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Com o entusiasmo em torno da vitória do Syriza, há quem tenha começado a aprender grego. Eu já sei duas palavras: Peristera Batziana.
O levantamento de depósitos nos bancos gregos atingiu na semana passada 14 mil milhões de euros, um valor recorde que parece ser uma resposta aos receios de falta de liquidez perante a incerteza do resultado das negociações do novo Governo com a ‘troika’.
A perda de depósitos que já se agravara na semana anterior à vitória do Syriza acentuou-se nos dois dias que precederam as eleições, ultrapassando o valor levantado dos bancos gregos em maio de 2012, no pico da crise grega e perante a possibilidade de, nessa altura, o país deixar a zona euro. Ontem, no dia da primeira reunião do Conselho de Ministros do novo executivo, as acções dos bancos caíram 26,67%.
Perante a incerteza política e a fuga de dinheiro, o Banco da Grécia decidiu alargar a linha de liquidez de emergência aos bancos nacionais. Mas esta medida exige aprovação do Banco Central Europeu (BCE) e precisa de ser renovada quinzenalmente.
Agora é que as reais dificuldades vão começar. Mas, entretanto, o governo já aprovou medidas cujo financiamento não está garantido no quadro da manutenção da Grécia na zona euro. Irá o país ter a coragem de voltar à moeda nacional com todas as consequências que tal arrastará? E terá a comunidade europeia a coragem de deixar sair este seu membro?
Trata-se de um braço de força que tem tantas possibilidades num sentido como no outro. A política é a habilidade de conciliar posições diferentes através de mútuas cedências. Veremos, neste caso, se tal se torna possível...
Um comentador perguntou pelas «meninas» do Delito. Eu também gostava de saber. A Teresa Ribeiro continua activa regularmente (passe uma formulação que parece remeter para o campo médico-sexual), a Patrícia Reis e a Helena Sacadura Cabral aparecem de vez em quando mas as restantes quase nem se lobrigam (sim, trata-se de uma palavra estranha e pouco elegante mas, como julgo nunca a ter usado antes, fica). É provável que o excesso de textos sobre política, já apontado pela Helena, esteja relacionado com o assunto mas às vezes pergunto-me se elas não começaram a desistir pouco tempo após eu entrar no blogue (tive discussões valentes com duas ou três). Depois digo-me que não, que foi mais tarde. Talvez por alturas da entrada do Navarro. Ou, mais provavelmente, do Luís Naves. Sim, para além da política, deve ter sido a barba dele a assustá-las.
Seja qual for a razão, podemos sempre argumentar que o Delito se adiantou aos novos tempos da correcção política, nos quais todos aqueles e aquelas que até agora exigiam paridade de género estão disponíveis para aplaudir sem reservas grupos formados apenas por gajos, desde que sejam gajos sensíveis, ligeiramente rebeldes e sem gravata. Ora se é verdade que subsistem algumas gravatas entre os membros (no pun intended) do Delito (não as minhas: pendurei-as há anos, após meia dúzia de campeonatos na equipa B), ninguém terá dúvidas acerca da nossa rebeldia, tão marcada que alguns rebelam-se precisamente contra as posições dos outros, nem da incomensurável sensibilidade que flui da ponta dos nossos dedos para os teclados e irradia de dois mil e tal ecrãs por dia.
De qualquer forma, ainda que possa ser mais progressista assim, tenho saudades dos tempos em que havia mais textos de mulheres. Até porque a barba do Luís Naves - por muito que as barbas estejam na moda - também me deixa desconfortável.
Panos Kammenos e Alexis Tsipras
Nascido em 1974, Alexis Tsipras é filho do Maio de 68. Que consagrou esta palavra de ordem: «A imaginação ao poder: exige o impossível.»
Em Atenas, a imaginação chegou ao poder. Por via das urnas -- algo nunca antes acontecido -- e graças ao bónus de meia centena de deputados possibilitado por uma excêntrica lei eleitoral que transforma 99 lugares no parlamento em 149, uma federação de 12 partidos da esquerda radical acaba de formar governo com uma força política da direita xenófoba e eurofóbica. Numa bizarra simbiose de nacionalismo e populismo, em que o discurso contra o "estrangeiro" inflama as gargantas e os espíritos como fogo em palha. Distorcendo aliás a mensagem original do Maio de 68, que era internacionalista e manifestava um desdém absoluto pelo conceito de "soberania nacional".
Mas cumpre questionar: que soberania efectiva existe num país que mentiu aos seus parceiros sobre o volume real do défice das contas públicas, desbaratou milhares de milhões de euros em fundos estruturais lançados na maior "economia paralela" da União Europeia, detém ainda hoje o lamentável recorde de campeão europeu na fuga aos impostos e vive desde 2010 graças ao balão de oxigénio de 240 mil milhões de euros de auxílio de emergência destinado a travar in extremis a declaração de bancarrota?
Tendo chegado a imaginação ao poder, na insólita coligação de extremos simétricos protagonizada por Tsipras e Panos Kammenos, líder dos Gregos Independentes (ANEL), o novo chefe do executivo de Atenas trata agora de exigir o impossível: suprimir os compromissos estabelecidos com as entidades credoras. Cessam de imediato as privatizações em curso, o salário mínimo sobe 28% por decreto (passando de 586 para 751 euros), são readmitidos os funcionários públicos entretanto despedidos, estabelece-se um tecto de 12 mil euros de rendimento anual para isenção de imposto, suprimem-se as taxas moderadoras na saúde e lança-se um vasto pacote de medidas assistencialistas avaliado em 11,7 mil milhões de euros - ou seja, 6,5% do PIB helénico. O equivalente à soma dos depósitos que já voaram este mês dos bancos gregos.
Na prática, Atenas rasga o Tratado de Maastricht, que criou o sistema monetário europeu estabelecendo um conjunto de direitos e deveres aos estados signatários, e o Tratado Orçamental, que impõe limites à expansão do endividamento na UE. Lança assim novas achas na imensa fogueira da dívida pública grega ao prometer um pacote de gastos desmesurados com dinheiro que não tem. Exigindo o impossível com a sonora retórica da esquerda pura aliada à vibrante oratória da direita dura num país que representa menos de 2% do PIB comunitário.
«Os contribuintes da UE acabarão por pagar», consideram os arautos da nova coligação esquerdo-direitista de Atenas, unidos na aversão ao estrangeiro -- uma coligação contra naturam, que reúne todos os ingredientes indispensáveis para não funcionar. Porque congrega o pior dos dois hemisférios políticos numa mescla de bravatas populistas e ressentimento ideológico que ameaça acelerar o colapso das finanças públicas num país recém-saído de seis anos de recessão.
«Não sou ateniense nem grego, mas cidadão do mundo», ensinou Sócrates há 25 séculos. Este lema contraria o essencial da doutrina programática do novo executivo Tsipras-Kammenos, alicerçada no combate aos aliados externos transformados em inimigos para efeitos de propaganda política. Receio que, na atmosfera de irreprimível demagogia agora reinante em Atenas, sejam cada vez menos os que optem por seguir a sensata voz da sabedoria milenar.
«O sábio é o que sabe que pouco sabe. O ignorante é o que nem sequer sabe que é ignorante. A coexistência de poucos sábios com muitos ignorantes é uma tragédia.»
Joaquim Aguiar, no Jornal de Negócios
O desvelo dos socialistas nacionais para com a vitória do Syriza não configura apenas oportunismo mas também um erro monumental. Se a Grécia entrar em colapso ou tiver que recuar nas políticas anti-austeridade, nem os favores de que continua a gozar na comunicação social serão suficientes para disfarçar a perda de credibilidade de António Costa. (Ironia assinalável: a fuga de capitais dos bancos gregos mostra que existe por lá bastante gente menos crédula do que os socialistas portugueses.) Mas se o governo de Tsipras conseguir forçar uma mudança de rumo na União Europeia, então o PS tornar-se-á irrelevante porque outro partido apresenta uma relação com o Syriza e com as políticas que este defende muito mais antiga, forte e credível - e, ainda por cima, não está sobrecarregado com o peso da governação Sócrates nem com a imagem de abuso do poder para negócios pouco claros que hoje persegue os partidos do «arco governativo». O Bloco de Esquerda pode encontrar-se em processo de implosão mas, se o Syriza levar a Grécia a atingir aquilo a que Rui Ramos chama, muito adequadamente, «essa coisa curiosa: uma “independência” que depende inteiramente do dinheiro dos outros», até eu ponderarei seriamente votar nele.
Contos e Novelas I, de Saul Bellow
Introdução de James Wood
Tradução de Miguel Serras Pereira
(edição Relógio d' Água, 2014)
Como Obama, "um político de uma inteligência e visão extraordinárias", consegue aplacar "a fúria dos oceanos" baixando o preço do petróleo.
Em Atenas, o recém-empossado Governo encabeçado por Alexis Tsipras evitou embarcar em modernices: do novo elenco ministerial não consta uma só mulher, com quotas ou sem quotas.
Aqui está um tema em que a esquerda radical difere claramente da esquerda moderada de Zapatero, Renzi e Manuel Valls, que formaram governos "paritários" em Madrid (2004), Roma e Paris (2014).
Aguardo as primeiras críticas, ainda que tímidas, de grupos feministas ao executivo de coligação entre o Syriza e a direita nacionalista. Aguardo sobretudo uma reacção enérgica do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas, que já em 2009 reclamava um "governo mais feminino" a José Sócrates. E um protesto muito sonoro de Ana Gomes, aliás pioneira nestas reivindicações.
Tsipras é até capaz de reconsiderar.
Antonis Kostas, secretário-geral do Partido Socialista português, e Evangelos Venizelos, líder do PASOK. Gémeos monozigóticos separados pela vitória do Syriza já depois de atingirem idade adulta:
Contrariando as perspectivas optimistas de rendição de Tsipras às posições de Merkel, os primeiros sinais que vêm da Grécia são muito elucidativos. Primeiro, o facto de o primeiro acto de Tsipras ter sido homenagear os gregos vítimas do nazismo, numa clara mensagem para Merkel que se prepara para levantar a questão das indemnizações não cobradas à Alemanha após a guerra. Logo de seguida Tsipras tem uma reunião com o embaixador russo, e nesse mesmo dia a Grécia bloqueia uma declaração conjunta dos países da União Europeia sobre a Rússia. Tsipras mostra assim urbi et orbi que o seu coração pende muito mais para Moscovo do que para Berlim. Tal pode significar uma alteração do posicionamento geo-estratégico da Grécia, um país da Nato com uma posição fulcral no Mediterrãneo Oriental, e que pode agora assumir-se como o cavalo de Tróia de Putin dentro da União Europeia.
No plano económico as primeiras medidas de Tsipras assemelham-se às do PREC: fim das privatizações, electricidade gratuita para 300.000 gregos e salário mínimo nos 751 euros. Os danos que isto vai causar na competitividade da economia grega são evidentes. Mas não me parece que isso preocupe os actuais governantes gregos. No Portugal de 1974 também o salário mínimo foi colocado em valores tão elevados que em termos reais nunca mais foram atingidos, o que, juntamente com as intervenções nas empresas, arrasou completamente a economia. Mas isso não fez perder um segundo de sono aos homens sem sono e muito menos a Vasco Gonçalves. Os dirigentes comunistas não se costumam preocupar com a saúde da economia capitalista e muito menos com os mercados, que já fizeram os juros gregos disparar e a bolsa cair a pique. Recorde-se que Mao-Tsé-Tung dizia: "Está um caos total debaixo dos céus. A situação é excelente".
O que me aborrece é que tudo isto era previsível e poderia ter sido evitado se não fosse a incompetência total na gestão da crise europeia por parte de Merkel e Barroso, naturalmente apoiados por Passos Coelho que acha tudo isto um conto de crianças. Mas os contos de crianças também ensinam algumas coisas: uma delas é que os génios podem ser perigosos quando são libertados da garrafa.
Em Portugal, mal surge uma questão polémica aparece o grupo costumeiro, aqueles que vão a todas, umas vezes por má fé, outras por protagonismo. Vestem roupagens de especialistas e rasgam-nas, de seguida, debitando ignorância e juízos fáceis de vender.
Muito tem sido dito sobre as Zonas de Emissões Reduzidas (ZER), em muitos casos sem olhar ao enquadramento da questão. Em 2008 foi aprovada a Directiva Comunitária n.º 2008/50/CE, que convém ler antes de lançar bitaites, a qual fixou objectivos e parâmetros para a qualidade do ar de forma a reduzir, prevenir e evitar os seus efeitos nocivos para a saúde. As Directivas Comunitárias são de transposição obrigatória para o ordenamento jurídico interno. Foi o que aconteceu com a aprovação do decreto-lei n.º 102/2010, de 23 de Setembro, que determina, para as zonas onde os níveis de poluentes são superiores aos valores limite, a elaboração de planos de melhoria da qualidade do ar. Desde 2001 que Lisboa apresenta concentrações poluentes acima dos valores legais, colocando em risco a saúde pública. Este facto já originou um processo contencioso interposto pela Comissão Europeia, contra o Estado Português, no Tribunal de Justiça Europeu. A CCDR-LVT, a quem o referido decreto-lei atribui papel específico, celebrou com a Câmara Municipal de Lisboa (CML) os Planos e Programas de Melhoria da Qualidade do Ar na Região de Lisboa e Vale do Tejo. Uma das medidas foi a introdução de ZER nesta cidade. Estes planos já conheceram três fases, sendo os resultados positivos. Nos diferentes poluentes avaliados deu-se uma redução da sua emissão em valores entre os 6% e os 16%. Positivo, mas insuficiente, pois ainda acima dos valores máximos estipulados, o que implica a implementação de novas etapas, as quais têm causado mais celeuma.
Vários têm sido os argumentos aduzidos nesta polémica. Uns defendem que se deve ir mais longe, apertar com a fiscalização e não excepcionar os táxis, outros defendem que se devem alterar os critérios, sem concretizar bem para quais, ou seja, no fundo, terminar com as ZER. Este segundo caso tem contornos engraçados, pois o PCP pede a manutenção e investimento numa rede de transportes publica, a montante, para depois, a jusante, não aprovar a possibilidade de a CML puxar esta gestão para si. Por outro, é polémico aferir até que ponto as pessoas mais carenciadas se deslocam para o centro da cidade de automóvel. As que conheço, mesmo carenciadas, não têm meios para o fazer, mas isso são outras contas. Nenhum actor político pode ignorar que a União Europeia prevê, para 2030, a probição de circulação de viaturas de combustão convencional no centro das principais cidades. A mudança de paradigma na circulação, contra a qual tanto se luta, já está em curso e é irreversível.
A meu ver, a solução encontrada, e há anos em prática, é equilibrada. O cerne da questão são os critérios ambientais, os quais têm obrigatoriamente de ser cumpridos. É triste que quem fala sobre o assunto não informe que veículos anteriores à data limite podem circular livremente desde que aplicados equipamentos homologados pelo IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes). Já os táxis devem beneficiar de um período extra de adaptação, porquanto constituem postos de trabalho, per si, sendo uma questão de sustento e não de mobilidade. Esta polémica demonstra o quanto urge que a política de transportes públicos, em Lisboa, seja definida, gerida e executada pela CML. Desta forma, seria possível adaptar esta rede de transportes aos constrangimentos das ZER, acertando-a com a política ambiental da cidade. A sua entrega a privados, com diferentes prioridades e preocupações, só levará ao arrastar desta dissonância entre a Carris/Metro e a CML/Cidadãos.
Ao longo da vida, Vicente sentira-se sempre um nadinha frustrado. Afinal de contas, ficara invariavelmente à distância de uma consoante de ser capaz de adivinhar o futuro.
«Falo para o telefone como se fosse para um gravador.»
Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça
Os resultados da Prova de Conhecimentos e Competências aplicada aos candidatos a professores não podem deixar-nos indiferentes. Para lá de toda a discussão mais ou menos demagógica sobre a sua existência, as evidências forçam todos os interessados no processo educativo (em rigor somos todos) a desenterrar a cabeça da areia. Não é por não se querer ver que a realidade se torna diferente. O facto é que existem muitos (serão sempre demasiados) que estão ou pretendem estar a exercer funções docentes sem a mínima preparação pedagógica e científica para o fazer. E recorde-se que a prova em causa avalia apenas a chamada componente comum. Os resultados serão ainda mais devastadores no dia em que a parte científica também estiver em causa. Perante as evidências, é preciso dar agora mais dois passos:
Em matéria de educação pública os interesses determinante devem ser os da formação dos alunos. Os desejos corporativos não podem impor-se sobre e apesar daqueles.
Nota complementar: se bem interpreto, a minha posição conta com o inesperado apoio da Fenprof para quem os "chumbos" não provam que estes professores sejam piores que outros. Parece-me provável, de facto, que existam outros iguais já a leccionar. Também esses devem ser avaliados.