Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Ser feliz em Londres

José Gomes André, 04.03.13

 

Em 2007, quando preparava o meu doutoramento, tive a oportunidade de fazer investigação na British Library, junto à estação de King’s Cross. O edifício, construído em 1997, é extraordinário, devido à sua funcionalidade: oito salas de leitura distribuídas por dois andares, uma pequena sala de concertos, um andar para exposições, salas de conferências, uma loja, uma livraria, restaurante, bar e bengaleiro – dispostos em redor da magnífica biblioteca de Jorge III, protegida por um vidro especial, a qual pode ser contemplada onde quer que nos encontremos no edifício.
A decoração é simples, mas com bom gosto. Os pormenores são deliciosos: sofás espalhados ao longo dos corredores convidam a uma pausa tranquila, enquanto se lê o jornal. Existem pequenas mesas de trabalho espalhadas por todos os andares, permitindo que jovens e velhos, estudantes ou simples curiosos, possam frequentar o espaço e dele tirar proveito sem restrições: seja para preparar um teste, navegar na Internet ou concluir um Sudoku.
As salas de leitura contêm um espólio impressionante – 13 milhões de livros, um milhão de jornais, 3 milhões de registos sonoros. A consulta é livre – basta mostrar o cartão de leitor (gratuito). O horário é alargado (9.30h-20h) e a biblioteca está aberta ao sábado até às 17h. As salas de leituras estão apetrechadas de dezenas de espaçosas mesas individuais de trabalho. Existem mais de cem computadores em cada sala, a partir dos quais se podem fazer diversos pedidos, usualmente atendidos num curto período. Um óptimo conjunto de revistas em formato electrónico e uma impressionante colecção de microfilmes estão à disposição do estudioso que necessita de materiais de difícil acesso.
Os funcionários são prestáveis, eficientes e conhecedores da biblioteca. Nunca hesitei em pedir informações sobre as colecções, a forma de requisitar jornais antigos ou tão simplesmente de como fotocopiar um determinado livro. Responderam-me sempre com eficácia – às vezes mesmo com um sorriso.
Frequentam a biblioteca centenas de pessoas – o que perante estas condições não surpreende. Num dos dias em que me encontrava na sala de leitura de Humanidades – e para meu grande espanto – pude mesmo ouvir através dos altifalantes a seguinte informação: “Lamentamos comunicar que a sala de leitura está neste momento lotada. Pedimos às pessoas que desejam um lugar sentado que aguardem alguns momentos”. “É a hora de ponta”, explicou-me uma funcionária. Surpreso, vi formar-se uma fila no exterior. Uma vintena de pessoas esperavam que alguém saísse, para poderem ocupar um lugar na sala de leitura.
Filas para entrar numa biblioteca: ora aí está uma coisa que não se vê todos os dias.

Falso anacronismo

Teresa Ribeiro, 03.03.13

Pasmado, o país assistiu outra vez às enchentes que lhe invadiram as ruas nos idos de 70. As mesmas palavras de ordem : "O povo, unido...", as mesmas músicas: "Aprende a nadar companheiro..." Um anacronismo inusitado. Houvesse mais barbas e patilhas compridas e seria como uma viagem no tempo, inquietante como tudo o que parece contra-natura.

Seria? Não. A ilusão só funcionou em plano aberto. Vistos de perto os manifestantes de ontem eram o reverso dos que desfilaram no passado. Sem esperança e com medo do futuro, exactamente nos antípodas dos outros que os precederam. Mesmo os novos, mais velhos que os velhos que há quase quarenta anos tropeçavam, cheios de adrenalina, na letra da Grândola Vila Morena. 

a manifestação, o papa e o aniversário do avô que acabou de morrer há meses

Patrícia Reis, 03.03.13

Pensamos que podemos resolver tudo ou que tudo passa, os clichés do costume e depois ficamos no marasmo de sempre, na queixa, a ver se a manifestação encheu o Terreiro do Paço ou nem por isso, a dizer que não fomos por termos uma agenda lixada, por termos amigos no governo que também precisam de trabalhar.

Pensamos que podemos explicar aos mais novos que a responsabilidade do que se faz e do que se diz tem consequências e que gozar e repetir anedotas sobre o papa, este ou outro, é lamentável, é uma falta de respeito. Sim, a Igreja tem defeitos. É feita por homens. Os portugueses têm tendência para arranjar logo meia dúzia de graças e a coisa passa, até ao próximo jogo de futebol.

Depois percebemos que faltam dias  para o aniversário do avô, que morreu há uns meses. Pensamos que podemos sobreviver e damos de caras com uma fotografia dele, uma fotografia com os netos e bisnetos no aniversário do ano passado.

E aí a vida torna-se outra coisa.

Dos animais e dos humanos, apenas parcialmente a propósito de cães assassinos, porcos pontapeados e coelhos enforcados

José António Abreu, 03.03.13

Não se esqueça, disse-me uma vez, que o amor pelos animais não acontece naturalmente aos humanos se não se predispuserem a prestar-lhes atenção e a aceitar o amor que eles têm por nós. É como o amor de Deus, inteiro e desinteressado, e por essa razão tanto mais difícil de perceber e abraçar, um amor sem negócio, sem contrapartida, sem condições.

Também ele não soubera o que eram os animais até muito tarde e, tal como sucede a todos os que os descobrem, tratara-se de uma verdadeira conversão, como aquela que se exprime na parábola de S. Paulo na estrada de Damasco: de súbito acende-se dentro de nós uma claridade que nunca mais é possível apagar. Há muita gente que não gosta de animais nem de pessoas, o que é compreensível; há gente que gosta de animais mas não de pessoas, o que é lógico; mas não há ninguém que não goste de animais e goste de pessoas, esta última hipótese não pode verificar-se, porque quem não consegue experimentar o amor sem causa não pode encontrar em parte alguma causa bastante para o amor.

Paulo Varela Gomes, O Verão de 2012. Edições Tinta-da-China.

 

Trata-se de uma obra de ficção e o ponto de vista inicial é de uma personagem com posições frequentemente discutíveis. Mas, goste-se ou não, considere-se ou não preocupante que muita gente pareça defender mais os direitos dos animais do que os de outras pessoas, ache-se ou não que o ser humano, tendo forçado tantas espécies de animais à domesticação e ao cruzamento forçado para que o ajudassem a melhorar as suas condições de vida, tem uma responsabilidade perante eles e não devia hoje, num mundo ocidental em que a máquina os substituiu, estar tão predisposto a ignorar-lhes as conveniências, abandonando-os ou permitindo o seu abate assim que se tornam incómodos, não deixa de ser verdade: talvez mais do que gostar-se dos animais porque o cinema e a literatura os 'antropomorfizaram', gosta-se deles pelo motivo quase diametralmente oposto: porque não são parecidos com os humanos; não traem nem magoam de propósito e, pelo menos no caso dos cães, tendem a reforçar as posições dos humanos com que se relacionam em vez de as criticarem (ainda que saibamos ter errado, é óptimo obter apoio incondicional). Numa sociedade em que as pessoas, parecendo comunicar cada vez mais, se encontram cada vez mais fechadas em si mesmas, numa sociedade onde a cada dia se renova o paradoxo de que a exposição dos detalhes mais íntimos não equivale a exorcizar os medos nem as inseguranças, antes a renová-los e fortalecê-los, numa sociedade de interesses e frieza, à qual a crise económica veio acrescentar ainda mais dúvidas e temores, os outros humanos não inspiram confiança. Podem ter segundas intenções. Podem – e certamente irão – mudar. Os animais, não – ou não com maldade. A maldade é exclusivamente humana.

 


O livro, acerca do qual, tendo lido pouco mais de metade hoje de manhã, ainda não possuo uma opinião definitiva, está deliciosamente bem escrito. Em – sucede com praticamente todos os autores de língua portuguesa que vale a pena ler – português pré-Acordo.

Ler

Pedro Correia, 03.03.13

Na despedida de Bento XVI. De Zé Dias, na Fé e Compromisso.

Mário Soares desmente Mário Soares. Do Paulo Pinto Mascarenhas, no ABC do PPM.

D. Carlos Azevedo, os rumores e o processo de sucessão do Cardeal-Patriarca. Do André Azevedo Alves, n' O Insurgente.

Repulsa. De Nelson Reprezas, no Espumadamente.

Perceber os sinais III. Do Fernando Moreira de Sá, no Forte Apache.

Um livro para a manifestação. De Pedro Lains.

O ciclo vicioso do desemprego... De Margarida Corrêa de Aguiar, na Quarta República.

Quem tem ouvidos para ouvir que oiça! De Manuela Silva, n' A Areia dos Dias.

Liberdade de educação. Do Rodrigo Adão da Fonseca, n' O Insurgente.

O que é nacional é bom. Da Joana Nave, no Forte Apache.

Sobre O Que Diz Molero. Do Ricardo António Alves, n' Abencerragem.

Póvoa de Varzim, 23 de Fevereiro de 2013. Do Joel Neto, n' A Vida no Campo.

"Um autor dos anos 2000". De António Araújo, no Malomil.

Indianices em Lisboa. Da Rita Dantas, no Boas Intenções.

Um paté com lata. Do Pedro Rolo Duarte.

Bolerish. Da Cristina Nobre Soares, no Come Chocolates, Pequena.

 

(actualizado)

Notícias de uma manifestação verdadeira ou deve ser o que chamam de jornalismo interpretativo

José António Abreu, 02.03.13

Funcionária – «jornalista» parece-me exagero – da SIC Notícias entrevista criança de 5 ou 6 anos no Terreiro do Paço.

«Porque estás aqui?»

«Porque… não sei.»

«Não sabes? Mas percebes que é importante cá estar?»

«Uhhh…»

«Um dia perceberás.»

Notícias de uma manifestação falsa ou protesto às (e com) claras

José António Abreu, 02.03.13

Para acompanhar os cocktails, elementos da companhia de teatro do absurdo apareceram na manifestação com pudins molotov.

A princípio, tal pareceu estranho a muitos observadores mas no instante em que, ao carregarem sobre os manifestantes, vários elementos da força de intervenção escorregaram aparatosamente nas claras e no doce de ovos que cobriam as pedras da calçada, a ideia tornou-se um êxito. Nos dias seguintes, as autoridades foram motivo de troça na televisão, na rádio, nos jornais, nos blogues, no Facebook e no Twitter, tendo o gozo atingido o zénite depois do ministro da Administração Interna anunciar que a polícia iria ser equipada com calçado antiderrapante. Na imprensa estrangeira surgiram múltiplas referências à originalidade de que os portugueses davam mostra, ao protestarem com canções e sobremesas. Exceptuando meia dúzia de defensores do governo, insistentes na opinião de que estragar alimentos não era forma adequada de marcar posição em tempo de crise, todos concordavam que fora uma das mais eficazes manifestações de sempre. Havia, no entanto, um ponto sobre o qual parecia impossível atingir consenso: na televisão, na rádio e em jornais, mas especialmente em blogues, no Facebook e no Twitter, continuava a debater-se com afinco se o nome correcto do pudim era «molotov» ou «molotof».

Até sempre, Eduardo

Ana Vidal, 02.03.13

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Acabo de ser apanhada de surpresa pela notícia da morte do pintor Eduardo Nery, estou chocada e triste. Era um amigo. Ainda na passada semana passei uma tarde com ele no seu atelier de Campo de Ourique, e estava tão entusiasmado a preparar a exposição da sua maravilhosa colecção de arte africana que nem parecia estar doente. Mostrou-me os belíssimos protótipos de um novo serviço que desenhou para a Vista Alegre, já em fase de ajustamentos finais. Conversámos sobre um prefácio que ele ia fazer para um livro meu sobre Magritte, um pintor que ambos admirávamos. Não haverá prefácio, não haverá mais conversas sobre arte, viagens estéticas, poesia. Felizmente que ainda viu oficialmente reconhecida a sua vasta obra com uma medalha presidencial. Até sempre, Eduardo.

Miguel Relvas em Maputo

jpt, 02.03.13

 

Miguel Relvas deslocou-se esta semana a Maputo para assinar alguns "protocolos desportivos" - sobre a inutilidade destes nem vale a pena esboçar argumentos. Há quem veja apenas fel nesta minha desilusão com as práticas de "cooperação" portuguesa. Mas não o é, é pura empiria. Em 1997 vim para Maputo e parte do meu trabalho era o acompanhamento das relações de "cooperação" no sector desportivo, sei um pouco do "patois". Daqui a dois anos ou quatro anos faça-se uma verdadeira avaliação dos efeitos destes protocolos e se tiver germinado algo de verdadeiramente real, estruturante, tragam-me o fogo para eu meter lá as mãos. O ministro terá ainda acompanhado uma feira de empresas portuguesas. E, presumo, contactou o estado moçambicano, neste formato actual, em que a desconfiança entre primeiro-ministro e ministro dos negócios estrangeiros o colocou como representante do PM na política externa. Essas já são coisas mais subjectivas, o governo saberá como tecer a sua rede de sustentação. Só espero que benéficas para o país. E, já agora, neste caso, também para Moçambique.

 

Interessa-me o eco local desta visita, e o que ele mostra da apreensão do momento português. "Afinal o Relvas anda por cá?!" (assim mesmo, "o" Relvas), li no mural-FB de um colega académico moçambicano. O qual nem sequer estudou ou trabalhou em Portugal, não tem qualquer relação mais próxima com a realidade portuguesa, este dito vem-lhe mesmo do reconhecimento do ministro português. Sucederam-se alguns comentários jocosos e um outro, de académico bloguista, mais irado. Que se fosse Relvas a uma universidade moçambicana deveria ser boicotado, tal e qual Jonathan Moyo (o académico zimbabweano que como ministro da informação no início de XXI deixou uma vergonhosa imagem, repressiva e venal, e aqui em Maputo foi boicotado). O eco das difíceis relações de Miguel Relvas com alguns jornalistas portugueses a fazerem-se sentir. E, claro, num meio académico, o menosprezo pela vergonha de cidadania que é a "licenciatura" do ministro (e que conspurca letalmente os académicos que dela se tornaram parte, até antropólogo metido naquilo).

 

Miguel Relvas condecorou Mário Coluna. E bem ouvi, num dos locais do "Monstro Sagrado", no qual sou também cliente habitual, a ríspida ironia,o sarcasmo militante, nas mesas de mais-velhos, gente de longa estrada atrás, sem pruridos, sobre quem condecorava o "Monstro Sagrado". Veio ainda lançar o jornal "A Bola" aqui (o jornal colou-se às elites políticas de ambos os países, é seu direito estratégico, mas parece-me que isso lhe denota grave crise económica para assim tanto se subalternizar). Discursou na cerimónia de lançamento e disse algo simpático (um pouco na linha de um texto sobre o assunto que escrevi há dois dias aqui), recordando que lia o jornal desde criança, a inócua e gentil frase "Aprendi a ler no jornal A Bola".

 

Resultado? Logo que o jornal saíu, a primeira edição moçambicana de A Bola, citando o discurso, este foi o curtíssimo rastilho da piada, patrícios a telefonar-se ou a conviver, gargalhando em mesas de café: "Sabes onde é que o Relvas fez a primária?", "Leu a Bola e teve equivalência". Não, não são bloquistas (que não abundam por aqui, felizmente), são mesmo portugueses dos negócios, das empresas, alguns até convidados para estes eventos do "beautiful people" maputense. Gente patrícia, do contexto social e político do ministro e dos diplomatas que o acolhem. E que, tal como os académicos moçambicanos, não o respeitam. Precisarão dele. Acolhem-no, até pressurosos. E temem-no ("não escrevas sobre o Relvas ..." estou farto de ouvir. Entre-paredes e não só.). Mas não lhe têm pingo de respeito.

 

Como se pode governar assim? Mais, como se pode governar democraticamente assim?