Postais de um Fotógrafo de Bairro (XII)
O Euclides emigrou de Cabo Verde para Lisboa quando soube pela mulher que lhe ia nascer um filho. A razão para o salto fora atendível: trabalhar, ganhar dinheiro para assistir a família na ilha. A mulher pediu o divórcio pouco depois da sua partida. Encontrara parceiro mais próximo, nestas coisas de matrimónio a distância é um terceiro elemento. Ficou-lhe o filho à espera em Santiago enquanto o Euclides trabalhava como factotum nas obras. Após um acidente de trabalho cujo processo nunca seguiu as vias direitas e o deixou com lesões na coluna, o Euclides foi tomar conta do tasco do pai. Passa ali os dias (e as noites, já que dorme num quarto contíguo à cozinha). De vez em quando lembra-se do dinheiro que nunca lhe pagaram em obras tão importantes como o foram as da Expo ou do Colombo. Não compreende o que se passou, ele que nunca falhou um dia de trabalho sequer e sempre fez o que lhe mandaram com competência e aprumo.
Algumas semanas atrás conseguimos fazer com que o Roni, agora com dezoito anos, recebesse um pequeno computador que eu mesmo configurei dentro do balcão do Café Africano. Servi ponchos e tudo! O Euclides, para quem um computador é um país estrangeiro, estava radiante. O único contacto que mantém com o filho é via o telefone de um vizinho do rapaz, proprietário de uma tenda de refrescos em Santiago. Nunca se viram, o Euclides e o Roni: o preço das viagens de e para Cabo Verde não se aguenta de tão caro. O portátil acabou por ser levado por uma tia do Euclides que calhou voar para as ilhas por esses dias. Há já notícia de que o Roni, que completou há uns meses o 12º ano, mexe no computador com destreza. Um tio dele tem uma loja de Internet por lá e ajuda-o. Eu já disse ao Euclides: “Dia em que o rapaz passe as portas do aeroporto, quero estar lá para vos tirar fotografias”.
O Euclides enrola cigarros porque não tem dinheiro para pacotes. Ele não fuma tanto quanto isso, é mais para matar o tédio, mas ainda assim o pai faz pressão para que corte no hábito. Um homem que não vê o filho há dezoito anos porque não pode pagar a viagem torna-se presa fácil para chamadas de atenção à moral. Mas eu estive com o Euclides nas horas de melancolia. Para quase toda a gente no bairro Clemente Vicente, partir é o outro nome da felicidade. “Para Santiago”, diz. “Plantar batatas?”, pergunto eu. “Plantar batatas”, ri-se. “E tu tens de ir também”.