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Delito de Opinião

Uma vox no deserto

Teresa Ribeiro, 30.04.13

Quando lá entrei pela primeira vez não tinha mais que 14, 15 anos. Nesse tempo os cinemas eram espaços sérios e elegantes onde se servia chá e café em balcões de mogno nos intervalos das sessões. Não sei exactamente que memórias tem o King de mim, sobretudo da época em que ainda se chamava Vox, mas não precisamos de lembrar-nos de todos os detalhes para sabermos qual a importância da relação que mantemos com as coisas.

Apesar de velho e decadente o King conserva a dignidade dos lugares que não perderam a identidade. Mantém a traça original, a que os anos acrescentaram uma certa patine e insiste em receber pessoas que gostam de cinema, não audiências. É por isso que organiza ciclos temáticos e faz reposição de filmes, algo impensável noutras salas comerciais.

Há dias fui lá ver o excelente Em Carne Viva (1997), que perdi quando passou em estreia, integrado num ciclo dedicado a Pedro Almodóvar. Na sala, além de mim estava só mais uma pessoa, apesar de ser uma tarde de sábado. Nem os cinéfilos avessos a pipocas parecem interessados em manter em funcionamento um dos últimos cinemas tradicionais lisboetas.

O mercado, é bom não esquecer, é feito de gente que regula a oferta e a procura. Não adianta chorar lágrimas de crocodilo quando vemos fechar mais um cinema. Se mesmo lutando à sua maneira contra a crise, integrando uma livraria com exposições temporárias de pintura e um bar onde nos podemos sentar confortavelmente a lanchar, os lisboetas lhe viram as costas, o King terá os dias contados.

Fica numa rua escondida, mas a dois passos da avenida de Roma. É tão ou mais acessível que o Corte Inglês, os bilhetes são mais baratos, não precisamos de fazer fila na bilheteira, tem sempre uma programação de qualidade e nas paredes, em vez de cartazes gigantes com slogans publicitários encontramos informação sobre os filmes que vamos ver. Modestas fotocópias de críticas e entrevistas, incapazes de atrair, é certo, os ruidosos frequentadores de maus filmes, mas úteis para quem não perdeu o foco e sabe que nisto de ir ao cinema o que conta é o recolhimento no escurinho da sala e a descolagem rumo a uma tela gigante onde tudo pode acontecer. Não os néons, não o cheiro a caramelo desses espalhafatosos receptáculos de consumidores de tempo. De tempo, não de filmes.

Que bom que era se não deixassem morrer o King.

E se criássemos mais uma comissão?

Luís Menezes Leitão, 30.04.13

 

Este Governo começa a parecer-se cada vez mais com o grupo de conselheiros de Júlio César no Obélix et Compagnie. Temos um problema para resolver? Cria-se mais uma comissão para analisar esse problema, a qual depois se dividirá em sub-comissões específicas ou então combina-se um almoço para discutir o assunto. Sabe-se que para além de ter que alterar o orçamento de Estado em virtude do chumbo do Tribunal Constitucional, o Governo deveria explicar onde é que vai cortar 4.000 milhões de euros na despesa do Estado. Mas depois inúmeros conselhos de ministros, a discutir não se sabe o quê, em que inúmeros ministros decidiram pelejar uns com os outros, chega-se à conclusão que é melhor deixar o assunto para depois do 1º de Maio.

 

Mas, como não podia deixar de ser, Vítor Gaspar não perde a oportunidade de nomear mais comissões. Já tinha criado o Conselho de Finanças Públicas, que foi um excelente estímulo ao emprego no sector. Em seguida criou a ESAME-Estrutura de Acompanhamento dos Memorandos, com nada menos que 30 elementos, com emprego assegurado até 30 de Junho de 2014, sem prejuízo de prorrogação se o país vier a necessitar de novos resgates. Agora, como se isto não bastasse, surge mais uma Comissão de Normalização Contabilística e uma Unidade Técnica de Acompanhamento de Parcerias Público-Privadas, que acabam de tomar posse.

 

Alguém acredita que assim é possível reduzir a despesa pública? Eu não. Talvez por isso o que este Governo vai anunciar será seguramente a criação da CCDE - Comissão para Cortar na Despesa do Estado, com um orçamento de milhões e centenas de funcionários. E depois os Ministros lá poderão reunir com toda a tranquilidade.

Diário de dias banais ou usando a indiferença para evitar a histeria

José António Abreu, 30.04.13

Segunda-feira, 22 de Abril

De manhã, aproveitando uma conferência de imprensa de outro modo inútil, o ministro Poiares Maduro fartou-se de mencionar a palavra «consenso». António José Seguro, sempre iludido acerca da sua própria importância no grand scheme of things, resmungou ser tarde para consensos. Assumindo que merece a reputação de inteligência que tanta gente lhe atribuiu no último par de semanas, o ministro Poiares Maduro não terá ficado nem surpreendido nem demasiado incomodado: como se comprovaria três dias mais tarde, a pessoa que devia ouvir e apreciar os apelos ao consenso, ouvira-os e apreciara-os (ver quinta-feira, 25).

À tarde, o ministro Santos Pereira, revelando estar finalmente a conseguir agir como ministro, apresentou um plano inútil repleto de clichés e intenções grandiosas. Foi severamente criticado por ter demorado uma eternidade a apresentá-lo e por as intenções nele expressas não serem suficientemente grandiosas.

 

Terça-Feira, 23 de Abril

É estranho, até um pouco assustador, mas não me lembro de um único pormenor deste dia. Tê-lo-ei passado a dormir? Tê-lo-ei eliminado da memória em resultado de uma experiência traumatizante? Mas, neste caso, que experiência poderia levar-me a uma reacção tão definitiva? Um assassinato? Um sonho húmido com a Ana Gomes? Uma tentativa para ler um livro do José Rodrigues dos Santos?

 

Quarta-Feira, 24 de Abril

Estive presente numa reunião com pessoas simpáticas e faladoras. Foi tão produtiva como os últimos conselhos de ministros.

 

Quinta-feira, 25 de Abril

O presidente Cavaco Silva mostrou que: (1) ouvira os apelos ao consenso que o ministro Poiares Maduro, por ordem/sugestão (riscar a que parecer menos adequada) do presidente Cavaco Silva, lançara na direcção do PS; (2) não gostara da resposta do PS. Fez tudo isto nas comemorações do 25 de Abril, através de um discurso inesperadamente inteligente e sensato. Esqueceu-se, porém, de que o 25 de Abril, não obstante todos os seus pontos positivos, é muito mais acerca de fervor revolucionário e grandes quimeras do que acerca de sensatez. A oposição reagiu com a ferocidade e demagogia que lhe competiam. Ainda assim, António José Seguro não exigiu a realização de eleições antecipadas para a Presidência da República.

 

Sexta-Feira, 26 de Abril

Acordar para o mundo real no dia 26 de Abril é sempre difícil.

A secretária de Estado Maria Luís Albuquerque explicou que o governo conseguira reduzir em 170 milhões de euros (uau) as perdas potenciais de 3000 milhões de euros (17,6 vezes uau) a que as empresas públicas se haviam arriscado, na sequência da contratação de instrumentos financeiros que os seus gestores, mais habituados a calcular prémios de desempenho, estariam longe de compreender. Evidentemente, nada disto significa que as empresas públicas devam ser fechadas, privatizadas ou concessionadas. Não significa sequer que os seus custos operacionais devam ser reduzidos, excepto se puderem ser reduzidos sem custos. Significa antes que coisas assim são uma vergonha e que os envolvidos deviam ser presos e que é preciso garantir que, sem mudar o que quer que seja, no futuro tudo se passará de forma diferente, o que talvez recomende a constituição de um grupo de trabalho incumbido de apresentar um «plano», e que... bla bla bla ad nauseum. Pelo menos – feliz o país em que, por levar o epíteto de evolução, isto merece registo – o caso fez perder o lugar a dois secretários de Estado.

 

Sábado, 27 de Abril

Ouvi algures (seria o televisor da vizinha?) que decorria um congresso do Partido Socialista mas resolvi prestar-lhe atenção apenas depois de esgotadas todas as opções televisivas mais excitantes, como as televendas, os programas do canal BabyTV e as receitas do chef Hélio Loureiro.

 

Domingo, 28 de Abril

Continuei sem ver uma imagem do congresso do Partido Socialista mas, pelo final da tarde, ouvi dizer (tenho mesmo de ter uma conversa com a vizinha) que o plano de António José Seguro para resolver os problemas do país é tão infalível que se encontra apenas dependente da boa vontade de terceiros. Uma das alíneas passará pela redução dos rácios de solvabilidade dos bancos nacionais. Tsk, tsk. Esvaíram-se depressa, os desejos de mais regulamentação.

Para evitar pensar no Seguro ou na vizinha, pus-me a rever A Noite da Iguana, em DVD. Quando o filme terminou passei para a televisão de forma imperdoavelmente displicente (estaria ainda sob os efeitos da Ava Gardner) e José Sócrates encheu-me o ecrã. Atarantado, carreguei no botão mais ao dedo e Richard Burton sobrepôs-se-lhe. Suspirei de alívio. As personagens de Tenessee Williams podem ser problemáticas e até desagradáveis mas pelo menos mantêm uma possibilidade de redenção.

 

Segunda-Feira, 29 de Abril

Vesti um pólo de manga curta mas a manhã esteve fresca. Toda a gente se meteu comigo.

O ministro Vítor Gaspar entrou no jogo dos apelos ao consenso. Fê-lo alertando para a inevitabilidade de o consenso ter de se formar em torno da reestruturação e do redimensionamento do Estado. É nestes pormenores que se detecta que o ministro Vítor Gaspar não é muito bom a acompanhar o sentido dos tempos. O consenso na sociedade portuguesa já é outro.

 

Terça-Feira, 30 de Abril (hoje)

Ocorre mais um (interminável?) conselho de ministros na interminável série de intermináveis conselhos de ministros em que, desde a sapientíssima decisão dos treze vultos mais insignes da nação, o governo anda embrenhado, sem conseguir chegar a decisões sobre onde e como cortar num Estado que ainda representa quase metade do PIB. Cambada de neoliberais.

 

Quarta-Feira, 1 de Maio (amanhã)

Não é altura de lhe mudar o nome para dia do trabalhador e da trabalhadora?

Galinha o quê?

Gui Abreu de Lima, 29.04.13


O meu companheiro seguiu o rasto dos mais velhos. Era um tagarela serão fora, capaz das perguntas mais parvas só para me ouvir praguejar. Bom sentido de humor, das noites queria a risota (fazia-me bem aos brônquios). Agora a sala é um intervalo. Vem beber, o passarinho, e segue onde outros estão de olho num monitor. Desprende-se o petiz da saia, rumo ao ciberespaço. Os filhos são como os pintos, ganham pena e voam. Ingratos.

Ítacas

Ana Vidal, 29.04.13

A cada um a sua Ítaca. A de Kavafis, que nos fala de todas elas com admirável sabedoria, é um poema belíssimo.

 

O grego Konstantinos Petrou Kavafis (Κωνσταντίνος Π. Καβάφης) nasceu e morreu em Alexandria no mesmo dia 29 de Abril (1863 –1933). Foi jornalista e funcionário público. Publicou apenas 154 poemas, mas não precisa de mais obra para que o seu nome fique gravado para sempre na história da poesia. Um clássico impõe-se pela qualidade, não pela quantidade. 

 

 

O caminho para Ítaca


Se partires um dia rumo a Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões, nem ciclopes,
nem o colérico Posídon te intimidem!
No teu caminho jamais os encontrarás
Se altivo for teu pensamento
Se subtil emoção o teu corpo e o teu espírito tocar
Nem lestrigões, nem ciclopes
Nem o bravio Posídon hás-de ver
Se tu mesmo não os levares dentro da alma
Se tua alma não os puser dentro de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais com que prazer, com que alegria
Tu hás-de entrar pela primeira vez um porto
Para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
E perfumes sensuais de toda espécie
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egipto peregrinas
Para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor será muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.

Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te punhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu.

Se a achas pobre

Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.

(Tradução de José Paulo Paes)

Blogue da semana

Leonor Barros, 29.04.13

Ler. Ler. Ler. Desejar dias longos sem amarras nem obrigações, dias em que nos rescostamos no mais confortável dos lugares e nos deixamos levar por um livro. Ou que agarrramos o que está à mão e, nos sítios improváveis, sucumbimos ao apetite voraz de devorar páginas, ou de saboreá-las com vagares de tempos suspensos. Livros. O que vos trago hoje não é propriamente um blogue mas é um dos sítios de que gosto muito. Apresento-vos Book Loving Girls.

À última da hora

Ana Vidal, 29.04.13

 

Sempre me fez urticária aquele riso escarninho, trocista, de quem julga ter o mundo aos pés. Não exagero: as pretensões políticas dele foram, em tempos, de uma megalomania tal que roçava o ridículo, e sem que alguma vez se tenha apercebido (era egótico de mais para sequer imaginá-lo), era gozado por toda a gente por causa disso. Enfim, fraquezas só perdoáveis a quem tenha qualidades que as suplantem. Mas não era o caso. Foi toda a vida um marido e um pai déspota, intratável, que humilhava em público os filhos com exigências e exibições de autoridade absolutamente descabidas e expunha a mulher (que era muito bonita, por sinal) como um troféu de sua exclusiva propriedade, merecidamente ganho numa qualquer mesa de jogo. Porque era um jogador inveterado, também. E dos que têm mau perder. Lembro-me bem de assistir a exibições deploráveis do seu proverbial mau feitio, sempre que o jogo não lhe corria de feição.

 

A vida não o poupou, é verdade: primeiro, a revolução de Abril atirou-o para uma insustentável prateleira na empresa em que trabalhava, onde contava chegar longe devido ao nome que lhe coroava o cartão-de-visita. Não por mérito próprio, que nunca o teve. Mas nunca se recompôs dessa "injustiça", nem tanto orgulho ferido alguma vez o levou a tentar provar o seu valor de outra qualquer maneira. Ficou enclausurado num ódio primário, irracional, que remoeu o resto da vida numa espécie de vingança cega, aplicada a eito em todos os que lhe estavam mais próximos. Depois, muito mais grave do que a humilhação profissional, a vida familiar foi cruelmente atravessada por uma tragédia arrasadora. Nessa altura toda a gente teve pena dele. Mas nem assim se tornou mais humilde ou aprendeu alguma coisa de útil com esse terrível acontecimento. Pelo contrário, dir-se-ia que o desgosto refinou tudo o que ele tinha de pior, e o azedume começou a corroê-lo por dentro, por inteiro, como um ácido letal.

 

Eu já não o via há alguns anos, felizmente. Encontrei-o um dia, por acaso, na Bertrand do Chiado. Ainda tentei disfarçar, mas foi inútil: ele tinha qualquer coisa para ensinar-me, como sempre, porque veio lá do fundo para me falar, num gesto magnânimo sublinhado pelo insuportável sorriso de superioridade. Estava com um amigo mais novo que, percebi logo, o bajulava. Enorme erro, pensei. Apresentou-nos e trocámos algumas palavras de circunstância. Quis ver o que eu estava a comprar e preparava-se para dissertar sobre a minha escolha quando eu lhe disse que estava cheia de pressa porque estava de partida para férias e tinha passado por ali, à última da hora, para comprar aquele livro que me fazia falta para as minhas pesquisas.

 

E pronto, eu acabara de dar-lhe o mote para uma aula de português correcto. O tal amigo tinha-se afastado para o fundo da livraria e não nos ouvia, mas havia por ali clientes suficientes para compor uma plateia que lhe parecesse valer a pena. Rasgou um sorriso sardónico e disparou, bem alto para conseguir o máximo efeito: “Não sabes que não se diz à última da hora, mas sim à última hora? E és tu uma pessoa que vive da escrita?! Francamente, menina!!”.

 

Tenho de abrir aqui um parêntesis, para explicar que teria aceite a correcção de bom grado se ela tivesse partido de qualquer outra pessoa. Não tenho nenhuma pretensão de escrever ou falar um português sem falhas, e todos os dias aprendo alguma coisa sobre a minha língua que não sabia antes. Mas aquilo irritou-me. Aquela criatura tinha sempre de dar lições a toda a gente, sobre todos os temas. Apanhou-me numa falta, não tão grave que justificasse todo aquele chinfrim, e aproveitou logo para fazer o seu brilharete. Subiu-me a mostarda ao nariz, às vezes também tenho mau feitio. Olhei-o nos olhos e fiz o meu sorriso mais cândido, para ganhar tempo. E depois, quase sem pensar, saiu-me isto, enquanto compunha um ar blasé: “Engana-se. Diz-se à última da hora e a expressão significa à última badalada da hora. Vem do tempo dos antigos relógios de sala, que cantavam as badaladas, e quer dizer que o tempo está a esgotar-se. Olhe, é o meu caso, peço desculpa mas tenho mesmo de me ir embora.”

 

Deixei-o plantado, sem lhe dar oportunidade de resposta. Sou mazinha: aquilo fez-me ganhar o dia. Ainda vi, por cima do ombro, o amigo aproximar-se dele e fazer-me um adeus com a mão. E seria capaz de jurar que foi aquele desgraçado quem pagou as favas pelo meu atrevimento. Pelo menos não deve ter-se livrado de ouvir uma lição acabadinha de aprender e totalmente falsa: “Sabes qual é a origem da expressão À última da hora?”...

Premonição

Ana Vidal, 28.04.13

 

Do excelente documentário de Patrick Jeudy sobre a vida e morte de Marilyn Monroe, retive um pormenor que me impressionou, não só por ser premonitório como por resumir e condensar em si toda a dimensão de uma tragédia: quando a explosão de popularidade começou a ameaçar seriamente a sua privacidade, para se proteger e tentar preservá-la Marilyn dava sempre um número de telefone falso. Esse número, coincidência ou não, era o da morgue de Los Angeles.

A Liga de Clubes continua a sua cruzada contra José Sócrates

Rui Rocha, 28.04.13

A Liga de Clubes não devia imiscuir-se em questões políticas. Mas a verdade é que já não tenho qualquer dúvida de que o faz e, o que é pior, de forma deliberada. Confesso que já na semana passada me tinha cheirado a esturro. Comentei com amigos: esta coisa de marcar o Benfica-Sporting para a hora a que o Sócrates faz comentário político na RTP não é inocente. Que não, que lá estás tu com as teorias da conspiração, que vês fantasmas em todo o lado, disseram-me. Pois muito bem. Esta semana, a cena repete-se. Para a hora do comentário está marcado um trepidante Académica-Moreirense. Ora toma. Tudo clarinho como água. E agora? Se as audiências de Sócrates voltarem a cair, continuará a Liga de Clubes a negar as suas intenções? E, mais do que isso, assumirá finalmente as suas responsabilidades nesta inqualificável tentativa de silenciamento?

Cabanas, 28 de Abril

Pedro Correia, 28.04.13

 

Pares de andorinhas varrem os ares, em voos vertiginosos, no incessante labor de alimentar as crias. Naturalistas garantem que 41% destas aves que nos são tão familiares extinguiram-se desde 1998, o que é uma excelente notícia para os insectos. Mas estas, na marginal junto à Ria Formosa, teimam em contrariar as estatísticas: regressam todas as Primaveras aos mesmos ninhos, nos mesmos beirais. Já lhes conheci pais e avós desde que frequento estas paragens.

Este é um pequeno paraíso para ornitólogos amadores: melros, poupas e pegas-rabudas esgravatam em liberdade nos jardins; gaivotas imitam patos flutuando nas águas plácidas da ria; garças aproveitam a maré baixa para petiscar em áreas lodosas; pombos arrulham cumprindo o destino que lhes está confiado até aos confins dos tempos, indiferentes ao incessante chilrear dos vizinhos pardais; uma cegonha de asas majestosas eleva-se no céu correspondendo ao suave embalo do vento e mira-nos lá de cima com olímpica indiferença.

À mesa da Noélia, ainda longe das enchentes de Verão, mato saudades das pataniscas de polvo com arroz de coentros. Na mesa ao lado, um jovem casal encomenda ao empregado "duas sopinhas" e uma dose de conquilhas para partilhar: a crise manifesta-se, um pouco por toda a parte, das formas mais imprevistas.

Saio a andar. Gosto de ler placas toponímicas. Passo pela Rua Dr. João Amaral, um deputado de quem fui amigo. Percebemos que estamos a envelhecer quando gente que conhecemos bem desaparece do nosso convívio e reaparece como nome de rua.

Outra placa anuncia a Rua José Luís do Carmo Pereira, um pescador nascido em 1951 e falecido (num naufrágio?) em 2003. Interrogo-me, a propósito: quantas ruas portuguesas terão sido baptizadas com nomes de pescadores?

Mais adiante, junto à sonolenta sede do clube columbófilo, dois velhotes de boné na cabeça discutem futebol com típico sotaque do sotavento algarvio. "O Arbeloa está lesionado mas o Messi não", argumenta um deles. Sinal inequívoco de que o último reduto do patriotismo português - o futebolístico - já foi abalado até aos alicerces nesta era de globalização da bola.

Vejo árvores familiares que catalogo mentalmente: amoreiras, casuarinas, magnólias, araucárias, choupos brancos ainda sem folhas. E vou escutando múltiplos sons de bichos que me devolvem às intermináveis tardes de infância na província: cigarras, grilos, osgas, rãs...

Cabanas, 28 de Abril de 2013: ao contrário do que dizia o outro, devemos regressar sempre aos lugares onde já fomos felizes. Há 16 anos que te conheço, há 16 anos que não resisto a este impulso cíclico de voltar para ti. Amor à primeira vista, amor para sempre.

Com senso?

Rui Rocha, 28.04.13

Quando o governo defende o consenso com o PS, pretende obtê-lo

 

a) relativamente à posição dos ministros que defendem cortes significativos nos salários e nas pensões, conduzindo uma parte significativa da população à miséria e a economia ao desastre,  enquanto Portugal continua com mais de trezentos municípios, universidades e politécnicos com cursos duplicados, triplicados e pentuplicados, apoios a fundações completamente injustificados, observatórios e institutos que acompanham a evolução de um par de botas e respectivos cordões, o sector da energia a defender com unhas e dentes as rendas que extorquiu, viaturas topo de gama para secretários de estados e ministros como se o país não estivesse na bancarrota, tudo isto só para dar alguns poucos exemplos,

ou

b) relativamente à posição daqueles outros ministros que defendem que os cortes não podem ser tão brutais, para que Portugal possa continuar, sem dar demasiado nas vistas, a ter mais de trezentos municípios, universidades e politécnicos com cursos duplicados, triplicados e pentuplicados, apoios a fundações completamente injustificados, observatórios e institutos que acompanham a evolução de um par de botas e respectivos cordões, o sector da energia a defender com unhas e dentes as rendas que extorquiu, viaturas topo de gama para secretários de estados e ministros como se o país não estivesse na bancarrota, tudo isto só para dar alguns poucos exemplos?

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