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Delito de Opinião

A silly season

Helena Sacadura Cabral, 31.07.13
Nesta época do ano era habitual o país entrar em notícias rendilhadas, ou seja, falava-se de tudo menos do que seria importante. Os interesses centravam-se nos amores recentes, nas trocas dos antigos, nos vestidos e penteados, nas festas daqui, dali e d'alem mar, enfim abordavam-se toda a espécie de trivialidades. E era muito descansativo!
Agora, tudo isso se perdeu sob o manto diáfano da seriedade e do rigor. Já não há silly season. Quando muito, teremos que nos contentar com as notícias da Lux ou da Caras, dado que a Hola, com os problemas internos da Espanha, perdeu muito do seu fulgor. Mas mesmo as referidas nacionais, a que com alguma boa vontade se poderão acrescentar a Vip ou a Flash, mesmo essas, não conseguem dar conta do serviço por falta de material.
Exceptuando o Cristiano e a Irina que ainda despertam os portugueses da letargia em que vivem, o que é certo é que já não há jardins da Parada ou betinhos que nos valham. A globalização fez desaparecer o beautiful people e, os resquícios que ainda subsistem, não dão para mais de duas páginas com fotos e texto escassos.
A crise é, nos nossos dias, pasme-se, o tema central das revistas cor de rosa que assim se tingem de um cinzento outonal. Que pena. Que falta nos fazem aqueles floreados da época!

"Brancas" jogam e perdem

Pedro Correia, 31.07.13

Nunca tive a menor dúvida sobre a orientação do Tribunal Constitucional relativamente à questão das candidaturas autárquicas. Para mim, portanto, a decisão dos juízes do Palácio Ratton - hoje anunciada - relativamente à candidatura de Fernando Seara em Lisboa não constituiu surpresa. Vem na sequência de várias outras, emanadas dos tribunais comuns. Já tinha ocorrido em Évora, Loures, Tavira, Aveiro, Alcácer do Sal, Beja e Guarda. Com derrotas claras do auto-proclamado Movimento Revolução Branca (que raio de nome...) encabeçado por um ex-mandatário de Narciso Miranda. Alguém que só ganhou alergia aos chamados "dinossauros" do poder local depois de ter sido ferrenho adepto do tiranossaurus rex de Matosinhos.

Como já referi aqui e aqui, não faz o menor sentido limitar direitos políticos consagrados na Constituição da República com interpretações extensivas da lei ordinária. A ausência da clarificação que a Assembleia da República deveria ter feito ao diploma que interdita mais de três mandatos consecutivos na mesma câmara municipal ou na mesma junta de freguesia foi um erro que não pode ser compensado com outro, de maior gravidade. A melhor doutrina jurídica ensina-nos que a compressão de um direito só é admissível com menção expressa na letra da lei, não invocando um seu putativo "espírito" à mercê de calendários políticos.

Os "revolucionários brancos" terão de arranjar muito em breve outra causa para se manterem à tona das ondas mediáticas. Esta tornou-se um "não-assunto", como bem lhe chamou Vital Moreira.

Maus hábitos jornalísticos

João André, 31.07.13

No caso do acidente ferroviário em Espanha, aquilo que mais me incomoda é a forma como a vida do condutor tem sido completamente devassada pela comunicação social. Ainda antes de se saber o que tinha sucedido (além da existência de muitos mortos) já se sabia quem era o condutor, que idade tem, que tinha colocado uma foto na sua página do Facebook, etc. Perante o tratamento dado ao caso pela comunicação social, é normal que o público tenha reagido como uma turba raivosa com ganas de enforcar o condutor da árvore mais alta da Galiza.

 

Neste aspecto não seria de desdenhar o hábito que eu vejo na Holanda. Perante um acusado de um crime, a comunicação social dá habitualmente o primeiro nome e a inicial do apelido, desfocando sempre as fotografias em que ele (ou ela) apareça. A lógica é simples: se a pessoa for considerada inocente (ou mesmo que cumpra pena e depois saia em liberdade), é importante que possa voltar a ter uma vida normal. Como tal, faz sentido que a sua identidade seja mantida em segredo.

 

Não sei se é um compromisso dos media ou uma determinação legal. Para bem da justiça, no entanto, seria bom que fosse adoptado (pelo menos) em Portugal.

Extraordinário!

Fernando Sousa, 31.07.13

Bradley Mannings não será condenado a prisão perpétua, porém incorre numa pena de 136 anos. Extraordinário! A juíza que presidiu ao tribunal militar que julgou o soldado que filtrou centenas de milhares de ficheiros para a WikiLeaks foi no entanto magnânima: descontou-lhe 112 dias pelos oito meses em que esteve metido numa cela de 2x2,5 metros e sem janelas, com direito apenas a uma hora diária de recreio. Que humanidade! Mas o mais extraordinário é que o Governo dos Estados Unidos, que se mandou ao Iraque como gato ao bofe com base em mentiras e que vem recusando investigar alegações de tortura e outros crimes, tenha decidido processar Mannings por ter revelado provas de comportamentos de guerra criminosos. 

Regresso ao passado (IV)

Pedro Correia, 31.07.13

 

A publicidade é uma das formas mais interessantes de acompanharmos a evolução de uma sociedade através dos jornais. Por exemplo, em 1967 era frequente haver anúncios a televisores e frigoríficos nas páginas do Jornal do Fundão, algo impensável poucos anos antes. E registavam-se já técnicas publicitárias a que hoje estamos muito habituados.

Repare-se nisto, que encontro na edição de 26 de Março de 1967: "Vive no Fundão e tem telefone? (título) Ao atender, que as primeiras palavras sejam Quem tem Butagaz tem tudo".

Falta acrescentar que naquele tempo, por estas bandas, os números de telefone tinham apenas três algarismos (ou dígitos, como hoje diríamos).

 

Eram alguns dos primeiros sinais da acelerada transição de um meio marcadamente agrícola, numa vila ainda cercada de quintas em todo o seu perímetro, para a urbe moderna em que se tornou, embora sem perder as raízes rurais. Já então - recordo-me bem desses tempos da minha infância - quem vinha das aldeias situadas em zonas mais remotas do concelho era facilmente reconhecível, em comparação com as gentes da crescente malha urbana, pela indumentária e pelo tom de pele, muito mais moreno devido à constante exposição ao vento e ao sol. O que de algum modo ainda sucede, nomeadamente às segundas-feiras, quando muitos forasteiros acorrem à concorrida feira municipal, tradição que perdura.

 

Nesse ano de 1967 já o Jornal do Fundão tinha nomes sonantes das letras, das artes e do jornalismo a escrever nas suas páginas - e não apenas ligados à região, como em épocas precedentes sucedia com António José Saraiva (que escrevia regularmente do exílio em Paris), José Hermano Saraiva ou Francisco Rolão Preto, nome histórico do nacional-sindicalismo e da resistência monárquica.

Refiro-me a figuras como José Cardoso Pires, Mário Dionísio, José Gomes Ferreira, José Carlos Vasconcelos e Lauro António. Artur Portela Filho era "enviado especial" do jornal à Jordânia, em plena Guerra dos Seis Dias. Vítor Silva Tavares editava um excelente suplemento cultural - chamado "& etc", predecessor da editora homónima - com um grafismo que pedia meças ao da melhor imprensa com difusão nacional e onde se escrevia sobre filmes como Pierrot le Fou e Blow Up. A palavra "sexo" já surgia em títulos, apesar do olhar sempre vigilante da censura, que mirava com vistas implacáveis um periódico então com fama (e proveito) de simpatias pela oposição democrática.

"Arranjei uma gravurinha do século XIX - uma mãozinha com uma tesoura - que reduzi e apliquei na primeira página, quatro ou cinco vezes nos lugares onde tinha havido cortes. Aprendemos com a censura a ler os sinais gráficos. Tudo poderia constituir mensagem, subliminar, escondida. Era um jogo de gato e rato", lembraria o editor numa entrevista, muitos anos depois.

Marcas de um certo cosmopolitismo nessa Cova da Beira do Portugal de Salazar ainda situada a muitas horas de viagem de Lisboa. Marcas reflectidas no próprio noticiário comum. Na contracapa do jornal, sempre tradicionalmente dedicada à cidade da Covilhã, o destaque era dado - nessa edição de Março de 1967 - a uma "notável palestra do sr. Manuel Mesquita Nunes [provavelmente familiar do nosso Adolfo] sobre os problemas actuais da indústria de lanifícios", numa conferência de rotarismo.

 

Na mesma edição, leio a notícia de que dois primos meus - o alferes miliciano Manuel Correia Saraiva e o furriel miliciano António Eduardo Correia Saraiva - tinham regressado ao Fundão, cumprido o serviço militar no Ultramar. Eram as referências possíveis à guerra que se travava em três frentes africanas muito distantes do rectângulo luso e da qual só chegavam ecos esparsos às páginas dos jornais.

 

Imagem: uma rua do Fundão nos anos 50 (foto Caradisiac)

Atravessando o Rubicão.

Luís Menezes Leitão, 31.07.13

 

 

Ontem Rui Rio anunciou urbi et orbi a sua candidatura a substituir Passos Coelho. As suas declarações constituem uma pedrada no charco e representam um claro sinal de que há na actual política portuguesa um amplo sector que não se revê na incompetência política do actual PSD nem está disposto a assistir ao desastre que seria a entrega do país a António José Seguro.

 

Rui Rio cortou a direito e diz o que muita gente está a pensar. Não é aceitável que numa democracia madura os políticos não digam a verdade no Parlamento, pelo que se forem apanhados em falso não têm outra alternativa senão demitirem-se ou serem demitidos. Mas é claro que Passos Coelho não o fará a Maria Luís Albuquerque, uma vez que nem sequer reagiu quando na oposição se colocou a mesma questão em relação a José Sócrates. E também não é aceitável que um partido que proclama querer combater a despesa pública candidate à segunda câmara do país um autarca que deixa uma dívida monumental na câmara que geriu e cujas promessas para o Porto se resumem a um endividamento estratosférico. Esta absoluta incoerência no discurso político vai custar cara ao PSD. E não são as moções de confiança no Parlamento que dão algum balão de oxigénio a um Governo que persiste em cometer erros sobre erros. Essa experiência já a tivemos com o governo de Santana Lopes, que também apresentou uma moção de confiança na Assembleia. Seis meses depois tinha caído. Na verdade, só precisam de apresentar moções de confiança os governos politicamente fracos. E a fraqueza política deste Governo é óbvia ou não estaria a ser dirigido pelo segundo partido da coligação.

 

É precisamente por esse motivo que Rui Rio decidiu ontem atravessar o seu Rubicão, deixando o Porto e preparando as suas tropas para o assalto ao poder.  Das suas declarações não há retorno e o combate tornou-se agora inevitável. Alea jacta est.

Um novo léxico

Helena Sacadura Cabral, 30.07.13

"Portugal é um país muito dado à semântica". Assim começa, hoje, a crónica de Tiago Freire no Jornal Económico. Com base nesta afirmação séria, decidi tecer algumas considerações sobre sinónimos especiais para uso público, de modo a ajudar aqueles que tenham de discursar no exercício de funções oficiais, mas não queiram ser vaiados.

Dando corpo ao exercício fiz uma pesquisa das palavras mais utilizadas na actual oratória, às quais entendi dar um cunho pessoal de modo a que, quem necessite, possa ir mais longe na utilização das mesmas

Assim, sugere-se que a mentira seja apenas uma inverdade, e a miséria uma questão de ajustamento económico. Continuando, teremos a salvação nacional como sinónimo de simples acordo entre partidos do arco da governação e os swaps uma encrenca financeira que utilizada em certos contextos é uma excelente opção e noutros uma péssima escolha. O problema aqui reside na definição do dito contexto, como deverão ter percebido. Já a expressão saber deve significar, sempre, o conhecimento atempado de tudo e não apenas de uma parte, excluindo portanto daquele conceito o estar informado. Finalmente austeridade será, pelos tempos mais próximos, sinónimo de rigor e seriedade. E, para não ser criticada,irrevogável será tudo o que, a seu tempo e por motivos alheios à vontade de cada um, se torne reversível.
Acredito que com este novo léxico ninguém ficará mal visto nas diversas ocasiões em que for chamado a pronunciar-se sobre o que quer que seja!

Regresso ao passado (III)

Pedro Correia, 30.07.13

 

Os periódicos regionais, como o Jornal do Fundão, cumpriam a vocação de acompanhar os ciclos vitais dos seus leitores. Lembro-me desde sempre de ver pais, avós, tias e primas abrindo o semanário enquanto diziam "deixa cá ver quem morreu..."

 

A primeira notícia verdadeiramente triste de que me lembro na minha família - como já evoquei aqui - foi a morte do meu avô, na segunda metade da década de 60. Lá vem ela relatada também nas páginas do Jornal do Fundão, sob letras grandes e negras: "Necrologia".

Era muito novo para me recordar de pormenores - e nem sequer estive presente no funeral: por esses dias, eu e o meu irmão ficámos à guarda dos meus outros avós, pais da minha mãe.

Deixou-me portanto uma sensação amarga e doce, a leitura desta notícia a tantos anos de distância na sala onde funciona o arquivo do jornal. Amarga por me fazer reviver aqueles dias tristes da minha infância. Doce por fornecer um retrato do falecido que sublinha as suas qualidades profissionais e humanas. Assim ficarão registadas para a posteridade, graças ao redactor anónimo daquelas linhas. A tal ponto que não resisto a transcrevê-la parcialmente:

 

"Na madrugada do dia 25 faleceu no Hospital da Misericórdia o nosso prezado amigo sr. Luís Correia, de 72 anos de idade, funcionário, aposentado, da Federação Nacional dos Produtores de Trigo. Muito considerado nesta vila, de onde era natural, foi vereador da Câmara Municipal do Fundão, regedor da freguesia e durante muitos anos secretário da Liga dos Combatentes da Grande Guerra. Profissional zeloso, bairrista devotado, o extinto, quer pela lhaneza do trato, quer pelas suas qualidades pessoais, contava inúmeros amigos. (...) O funeral, realizado para o cemitério do Fundão, e para o talhão dos Combatentes da Grande Guerra, foi uma grande manifestação de pesar."

 

O avô Luís era "muito considerado", "bairrista devotado", conhecido pelas "qualidades pessoais" e com "inúmeros amigos". Um legado destes, documentado nas páginas de um prestigiado semanário, vale por toda a fortuna que pudesse ter recebido em herança.

Obrigado, Jornal do Fundão, por teres feito do meu avô notícia. E por teres conseguido tornar também doce uma recordação que para mim era apenas triste.

 

Imagem: praça do município do Fundão, nos anos 30 (do blogue Postais do Fundão)

O que estou a ler (9)

Marta Spínola, 29.07.13

Pergunta o Luís. Eu estou sempre a ler muita coisa e leio nada. Livros a meio são mais de muitos (não são eles, sou eu) e tenho saudades de me prender a um livro de início ao fim. Entretanto, peguei num outra vez. 

O livro que reli mais recentemente, coisa que faço frequentemente com este livro, é o "Notas de Cozinha de Leonardo Da Vinci". Desta vez, a propósito de um post no facebok que coincidiu com a altura em que assisti a um curso sobre a Mesa Aristocrática no século XVIII (e aconselho o blog da autora Ana Marques Pereira, Garfadas On Line) e me lembrou muito as notas de Mestre Leonardo dois séculos antes.

Este livro, mais do que me interessar pelo conteúdo histórico, está cheio de pérolas de preocupação de Leonardo Da Vinci não só com a apresentação à mesa, como os modos dos seus contemporâneos. Percebe-se que sofria com a falta de civismo o que resulta, admito que também pela tradução, em notas engraçadíssimas. Ainda que a intenção dele não fosse fazer rir. 

Inocentemente - ou não - acaba por ser indiscreto nos hábitos de Sforzas e Borgias à mesa, dá-nos conta de algumas receitas da época e são mostrados alguns projectos de objectos para cozinha e mesa como o saca-rolhas e a batedeira (à escala humana, com pedais, impraticável uma vez que ou o conteúdo era pouco e o efeito não o pretendido, ou o "batedor" se afogaria). 

Relativamente a soluções práticas, diz-nos que o melhor para não ter a cozinha a cheirar a cabra é não ter cabras na cozinha. 

É um livro recheado de pepitas. Deixo umas imagens, mas vale bem a pena lê-lo. 

 

É com este livro que tenho andado para trás e para a frente, enquanto a vida se prepara para dar uma reviravolta.

 

Passo a vez à Patrícia Reis, para sabermos o que lê de momento.  

Políticas da droga

João André, 29.07.13

Há em relação à Holanda uma noção sobre as drogas que não é a mais correcta: as drogas leves (cannabis, no caso concreto) não são legais. As coffee shops, por seu turno, também não. O que há é uma política de tolerância em relação à sua existência. Desde que as quantidades de drogas vendidas sejam reduzidas e a venda ocorra apenas nas coffee shops, as autoridades não intervêm (isto cria a situação curiosa de ser possível comprar e vender drogas sem riscos legais, mas não ser possível cultivar as plantas sem se cometer crime). Este arranjo tornou-se de tal forma corrente que os próprios tribunais decidem habitualmente a favor de acusados quando alguém é detido por venda de cannabis.

 

Uma das cusiosidades deste arranjo ao nível da sociedade é que muitos dos consumidores são estrangeiros (ou residentes ou apenas turistas). Os holandeses vivem num clima de não ligarem a este fruto proibido. Claro que isto motivou bastante o turismo de drogas, especialmente em cidades fronteiriças. A cidade de Maastricht, encostada à Bélgica, a 30 km da Alemanha, a 100 km do Luxemburgo e cerca de 150 km da França, sendo também uma cidade bonita e com bons acessos, é uma das principais vítimas do turismo de drogas. Um dos principais destinos é uma zona fluvial encostada à praça velha da cidade onde existem duas coffee shops construídas em barcos.

 

Ora, há uns anos, a cidade decidiu evitar a aglomeração destas pessoas, as quais causavam um "mau ambiente", limitando a venda de cannabis apenas a residentes na Holanda. Ou seja, os estrangeiros que vão à cidade deixam de poder comprar as suas drogas em ambiente tolerado pela lei. O resultado foi o esperado por qualquer pessoa com imaginação: várias coffee shops fecharam as portas e o influxo de estrangeiros em busca de droga não diminuiu. Isto porque, como seria de esperar, vários residentes (não necessariamente holandeses) passaram a calcorrear a zona oferecendo-se para ir comprar as drogas aos turistas. Além de a decisão não reduzir a entrada de "turistas de droga", teve o condão de os concentrar precisamente numa das mais agradáveis zonas da cidade e de atrair ainda outros residentes que não contribuem para a "atmosfera".

 

O que fizeram então o governo e a câmara? Recuaram na ideia? Adaptaram-na? Claro que não: aumentaram o número de polícias na cidade à medida que a criminalidade reclacionada com drogas foi aumentando e juraram que não se desviariam um milímetro do percurso, com o ministério responsável pela polícia a prometer que apoiaria sempre com reforços quando a cidade o precisasse.

 

O curioso não é a insistência na política nem o destruir de um conceito que tem funcionado (na maior parte da Holanda as coffee shops continuam a poder vender a não residentes). O curioso é que num país tão obcecado por dinheiro, o governo esteja tão disposto a abrir mão de rendimentos (impostos pagos pelas coffee shops) e a pagar o custo disso (mais polícia). Numa altura de crise (quando o dinheiro falta e as drogas se tornam mais atractivas) talvez não fosse má ideia olhar para este caso com mais atenção.

Regresso ao passado (II)

Pedro Correia, 29.07.13

 

Leio a notícia do casamento dos meus pais, na segunda metade dos anos 50. São quatro parágrafos, encimando uma coluna também de "notícias pessoais" - incluindo um "pedido de casamento", a transferência para outra zona do País de um tesoureiro que "durante alguns anos exerceu as suas funções no Fundão onde, pelo seu nobre carácter e excelentes qualidades, conquistou sólidas amizades", a partida "com destino a Luanda do nosso conterrâneo e amigo" senhor Fulano de Tal "aceitando um convite que lhe foi dirigido pela Companhia dos Diamantes de Angola" e a boa nova da menina Maria do Céu..., "operada com pleno êxito ao nariz".

A notícia sobre os meus pais publicada no Jornal do Fundão, que transcreverei parcialmente, é muito completa. E obedece aos cânones técnicos da escrita jornalística, respondendo às questões fundamentais: o quê, quem, quando, onde.

"Na Igreja da Sé, em Castelo Branco, realizou-se no passado dia 30 o casamento do nosso distinto colaborador e amigo sr. Félix da Silva Correia, funcionário da Direcção-Geral de Saúde em Lisboa, filho do sr. Luís Correia e da srª D. Maria Ângela da Silva Correia, com a srª D. Isabel de Magalhães Mendes Correia, gentil filha do sr. major Mendes Correia e da srª D. Maria do Patrocínio Mendes Correia."

Além dos nomes dos noivos e dos pais, são também mencionados os padrinhos e madrinhas. E a prosa rematava desta forma: "Em casa dos pais da noiva foi servido aos convidados um fino copo de água. Os noivos fixam residência na Costa da Caparica. Ao novo lar desejamos incontáveis felicidades."

 

Relance de um jornalismo de proximidade, espécie de rascunho dos livros de História do futuro a partir do qual reconstituímos uma parcela significativa da vida quotidiana que passou. Um tempo em que os órgãos de informação desejavam "incontáveis felicidades" a jovens recém-casados: instantes felizes fixados para a posteridade numa coluna de jornal.

 

Imagem: Sé de Castelo Branco, num postal antigo (do blogue O Albicastrense)

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