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Delito de Opinião

A Década dos Diários, Cap.1

Ana Cláudia Vicente, 04.11.14

Onde já vai o fim do Verão, diz esta chuva toda. Isso e este post do nosso Pedro, que tão certeiramente evidencia uma das bases que escoram a comunicação neste meio - um mesmo ímpeto de trocar ideias, comum a pessoas bem diferentes umas das outras - trazem-me ao prometido. E o prometido não pretende muito, só revisitar o que não parece distante, mas já o é: o início de uma década de diários em rede. A década, se calhar. Em vários casos, dirão com razão, um pouco mais. Páginas codificadas para registos frequentes e actualizáveis, emulando as de outros navegadores, sem pele nem papel. Weblogs, depois blogs. Hoje blogues, cá.

Uns dirão que lêem weblogs desde o tempo em que Pedro Couto e Santos abriu portas. Outros que obtiveram, por volta da Segunda Guerra no Iraque, no trabalho, no liceu ou na faculdade, mesmo em casa, acesso limitado à world wide web. Muito cabo telefónico se enrodilhou por onde passámos nessa altura, livra. Sabemos, isso sim, que a massificação só teve hipótese depois do boom na disseminação da tecnologia ADSL, com início em 2002. A par e passo, com a crescente familiarização com o hipertexto e mais ou menos netiqueta, procuraram-se pontos comuns sobre os quais falar. Pelo que ouço vários leitores e bloggers da primeira hora (blogueadores, dizia-se então) a genealogia desta adesão remontará a duas moradas: o Pastilhas (desativado, v.Memória Virtual), fórum gerado por Miguel Esteves Cardoso e alfobre de muitos dos que entretanto foram assentando praça (Carlos Carapinha lembrou-os aqui); pouco depois, a A Coluna Infame, (v.Memória Virtual) obra de João Pereira Coutinho, Pedro Lomba e Pedro Mexia.   

Eu estava a acabar a licenciatura, preocupada com o estágio, por isso cheguei aqui um pouco depois, lá por 2003. Adiante conto melhor.

Aos interessados em Arqueoblogia:

o incrível depósito que é a Way Back Machine ou, no caso português, o (in)estimável trabalho de Leonel Vicente, são bons pontos de partida para chegar a algumas fontes, mesmo considerando esta nova realidade

Penso rápido (58)

Pedro Correia, 04.11.14

Um dia hei-de escrever algo mais profundo e consistente sobre a blogosfera. A possibilidade de trocarmos ideias, experiências e contactos -- mesmo com gente que pensa de maneira muito diferente -- é absolutamente inestimável. Isto só é possível quando escrevemos num meio em que aquilo que mais importa é comunicar. Não para convencer ninguém, mas para persuadir. Não para exibir códigos tribais, mas para captar sinais de outras "tribos". Nada a ver, portanto, com os eflúvios narcisistas agora tão em voga com a febre das "redes sociais" onde apenas uma palavra importa. A palavra eu.
No DELITO DE OPINIÃO, de algum modo, as coisas aconteceram à revelia dos estereótipos. Pensamos de forma muito diferente nas mais variadas matérias -- da política ao futebol. Mas conseguimos, apesar de tudo, manter pontos/pontes de contacto. E descobrir, a partir daí, interesses comuns. Sem prejuízo de continuarmos a cultivar e a esgrimir as nossas divergências.
Se há coisas que para mim valem a pena, esta é uma delas.

O Delito de Opinião

Helena Sacadura Cabral, 03.11.14

Já uma vez aqui disse que não percebia muito bem porque é que me tinham convidado para escrever nesta casa. E, na altura, o Delito ainda falava de outras coisas para além do futebol e de política. É verdade que eramos menos e talvez a intimidade fosse diferente. 

Por razões que não vêm ao caso, este fim de semana dediquei-me a ler com atenção uns post's que, por versarem esse tipo de matérias, me interessaram menos e havia deixado para leitura posterior. Fiquei impressionada. O núcleo duro deste blog é mesmo a política. O que, para quem goste, não será um mal maior. Mas descobri algo que, a mim, me pareceu novo. É que o Delito se transformou numa plataforma de pré campanha eleitoral. Não entro em detalhes nesta análise porque todos os "delituosos" me merecem igual respeito. Todavia e a meu ver, existe um começo de "excesso". Talvez seja eu que esteja errada. Mas, confesso, gostava mais do DO de quando entrei!

Antes que as medalhas acabem

Sérgio de Almeida Correia, 03.11.14

images.jpgAinda bem que aproveitaram o Halloween para preparar a cerimónia. Da maneira que isto está, com a Maria Luís às voltas com a troika, o melhor era mesmo não se atrasarem e condecorá-lo já.

Agora os portugueses já podem dizer que o Grande-Colar da Ordem do Infante foi atribuído, a título excepcional, a uma parelha de gritos.

O cinema a despir a religião

João André, 03.11.14

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Uma tendência recente em Hollywood é a de voltar a temas religiosos e míticos, umas vezes criando novos objectos, outras simplesmente refazendo-os. Infelizmente, uma tendência crescente destes filmes é tentar uma desconstrução do tema, por exemplo despindo-o dos elementos que o tornam míticos (Tróia sem deuses é um exemplo) ou acrescentando outros elementos desconhecidos de forma a humanizar as personagens (o Noé do filme é consideravelmente diferente do da Bíblia).

 

Obviamente que não argumento existir uma única forma de abordar um tema - qualquer tema. Tão pouco ignoro que a escolha de determinadas histórias é propositada para poder fazer o exercício de reflexão sem ter de criar um cenário inicial. Em Noé, o estudo sobre o tipo de pessoa que a personagem bíblica seria, de um ponto de vista humano, é simplificado por não ter de se explicar em demasiado qual o contexto da história. Estamos à partida parcialmente familiarizados com Noé e o Dilúvio, pelo que não se torna necessário explicar muito. Já se o objecto deste estudo de Aronofsky tivesse sido Abraão (na minha opinião, mais adequado às conclusões finais), a sua história teria de ser explicada em detalhe, uma vez que seria menos conhecida de quem não esteja familiarizado com a Bíblia.

 

Seja como for, penso que despir um filme dos elementos mais básicos da sua história o torna menos forte no tema que aborda. Um dos principais aspectos dos filmes baseados em religiões é o imaginário que evocam. Visualmente estes filmes deveriam ser imediatamente impressionantes. Não é por acaso que Lawrence da Arábia, não sendo um filme religioso, evoca esse imaginário retratando T.E. Lawrence como uma figura semi-mitológica. Também não é por acaso que autores ateus como Pasolini, o próprio Aronofsky, Buñuel, Rossellini ou John Huston sempre estiveram fascinados pelo imaginário - e visual - religioso. É também por isso que filmes fiéis a esse imaginário continuam a ser hoje em dia fascinantes, mesmo para ateus como eu. E é por isso que quando os filmes tentam humanizar ou contextualizar as acções divinas com explicações seculares, o cinema só tem a perder.

 

Abordo este tema por duas razões: primeiro porque, segundo leio, Ridley Scott pretende, no seu novo filme Exodus (nova variação sobre a história de Moisés baseado no mesmo livro da Bíblia) criar explicações cientificamente mais aceitáveis para os milagres (segundo parece, um terramoto explicaria a passagem do Mar Vermelho). Por outro lado vamos vendo hoje uma muito pobre exploração da imagética religiosa usando e abusando das CGIs, sendo um exemplo o filme de Aronofsky ou Imortais, de Tarsem Singh. Estes dois filmes, sendo visualmente muito interessantes (especialmente o segundo), são também preguiçosos, deixando de lado a fotografia para usarem a solução mais básica do digital. Veja-se a diferença de imagens entre o filme de Aronofsky e o de Huston (em A Bíblia, a encimar o post). o segundo retrata a arca contra o sol, mostrando claramente a chegada dos animais em pares e de forma ordeira, como Deus ordenaria. No segundo, temos uma arca estranha, num panorama preguiçoso e com os animais a chegar em debandada, como que a mostrar a qualidade da reconstrução digital.

 

Hollywood pode estar de facto a tentar aproveitar o filão aberto por Ridley Scott com a sua recriação dos filmes de espadas e sandálias (Gladiador), os quais serão uma tentativa de explorar o desejo de temas simples e transcendentais, longe do frenesim da modernidade e secularidade (as razões deste ressurgimento darão certamente muitas teses de doutoramento). No entanto, do ponto de vista artístico, penso que estes filmes só terão a perder na comparação com os clássicos do passado. Aquilo que ficou perfeito não deve ser recriado. As cópias saem sempre a perder.

Blogue da Semana

Marta Spínola, 02.11.14

Esta semana o blogue por mim escolhido é o all about little lady bug, o blogue pessoal da Joana onde se pode acompanhar a versatilidade da autora. Por outras palavras, as da própria Joana, é: "onde falo de mim, das minhas coisas, do meu mundo. há filosofia, há tony carreira... há de tudo. há kizomba e wittgenstein, tb."

Seguindo o perfil  existem outras pepitas deixadas pela hiper-dinâmica Joana por essa blogosfera (que é dinâmica fora dela também, muito).

 

O video da semana e uma certa esquerda presa no seu próprio labirinto

Rui Rocha, 02.11.14

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O video da semana mostra uma mulher que percorre as ruas de Nova Iorque durante 10 horas. A jovem mulher é abordada constantemente. Como a Fernanda Câncio sublinha, o que o vídeo evidencia é o carácter repetitivo, importunador, exasperante do "piropo". Mostra como sair à rua é, para qualquer mulher, um estado de alerta permanente, o de quem sabe que a qualquer momento pode ser abordada por um estranho com ofertas de sexo e sujeita a apreciações, mais ou menos alarves, sobre o seu aspeto. Esta parece ser uma descrição objectiva dos factos. Seria, portanto, de esperar que a partir deles se gerasse um amplo movimento de condenação das atitudes retratadas no video. E que essa condenação fosse consensual nos sectores à esquerda do espectro político, que reivindicam para si o património histórico da promoção dos direitos das mulheres. Surpreendentemente, nomeadamente nos EUA, é da própria esquerda que chegam vozes que questionam as conclusões aparentemente óbvias que resultam do video. O problema, ao que parece, reside no facto de a protagonista ser uma mulher branca. E de as abordagens filmadas serem quase sempre protagonizadas por homens de raça negra. Não tardaram vozes como a de Kristin Iverson que denuncia no video uma clara intenção de defender e proteger "a mulher branca inocente", isto é, a "estrutura social de poder existente". Rapidamente o argumento foi mais longe. E logo surgiu quem afirmasse que o video tem claros propósitos racistas. Dion Rabouin di-lo com todas as letras: há uma clara intenção de passar a ideia de que as mulheres brancas não estão a salvo de "sex-crazed black and brown men". Na escalada de argumentos, Aura Bogado refere um viés intencional no video: as filmagens teriam sido feitas deliberadamente em bairros em que os residentes são maioritariamente negros com o objectivo de perpetuar o mito de que estes são os responsáveis por todos os aspectos negativos da humanidade e que é preciso salvar a mulher branca. A solução seria, ao que parece, filmar um novo video com um elenco universal, em que a protagonista seria "a black trans woman". Mas houve quem fosse ainda mais longe. Emily Gould justifica as abordagens como sendo uma forma de grupos marginalizados ajustarem contas com quem (a estrutura social de poder branca existente) os condena a estarem à margem. As ondas de choque foram de tal forma intensas que o grupo Hollaback que promoveu a divulgação do video já veio a público reconhecer que este pode ter ferido a susceptibilidade de alguns sectores mais sensíveis. Como refere Charles Cooke na ampla resenha que faz sobre o assunto, o que subjaz à incomodidade provocada pelo video nestes sectores é a ideia, também tão cara da esquerda, de que os autores das abordagens são meras vítimas das circunstâncias e que foram forçados, pelas suas condições, a importunar uma mulher branca inocente. O problema é que a injustiça não se apresenta, na realidade, em silos estanques e segmentados. As camadas de injustiça sobrepõem-se, interpenetram-se e multiplicam-se. E essa esquerda que se esqueceu das grandes ideias gerais como a igualdade e cedeu ao apelo da apropriação da injustiça minoria a minoria, caso a caso, perdeu-se no seu próprio labirinto. Daí que lhe falte critério quando é confrontada com escolhas definitivas: radicalismo islâmico ou direito das mulheres. Radicalismo islâmico ou direito à orientação sexual? Direitos das mulheres (sejam elas brancas, baixas, altas ou negras) ou paternalismo para determinados comportamentos?

O comentário da semana

Pedro Correia, 02.11.14

«Vivemos um tempo de falta de memória.
Os políticos, estadistas, e uma boa parte daqueles que os deviam aconselhar tecnicamente, esqueceram as lições da Grande Depressão.
E não querem saber do que concluiu quem estudou a "Década Perdida" do Japão. Por causa disto estamos a incorrer em sofrimento desnecessário, e sob a capa do "rigor" faz-se um desmantelamento ideologicamente motivado de algumas importantes conquistas civilizacionais.

Os aumentos de produtividade que as novas tecnologias proporcionam servem apenas para tornar redundante uma grande parte da população, em vez de servir para com uma melhor distribuição dos seus proventos, dirigir as economias mais avançadas para um modelo de sociedade com mais tempo para a criatividade, o lazer, a família, etc.

O futuro poderá dizer que esta foi uma época de extraordinária mudança, isso concordo, mas apenas se este contra movimento de regresso a uma espécie de feudalismo for atempadamente parado.»

 

Do nosso leitor L. Rodrigues. A propósito deste texto do Luís Naves.

Cadernos de um enviado especial ao purgatório (54)

Luís Naves, 02.11.14

Na terça-feira, nos Estados Unidos, os candidatos republicanos deverão conquistar o Senado e alargar a sua maioria na Câmara dos Representantes, o que radicalizará a política americana nos próximos dois anos. A crescente impopularidade do presidente Obama é um dos motivos desta provável vitória, mas os analistas mencionam o profundo descontentamento do eleitorado, sem conseguirem explicar exactamente do que se trata. As pessoas estão fartas da política do costume e em todos os pequenos assuntos há trincheiras cada vez mais violentas.

A América está frustrada com os seus fracassos no Médio Oriente, com o estado periclitante da economia e com a esterilidade do debate político das elites. As campanhas eleitorais têm crescente ferocidade e os republicanos usaram este ano uma agressividade retórica nunca vista contra um presidente adversário. O país parece fragmentar-se em questiúnculas onde é impossível negociar, por exemplo, sobre imigração, direito de porte de armas, vigilância interna, impostos para os ricos ou saúde pública.

Na Europa, este mal-estar impreciso também alastra como uma mancha de óleo, dando origem ao mesmo fenómeno da impossibilidade de negociar qualquer reforma. Em Espanha, onde estalou um escândalo político, o PP afunda-se nas sondagens e o Podemos (um partido populista de esquerda) surgiu pela primeira vez à frente das intenções de voto, com uma percentagem superior à dos socialistas. Mesmo que estes valores não se mantenham, o novo partido terá provavelmente uma boa votação e pode ser crucial para formar governo, apesar da sua plataforma incluir propostas que levariam a Espanha para um rumo incompatível com o cumprimento do Tratado Orçamental.

O fracasso do liberalismo implica o avanço dos populistas em todos os países, da Frente Nacional ao UKIP, da Alternativa para a Alemanha ao Syriza grego. Em Portugal, teremos provavelmente o partido republicano de Marinho e Pinto. Todos eles concentram o discurso em pequenas causas e franjas do eleitorado. Todos eles constituem uma ameaça ao Tratado Orçamental e à zona euro. Se não querem acabar com a Europa, todos querem, no mínimo, acabar com a Europa que existe. A crise financeira deu origem a uma crise política global e esta alimenta-se de formas de descontentamento que, não sendo iguais em todo o lado, parecem anunciar um longo Inverno.

Descobrir-lhe a careca

Rui Rocha, 01.11.14

Impressionado pelas conclusões dos estudos pioneiros do João Lisboa, aqui deixo o meu modesto contributo para a disciplina da tricologia política. A validade científica da hipótese inicial parece ficar confirmada com esta abordagem que, creio, traz à discussão um ângulo de análise que ainda não tinha sido explorado. O material foi recolhido na sequência de intenso trabalho de campo desenvovido nos Açores:

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