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Delito de Opinião

Grand Budapest Hotel

Helena Sacadura Cabral, 19.04.14

Grand Budapest Hotel é um filme delicioso que conta as aventuras de um lendário concierge de um hotel europeu e um paquete que se torna no seu amigo de confiança. Tudo isto  durante duas guerras numa história que envolve o roubo e a recuperação de uma preciosa pintura renascentista e a luta por uma enorme fortuna de família, que a esse quadro está ligada.

Em certas alturas o ritmo do filme faz lembrar o da banda desenhada e o riso é inevitável. O elenco que junta dez actores muito conhecidos surpreende e só pode ser a tradução da qualidade do realizador Wes Anderson que já nos presenteou com algumas “preciosidades” de parceria com Owen Wilson e Adrien Brody. A não perder, nestes tempos de crise em que rir é o único remédio possível.  

Ler

Pedro Correia, 19.04.14

O espaço de Sócrates no comentarismo nacional. Do Mr. Brown, n' Os Comediantes.

Andar de bicicleta é sem as rodinhas de aprendizagem. De Vítor Cunha, no Blasfémias.

Onde está o povo? De António Araújo, no Malomil.

Cartas para Moscovo. De Carlos M. Fernandes, n' O Insurgente.

Metástases do pensamento imperial russo. Do José Milhazes, no Da Rússia.

O Ocidente e a Ucrânia. Do Ricardo Arroja, n' O Insurgente.

Gdansk. De Francisco Seixas da Costa, no Duas ou Três Coisas.

Nos cem anos da Primeira Guerra Mundial. Do Rui Bebiano, n' A Terceira Noite.

As palavras também têm história

Pedro Correia, 19.04.14

Palácio Quintela, em Lisboa, onde Junot instalou o seu quartel-general em 1807

 

Muitas vezes não fazemos a menor ideia da origem de algumas das expressões coloquiais que usamos. Mas vale a pena investigar de onde vêm e como se foram generalizando.

Várias remontam ao tempo das invasões francesas, na primeira década do século XIX. Uma das mais frequentes relaciona-se com a chegada do general Jean-Andoche Junot a Lisboa, à frente do exército napoleónico, quando ainda se avistavam no horizonte as velas da frota que conduzia a família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em 30 Novembro de 1807. Ficou, portanto, a ver navios.

Portugal acabou por ser devastado pelas tropas gaulesas, que aqui praticaram as maiores atrocidades. Mas Junot, indiferente às situações de penúria e de miséria provocadas pelos invasores também em Lisboa, instalou-se no Palácio Quintela, na Rua do Alecrim, com despudorada ostentação, vivendo à grande e à francesa.

Um dos generais que o acompanharam na invasão, Louis Henri Loison, tornou-se tristemente célebre pela ferocidade com que tratava os portugueses que tinham o azar de lhe surgir ao caminho. Por ter perdido o braço esquerdo numa batalha, logo recebeu a alcunha de Maneta. A partir daí, quando alguém se envolvia numa situação complicada ou perigosa, passou-se a dizer que iria pr'ò Maneta.

Derrotados na batalha do Vimeiro em Agosto de 1808, após o desembarque de forças britânicas em Portugal, Junot e as suas tropas retiraram-se para França após encherem navios de tudo quanto puderam na sequência de incontáveis actos de pilhagem em igrejas, palácios e bibliotecas - num dos maiores atentados desde sempre cometidos ao património nacional. Zarparam assim, de armas e bagagens.

 

Duzentos anos depois, os ecos das invasões francesas perduram no nosso vocabulário corrente. Porque também as palavras têm história.

José Tolentino Mendonça

Patrícia Reis, 19.04.14

Murmúrios do mar

"Paga-me um café e conto-te
a minha vida"

o inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
e uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro

outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu, não, nunca choraste
por amores que se perdem

os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
E temos saudades desse mar
Que derruba primeiro no nosso corpo
Tudo o que seremos depois

"pago-te um café se me contares
o teu amor"


in Baldios, Assírio & Alvim , 1999

A pieguice

Helena Sacadura Cabral, 18.04.14
Não sou piegas. Mas não me importaria nada de o ser, se isso fosse a exteriorização de algo autêntico na minha natureza. Porque é que ser piegas será pior do que não ser? 
No Grande Dicionário da Língua Portuguesa dá-se ao termo a seguinte definição: "pessoa considerada excessivamente sensível ou sentimental; pessoa que é considerada medrosa e assustadiça".
Há ideias feitas sobre a forma como nos devemos comportar e quem saia fora delas é sempre qualificado com um qualquer epíteto. Como este a que o próprio dicionário atribui sentido pejorativo. 
E agora pergunto eu, quem é que tem autoridade para definir o excesso de sentimento ou de medo? Onde está o gráfico comportamental padrão que permite definir a "normalidade" nestas matérias?
Vem este intróito a propósito de uma carta que, há quase década e meia, circula na internet, como sendo de Gabriel García Marquéz, e que constituí uma espécie de despedida da vida de um homem em estado terminal. O texto é muito bem escrito, mas foi considerado talvez demasiado "piegas" para ser do autor do "Cem anos de solidão" que, aliás, desmentiu a sua autoria.
Aqui está o exemplo do que acabo de referir. Não estava em causa a qualidade literária da carta que até se podia confundir com a de Garcia Marquez. O que estava em causa era o "grau" de pieguice que se tolerava ao escritor. Por quem, gostaria eu de saber. De certo, por especialistas - nada piegas - da "natureza humana"...

Crucificações

José Navarro de Andrade, 18.04.14
Marc Chagal, "Golgotha", 1912 
Fragment of a Crucifixion.jpg
 Francis Bacon, "Fragment of a crucifixion", 1950 
 Léon Ferrari, "Western-Christian Civilization", 1965 
 Chris Burden, "Trans fixed", 1974 
Hughie O'Donoghue, "Blue crucifixion", 1993-2002
 Bernard Pras, "Christ", 2002
Andrés Garcia Ibanez, "El Cristo de la Muerte", 2003
David Mach, "Die harder", 2010

Um pouco menos de maravilhoso

João André, 18.04.14

Ainda hoje tenho Cem Anos de Solidão como um dos livros que mais me marcaram. Não foi o melhor que alguma vez li, mas foi daqueles livros que é lido no momento perfeito. Nessa altura era eu estudante e tinha um certo ideal romântico do mundo. Cem Anos de Solidão transmitiu-me o realismo para o qual eu tendia na altura (andava à volta com os neo-realistas portugueses) e acrescentou-lhe o romantismo (a tal parte mágica) que lhe deu o golpe de asa na minha imaginação. Tinha na altura uma Renault 4, uma "quatruéle" herdada de um avô a que dei, pela sua durabilidade, o nome de Úrsula. O livro é de facto excelente, mas, como disse, distinguiu-se por o ter lido quando o fiz. Voltei a ele há um par de anos e não me agarrou. Não teve a mesma força na minha mente hoje mais cínica.

 

Já a releitura de O Amor em Tempos de Cólera deu-me mais prazer que a primeira leitura. Suponho que poderei reler o livro novamente dentro de 10 ou 20 anos e continuarei a gostar dele, a encontrar nele novas texturas que me toquem. É um livro diferente. O mesmo poderia dizer de O Outono do Patriarca. Se Cem Anos de Solidão foi lido de uma assentada, numa febre de dois ou três dias mal dormidos e com aulas ignoradas, O Amor em Tempos de Cólera foi sorvido, em ambas as leituras, ao longo de uma ou duas semanas, sem pressas. O Outono do Patriarca andou pelo meio. Sempre que lhe peguei fui lendo sôfregamente, como se não pudesse esperar pela próxima sala, pela próxima extravagência. Depois de dois ou três círculos, no entanto, a vertigem tomava conta de mim e não me sentia capaz de pegar no livro durante quase uma semana. Nessa altura pegava de novo no livro e voltava à leitura sòfrega até à quase exaustão.

 

O único livro de que não gostei - embora seja certamente defeito meu - foi Crónica de uma Morte Anunciada. Demasiado curto para me prender a imaginação e com uma claustrofobia que não me tocou mas me fez sentir desagrado. É um livro ao qual terei que regressar um dia. Já O General no seu Labirinto sofreu por ter sido o livro em que tentei pegar após O Outono do Patriarca. Não consegui passar da página 5, esgotado. É um livro que sinto, intrínsecamente, ser daqueles que me encherá perfeitamente mas ainda não, ainda não...

 

Depois temos os outros, "menores". A Revoada, que me fez lembrar um cruzamento entre O Outono... e o Cem Anos... Gostei muito d'O Relato de um Náufrago. Não era grande literatura, mas pareceu-me um belo cruzamento entre crónica jornalística e romance. A Aventura de Miguel Littín Clandestino no Chile foi mais um livro de histórias, a flutuar entre o auto-elogio envergonhado e o romance de viagem. Deu prazer na leitura mas foi esquecido pouco depois. Doze Contos Peregrinos não tinham a leveza de um Luís Sepúlveda, e eram por isso mais difíceis, mas demonstraram-me também o fosso entre os dois escritores.

 

Gabriel García Marquez não foi o melhor escritor do século XX, longe disso. Terá sido um merecido prémio Nobel da Literatura, com toda a polémica que tal implica. Foi um autor que deixou algumas obras-primas e alguns (apenas) bons livros. Foi no entanto alguém que usou a sua imaginação e a sua arte para nos maravilhar e envolver. E por isso, se mais nada, merece ser recordado pelo que nos deixa.

Gabriel García Márquez

Patrícia Reis, 18.04.14

Gabriel García Márquez deu-me muitas horas de conforto, de magia, leituras com lágrimas e riso.
Sempre que preciso de um sentido, uma ideia melhor da Humanidade existem os seus livros e os livros são a melhor forma de o homenagear.
É ler e dar a ler.
Em "Amor em tempos de cólera" escreveu:
"Ele ainda era demasiado jovem para saber que a memória do coração elimina as coisas más e amplia as coisas boas, e que graças a esse artifício conseguimos suportar o peso do passado."