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Amor: vejo muitos casamentos e muitos divórcios... adiados. Filhos estão fora de questão pelo menos até ao fim do próximo decénio, quando o sol começar a sair da casa das PPP.
Saúde: ao longo do ano poderá sofrer de frequentes crises de enxaquecas. Se já está a viver debaixo da ponte, evite expor-se às correntes de demagogia governamental que sopram do arquipélago de S.Bento, que são fonte de tensão muscular, azia e subida dos níveis de açúcar no sangue. A menos que se conte entre os indigentes que são considerados pobrezinhos pelo Estado, procure por todos os meios não adoecer, mas se o não conseguir evitar, peça à avó que lhe ensine uma mezinha, pois não vai ter dinheiro para pagar as taxas moderadoras da assistência hospitalar.
Vida profissional: para este ano os astros favorecem todas as actividades ligadas à economia paralela. Se tiver um mba, pire-se. O que é que está cá a fazer?
Finanças: não confie na banca, no governo e muito menos nos mercados. Guarde o dinheiro que lhe resta debaixo do colchão. Se tem dívidas ao fisco não as pague, aumente-as até um montante que seja considerado incobrável, que o Estado perdoa-lhe tudo.
Este ano, por efeitos acumulados da crise no meu orçamento pessoal, as prendas natalícias que ofereci aos familiares mais chegados resumiram-se a livros que fui comprando ao longo do semestre. Estas são aliás, para mim, as melhores prendas. As mais intemporais, as mais persistentes, as que mais nos acompanham vida fora.
Que livros foram esses?
O Quinto Livro de Crónicas, de António Lobo Antunes, com chancela editorial da Dom Quixote. É um género em que o autor de Memória de Elefante se revelou um dos maiores cultores de sempre em Portugal, produzindo textos que são autênticas obras-primas do engenho literário.
Os Contos Completos, de Fernando Pessoa. Enfim um volume que reúne supostamente na íntegra -- supostamente porque com Pessoa nunca se sabe -- ficções do criador de Mensagem, capaz de ser pontualmente tão brilhante em prosa como foi na poesia. Uma edição com a qualidade a que a Antígona nos habituou.
Romeu e Julieta, de William Shakespeare. Uma reedição muito cuidada deste grande clássico da dramaturgia de todos os tempos inserido numa colecção de obras do genial autor britânico que a Relógio d'Água, a preços muito convidativos, põe agora à disposição dos leitores portugueses. A isto chamo serviço público.
A Bibliotecária de Auschwitz, de António G. Iturbe. Com a chancela da Planeta, uma das melhores narrativas que nos chegou de Espanha nos últimos anos, cruzamento de reportagem com ficção, originalmente editada em 2012. Uma admirável história de resistência baseada em factos reais que passou com distinção no exigente crivo crítico espanhol.
As Grandes Batalhas da História de Portugal, de Rui Natário. Um livro de consulta permanente, ideal para quem gosta de conhecer ou recordar alguns dos factos mais decisivos da nossa história política e militar, sem os quais Portugal não seria o que é. Da batalha de São Mamede (1128) à batalha de La Lys (1918), quase 800 anos em revista nesta obra da editora Marcador.
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Nota suplementar: todos estes livros, impressos em 2012 ou 2013, estão escritos em português não-acordista. Sem mutilação de consoantes, portanto. O que os torna ainda mais recomendáveis.
Às 23:59:59 do dia 31 de Dezembro todos os relógios pararam na Nova Zelândia, Fiji, Kiribati e outras ilhas do Pacífico. As pessoas, que já levantavam os braços para festejar a passagem do ano, ficaram imóveis nas ruas, nos restaurantes e nas casas, sem saber o que fazer. Exactamente duas horas mais tarde aconteceu o mesmo em Sydney e noutras cidades da costa Leste australiana. Depois foi a vez das cidades da Austrália central e do Japão. Cinco horas após o início do fenómeno, os relógios pararam em Perth, em Hong Kong, em Xangai, em Pequim. Entretanto, já os governos estavam reunidos e as forças militares em alerta máximo. Quando, outras cinco horas decorridas (dez desde o momento inicial), os ponteiros se aproximaram da meia-noite em Moscovo, São Petersburgo, Bagdade e Nairobi, milhares de cidadãos permaneciam nas praças e ruas, muitas delas enfeitadas com luzes coloridas e sistemas de som, mas a expectativa e o receio haviam substituído a alegria. O salto das 23:59:58 para as 23:59:59 foi o último que os ponteiros dos segundos efectuaram. O mesmo se passou sessenta minutos depois em Helsínquia, Bucareste, Jerusalém, Damasco, Cairo, Maputo, Pretória. Nas cidades e aldeias dos países onde os relógios ainda funcionavam normalmente, as pessoas juntavam-se agora por curiosidade e medo, para estarem juntas de outras pessoas quando os relógios parassem. Especialistas avançavam teorias nas rádios e televisões. Questões climáticas, excesso de magnetismo, uma arma desconhecida. As comunicações dependentes de sistemas de contagem do tempo bloqueavam. Deixava de se conseguir telefonar ou navegar na internet. Enquanto, com a inexorabilidade de um relógio em perfeito funcionamento, o tempo deixava de ser contado na Europa e em África, muitos olhos voltavam-se, desconfiados, para os Estados Unidos. O presidente norte-americano fez uma declaração ao país e ao mundo garantindo que o seu governo nada tinha a ver com o assunto. Por todo o lado, cientistas verificavam os mecanismos dos principais relógios, mediam todos os parâmetros em que conseguiam pensar (a intensidade do campo magnético, os níveis de radioactividade, o grau de vibração da superfície terrestre) e vigiavam o cosmos, pois era opinião de muita gente que um tal acontecimento só podia ter origem no espaço: a Terra, afirmavam vozes apocalípticas um pouco por todo o planeta, estava prestes a ser atacada. Questionavam-se os fabricantes de relógios mas estes não tinham respostas: a Suíça era um país em estado de choque. Começando em cidades como o Rio de Janeiro, Brasília e Montevideu, também no continente americano os relógios foram deixando de funcionar às 23:59:59. Buenos Aires, Recife, Salvador. Manaus, La Paz, Halifax. Toronto, Nova Iorque, Quito. Manágua, Cidade do México, Minneapolis. A última região do continente a ser afectada foi o Alaska, com os relógios de Anchorage parando exactamente vinte e duas horas após o mesmo ter sucedido aos relógios de Auckland. Uma hora mais tarde encravaram os últimos relógios ainda funcionais do planeta, em arquipélagos do Pacífico como a Polinésia Francesa e Samoa. Iniciou-se então um período em que não era possível medir o tempo pelos meios a que os humanos se haviam habituado pois todos os relógios, independentemente do tipo de mecanismo que os fazia operar (mecânico, de quartzo, atómico, de água) haviam deixado de funcionar. Pela primeira vez em séculos, o tempo não foi dividido em horas, minutos e segundos. Entretanto, a noite voltara a cair na Nova Zelândia onde, com excepção das crianças, ainda ninguém pregara olho. As pessoas já não estavam nas ruas mas reunidas em casa ou em bares, defronte de televisores. Discutia-se o que poderia estar por trás do acontecimento mas também muitos outros assuntos. Dever-se-ia ir trabalhar no dia seguinte? Como acordar na altura certa? De que forma seriam garantidos os horários? Como marcar reuniões? E então, de repente, sem aviso nem espalhafato, os relógios recomeçaram a funcionar. Clique. Clique. Passaram para as 00:00:00 e depois para as 00:00:01 e depois para as 00:00:02 e não mais pararam. As pessoas entreolharam-se e muitas voltaram a sair para a rua e ergueram os olhos para o céu. Tudo parecia normal. A noite estava limpa, com o firmamento coberto de estrelas e a lua a brilhar. Progressivamente, com as mesmas diferenças horárias que se tinham verificado ao pararem, os relógios voltaram a trabalhar em todos os pontos da Terra. Na televisão, especialistas não se sabe bem em que assunto diziam que os relógios haviam estado parados exactamente vinte e quatro horas. Por razões que se desconhecem, nesse ano o tempo recusou comemorar a passagem do ano e saltou por cima do dia 1 de Janeiro.
Desde então, como por vezes sucede perante acontecimentos que os humanos se revelam incapazes de explicar, um véu de silêncio tombou sobre o assunto. Mas a possibilidade de que possa suceder novamente, e até com consequências mais graves, permanece no inconsciente colectivo um pouco por todo o planeta. É também por isso que hoje, às 23:59:59, milhares de milhões de pessoas susterão a respiração, exalando apenas quando os ponteiros dos relógios saltarem para a meia-noite.
(Republicado com ligeiras alterações. Boas entradas e bom ano.)
Do que disse em 1 de Janeiro de 2013 não se aproveitou nada. Uma vírgula que fosse. Nem os partidos da sua coligação lhe deram ouvidos, precipitando uma crise política que custou ao País mais uns milhares de milhões de euros. Houve de tudo: demissões em barda, declarações patéticas de quem saiu empurrado pela porta dos fundos a dizer que saía pelo próprio pé, remodelações a intervalos regulares, manifestos irrevogáveis, cartas de fazer corar um santo. Enfim, aconteceu tudo o que a criatura disse que não queria que acontecesse em matéria de credibilidade externa, estabilidade e cooperação institucional, segurança interna, confiança dos mercados e equilíbrio social. Será que ele ainda acredita que tem alguma coisa de relevante para dizer? E que nós teremos de ouvi-lo? Será que os portugueses não sofreram já o suficiente para serem poupados ao seu monocordismo?
O Público tem aqui um interessante trabalho sobre os fluxos migratórios de e para Portugal. Vale a pena ler para colocar num contexto histórico alguma desta emigração. Tem no entanto alguns pontos mais fracos, especialmente relativamente à conjuntura total dos países de destino no passado e ao problema com a contabilização das emigrações actuais.
Em relação à conjuntura passada, convém lembrar que muita da emigração até à década de 60 para França, Alemanha ou Bélgica existiu no contexto de iniciativas desses países para atrair trabalhadores que compensassem o declínio populacional do pós-guerra e que apoiassem os esforços de reconstrução suportados pelo plano Marshall. Foi nesse contexto que esses países se encheram também de imigrantes italianos, gregos, jugoslavos ou espanhóis (estes algo menos).
Os números actuais da emigração portuguesa têm, na minha opinião (baseada em puro "achismo" e reflexão), uma falha: com a presente possibilidade de se estabelecerem e trabalharem noutros países sem processos complicados, os portugueses acabam por muitas vezes não actualizarem os seus registos locais. Em 10 anos que levo fora do país só me registei no consulado na Holanda porque precisei de um documento em cima da hora. O meu passaporte e cartão do cidadão ainda são portugueses. Como eu está a maioria dos portugueses que conheço, que se registam nos países de acolhimento mas não informam o país de origem. Isto provavelmente poderá subestimar os números da emigração.
Duas notas para a notícia: a primeira para o infográfico que a acompanha. Não faço ideia da origem dos preços que apresentam, mas tenho sérias dúvidas que a gasolina em 1973 e 1993 custasse o equivalente a 200 e 260 escudos, respectivamente. Ou que uma noite num hotel em quarto duplo andasse pelos 130 e 260 contos em 1973 e 1993, respectivamente. Ou até que custe em média 200 euros actualmente (ainda no ano passado paguei 80 por uma noite dessas no Marquês de Pombal). Estes números têm óbvias asneiras.
Outra nota para as declarações de Pedro Lomba sobre as "vantagens" que Portugal tem para oferecer a «imigrantes de elevado potencial». A saber: «Clima, segurança, protecção social, serviços de saúde [e] infra-estrutura». Quanto ao clima, tudo certo. Quanto à protecção social, mesmo ignorando que está a ser destruída pelo governo de Pedro Lomba, é sempre inferior à de muitos outros países. Os serviços de saúde, se estão bem, não deveriam ser mudados por este governo. Mesmo ignorando isso, mais uma vez são inferiores aos dos países de onde viriam esses imigrantes. Já quanto à infra-estrutura, só por piada alguém escolheria Portugal quando tem outros países europeus. A única solução seria atrair os imigrantes de países abaixo de pobres ou de ditaduras, mas com o CDS no Governo, que horror! nem pensar!!
A verdade é que Portugal é de facto um país de emigração e vai continuar a sê-lo. Vejo Portugal a sofrer uma verdadeira catástrofe demográfica a médio prazo e sem sequer ter a visão de criar laços com aqueles que partem. Isto terá consequências verdadeiramente desastrosas dentro de uns 20 anos. Claro que por essa altura, os bandalhos que estão no governo, nunca nada fizeram na vida (começando pelo PM) e exortam os portugueses a «sair da sua zona de conforto» já terão tratado do seu. Tenho ainda esperanças: nos filmes, os jagunços costumam pagar pelos crimes. Seria bom que 2014 fosse um ano nesse sentido.
"If people were really concerned about the quality of politicians, they would join a local branch and endeavour to get a good person pre-selected as the candidate". - Keith Suter, Political Disengagement in Australia, in Contemporary Review, June 2012, Vol. 294, Issue 1705, 176-184
Mexam-se. De que estão à espera? 2014 está já aí.
Paulo Catrica, série stadia, 2004
Catarina Botelho, "O tempo e o modo", 2011
Duarte Amaral Netto, s.t., Lisboa, 1999
Deve ser problema meu, mas não cessam de me surpreender a avareza lexical e os tratos de polé perpetrados na sintaxe, nos mais célebres literatos nacionais. Acresce o excesso metafórico, a proliferação de comparações (se a conjunção “como” pagasse imposto a dívida nacional estaria paga), o chuto para diante que são os advérbios de modo terminados em “-mente” (idem sobre a cobrança de taxa), a imagética rudimentar, ou os enredos enrolados.
O esforço de atravessar estes dislates poderia ser compensado, à moda de Kerouac, por uma vitalidade, uma experiência existencial e uma urgência de escrita, capaz de levar por diante a palpitação da leitura. Mas nada, népias, nihiil; estes moços consagraram-se depressa, tão depressa que se agarraram para nunca mais largarem às bebidas grátis e frias dos beberetes literários, como (olhá comparação ó urso!) os macacos aos cocos.
Tudo isto é triste, é nacional, é fado e são águas que não movem moínhos. “Ora andante” nas palavras do inspector Elias Santana.
Contraste com tal cenário, pro nele sobressair, foi a novela “As primeiras coisas”, de Bruno Vieira Amaral (BVA). Teve o autor receio que vissem nela uma espécie em voga de “turismo literário suburbano para dar a conhecer aberrações de bairro social aos leitores burgueses da capital.” E desmente tal pretensão afirmando que a sua escrita andou por aqueles lugares do outro lado do Tejo e doutro mundo, porque foi de lá que ele desembarcou. Escusava de tais precauções – felizmente percebe-se, ou melhor, sente-se isso.
BVA parece não ter grande crença no storytelling porque os vários acidentes novelescos deste livro são as personagens que os exalam ao serem descritas. (Mal comparado: sai Hawks, entra Godard). Esta técnica narrativa não é nova, mas tal cepticismo resulta particularmente aceitável: isto é sobre gente que não vai para lado nenhum, que veio aqui parar e aqui ficou, sem ter para onde ir; não têm história, só histórias, nem vida, só vidas, muito menos esperança – só esperanças, sobretudo que os dias passem depressa e as noites sem acidentes. “As primeiras coisas” é, por isso, um livro exacto, um feito assinalável.
Sem desprimor para ninguém, se antecedermos a leitura de “As primeiras coisas” com a de “O retorno” de Dulce Maria Cardoso, teremos em 584 páginas, escritas entre 2011 e 2013, toda a história, motivos, sensações, perspectivas e consequências dos deserdados das colónias, mais conhecidos por “retornados”. Foi preciso virem os filhos para serem contadas as desventuras que sucederam aos pais – mas não é para isso que servem os filhos, literariamente falando?
PS - As fotos acima só estão aqui porque foi isso que eu quis dizer.
Em pintura chama-se composição, em cinema e noutras artes narrativas ponto de vista, em fotografia enquadramento. Cada vez mais gosto deste olhar de Luísa Cunha, que tanto me surpreendeu e continua a encantar quanto mais o vejo. Parece faltar-lhe qualquer coisa, que tem demasiado ar, mas está tudo bem assim, imponderável e sideral.
Afinal Sarah Polley não era filha de seu pai. É isto que ficamos a saber a meio do documentário realizado pela própria. O que sucede na outra metade? Ela espoja-se a carpir mágoas? Faz um ajuste de contas com a família e as suas hipocrisias? Arrasa com desassombro a sociedade e que vivemos? Exibe o seu estoicismo? Estraguei o enredo ao contar aqui o facto central de “Histórias que contamos” (“Stories we tell”)?
Muitos filmes são excelentes por aquilo que não mostram nem dizem. É o caso deste. Sarah Polley não é narcisista, nem se faz vítima; não julga, mas não se coíbe de comentar (ou seja de dar a ver as emoções contidas) como faria se acreditasse na farsa da objetividade; não disseca as emoções e os factos mas – e creio ser isto que faz de “Histórias que contamos” um filme prodigioso – revela e pondera o modo como conta estes acontecimentos.
Filha de actores, actriz ela própria, Sarah Polley sabe bem como se esbate a linha entre a representação e a interpretação – onde quer que ela esteja. E com este filme percebe e dá-nos a perceber que a realidade tem uma imaginação que supera a humana e que, desde a preponderância do Youtube, o documentário é apenas outra maneira de contar histórias.
Os desejos habituais de um bom ano. Deixo a minha prenda: uma fotografia do ano passado tirada no castelo de Lisboa. É uma recordação de casa no ano em que passei o meu primeiro Natal fora de Portugal.
Há uns anos, quando estava em funções o executivo de José Sócrates, sugeri numa das reuniões regulares de planeamento do Diário de Notícias que fizéssemos uma edição anual só com "boas notícias". E expliquei o meu conceito: nenhuma informação deixaria de ser transmitida ao público, mas sempre num ângulo tão positivo quanto possível. Víamos o copo meio cheio, e não meio vazio. Só uma vez por ano, por ocasião do aniversário do matutino fundado a 29 de Dezembro de 1864. Numa época propícia, entre o Natal e o ano novo.
Já acreditava nessa altura, como acredito agora, que o efeito acumulado de más notícias provoca um sentimento de exaustão junto dos consumidores de informação. Isto ocorre ainda mais em tempos de crise: procuramos encontrar no fluxo noticioso quotidiano alguma luz que nos permita sair do escuro. Enganam-se aqueles que se empenham em carregar ainda mais nas tintas escuras, julgando ir assim mais ao encontro dos leitores, ouvintes e telespectadores. É um erro semelhante àqueles que, na política, radicalizam em grau crescente as suas propostas, sem perceberem que a crise potencia soluções de moderação da parte dos eleitores, naturalmente descrentes de derrapagens radicais.
Na altura, alguns colegas olharam-me como se aquela ideia não tivesse pés nem cabeça. E no entanto continuo convencido de que tinha pernas para andar e poderia constituir um excelente veículo de promoção editorial caso fosse posta em prática da melhor maneira.
Voltei a lembrar-me disto ontem ao ver nas bancas a edição especial do DN em que o jornal assinala o início do seu 150º ano de vida, o que à partida bastaria para justificar aplauso. Acontece que esta edição está à altura das expectativas geradas quando a direcção editorial do matutino decidiu confiar ao presidente do Grupo Oi e da PT Portugal, Zeinal Bava, a condução do jornal por um dia. A ideia tem sido posta em prática por diversos títulos jornalísticos, com resultados irregulares, e o próprio DN já a tinha concretizado em anos anteriores. Mas talvez com menos sucesso do que aconteceu agora.
Gosto de praticamente tudo nesta edição, que constitui peça para coleccionar. Desde a surpreendente e bem conseguida manchete: "País de boas contas não pode ter medo da matemática" à excelente ilustração de Vhils também na capa. Passando pela antevisão de grande fôlego de 2014 aos mais diversos níveis e pela opinião muito diversificada, onde me apetece destacar um artigo de página inteira de Filipe La Féria "escrito em português antigo" pois "no Teatro Politeama nem as bailarinas russas aderiram ao Acordo Ortográfico".
Enfim, uma edição de prestígio. Que notabiliza o jornal e a sua longa história, que remonta aos tempos da monarquia constitucional. "O melhor jogador do mundo fala português. Na ciência, nas artes, no desporto e nas empresas temos portugueses a dar cartas. Dizem 'obrigado' quando agradecem os prémios e distinções de que todos os meses chegam notícias e são embaixadores naturais do nosso país, da nossa língua e cultura no mundo", escreve Zeinal Bava no editorial.
Afinal uma outra forma de se fazer a tal edição com notícias pela positiva. Uma boa ideia, como sempre pensei.
"Porque as grandes felicidades aqui são todas feitas de escapar à tragédia, uma e outra vez, até ninguém ser mais capaz de escapar à tragédia. Porque é isso que acontece. Com o tempo, a atrocidade abrevia tudo a toda a gente, e o que sobra é de uma tristeza para sempre. A tristeza para sempre é o que mais identifica esta comunidade. Ainda que a heroicidade não o mostre, não o permita aos olhos descuidados de quem vê apenas em passagem." - Valter Hugo Mãe, Adiar, Público, 29/12/2013.
Poucos se atrevem a ser tão claros. Por isso podia ser um resumo de Portugal em 2013.