A maior parte do tempo medito sobre a parede oposta.
É rosa, com salpicos. Observei-a por tanto tempo
Creio que faz parte do meu coração. Mas tremeluz.
Uma e outra vez rostos e escuridão nos separam.
Agora sou um lago. Uma mulher aproxima-se de mim,
Procurando nos meus recantos pelo que ela realmente é.
Depois volta-se para esses mentirosos, as velas ou a lua.
Vejo as suas costas, e reflito-as fielmente.
Ela recompensa-me com lágrimas e uma agitação das mãos.
Sou importante para ela. Ela vem e volta.
Cada manhã é o seu rosto que substitui a escuridão.
Em mim afogou uma jovem rapariga, e em mim uma velha mulher
Ergue-se para ela dia após dia, como um terrível peixe.
in Crossing the water - transitional poems
Quantos dos que nestes últimos dias lamentaram o encerramento do I e do SOL os compravam com um mínimo de regularidade?
Deuses, Túmulos e Sábios, de C. W. Ceram
Tradução de Elisa Lopes Ribeiro
História
(reedição Cavalo de Ferro, 2015)
Aparentemente, é um problema sem solução. Nunca se sabe de onde parte, nem quem faz o favor de trazê-lo para a praça pública, mas sabe-se sempre onde acaba, normalmente escarrapachado na primeira página dos jornais, nas televisões a abrir os telejornais, ao que parece também com uma apetência especial por essa bíblia do jornalismo "popular" que diariamente derrama sangue, suor e fluidos vários sobre os seus leitores e os dos outros em nome da liberdade de imprensa.
Desta vez as vítimas foram Miguel Macedo e os arguidos do "caso dos vistos Gold". Espanta-me que os que ainda recentemente criticaram uma decisão judicial relativamente ao "caso Sócrates", e que acusaram os tribunais de quererem colocar uma mordaça no sacrossanto direito à informação, ainda não tenham vindo aplaudir a divulgação pública das imagens e dos registos áudio dos interrogatórios ao ex-ministro da Administração Interna e a Jarmela Palos.
Como também me espanta o silêncio desse artilheiro do oportunismo e da bagunça política, sempre pronto a disparar contra tudo o que mexa sem avental ou capa laranja, que num dos seus momentos de delírio dizia que um ex-primeiro-ministro só estava preso porque o seu partido estava no Governo. Presumo que, de acordo com a respectiva lógica, as sucessivas e cada vez mais graves violações do segredo de justiça, designadamente as verificadas no "caso dos vistos Gold" também só tenham ocorrido porque esse mesmo partido esteve no poder até ao passado dia 26 de Novembro.
Reafirmo, por isso mesmo, o que escrevi em 25 de Setembro pp., não retirando uma vírgula ao que ali ficou, pois que não é por agora os arguidos serem de outra cor política que como cidadão ou advogado iria ter uma apreciação diferente do que na essência está em causa.
A forma como se vulgarizou a violação dos direitos de defesa dos arguidos, o modo como são publicamente enxovalhados por factos em segredo de justiça - o facto de agora já não estarem não retira gravidade ao que que aconteceu - e a leviandade com que isso é feito por parte de quem vai escapando impune, dia após dia, caso após caso, fazem do nosso país um caso de estudo, de vergonha e, acima de tudo, de indignidade nacional.
A ministra da Justiça, em quem o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, pela voz de António Ventinhas, já reconheceu todas as capacidades para fazer um bom lugar, tem agora uma oportunidade de dar a volta a esta situação tão aberrante quanto sinistra, retirando o segredo da justiça da sarjeta onde está. Ou, quem sabe, em alternativa, mantendo-o de vez nesse buraco imundo onde tem medrado e dando conta disso mesmo aos advogados e seus constituintes logo no início dos processos, aquando da respectiva constituição como arguidos, facultando-lhes desde logo, "às claras", as mesmas armas que a acusação, a CMTV, o Correio da Manhã, a TVI, a SIC, o Sol, a Sábado e muitos mais dispõem quando se trata de devassar os factos da investigação, muitos para lá da fronteira do interesse público por já dizerem respeito à esfera da intimidade de cada um e à reserva da sua vida privada. Factos que, não raro, são essenciais para defesa dos visados mas ainda nem sequer são destes conhecidos quando publicamente divulgados.
A única garantia que neste momento podemos ter é a de que em Portugal qualquer arguido tem o direito, quer queira quer não, de ser exposto, insultado, vilipendiado e se possível linchado pela turba em função do tratamento que for dado à violação dos factos em investigação, o que acontecerá antes de qualquer acusação, antes de ter um julgamento de acordo com as regras de um Estado de direito democrático ou de uma qualquer condenação.
Espero, pois, que Francisca van Dunem aproveite esta oportunidade que lhe foi dada para fazer a diferença e impor um verdadeiro Primeiro de Dezembro no Terreiro do Paço e respectivas adjacências.
Já é tempo de libertar os tribunais dos Vasconcelos que por lá pululam e que diariamente fazem a vergonha do nosso sistema judicial. É tempo de defenestrá-los com as garantias de defesa e a dignidade que aos outros têm sido negadas. Os portugueses deviam ser os primeiros a saírem à rua para o exigirem. De cara destapada, sem medo, em todas as cidades, se quiserem proteger a sua cidadania e honrar a memória dos que fizeram deste dia o que ele é. Apesar de muitos deles, alguns ex-ministros e infelizes deputados profissionais, desconhecerem o significado da data.