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É normal os primeiros-ministros reagirem disparatadamente quando o parceiro de coligação lhes tira o tapete. Mário Soares, no Governo PS/CDS, quis manter-se no cargo quando os ministros centristas se demitiram do Governo, propondo a Eanes a sua substituição por ministros socialistas. Eanes, que era um Presidente no verdadeiro sentido do termo, respondeu a essa proposta com a imediata demissão de Mário Soares. Por esse motivo, a revisão de 1982 condicionaria a possibilidade de o Presidente demitir o Governo. No entanto, Mário Soares aprendeu que não poderia manter um Governo quando o parceiro de coligação se despede. Por esse motivo, quando Cavaco Silva foi eleito líder do PSD e Mário Soares viu posto em causa o seu Governo do Bloco Central fez uma comunicação ao país garantindo que podiam contar com ele, mas logo a seguir apresentou a demissão. Sentindo-se vingado, Eanes só aceitou essa demissão depois de um compasso de espera.
Nada disso tem paralelo com o discurso hoje de Passos Coelho que corresponde ao mais absoluto delírio político. Depois de o líder do segundo partido de coligação se demitir do Governo, Passos Coelho continuou como se nada se passasse, mantendo a posse de uma ministra contestada, rodeada de uma equipe de secretários de Estado que nem deve chegar a aquecer o lugar. À noite fez uma comunicação ao país em estilo de menino queixinhas, quase apelando ao CDS que não seguisse Portas e que lhe permitisse continuar no cargo, dizendo que se recusava a propor a demissão de Portas ao Presidente da República. Manteve inclusivamente uma viagem a Berlim, para espanto dos europeus, que devem achar que anda tudo doido em Portugal. Pelo caminho, até parece que admitiu sacrificar a própria Maria Luís Albuquerque, a troco da manutenção do CDS no Governo, como se fosse possível desfazer agora o colapso do Governo que ele próprio causou.
Passos Coelho não percebeu manifestamente o que lhe aconteceu. A forma como tratou o CDS constitui a maior afronta já feita a um partido político em Portugal e vai ter como resposta imediata a demissão em catadupa de todos os Ministros e Secretários de Estado centristas. No fim o Primeiro-Ministro ficará sozinho, apenas com Maria Luís Albuquerque, se esta tiver capacidade para aceitar esta última desfeita de Passos Coelho, mais o Ministro encarregado dos briefings governamentais. Mas nem assim Cavaco Silva demitirá o Governo, deixando provavelmente o regime, de que é o último garante, afundar-se com ele.
O PSD já deveria ter percebido que, se continuar a ser envolvido neste delírio político, acabará reduzido à dimensão do PASOK grego. A incompetência e a irresponsabilidade demonstradas por Passos Coelho nesta substituição de Vítor Gaspar levariam em qualquer país do mundo um partido democrático a mudar imediatamente de líder. De que é que se está à espera?
Em Abril, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional, escrevi (ver ponto 3): Em parte por culpa própria, em parte por desvios a que foi obrigado (vide decisão anterior do TC ou polémica sobre a TSU), o governo já se encontrava demasiado longe não apenas do que parecia ser o seu plano original mas de qualquer solução razoável para a crise (vide Irlanda ou países nórdicos no início da década de 90), pelo que não deve agora afundar-se ainda mais, fingindo ter alternativas. Demita-se. Hoje, por maioria de razões, a minha opinião só pode ser a mesma. Este governo, com ou sem uma qualquer forma de apoio por parte do CDS, está incapaz de fazer o que é necessário fazer. Sendo que, independentemente das ilusões de António José Seguro e de milhares de almas ingénuas que o levarão à vitória (quantas vezes pode a ingenuidade ser renovada com palavras ocas?), a menos que alguém nos ofereça montes de dinheiro, o que é necessário fazer não vai ficar mais fácil nos próximos tempos. Nem que saiamos do euro, imprimamos uma moeda nova e tentemos fingir que ela vale alguma coisa.
Seguro tem razão. O nosso é um problema de crescimento. Antes de mais, e sobretudo, dos líderes políticos. Coelho, Portas, Relvas, Sócrates e ele própio são raquíticos. E o mais grave é que não só são pequenos, como se recusam a crescer. E vivem, assim, como meninos perdidos numa Terra do Nunca, uma fantasia de histórias de piratas, fadas, crocodilos, traições e juramentos. O problema é que as nossas vidas dependem das aventuras destes garotos. Das suas jogadas, dos seus caprichos e cumplicidades. Os acontecimentos das últimas horas seriam uma brincadeira de espadas de madeira num conto infantil, mas só podem ser considerados uma traição se ainda quisermos acreditar que temos um país. Traição ao esforço, ao sofrimento e ao sacrifício de milhões de pessoas nos últimos anos. Não se trata já de falta de sentido de estado. Estamos, mais do que isso, perante a ausência total de sentido de estrado. A começar em Passos e a acabar em Seguro, esta gente perdeu já qualquer noção do ridículo.
Há duas semanas, a Economist publicou um trabalho especial sobre a Alemanha. Num dos artigos falava da falta de mão de obra, especialmente qualificada, que grassa no país. Também referido foi o facto de as empresas alemãs, com mais do que uma mãozinha do(s) governo(s), estarem a importar cada vez mais essa mão de obra dos países do sul da Europa. Que coincidência isto suceder em pleno período de crise (especialmente) do sul da Europa.
Como não tenho jeito para a subtileza, adiciono aquilo que me foi confidenciado por uma pessoa amiga que trabalha no Parlamento Europeu há já bastante tempo: um dos objectivos para a austeridade brutal era mesmo o de levar os jovens qualificados a abandonar o seu país e a seguirem para os países que estão na mesma situação da Alemanha. É que os imigrantes da Turquia, Marrocos, África, Ásia ou semelhantes são excessivamente diferentes culturalmente, têm religiões diferentes e não vêm sempre muito qualificados. É mais simples importar os outros que já são europeus.
Teoria da conspiração? Talvez. Vindo de quem veio, dou mais credibilidade à ideia do que noutras situações. Tem buracos, como é óbvio, mas quanto mais penso nisso, mais me parece ter lógica. Aliás, pensando bem, estou para ver se o próximo quadro qualificado a aterrar na Alemanha não será um antigo ministro das finanças para inaugurar o seu novo gabinete na Willy-Brandt-Platz em Frankfurt am Main.
Faço anos, bastantes. Paulo Portas demite-se e os restantes ministros do seu partido também (ou então está tudo louco). Que dia! O governo em agonia, o futuro, difícil, impõe-se. O meu telefone toca bastante, telefonemas de Portugal. A todos atendo, patriótico, num imediato "estou disponível". A resposta é sempre a mesma, crente e entusiástica: "parabéns!".
Hum ...
No Forte Apache, Alexandre Poço agradece a Vítor Gaspar ter cortado 13 mil milhões de euros da "despesa pública". A minha posição em relação a este governo penso que será perfeitamente conhecida, pelo que não preciso de a explicar. Ainda assim, tentando colocar-me do lado de quem entenda que o estado precisa de emagrecer brutalmente, não consigo ver como se pode dizer que Gaspar cortou 13 mil milhões à despesa pública. Gaspar cortou benefícios sociais que eram fundamentais para uma vida condigna (leia-se, para além da simples subsistência) de milhões de portugueses. Aumentou impostos de forma inadjectivável. Despediu (ou fez despedir) uma enormidade de pessoas que eram úteis e produtivas (aqueles que são "indespedíveis" é que costumam ser não produtivos). Fez tudo quanto pôde para expulsar jovens. Vendeu os anéis do estado ao preço da uva mijona e com jeitinho aos amigos enquanto que manteve todos os poços sem fundo (como certos bancos cujo nome por pudor não refiro). Tudo isto sem sequer fazer uma reforma estrutural de jeito que se visse e sem realmente tocar nas PPPs.
Agradecer a Gaspar? Os países do norte da Europa podem agradecer o jeitinho (mais tarde falo disto). Já qualquer português que não seja uma caixa de ressonância deste governo só pode queixar-se dele. Se quer agradecer, agradeça aos portugueses que empobreceram brutalmente para "poupar" os tais 13 mil milhões. A Gaspar, Alexandre Poço poderá provavelmente agradecer outras coisas. O percurso já foi mais que certificado por Sócrates e Passos Coelho. Talvez por ele chegue um dia a PM.
A política portuguesa é anedótica. Até os supostos "homens de Estado" não têm sentido de Estado. A irresponsabilidade grassa como fogo ao vento. Portas limita-se a fazer jogada política, saindo de governo impopular para ingressar no próximo governo de coligação com o PS. O CDS, aliás, fica muito mal na fotografia. Sempre fez jogo duplo: ora era o baluarte da coligação, ora o maior crítico do Governo. A saída de Portas é meramente o corolário desta estratégia. Passos Coelho acaba punido pela sua manifesta impreparação, pois não definiu um claro rumo político, não reconheceu erros próprios e nunca se preocupou em manter o Governo coeso.
E o país? O país continua a ser um joguete nas mãos de políticos incompetentes, arrogantes e mesquinhos.
"Paulo Portas bateu consigo mesmo num acto singular".
Sempre gostava de ver a cara dos que diziam que não havia assunto que justificasse a existência de briefings diários do governo.
Dizer que Paulo Portas «bateu com a porta» é tããão básico...
Casas de fotocópias de Lisboa sobrecarregadas de trabalho.
Logo agora que devias ter quase pronto o dossier com as medidas para a reforma do Estado...
Vítor Gaspar tinha acabado de se demitir do Governo numa carta que quem melhor interpretou foi curiosamente a Imprensa Falsa. Perante este rombo no executivo, Passos Coelho não arranjou melhor do que promover a sua antiga professora da Faculdade a Ministra das Finanças, apesar de a mesma estar debaixo de fogo no caso dos swaps. Incapaz de tomar qualquer atitude que seja, a não ser instaurar absurdos processos a comentadores, Cavaco nomeia de cruz a nova Ministra, imagine-se, porque recebeu garantias do Primeiro-Ministro que sobre ela não pesava nada de menos correcto. Paulo Portas, pelos vistos, não recebeu as mesmas garantias pelo que não hesitou em demitir-se, desagradado com a escolha. Temos uma semana alucinante e ainda só vamos na terça-feira.
Cenas dos próximos capítulos, até ao fim-de semana: 1) Demissão da Professora de Passos Coelho, desagradada com a reacção de Portas; 2) Demissão de Passos Coelho, pelo mesmo motivo; 3) Demissão de Cavaco Silva, zangado pelo facto de a Procuradoria não ter processado Sousa Tavares nem os milhões de pessoas que o continuam a criticar. Porque na verdade, este Governo e este Presidente têm sido exemplares na gestão da crise e não merecem qualquer crítica. Afinal de contas de que vale a pena criticar quem comanda o Titanic?
P.S. Eu continuo a aguardar os prometidos briefings de Miguel Poiares Maduro e Pedro Lomba onde estes assuntos precisam de ser muito bem explicados.
pois os pensamentos, sejam quais forem os aspectos positivos que possam enunciar-se a seu respeito, têm uma grande fraqueza, nomeadamente, que dependem de uma certa distância para efeito. Tudo o que se encontra no interior dessa distância está sujeito às emoções.
Karl Ove Knausgaard, Min Kamp 1 (A Death in the Family). Tradução minha a partir da versão inglesa. (Não faço promessas, que me deixam irritadiço, mas tentarei voltar a Knausgaard num dos próximos dias.)
Sobre a Dificuldade e Outros Ensaios, de George Steiner
Tradução de Miguel Serras Pereira
Ensaios literários
(edição Gradiva, 2013)