Fala-se muito em direitos, liberdades e garantias. Mas existe um direito fundamental de que lamentavelmente ninguém fala: o elementar direito ao reconhecimento da realidade.
Lembrei-me disto ao ver a última emissão do programa televisivo Quadratura do Círculo, em que os papéis pareciam mais trocados que nunca. António Lobo Xavier, militante do CDS, defendia o PS com visível convicção. Jorge Coelho, militante do PS, mostrava uma compreensão benévola para a missão governativa da coligação PSD-CDS. E Pacheco Pereira, militante do PSD, transformava o Bloco de Esquerda num modelo de moderação política.
O diálogo a três foi muito extenso, mas interessou-me essencialmente o trecho que passo a transcrever - com a devida vénia - antes de um sucinto remate.
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Pacheco Pereira - Estão lá [nas propostas divulgadas pelo PS] a incorporação dos dados do Tratado Orçamental, está lá o controlo do défice, está lá um conjunto de medidas restritivas...
Jorge Coelho - Quer que o País saia da Europa?
PP - Não, não quero que o País saia da Europa. O que eu gostava era de ter visto o PS, nos últimos tempos, crítico da construção europeia, por exemplo em relação à Grécia.
JC - Você tem uma visão ultra-radical da construção europeia!
PP - Tenho uma visão ultra-radical. Aceitando-se os objectivos do Tratado Orçamental, aceitando-se os modelos pelos quais se incorporam esses objectivos, a maioria das coisas que você diz não é razoável. Vocês colocam-se na situação de dar razão às críticas do Governo.
JC - Então você quer sair da União Europeia. Assuma isso! Diga: Portugal tem que sair da UE!
PP - A Europa, neste momento, é um dos principais venenos para a democracia. Você não acha?
JC - Olhe... está a ver?
PP - A UE só existe se conjugar políticas comuns com a solidariedade. E a solidariedade significa uma transferência de recursos dos países mais ricos para os mais pobres. E só resulta se os países forem virtualmente iguais, coisa que neste momento claramente não são. Enquanto vocês falam da Europa, vocês estão a falar dos Donos Disto Tudo.
Lobo Xavier - Sem desprimor, mas a diferença entre este pensamento e o do Louçã é nenhuma.
PP - Vocês são os donos da realidade e não acertam numa!
LX - Você não gosta da realidade e não quer lidar com ela. Quer romper com a realidade.
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Ouvindo tão inspirador diálogo, questiono-me se na próxima revisão constitucional os deputados não deverão acrescentar este direito ao extenso cardápio dos já existentes: o inalienável direito ao reconhecimento da realidade. Sem esta conquista, outros direitos fundamentais jamais sairão do papel.