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Delito de Opinião

Presidenciáveis (58)

Pedro Correia, 29.05.15

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Fernando Ruas

 

Eis a prova viva de que na política nem tudo são agruras, canseiras e desgostos, ao contrário do que alguns alegam. Basta olhar o rosto prazenteiro deste social-democrata de velha cepa para se perceber que dele emana a calma personificada. Uma impressão reforçada pela farta cabeleira que exibe, sem ali reluzir um só fio de prata.

Com este visual quase inalterado, Fernando Ruas foi galgando sucessivos patamares na vida pública: presidente da Câmara Municipal de Viseu (1989-2013), deputado, presidente da Mesa do Congresso do partido laranja, presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses. Sempre com o mesmo sorriso rasgado de quem está de boas relações com a vida.

Há dois anos, por impossibilidade legal de acumulação de novos mandatos autárquicos, deixou de figurar como líder da guarda avançada do Cavaquistão. O primeiro-ministro indicou-o em 2014 para as listas de candidatos do PSD ao Parlamento Europeu, em lugar elegível. Escassos meses antes, por mera casualidade, Ruas declarara em tom peremptório numa sessão pública: "Não conheço ninguém no PSD com o sentido de Estado de Passos Coelho."

De Viseu para Bruxelas, o salto foi enorme. Não haverá outros na carreira deste economista de 66 anos, nascido sob o signo Capricórnio e que hoje reclama ser a "voz do interior" na eurocâmara? Se fizer falta um "verdadeiro representante do País real" como candidato à Presidência da República ele chega-se à frente. Com a destreza revelada quando se integrou nos Rangers de Lamego durante o serviço militar, a disponibilidade de que deu provas no seu feudo beirão e o desassombro que não deixaria de manifestar em nova declaração pública sobre o líder do partido.

Sem perder o sorriso. Nem ganhar um cabelo branco.

 

Prós - Animaria Belém, instalando no vetusto edifício presidencial uma versão lisboeta do Palácio do Gelo, que durante o seu mandato autárquico começou a aquecer as noites viseenses. Os portugueses voltariam a ter alguém com sotaque da boa e velha Beira na Presidência, após dois alfacinhas e um algarvio, mantendo-se assim uma antiquíssima tradição do solo pátrio: Portugal não é o mesmo sem um beirão a mandar.

 

Contras - É o último resistente na política portuguesa à anacrónica moda do bigode, que até os presidentes do México e os jogadores do Benfica deixaram de usar. O apelido dele induz em erro: em vez de Ruas devia chamar-se Rotundas, Fernando Rotundas. Reza a lenda que inaugurou 127 em Viseu, a mais contornável das cidades portuguesas.

Diário Secreto

Francisca Prieto, 29.05.15

Comecei o dia a fazer de mãe horrorizada na escola dos miúdos, a propósito de um deles ter sido apanhado com um papel que continha uma canção ordinária de sua autoria. Embora estivesse mortinha para ver a prova do crime, não tive lata para pedir. De qualquer maneira, a professora deixou escapar que a trova rimava muito bem e que o rapaz tinha escrito 5 (CINCO) estrofes. Fiquei super orgulhosa do meu malcriadão.

O Rodrigo confidenciou-me que quando era mais novo e chovia ele achava que eram as nuvens a chorar. Achei tão poético.

Xiquinha, a cromossómica da família,  foi às análises. Não metia lá os pés há uns dois anos mas, assim que chegou, agarrou-se ao braço e apontou para o gabinete onde tiram sangue. Pergunto-me onde andará o défice.

Levei o pai a São Francisco Xavier para medir os níveis do Varfine. No caminho a mãe cantou uma cantiga de revista do João Villarett sobre o Salazar. Podia ter sido pior.

O pai disse uma frase inteira.

Sobre a relação entre as vacas e a reforma do Estado

Sérgio de Almeida Correia, 29.05.15

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A senha tinha o número B119. Marcava "Hora 14:15". Do asiático ecrã chegou a informação de que estava a ser atendido o “Utente” com a senha 98. Os “Utentes” estavam todos estrategicamente sentados. Uns de costas para as secretárias onde se desenrolava o atendimento dos outros "Utentes", alguns posicionados lateralmente. Todos virados para o ecrã. Reparei que havia algumas secretárias vazias. Pessoal de férias ou de baixa, pensei. Os números iam passando de acordo com as séries respectivas. De quando em vez lá aparecia um B. Ao mesmo tempo, a televisão dava conta aos “Utentes” da altura do “Cristo Rei”, 75 metros, do autor do projecto do pórtico, do autor da escultura. Também da existência do “castelo de Silves”, que recentemente “beneficiou de obras de conservação e beneficiação”, e dos resultados da natação nacional. E havia estatísticas informando os “Utentes” dos tempos médios de espera e do número dos que foram atendidos no ano anterior. No distrito de Lisboa tinham sido mais de trezentos mil. Mais de três milhões em todo o país. E os tempos de espera andavam pelos 15/20 minutos. Com isto já eram 15 horas. Ou seja, a média do tempo de espera já tinha sido mais do que dobrada. Só comigo. Pelo moderníssimo ecrã, entretanto, ficámos a saber que havia uma diferença entre o atendimento preferencial e o prioritário. Não sei se os outros “Utentes” terão dado pela diferença enquanto as séries e os números iam caindo, mas toda aquela gente alternava os olhos entre o ecrã do telemóvel, o dos números das senhas e a decifração do significado da tatuagem na coxa de uma “Utente” mais encalorada. “Ó senhor João, peço-lhe imensa desculpa mas eu agora não posso sair daqui, estou nas Finanças e está quase na minha vez. Se não puder esperar combinamos outro dia, as cortinas também não me estão a fazer muita falta. Tira as medidas noutro dia. Eu sei que lhe causa transtorno, peço-lhe imensa desculpa, mas eu não tenho culpa. É por causa do IRS, ainda tenho vinte pessoas à minha frente”. Pelos toques dos telemóveis e pela conversa percebia-se que havia gente de todas as origens. Pelo cheiro idem. Todos de olhos postos no “Cristo Rei”, no “castelo de Silves”, que fica na “região do Algarve”, e nos números das senhas. Eram 15:58 quando disparou mais um toque. Senha B119. Era a minha. Às 16:05 estava despachado. Valeu pela rapidez do atendimento. E pela simpatia de quem na linha da frente aguenta o primeiro embate.

Quanto ao mais, ninguém me esclareceu se os tempos médios de espera incluem as senhas sem dono, nem se esses valores contemplam nas estatísticas as senhas daqueles que, à cautela, sem saberem ao certo qual das séries lhes diz respeito, tiram logo uma de cada série. Em todo o caso, isso não é relevante.

Relevante é ver como a coisa funciona. E saber como se passam duas horas de uma tarde – de trabalho para os outros - numa repartição de finanças devido ao facto dos bancos terem sido generosamente aliviados da obrigação de remeterem aos contribuintes as declarações para efeitos de IRS de onde antes constava o valor dos juros colocados à disposição dos depositantes e os montantes retidos na fonte. Como essa obrigação deixou de existir, e agora o contribuinte tem de andar a verificar extracto a extracto, banco a banco, os valores que lhe foram lançados no ano anterior, havendo alguns bancos que se limitam a lançar valores líquidos, o desgraçado do “sistema” nunca está satisfeito. Vai daí avisa o “Utente”, lançando um "alerta". Este, se quiser resolver o problema dentro do prazo de entrega da decclaração e sem coimas, terá de ir às Finanças apurar quais as informações que foram remetidas ao Estado pelas instituições bancárias, única forma de fazer coincidir os valores de uns com os de outros e de se eliminarem os “alertas”, regularizando as situações pendentes.

Aquilo que era anteriormente fácil e se resumia à recolha da informação constante das declarações recebidas das instituições bancárias com a indicação das retenções na fonte, tornou-se em mais uma dor de cabeça e uma perda de tempo que em nada contribui para o aumento da produtividade. Estando tudo informatizado e enviando os bancos tanto lixo para as caixas de correio electrónicas dos contribuintes, também poderiam remeter-lhes a informação que a seu respeito enviam para o Estado, como antes faziam, facilitando-lhes a vida em matéria de preenchimento das declarações de IRS, evitando-lhes “alertas” e longas esperas nas repartições.

Durante a manhã desse mesmo dia, no Fórum da TSF, depois de múltiplas críticas e de declarações desencontradas, tudo, diziam, por causa de uma omissão do dever de informação por parte do Instituto da Segurança Social, um vice-presidente deste, em resposta à pergunta do jornalista sobre a razão para a entrega de uma declaração que não servia para nada, esclarecia o entrevistador e os ouvintes, sem responder à questão, brandindo com o número do artigo que previa a sua entrega. Porque se tratava de uma “exigência legal” que se não fosse cumprida daria lugar à aplicação de uma coima. Duzentos e cinquenta euros era o valor da dita. Mas para que servia tal declaração, se em 2014 milhares de contribuintes não a entregaram e não lhes foram instaurados quaisquer processos pela sua falta?, insistia o jornalista, ao que o tal “responsável” retorquia que era uma “exigência legal”. O artigo, a culpa era do artigo, da “exigência legal”. A declaração podia não servir para nada mas era uma “exigência legal”. E as exigências legais, por mais absurdas que sejam, cumprem-se. Sem questionar. Como as ordens dadas na caserna pelo troglodita de serviço. Ponto final.

 

A reforma do Estado tem tanto de surreal quanto de banha da cobra. Basta ouvir as queixas, escutar o que dizem os responsáveis, a funcionária das Finanças, o contabilista da Saúde ou o distribuidor dos vales da Segurança Social, e depois fazer uma visita aos serviços para se avaliar da seriedade do que dizem. Ou melhor, da falta dela. Em Portugal, em rigor, ninguém quer reformar o Estado. Porque o Estado são eles, os reformadores. Os reformadores são uma espécie de leiteiros certificados. O contribuinte não passa de uma vaca à qual se espremem as tetas enquanto derem leite. O Estado só é reformável em gráficos pagos a peso de ouro e em folhas de Excel. O fisco orgulha-se do número de “Utentes” que diariamente despacha. Isto é, do número de vacas que ordenha nas suas repartições. Em todo o país, pelo processo da senha, foram mais de três milhões só num ano. Todas com um número, todas devidamente marcadas, aguardando que as senhas passem, faça sol ou faça chuva, até que chegue a sua vez de serem espremidas. Ou encaminhadas para outra secção. Às vezes, quando secam, mandam-nas para o matadouro. Executam-nas. Abatem-nas.

Se o sistema funcionasse o número de “Utentes” nas repartições tenderia a diminuir. E não a aumentar. A ineficiência do sistema, ao contrário do que eles pensam, vê-se no número dos que os demandam. No número de vacas que não podendo pastar fica a ruminar nas repartições diante de um ecrã, durante horas a fio. Estas não sorriem. E o que se vê é que o número aumenta à medida que escasseia o leite que sai do gado para alimentar os leiteiros e respectivas famílias. Há leiteiros tão incompetentes que até disto se orgulham, não vendo que se o leite falta para eles também faltará para os bezerros. É por isso que já há quem os tome por bois. Aos leiteiros. Um dia aperceber-se-ão disso.

Fraternidades Perdidas

Francisca Prieto, 28.05.15

O tio Pedro vivia a sépia numa moldura de arabescos por cima da cómoda da avó Dorotheia.

Tinha ficado eternizado aos vinte anos a descer uma escadaria, generosamente untado em brilhantina, de casaco assertoado e cigarro na mão esquerda.

 

O tio Pedro era um número de telefone que a minha avó me pedia para rodar no mostrador quando deixou de ser capaz de ler letra miudinha. Eu era pequena e só ouvia uma metade da conversa que circulava pelo auscultador, mas era fácil adivinhar as deixas devolvidas às frases ladaínhadas mais ou menos uma vez por mês. “Então filho, como estás?”, “E a Lurdes?”, “Os dias estão a ficar mais compridos” (ou mais curtos, consoante a época do ano). E depois, o fatal “Então e quando é que me vens visitar?”.

Só conheci o tio Pedro no ano passado. O que quer dizer que a fatídica pergunta provavelmente ficava no ar na maior parte das vezes. Era sabido que o tio Pedro cumpria o calendário exactamente um par de horas por ano, quando sabia que tínhamos ido de férias e que não havia risco de se cruzar com o meu pai.

Parece que nunca tiveram nenhuma briga feia, nunca se insultaram, nunca pregaram uma bofetada um ao outro. Eram simplesmente tão diferentes que não tinham vontade de se dar.

A tia Lurdes não ajudava à festa. Consta que era obssessivamente possessiva, de tal maneira que nunca quis ter filhos para não ter de partilhar o marido.

 

Quando a minha avó morreu, os dois irmãos não se viam há vinte anos. Na altura eu estava a viver nos Estados Unidos, pelo que perdi esta única oportunidade de pôr a vista no tio Pedro (confesso que me pelava por saber como era, em carne e osso, o mítico rapaz garboso da foto). Contam os meus irmãos que o encontro no velório foi digno de uma cena do “Padrinho”.

Era uma noite de Janeiro, humedecida pela tristeza. Da capela mortuária começaram-se a ouvir, em crescendo, passos firmes a percorrer as lajes de pedra. O tio Pedro entra pela porta, avança para o meu pai, e os dois irmãos, de cabelo grisalho, sobretudo escuro de fazenda e comoção contida, abrem os braços em simultâneo e cumprimentam-se com um sentido beijo na face.

Ficou assim imortalizado o reencontro fraterno num simbólico abraço convicto, ao lado do leito de morte da mãe.

 

Só se voltaram a ver passados outros vinte anos. Em Outubro passado. Depois da tia Lurdes morrer, o tio Pedro pediu que chamassem o meu pai para o ir visitar ao lar onde morava.

Mais uma vez, não foram trocadas acusações. Limitaram-se a conversar como se não tivesse existido um gap temporal de quarenta anos, tendo o tio Pedro pedido ao meu pai que cuidasse das coisas dele.

Morreu passado um mês. Tratavam-se por “mano”.

livros insuportáveis

Patrícia Reis, 28.05.15

A insónia tinha várias origens e a mulher contabilizava as ralações enquanto passava os olhos por um livro. Fazia questão de trazer um livro consigo, para matar o tempo, para não ter de falar com ninguém. É conveniente. As pessoas respeitam e, ao mesmo tempo, acha ela, confere um certo estatuto. Pelas noites, os livros são apenas objectos nervosos que não a acalmam, as letras a pularem umas nas outras, como quem joga num trampolim, a mulher incapaz de se concentrar numa única frase. Insiste. Não quer pensar no futuro, na decisão que terá de anunciar aos filhos no fim de semana. É melhor voltar ao princípio do livro. Ir para um lar não é nada de extraordinário. Talvez extraordinário seja o facto de ser ela, aos oitenta e dois anos, a decidir que vai sem pedir opinião. Terão biblioteca no lar? Ou será que lhe chamam casa de repouso? A insónia permanecerá. Não consegue dizer o nome do personagem principal do livro que tem nas mãos, mas sabe de cor o horário das visitas do lar.

 

O preço das coisas

José António Abreu, 28.05.15

Na semana passada, por entre uma miríade de outras promessas, António Costa garantiu ir colocar os interesses dos inquilinos à frente dos dos senhorios. Nesse sentido, aliciou os primeiros com limitações à subida das rendas e ameaçou os segundos com obras coercivas em caso de degradação dos imóveis. Do ponto de vista eleitoral (diga-se o que se disser, ainda e sempre sinónimo de «os fins justificam os meios»), tem lógica: existem mais inquilinos do que senhorios e parecer defender os pobres contra quem os explora (sim, já vamos aqui: para o PS, os senhorios são oficialmente exploradores capitalistas) é uma atitude que recolhe sempre alguma simpatia instintiva. Na prática, as ideias de Costa são não apenas contraditórias mas contraproducentes: impedido de obter um rendimento adequado, nenhum senhorio se predisporá a manter os imóveis em boas condições. No limite, preferirá mantê-los devolutos. Cai-se desta forma no problema que foi levando à degradação das cidades portuguesas e que apenas este governo atacou, com uma lei das rendas passível de críticas mas ainda assim melhor do que praticamente tudo o que a antecedeu (expressão que define quase toda a acção do actual governo).

Mas pior é o PS não se ficar pelas rendas. Seguindo uma velha tradição socialista (frequentemente reforçada por partidos que se afirmam outras coisas  - entre os quais PSD e CDS), aplica esta lógica e impõe estas consequências a muitas outras áreas. Costa e os socialistas acham mesmo que forçar preços irrealistas, umas vezes pelo lado da limitação administrativa dos mesmos, outras pelo lado da imposição de custos acrescidos (energéticos, salariais, contributivos), outras ainda por ambas as vias em simultâneo (como no caso das rendas), não gera consequências negativas. Obviamente, estão enganados.

E pior ainda é o problema ultrapassar em muito os devaneios populistas de António Costa e as dificuldades de Portugal. A política de juros negativos e de aumento de balanço dos Bancos Centrais (que, no que respeita ao BCE, a esquerda tende a considerar insuficiente) segue a mesma lógica implícita: evitar aquilo que os anglo-saxónicos chamam price discovery, ou seja, a aplicação do preço adequado para cada bem e serviço. O que os Bancos Centrais vêm fazendo, pressionados por governos e partidos variados, é estimular o aumento da dívida numa economia que já está afogada nela e em que, por efeito dos juros absurdamente reduzidos, quase tudo tem um valor altamente «alavancado» (para usar um termo na moda). Torna-se, aliás, curioso seguir a evolução da cotação das principais moedas em relação ao dólar. As variações ocorrem não tanto por existirem dados concretos provindos da economia «real» (se é que o conceito ainda tem razão de ser) mas consoante os comentários de responsáveis da Reserva Federal norte-americana ou do BCE são mais optimistas ou mais cautelosos, num jogo que parece ter feito nascer uma nova categoria de exegetas, permanentemente ocupados a tentar detectar indícios em palavras muitas vezes banais. Mas o modo como a Reserva Federal vem adiando o início do processo de normalização das taxas de juro mostra bem quão armadilhado se encontra o terreno (de vez em quando, alguém até fala na necessidade de um quarto programa de Quantitative Easing nos EUA). De tal modo que alguns bancos comerciais, assustados, já vieram pedir mais regulação, no fundo admitindo que não conseguem travar a bola de neve. E Draghi, por entre profissões de fé na melhoria da situação europeia, vai alertando que nenhum estímulo resultará se não for acompanhado por reformas estruturais da economia.

Nada disso importa. Para Costa e Galamba, para Tsipras, Varoufakis e Iglesias, para Nicolau Santos e Paul Krugman, para, no fundo, todos os que defendem que se continue a subir a parada, inventando ainda mais dinheiro que alguém algum dia terá de pagar, interessam acima de tudo a retórica, a ligeira folga proporcionada pelas taxas de juro negativas e a ilusão de um futuro em que, por magia e contra as evidências (demográficas, por exemplo), tudo se compõe (*). E isto torna ainda mais extraordinário que, em plena pré-campanha eleitoral, Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque não se coíbam de continuar a falar em medidas pouco agradáveis, como o corte de 600 milhões de euros nas despesas da Segurança Social. No Reino Unido, os eleitores preferiram a honestidade. Em Portugal, por muito que clamem contra as mentiras dos políticos, veremos se continuam afinal a preferir acreditar em promessas que só podem ter um de dois destinos: ser renegadas (como Passos Coelho foi forçado a fazer em 2011) ou contribuir para piorar a situação do país.

 

(*) Aquilo que vale para o Syriza vale, sob forma mais suave, para vários outros discursos políticos. Sempre que o apelo ao sonho e à utopia se tornam recorrentes, é sinal que os mecanismos regressivos estão a funcionar. A realidade tende a eclipsar-se ou a dissolver-se no próprio discurso, deixando, em termos práticos, de existir. O discurso basta-se a si mesmo e, por um passe de mágica, pretende ser a prova da sua própria justeza. É regressão mesmo. E é também deprimente.

Paulo Tunhas, no Observador.

Presidenciáveis (57)

Pedro Correia, 28.05.15

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Paulo Rangel

 

Os políticos não se medem aos palmos. Se assim fosse, jamais Napoleão teria conquistado as pirâmides do Egipto e nunca Nicolas Sarkozy teria conquistado o coração de Carla Bruni. Paulo Rangel não parece sentir o menor incómodo em olhar os repórteres da televisão de baixo para cima: pelo contrário, a palavra sai-lhe fluente e escorreita, como se desse uma aula de Direito Administrativo ou falasse no plenário do Parlamento Europeu - só para mencionar duas funções que tem praticado com manifesto gosto.

Deste aquariano de 47 anos pode dizer-se - com e sem ironia, em simultâneo - que a política o seduz desde pequenino. Do Porto para Bruxelas, com passagem por Lisboa, onde foi deputado do PSD e presidente do grupo parlamentar no tempo em que Manuela Ferreira Leite - efémera líder do partido laranja - ainda não trocara Cavaco Silva por Alexis Tsipras como figura de referência.

Rangel não a acompanhou neste giro à esquerda, mantendo o seu liberalismo à moda antiga temperado com a atracção que nunca deixou de sentir pela modernidade: foi um dos primeiros políticos a abraçar a blogosfera, onde chegou a reunir um clube de fãs, e não se importa de trocar uma sonata de Chopin por heavy metal. Nisto difere de Sarkozy: provavelmente as baladas sussurrantes da Bruni só lhe produzem tédio.

Fez uma dieta radical que lhe deu ar de trinca-espinhas e até motivou críticas de Manuel Alegre: «Desde que emagreceu, perdeu o ar de intelectual bonacheirão e tornou-se agressivo.» Palavras que talvez tenham soado a elogio ao eurodeputado. Como dizia outro Paulo, que foi santo e pregou aos coríntios, «quando me sinto fraco então é que sou forte».

 

Prós - Seria o primeiro inquilino de Belém natural do Grande Porto (nasceu em Vila Nova de Gaia), rompendo um centralismo que dura há mais de um século: sete dos 18 Presidentes da República Portuguesa (Canto e Castro, Gomes da Costa, Óscar Carmona, Craveiro Lopes, Américo Thomaz, Mário Soares e Jorge Sampaio) eram ou são alfacinhas de gema. É um firme opositor do aborto ortográfico: entende que todas as consoantes, incluindo as mudas, têm direito a nascer. Talvez nenhum político nacional seja tão poliglota como este jurista, fluente em vários idiomas: com ou sem passagem por Belém, a ONU espera por ele.

 

Contras - Padece de dificuldades respiratórias: chegou a queixar-se diversas vezes de "asfixia democrática". É afectado por ocasionais lapsos de memória: antes de militar no PSD filiou-se no CDS mas esqueceu-se de que tinha assinado a ficha de inscrição. Perdeu contra Passos Coelho a eleição interna dos sociais-democratas em 2010: esta derrota privou-o do irrepetível desafio de governar o País na maior situação de crise financeira de que há registo em Portugal.

Diário Secreto

Francisca Prieto, 28.05.15

Amanhã vou falar com a directora de turma de um dos meus filhos. Parece que o rapaz foi apanhado a passar um papel com uma canção ordinária de sua autoria. Rala-me a ordinarice, mas o que verdadeiramente me preocupa é saber se a canção tem génio criativo, se a rima e a métrica estão com nível. Se não se limitou a rimar palavarão com melão, ou assim.

O problema das escolas é que não dão valor à veia criativa das crianças. São uns básicos.

Passagem de Nível

Francisca Prieto, 28.05.15

"Mas na metrópole há cerejas. Cerejas grandes e luzidias que as raparigas põem nas orelhas a fazer de brincos. Raparigas bonitas como só as da metrópole podem ser. As raparigas daqui não sabem como são as cerejas, dizem que são como as pitangas. Ainda que sejam, nunca as vi com brincos de pitangas a rirem-se umas com as outras como as raparigas da metrópole fazem nas fotografias".

 

(Dulce Maria Cardoso, em O Retorno)

O genial plano de Varoufakis

José António Abreu, 28.05.15

1. Fazer sair a notícia de que está iminente um acordo com as «Instituições»;

2. Assistir à valorização do euro;

3. Trocar os euros disponíveis por dólares (ou recolher os benefícios de apostas no mercado de futuros);

4. Aguardar enquanto os desmentidos e a passagem do tempo mostram a falsidade da notícia;

5. Assistir à desvalorização do euro;

6. Trocar os dólares por euros (ou recolher os benefícios de apostas no mercado de futuros);

7. Voltar a 1.

Depois de meses a lançar rumores falsos, vai-se a ver e o governo grego está a nadar em dinheiro.