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Delito de Opinião

Outros caminhos

Teresa Ribeiro, 28.02.13

"O que se pode fazer é reorganizar a produção. Porque é que temos que importar mobílias baratas da China? Vamos fazê-las nas regiões à volta das grandes cidades, vamos tornar a produção local - todos os países o têm. Devíamos também re-localizar os créditos, criar pequenas associações de crédito, pequenos bancos: porque é que os bancos de retalho têm que estar nas mãos dos grandes bancos? Há muito que se pode fazer, inclusivamente dentro do próprio sistema actual. Isso vai alterar o poder do mercado financeiro? Não. Mas pode ser um passo no espaço económico em que os locais têm mais controlo e haverá maior resposta às necessidades locais. Para os projectos locais é preciso bancos locais que os financiem. Os bancos locais dependem das pessoas locais, mas devolvem o dinheiro à produtividade local. Seria um pequeno passo para criar um outro espaço económico. Mas isto não é apenas uma questão económica, depende da política económica".

Saskia Sassen, uma das principais teóricas da globalização.

Regresso à política

Pedro Correia, 28.02.13

 

De facto, não adianta tentarmos varrer a política para debaixo do tapete substituindo políticos por contabilistas e procurando refúgio num discurso que se esgota na magna questão das finanças públicas. O caso italiano, somando-se a tantos outros, aí está para o demonstrar.

Não farei, por agora, qualquer avaliação sobre Beppe Grillo. Interessa-me, isso sim, analisar a eficácia do seu método para conquistar um em cada quatro eleitores italianos, mobilizando-os para o conceito de democracia directa na terceira maior economia da Europa.

Os gurus do comentário não previam isto - e daí também eles terem sido derrotados neste escrutínio.

 

Há três anos, não havia nada. Ou antes: havia um blogue. E foi aí que tudo começou. No blogue de Grillo.

O actor, especializado em papéis de comédia, ficou indignado com a reiterada manutenção na Câmara dos Deputados de parlamentares imputados pela justiça italiana. E lançou uma petição para pôr termo a isso.

Foi uma espécie de rastilho. Pedindo de empréstimo o jargão revolucionário, as condições estavam maduras para algo mais.

Seguiu-se a reivindicação de listas nominais para as eleições aos mais diversos níveis, do voto electrónico para formar listas de deputados, da redução de 25 para 18 anos da idade para escolher os representantes ao Senado, do referendo à manutenção do país na zona euro, do combate sem tréguas à corrupção que mina como um cancro voraz os órgãos políticos em Itália.

Seguiram-se mobilizações impressionantes nas principais praças das maiores cidades do País. Não houve debates televisivos, nem foram necessários: a força da Rede levou Grillo a comunicar directamente com os cidadãos através das redes sociais. Entre os jovens, foi de longe o mais votado nas legislativas. O Le Monde aponta-o sem rodeios como "único verdadeiro vencedor das eleições".

 

Ninguém levava a sério este movimento, intitulado Cinco Estrelas. Hoje é o mais votado na Sicília, domina a câmara de Parma e tornou-se a força política individual com mais representantes no Parlamento - conseguiu eleger 54 senadores e 108 deputados.

"Em Itália não há democracia: há burocracia: um Estado que se exprime através de 350 mil leis, um aparelho judicial paralisado com nove milhões de processos, um Parlamento que funciona com decretos-lei do Governo no qual se senta gente que não foi eleita pelo povo." Palavras de Grillo, o ex-actor convertido em estrela mediática, em entrevista ao El Mundo.

Palavras que poderiam ter sido proferidas por milhões de italianos.

 

É preciso saber escutar os sinais emanados desta ampla mobilização cívica, de carácter pós-ideológico mas profundamente política. Porque este sinais prenunciam mudanças decisivas nas instituições europeias, que não podem permanecer indiferentes às vozes dos cidadãos. Seria demasiado fácil ridicularizar movimentos como o de Grillo, mas a este suceder-se-ão outros, em qualquer país, todos apontando na mesma direcção: há que aproximar as estruturas políticas da cidadania, sob pena de condenarmos a democracia ao insucesso, um pouco à semelhança do ocorrido nas décadas de 20 e 30 do século passado que serviram de via aberta às piores tiranias que o mundo conheceu.

"A Bola" em Moçambique

jpt, 28.02.13

 

Foi o primeiro jornal do qual fui leitor e cliente, o meu pai (que nunca leu um jornal desportivo na vida, e foi apenas duas vezes ao futebol na vida, para me acompanhar em 1975 ao Sporting-Olhanense e ao Sporting-Porto) dava-me dinheiro para o ir comprar. Na época, início dos anos 1970s, a era de Joaquim Agostinho e Vítor Damas, publicava-se três vezes por semana (segunda, quinta e sábado). Nele escrevia gente como Carlos Miranda, Carlos Pinhão, Alfredo Farinha, Aurélio Márcio, Vítor Santos, Homero Serpa. Escreviam bem, olhavam o mundo também, aquilo do "Hoje jogo eu" era antologizável, e eram ecuménicos, gente com simpatias clubísticas mas que escreviam sobre desporto e disso faziam vida inteligente (e o arquétipo era o enorme Carlos Pinhão, benfiquista ferrenho com um humor finíssimo, que a todos conquistava), sem o bacoquismo faccioso que a descendência arvorou.

 

Li-o, militantemente até aos anos 1990s, quando por lá ainda escreviam amigos vizinhos como o Afonso Melo e o João Matias. Depois, cansei-me daquilo. O jornal envelheceu, não se conseguiu adaptar ao fluxo de informação vindo do novo mundo de comunicação televisiva, as parabólicas de então, e à atenção que estas permitiam não só ao futebol internacional como, acima de tudo, à diversidade de desportos internacionais (o râguebi mundial, o basquetebol americano, a própria Fórmula 1 bem analisada, etc.), algo que o "Record" (e a própria "Gazeta dos Desportos", já desaparecida) conseguiram de modo pioneiro na imprensa escrita portuguesa. Mas o pior foi o fim do ecumenismo (mesmo que mitigado) casado com a mediocratização da escrita - [e] uma opção pelo público benfiquista, algo que o benfiquismo dominante na geração anterior dos jornalistas não tinha imposto, e a prosa rasteira. Uma tralha que sempre exemplifico com uma primeira página, já bem mais tardia, que saudava o novo corte de cabelo de Simão Sabrosa, o então jovem ex-sportinguista contratado pelo Benfica.

 

Mas este meu desgosto, já de décadas, com "A Bola" oscila agora, face à memória dos meus 8-9 anos, quando saía da praia às 10.30 para ir para a bicha de compradores do jornal, ali na rua dos cafés de São Martinho do Porto, que o jornal chegava (de Lisboa) às 11 horas. E logo esgotava. Tempos em que os dedos se sujavam com a tinta do jornal ... 

 

E oscila porque vejo a notícia da edição moçambicana de "A Bola", cujo primeiro número sairá hoje. Presumo que se tratará de uma mescla de conteúdo português com conteúdo moçambicano, um pouco à imagem da edição aqui do "Sol". Antevejo-me a comprar um ou outro exemplar.

 

O lançamento da iniciativa foi ontem, e as fotografias acessíveis mostram como a empresa se articulou no país político e económico. Ocorre ainda inserido na viagem a Moçambique do ministro Miguel Relvas, acompanhado de uma delegação de responsáveis federativos do desporto português, para além do "King", Eusébio da Silva Ferreira. E também empresários portugueses acompanham a iniciativa, como os empreendedores imobiliários Luís Filipe Vieira e António Salvador.

 

Também hoje, e no mesmo contexto político, Mário Coluna, o grande "Monstro Sagrado", será condecorado pela estado português, recebendo o colar de honra da ordem do Mérito Desportivo. E isso sim, sem qualquer hesitação, saúdo. Viva o "Monstro".

 

Estrelas de cinema (19)

Pedro Correia, 27.02.13

 

OS FINS E OS MEIOS

*****

Há filmes assim. Mal acabamos de os ver, sabemos logo que estamos perante uma obra a que um dia chamarão clássico.

Acontece-me de vez em quando. Aconteceu agora, com 00.30 Hora Negra, de Kathryn Bigelow (por uma vez prefiro A Hora Mais Escura, tradução brasileira do título original, Zero Dark Thirty, inspirada no jargão militar para designar a hora a que foi morto Ossama Bin Laden, em 2 de Maio de 2011). Já me tinha sucedido o mesmo há três anos, com Estado de Guerra, uma longa-metragem da mesma realizadora centrada numa unidade de elite norte-americana na guerra do Iraque que lhe valeu o Óscar de melhor filme.

Bigelow, primeira mulher a receber uma estatueta em Hollywood como realizadora, voltou a associar-se ao argumentista Mark Boal e o resultado, uma vez mais, esteve ao nível do melhor que o cinema norte-americano já nos proporcionou este século: um excepcional filme de "ficção documental", nas palavras da própria cineasta, que recria a actividade dos serviços secretos com uma intensidade e um fôlego épico dignos de um John Ford, o realizador que "inventou" o western e conferiu um cunho de autenticidade à lenda.

Coisas que só acontecem com os grandes cineastas.

 

Há filmes que nos prendem logo ao primeiro fotograma. É o caso deste: o ecrã está escuro, apenas ouvimos sons. São as vozes das vítimas do 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque: as últimas palavras que proferiram, já encurraladas nas torres-túmulos, com as chamas a devastarem o outrora orgulhoso World Trade Center.

Aqui não há margem para relativismos morais. Sabemos bem de onde vem o Mal - vem de quem odeia este sistema democrático e esta sociedade plural em que vivemos e quer transformar o mundo num imenso califado submetido à impiedosa Lei do Alcorão. Este é o fim, os meios não importam. Pode custar um cadáver, pode custar um milhão de cadáveres - é tudo uma questão de estatística, como ensinava Estaline, que nunca viveu dilacerado com tais rebates de consciência.

Acontece que ninguém sai inocente do combate ao Mal absoluto. Churchill costumava dizer durante a II Guerra Mundial que para derrotar Hitler, se fosse preciso, iria ao próprio inferno coligar-se com Satanás. O coro de críticas a 00.30 Hora Negra na imprensa norte-americana e britânica devido à suposta apologia do uso da tortura pelos operacionais da CIA nos interrogatórios aos suspeitos de ligações à Al-Qaida ilude o essencial: essa componente do filme, dominante nos primeiros 25 minutos, é fundamental precisamente para adquirirmos a certeza sobre um dos efeitos mais nefastos do terrorismo islâmico - ao combatê-lo com um mínimo de eficácia, arriscamo-nos a ser contaminados por ele, pelo menos na convicção de que os fins justificam os meios.

Há muito que um filme não suscitava tanta celeuma. David Edelstein, na revista New York, situou Zero Dark Thirty "na fronteira do fascismo" (embora atribuindo-lhe o rótulo de obra-prima, em linha com o New York Times, que o incluiu entre os melhores filmes do ano). E a feminista norte-americana Naomi Wolf, num desvario extremista, chegou a comparar Bigelow a Leni Riefenstahl. A histeria cresceu ao ponto de levar a realizadora a justificar-se, em artigo publicado no Los Angeles Times.

Embora galardoada com o Prémio dos Críticos de Nova Iorque, a película ficou arredada do Óscar, que sem dúvida merecia, sendo ultrapassada na corrida à estatueta pelo politicamente correcto Argo, bafejado até pela simpatia da Casa Branca, ao mais alto nível.

 

Mas voltemos à questão central dos meios e dos fins, bem espelhada na metamorfose que se vai desenrolando subtilmente, aos olhos do espectador atento, na personagem principal: Maya, agente da CIA, obsessiva, perfeccionista e determinada, interpretada por uma Jessica Chastain em estado de graça num desempenho que lhe valeu o Globo de Ouro.

No contraste entre o ar etéreo de Maya e a sua férrea determinação em prosseguir a maior caça ao homem da História reside boa parte do sucesso deste filme que não faz a menor concessão ao habitual glamour hollywoodesco.

Quase sempre filmada a meia distância, como se isso constituísse parte integrante do seu disfarce, sem nunca trair um vestígio de emoção, ela faz da morte de Bin Laden a sua razão de viver, numa luta de proporções bíblicas. E ninguém o combate de forma tão tenaz, ao longo de uma década em que imita a estratégia da aranha tecendo a sua teia, entre 2001 e 2011, com muitos desaires de permeio (o atentado de 7 de Julho de 2005 em Londres, a explosão do hotel Marriott, em Setembro de 2008, em Carachi), sem convenção de Genebra, com muitos danos colaterais, obsessivamente em busca daquele cadáver para o qual ela olhará e no qual ela tocará, numa analogia simétrica e herética com São Tomé.

A prolongada sequência da tomada do bunker de Bin Laden, reconstituindo plano a plano a operação de alto risco no complexo de Abbottabad merece figurar em qualquer antologia de thrillers no cinema. Mas é no extraordinário plano final, também digno de John Ford, que tudo culmina e tudo se decifra: Maya solitária, extenuada e desamparada, parece minúscula a bordo de um enorme avião de carga C-130. Perguntam-lhe: "Para onde quer ir?"

Ela não responde. Pois não há resposta a esta pergunta. Com a morte de Bin Laden, outros alvos virão. O filme termina, mas esta é uma guerra sem fim à vista.

 

 

00.30 Hora Negra (Zero Dark Thirty, 2012). De Kathryn Bigelow. Com Jessica Chastain, Jason Clarke, Joel Edgerton, Chris Pratt, James Gandolgini, Jennifer Ehle, Mark Strong, Kyle Chandler.

Os engraçadinhos do Montepio

Rui Rocha, 27.02.13

O Montepio colocou na(s) rádio(s) um anúncio (parece que agora se diz spot publicitário e não posso deixar de pensar que é um estranho mundo este em que a simplicidade definidora de uma palavra tem de ser substituída pela combinação de dois vocábulos de línguas diferentes) em que promove um produto financeiro, oferecendo em complemento um seguro de saúde. Depois de não sei quantas horas de pesquisa, concepção, debate e aprovação, os criativos da agência e os responsáveis da instituição chegaram pelo visto à conclusão que, para o efeito, nada melhor do que uma narrativa (fica sempre bem esta da narrativa) em que perante um pai preocupado, uma mãe vai sucessivamente dizendo que não há problema por o Pedrinho estar a descer as escadas a correr, por a Ritinha estar a subir a uma árvore, ou por andarem ambos a brincar no meio das urtigas. Como pai, gostaria de dizer ao Montepio que jamais subscreveria um produto promovido a partir de uma mensagem com estas características. Os autores da coisa ou pretendem subliminarmente provocar-me medo, coisa que recuso, ou estão na pândega com questões de segurança relacionadas com os meus filhos (é neles que penso quando ouço o anúncio) e isso parece-me de extremo mau gosto. Ou, vai-se a ver, são só parvos (hipótese para a qual me inclino). Em qualquer caso, creio que teria muito maior probabilidade de sucesso um anúncio que brincasse, sei lá, com a segurança dos depósitos dos clientes do Montepio.

Aprender com as lições da história

Pedro Correia, 27.02.13

 

A corrupção galopa em Espanha, atingindo níveis nunca registados - e contaminando mesmo a Casa Real.

Um novo escândalo político abala o Reino Unido - desta vez nas fileiras dos liberais democratas, parceiros dos conservadores na coligação governamental.

Décadas de corrupção política e brutais medidas de austeridade puseram a Grécia à beira do abismo.

Na Bulgária, gigantescas manifestações de protesto prosseguem mesmo após a queda do primeiro-ministro conservador, Boiko Borissov. A corrupção e o crime organizado flagelam este país, o mais pobre da União Europeia.

 

Os italianos enfrentam um impasse governativo de dimensões colossais. Depois de metade dos eleitores ter voltado costas às urnas - e cerca de 57% dos restantes ter dado prioridade ao voto de protesto, contribuindo para o sucesso eleitoral de Silvio Berlusconi, que regressa à ribalta, e do comediante Beppe Grillo, à frente do novo movimento Cinco Estrelas, já a maior força política representada na câmara baixa do Parlamento. Recusando Mario Monti, o candidato ungido pela Comissão Europeia: de nada lhe serviram gestos demagógicos, como o de ter prescindido do salário de chefe do Governo.

"A Itália ingovernável", assinala o circunspecto Le Monde, por uma vez rendido a um título cheio de carga emotiva. As bolsas emitem sinais de alarme: uma das promessas de Grillo, que começou a abalar a política italiana a partir de um blogue, é realizar um referendo sobre a manutenção do país na zona euro.

 

Há sintomas crescentes de fim de ciclo. Por cegueira dos políticos que decidem o destino da Europa.

Mas é nestes momentos que importa separar o trigo do joio. Recusando populismos irresponsáveis, à esquerda e à direita. E fixando as lições da história.

 

A solução para o problema passa sempre por mais democracia - nunca por menos democracia nem com governos de directório iluminados pelos burocratas de Bruxelas, como o de Monti, que procurou - sem sucesso - demonstrar aos italianos que havido chegado a hora de "limpar" o país desse vírus que é a política. O problema com a política é este mesmo: por mais que se tente expulsá-la porta fora, ela regressa sempre pela janela.

A solução passa ainda menos por "tomar as ruas", como proclamam alguns irresponsáveis. Como já aqui referi, num contexto político muito diferente do actual, é totalmente inaceitável que a rua se substitua ao voto: os extremistas não podem contar, em circunstância alguma, com o apoio de quem acredita nas virtualidades do sistema democrático.

 

Os que encolheram displicentemente os ombros quando viram o Reichstag a arder em 27 de Fevereiro de 1933 - faz hoje 80 anos - foram tão culpados pelo crime de lesa-democracia como os que lhe lançaram fogo.

Tapam Michelle e deixam o Óscar nu

Pedro Correia, 26.02.13

 

A fanática brigada antipecado que domina com mão de ferro o Irão - e tem bons amigos em Portugal - sentiu a pulsação muito acelerada ao vislumbrar o generoso decote de Michelle Obama na noite da distribuição dos Óscares. Como se já não lhes bastasse ver Argo - uma longa-metragem que denuncia sem pudores a ditadura islâmica - conquistar o Óscar de melhor filme.

Num país onde as mulheres continuam a ser severamente reprimidas a pretexto da manutenção da pureza islâmica, os censores de serviço não tardaram a obedecer aos ditames dos aiatolás, cobrindo a primeira dama norte-americana com tecido photoshopado, em prol dos bons costumes, como se pode perceber na imagem da direita - a que passou nos televisores de Teerão e arredores.

Mas podia ser pior: escapou ao rigor da teocracia iraniana o pecaminoso cabelo de Michelle, que noutros tempos só por lá surgiria abrigado sob um véu igualmente tecido pela censura.

Fica-me uma pequena dúvida: porque será que os censores se esqueceram também de cobrir com um pudico paninho o próprio Óscar, estatueta de um homem nu?

 

Também aqui

Perder Lisboa

Teresa Ribeiro, 26.02.13

 

Há anos que os cortejava com o respeito e admiração que devemos às coisas belas. Aqueles três edifícios art déco da avenida Joaquim António de Aguiar, há muito com cadeado nas portas, esperavam, tal como eu, a salvação. Quando me perdia a imaginar como teriam sido em vida, pintava-os e iluminava-os por dentro. Na varanda colocava mulheres vestidas à anos 30 e homens de casaca, colete e cabelo puxado a brilhantina. Por  instantes flutuava assim numa Lisboa desaparecida, mas que por ter sido familiar aos meus pais e avós, também era minha.

Há semanas, quando vi que lhes tinham colocado andaimes junto à fachada, exultei. Finalmente íam ser recuperados, pensei. Engano meu. Afinal três dos mais belos edifícios déco de Lisboa foram subtraídos da paisagem urbana como um friso de dentes podres.

Magnificamente situado, o novo buraco na dentição da Joaquim António de Aguiar será com certeza preenchido muito em breve. Talvez com um implante art mérdo.

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