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Delito de Opinião

Mais um a fazer o percurso do costume

Rui Rocha, 03.05.13

Primeiro dizem na campanha eleitoral o contrário daquilo que acabam por fazer quando são eleitos. Uns tempos depois, estão a fazer comunicações ao país à hora do telejornal. Mais cedo ou mais tarde, se tivermos sorte, acabam numa instituição internacional, numa empresa de construção ou numa farmacêutica na américa do sul. Com azar, apanhamo-los em horário nobre a comentar a situação do país.

Sexta-feira 20h00 Hora Negra

Luís Menezes Leitão, 03.05.13

 

Já se sabe que o Primeiro-Ministro virá hoje anunciar mais um assalto aos sacrificados do costume, após o que provavelmente irá festejar entoando canções nostálgicas. O que me choca, no entanto, é a precisão horária com que estas medidas são sempre anunciadas. As 20h00 de sexta-feira passaram a ser o momento mágico em que os mercados estão encerrados e os governos ou os tribunais constitucionais são autorizados a disparar os seus tiros, ficando com quarenta e oito horas para avaliar as consequências. Já que os sacrificados fiquem com o fim-de-semana estragado é algo que não os preocupa minimamente. Tivessem comprado também bilhetes para o concerto onde o Primeiro-Ministro irá a seguir.

Abenomics

José António Abreu, 02.05.13

O termo deriva do nome do primeiro-ministro japonês eleito em Dezembro passado, Shinzo Abe. Tentando contrariar duas décadas de marasmo da economia, afogada em dívida e deflação, presa a um iene demasiado forte para os interesses das empresas locais (quase todos os grandes grupos japoneses têm apresentado prejuízos e perdido terreno para os seus congéneres coreanos e chineses), Abe propõe-se aumentar a concorrência em sectores até agora protegidos (a energia, três vezes mais cara do que na Coreia do Sul, é fornecida em regime de quase monopólio por um conjunto de empresas regionais; existem barreiras à entrada de produtos agrícolas, sendo os agricultores o grupo que mais contesta a eventual adesão do país à Parceria Trans-Pacífico), bem como aplicar um conjunto de medidas radicalmente expansionistas, das quais se destacam um estímulo fiscal de 107 biliões de dólares e uma atitude mais interventiva por parte do Banco do Japão – cujo novo presidente, Haruhiko Kuroda (uma escolha de Abe), anunciou há cerca de um mês pretender comprar 70% de todos os novos títulos de dívida pública e duplicar o dinheiro em circulação no prazo de dois anos. Abe tem ainda pedido às empresas privadas para aumentarem salários mas sem grande êxito.

 

Como seria de esperar, Paul Krugman aplaudiu. Outros economistas da escola keynesiana também. Naturalmente, há vozes menos entusiásticas, algumas das quais afirmam que o Japão apenas acelerou o trajecto para a bancarrota. Veremos. Para já, tanto os mercados como os empresários locais estão satisfeitos. Desde Novembro, o iene desvalorizou cerca de 25% em relação ao dólar e o índice Nikkei subiu mais de 50%. Mas estas eram reacções expectáveis. Primeiro pela tão falada questão da psicologia dos mercados. Depois por quase ainda não se ter saído da fase da retórica. Finalmente porque, a existir, a factura demorará algum tempo a chegar. Seja como for, não obstante todas as particularidades da situação japonesa (deflação, mais de 90% da dívida detida internamente, capacidade de inovação de muitas empresas, diferenças culturais que se reflectem na preferência por produtos nacionais, forte possibilidade de atritos políticos e comerciais com a China, etc.), trata-se de uma experiência que outras partes do mundo, igualmente atoladas em dívida (e, no caso europeu, com assimetrias difíceis de gerir no quadro de uma moeda única), acompanharão com interesse. Seja para acabarem cedendo às vozes dos que nelas desejam fazer o mesmo (e entenda-se por «o mesmo» a parte pública e expansionista do plano, não a da liberalização de mercados), seja para validarem a posição oposta e aproveitarem os fluxos de capitais em fuga.

 


Dois artigos sintéticos sobre o assunto: um do Economist (razoavelmente entusiasta), outro da edição em inglês da Der Spiegel (razoavelmente neutro). Numa espécie de comentário à discussão sobre o estado da imprensa portuguesa que, entre outros colaboradores e vários comentadores do Delito, a Patrícia Reis e o João Campos tiveram mais abaixo (1, 2), devo dizer que encontrei muito pouca informação sobre este assunto nos sites dos principais jornais portugueses (a excepção será o Jornal de Negócios mas num artigo para assinantes).

 

Imagem daqui, através do Bing.

1º de Maio

Rui Rocha, 01.05.13

 

A tragédia do Bangladesh não nos deveria deixar indiferentes. Desde logo, pelas mais de 400 pessoas que morreram em condições absolutamente inaceitáveis e pelas suas famílias. E isso é, evidentemente, o aspecto mais dramático da situação. Mas, também, porque esse acontecimento representa a ponta do icebergue de um desastre de repercussões mais vastas. As centenas de milhares de desempregados portugueses e de milhões de desempregados em toda a europa são, em parte, vítimas das condições de trabalho desumanas praticadas no Bangladesh e noutras paragens. A globalização selvagem a que assistimos tem um pé apoiado na exploração da miséria no mundo em desenvolvimento e outro no desemprego assustador que se vive em várias zonas do mundo dito desenvolvido. A imagem deste 1º de Maio não pode ser outra que a de um edifício que desabou sobre 400 trabalhadores a milhares de quilómetros daqui. E a resposta não pode ser a que Matt Yglesias subscreve neste post miserável. Nem a cumplicidade das multinacionais ocidentais que condenam as condições de trabalho desumanas apenas e quando estas são praticadas pela concorrência do oriente mas que as incentivam ou admitem quando estas são postas ao serviço dos seus interesses. A resposta está na afirmação de que há valores mínimos de dignidade que são válidos em qualquer parte do mundo e para todas as pessoas. Foi também essa a mensagem de hoje do Papa Francisco. Qualquer outra posição mais não é do que a admissão da escravatura.

A irrelevância da imprensa tradicional

João Campos, 01.05.13

Este meu post começou por ser um comentário a este pertinente artigo da Patrícia (ou melhor, um comentário a um comentário), mas quando a coisa se tornou numa parede de texto decidi colocá-lo antes aqui. Até porque o tema merece alguma atenção (e não tenho escrito tanto aqui como gostaria).

 

A imprensa vive numa pescadinha de rabo na boca há largos anos, ainda antes de a crise crise rebentar à sua volta. Já quando estudava Jornalismo na primeira metade da última década se falava das tiragens em queda, da qualidade a esboroar-se, da crescente superficialidade dos artigos, de modelos online desfasados da realidade. A crise, como é evidente, veio acenturar tudo isto; mas há muito tempo que a imprensa publicada (leia-se em papel) tem vindo a alienar os seus potenciais leitores. São páginas e páginas de intriga política e de economia - temas muito importantes, sem dúvida, mas que não deviam deixar outros sem espaço. Pois o que sobra é dividido com sociedade e com as páginas desportivas de futebol. Para o resto, migalhas. 

 

E isto, parecendo que não, é importante. Diz a Patrícia, em resposta ao Pedro, que "o drama é que os mais novos não compram e o que lêem está on-line e tomam como bom e não questionam. Não tem por hábito ler os cronistas ou as grandes entrevistas (ainda se fazem?) ou o jornalismo de investigação (eis uma espécie em extinção!)." O jornalismo de investigação está mesmo em vias de extinção; quanto aos mais novos - e creio que os meus 27 anos me permitem ainda fazer parte do grupo -, diria que não compram jornais e revistas porque estes meios há muito que deixaram de trazer algo que lhes interesse. Exceptuando casos muito pontuais, para os jovens comprar um jornal ou uma revista é deitar dinheiro à rua, algo que se torna mais grave quando este está longe de ser abundante. A espuma dos dias pode ser lida na Internet (e se há coisa que os mais novos têm é ligação à Internet), de forma gratuita, tanto nas páginas online dos jornais como nos blogues de opinião - com a vantagem, neste último caso, de o alinhamento dos blogues ser quase sempre evidente. E se vamos procurar temas mais específicos, um leitor fica muito mais bem servido na Internet, pois a diversidade e a qualidade oferecida é incomparavelmente superior. 

 

Falando por mim: se quiser ler algo relacionado com os meus interesses, a imprensa portuguesa pura e simplesmente não serve. Bons artigos de literatura fantástica? Coisa raríssima - se os quiser ler, ou recorro a fanzines nacionais mais ou menos regulares, a revistas estrangeirasa ou a blogues e portais online. No dia em que uma revista portuguesa tocar no tema com um mínimo de profundidade (como fez a "The New Yorker" em Junho do ano passado, com um número excepcional todo ele dedicado à ficção científica; tenho o exemplar da revista aqui ao lado), irei ao santuário de Fátima. O mesmo poderia dizer de artigos científicos - a imprensa portuguesa publica poucos, pouco rigorosos e pouco desenvolvidos; as páginas de ciência que ainda resistem nos jornais portugueses são, regra geral, de bradar aos céus, e qualquer blogue geek consegue ser mais rigoroso a escrever melhor. Se eu quiser ler artigos de tecnologia, a alternativa é a mesma - as páginas ou secções de tecnologia desapareceram dos jornais, e as redacções hoje em dia nem entendem a importância do tema. Videjogos? Aqui a coisa vira comédia, com os jornais a referirem o formato apenas na sequência de algum atentado, servindo os videojogos - erradamente, mas não adianta insistir - de bode expiatório. Cinema? Com a honrosa excepção do Jorge Mourinha do Público, todos os outros críticos de cinema dos jornais portugueses parecem iguais - e, pior, desinteressantes.

 

O mais grave é que provavelmente não andarei longe da verdade se disser o mesmo de muitos outros potenciais leitores e dos seus interesses. Quem quiser ler mais do que política e economia - quem quiser ler sobre cinema, televisão ou moda, fica bem servido na imprensa portuguesa? Duvido. 

Grandes romances (5)

Pedro Correia, 01.05.13

 

VOZ DO SANGUE, VOZ DA TERRA

Pais e Filhos, de Ivan Turguéniev

 

«Uma folha seca do ácer arrancou-se e cai no chão; o seu movimento é perfeitamente idêntico ao voo de uma borboleta. Não é estranho? O mais triste e morto parecido com o mais alegre e vivo.» (p. 142)

 

A família, matéria-prima do romance por excelência. Dela tudo nasce, a ela tudo regressa com uma espécie de fatalismo que seduziu tantos escritores. O título desta obra não engana: escrevendo na Rússia imperial, com o czar Alexandre II no trono, Ivan Turguéniev (1818-1883) faz da família o principal condimento deste livro, que Vladimir Nabokov não hesitou em considerar o melhor romance do prolífero autor, "um dos maiores do século XIX" - opinião corroborada em listas como esta.

Todo o enredo, desenrolado como um novelo, é aqui pura filigrana. Tendo na mira principal dois jovens estudantes, Arkadi e Bazárov, de visita às respectivas casas paternas, algures na Rússia profunda. Vêm iluminados pelas luzes e pelas letras da cosmopolita Petersburgo e ambos, cada qual à sua maneira, sentem um choque cultural neste regresso às origens, no contacto subitamente reatado com o país rural que parece perpetuar-se na imobilidade desde os confins dos tempos.

São duas personagens em movimento constante, contrastando com esse aparente imobilismo da pátria-mãe - vão de casa em casa, de emoção em emoção, de paixão furtiva em paixão furtiva. Viajam em duplo sentido - no espaço e no tempo, trocando confidências incessantes que permitem ao leitor estabelecer laços de intimidade com qualquer deles.

Arkadi é mais cordato, mais convencional. Bazárov, aprendiz de biólogo, proclama-se niilista e resume toda a sua filosofia ao livre fluir das sensações, apossado por uma insólita fúria de viver: «Cada homem está pendurado por um fio, o abismo pode abrir-se por baixo dele a qualquer momento.» Conhecem-se há tempo suficiente para se considerarem o melhor amigo um do outro, ignorando ainda que a voragem dos dias não tardará a diluir os alicerces dessa amizade à medida que outras personagens forem surgindo em cena.

E este é precisamente um livro com riquíssimas personagens, em que a paisagem humana configura toda a atmosfera do romance.

 

Arkadi é filho de um próspero aristocrata rural, que confunde a voz do sangue com a voz da terra. O pai, viúvo, apaixonara-se na sua ausência por uma rapariga órfã que acolheu em sua casa e entretanto lhe dera outro filho, ainda bebé. Na mansão familiar vive também um tio solteirão, Pável, que "entrava naquele tempo incerto, crepuscular, em que as nostalgias se parecem com esperanças e as esperanças se parecem com nostalgias, em que a juventude já passou e a velhice ainda não chegou".

Bazárov - "primeiro bolchevista surgido na literatura russa", na opinião de alguns críticos - é o maior orgulho de um casal humilde, simultaneamente dilacerado pela ausência do filho único. Quando regressa, por apenas três dias ao fim de três anos, enche de alegria a velha mãe que já pensava nunca mais o ver.

Os dois jovens têm sonhos grandiosos - querem singrar na vida, pretendem distinguir-se da massa informe dos restantes mortais, ambicionam atingir patamares de felicidade nunca alcançados pelas gerações precedentes. O destino, no entanto, encarrega-se de comprovar que existe sempre um abismo entre o sonho e a realidade. Cada geração tende, muitas vezes, a emular o conservadorismo e a mentalidade conformista das gerações precedentes numa espécie de tributo ao instinto de sobrevivência. Quando isso não sucede, o preço a pagar pode ser a morte.

 

Pais e Filhos, publicado originalmente em 1862 (com excelente edição portuguesa da Relógio d' Água, datada de 2007 e traduzida do russo por António Pescada), contribuiu em larga medida para a sólida reputação da ficção russa do século XIX - talvez a mais invejada e decalcada de todos os tempos. A par de Tolstoi, Dostoievski, Gogol e Tchekov, Ivan Turguéniev é uma das figuras cimeiras dessa ficção que mudou para sempre a literatura universal e continua a assombrar o mundo.

Este foi um romance que inspirou muitos jovens a iniciar-se na escrita literária: aconteceu, por exemplo, com Ernest Hemingay, que o leu pela primeira vez em Paris, na década de 20, e nunca deixou de incluí-lo  entre os seus livros preferidos. Percebe-se bem o fascínio do autor de Adeus às Armas por Turguéniev, aliás na vida real também caçador e viajante como ele: nestas páginas, como em todos os bons romances de Hemingway, a personagem principal é tocada pela tragédia e enfrenta a morte com corajosa galhardia.

Esse fascínio prolonga-se nas gerações contemporâneas. E não custa explicar porquê: como sempre sucede na melhor literatura, a de Turguéniev é profundamente ancorada na sua época - abordando temas como os primórdios da emancipação feminina e a inaceitável servidão feudal - sem deixar de ser também profundamente universal ao falar-nos de temas que nunca passam de moda, confirmando o que dizia Balzac: "O romance é a história privada das nações."

 

Pais e Filhos fala-nos do que permanece imune à passagem do tempo, da natureza que cumpre o seu destino indiferente às paixões humanas e dos genuínos afectos, capazes de formar de modo mais decisivo um carácter do que toda a sabedoria académica.

É um romance quase musical, cheio de admiráveis diálogos e onde inesperadamente surge um trecho de Schubert ou Mozart que imaginamos mesmo escutar, tal é o poder sugestivo do escritor. Ivan Turguéniev acreditava - como depois dele aconteceria com Henry James ou Joseph Conrad, por exemplo - que o maior dever moral de um romancista é escrever bem.

E é também um romance cheio de cenas inesquecíveis. A do fugaz beijo trocado entre Bazárov e a jovem madrasta de Arkadi. A do duelo que culmina uma relação de ódio entre o biólogo niilista e o aristocrata eslavófilo, incapaz de aceitar os novos tempos. A do definitivo adeus de Bazárov, que tantas vezes se despede neste romance. A daqueles pais revisitando o túmulo do filho, amparando-se mutuamente num afago cúmplice que por vezes só a dor propicia, com um pranto indizível perante um ciclo existencial que inesperadamente se quebrou.

O sangue do seu sangue devolvido à terra, raiz e fim de tudo.

 

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Outros textos desta série:

O Velho e o Mar - Um homem destruído mas não vencido

O Poder e a Glória - Ler para crer

Mrs. Dalloway - Esplendor na relva

Santuário - Sombras profundas num Sul sem sol

"Em Espanha há gente que me odeia"

Rui Rocha, 01.05.13

A frase é de José Mourinho. E retoma uma linha de argumentação muito comum de gente do futebol que exerce a sua profissão em Espanha. Trata-se de afirmar que ali têm um preconceito contra jogadores e treinadores portugueses. Que é muito difícil ser português em Espanha. Ora ananases. Com o dinheiro e o poder que esta gente tem? O que é fodido é ser português em Portugal. Com desemprego, precariedade, salários miseráveis, pobreza para dois ou três milhões de habitantes, presente de angústia e futuro de miséria. 

Tristezas

Patrícia Reis, 01.05.13

Situação da imprensa, segundo a Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação. Dados de Janeiro-Fevereiro de 2013. Entre parêntesis, a tiragem de cada título, referente a exemplares vendidos.
Diários: «Correio da Manhã» (112.919 exemplares diários), «Jornal de Notícias» (56.561), «Público» (17.305), «Diário de Notícias» (13.186), «Jornal de Negócios» (11.467), «i» (3.712), «Diário Económico» (3.617).
Semanários: «Expresso» (80.914), «Sábado» (37.615), «Visão» (29.824), «Sol» (13.032).

As abelhas e Assunção Cristas

jpt, 01.05.13

 

Através de ligações colocadas no facebook chego a esta página do Bloco de Esquerda. Como sempre duvido deste locutores, populistas demagogos, procuro confirmar o conteúdo da notícia. Faço-o na SIC. Nas páginas em português não há muito mais informação substantiva actual. Mas fica o fundamental: as causas para a surpreendente e avassaladora hecatombe das abelhas europeias estão encontradas, um trio de pesticidas (ImidaclopridClothianidin e Tiametoxam).  Os indícios científicos são relativamente explícitos, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (que julgo ser um organismo consultivo das instituições europeias) também o considera.

Houve agora uma votação no seio da Comissão Europeia intentando banir estes pesticidas, protegendo a população das abelhas. Mas neste processo não só se introduziram "nuances" (daquelas que minoram os efeitos positivos almejados - no caso julgo que, pelo menos, restringindo a proibição a culturas directamente procuradas por abelhas), como sete países se recusaram a votar favoravelmente, impedindo uma maioria qualificada na votação que permitiria uma rápida, abrangente e eficaz política de protecção.

Portugal, que neste assunto se representa pela ministra Assunção Cristas, numa questão desta gravidade ecológica decidiu ... abster-se. Em defesa das indústrias produtoras (Bayer, Syngenta), pedindo (tal e qual num blockbuster americano) "mais estudos", o velho argumento dilatório. Mais não percebo, pois a imprensa apenas reproduz um qualquer despacho noticioso - e não há um jornalismo "europólogo" em Portugal. Por exemplo, qual a razão efectiva de se constituirem "blocos" de países numa votação destas? Um voto atlântico (abstenção  junto à Grã-Bretanha) contra um voto continental (a Alemanha, casa da Bayer já agora, votou favoravelmente o banimento dos químicos em causa)?  

É sabido que nestas coisas há sempre uns tontos idólatras do mercado livre contra as restrições do demo estatal, que vociferam contra as protecções ecológicas. Virão resmungar contra o catastrofismo, virão com o sarcasmo eunuco apoucando as "abelhas". A questão é simples, são precisos mais estudos? Façam-se. Primeiro trancam-se os pesticidas, depois estuda-se. Se se infirmar a causalidade volta-se a utilizar. Perde-se dinheiro? Paciência. E é também sabido que nestas coisas de cutucar os grandes interesses industriais a pressão sobre os governos e governantes é enorme.


Sem rodeios, numa questão desta importância e com este conteúdo a atitude do governo português é vergonhosa. Inadmissível. É de exigir um volte-face, e um imediato empenho no combate a esta "guerra química". E que caia a ministra Cristas, aqui face de uma política tacanha e selvagem. Não há "política real" que justifique tamanha mediocridade, tamanha inconsciência.

E para que não se diga que quero a cabeça (metaforicamente, por enquanto) de Cristas por  "indignismo" oposicionista, recordo que há dois anos bloguei apelando ao voto no seu partido, que há pouco tempo aqui no DO apelei a que Portas fosse içado a PM. E que há um mês calei, meio por fastio meio por patriotismo, a minha irritação aquando da visita de Cristas a Maputo. Uma viagem risível, que "correu mal" (na suave linguagem diplomática), uma pura pantomina. Mais uma do pacote da indigência política, pois nisto da incompetência para as relações externas e da falta de sentido de estado, a gente está mais do que habituado a encontrá-las nos políticos içados ao poder. Cristas foi, aqui, mais um exemplo dos passeios tontos.

Mas agora, com esta asquerosa abstenção, ultrapassou os limites da mediocridade. Que vá já a ex-ministra. E com o ónus da indecência. A colher o desprezo dos compatriotas. Das várias "cores". (E com menos um voto, com toda a certeza. O meu.)

Hannah Arendt

Patrícia Reis, 01.05.13

The moment we no longer have a free press, anything can happen. What makes it possible for a totalitarian or any other dictatorship to rule is that people are not informed; how can you have an opinion if you are not informed? If everybody always lies to you, the consequence is not that you believe the lies, but rather that nobody believes anything any longer. This is because lies, by their very nature, have to be changed, and a lying government has constantly to rewrite its own history. On the receiving end you get not only one lie—a lie which you could go on for the rest of your days—but you get a great number of lies, depending on how the political wind blows. And a people that no longer can believe anything cannot make up its mind. It is deprived not only of its capacity to act but also of its capacity to think and to judge. And with such a people you can then do what you please.

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