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Delito de Opinião

A peculiar geopolítica comunista

Pedro Correia, 30.11.12

 

Jerónimo de Sousa quer "devolver a palavra ao povo", com o recurso a eleições antecipadas. Num discurso em que defendeu o "pleno direito do povo português a decidir do próprio destino" no quadro de uma União Europeia que no seu entender é "irreformável".

 

Declarações do secretário-geral do PCP na abertura do XIX Congresso do partido, em Almada. Lendo no entanto a proposta de resolução política que será votada nesta reunião magna dos comunistas, que países merecem elogios rasgados do partido que Jerónimo de Sousa lidera? Os do costume. Por exemplo, a República Popular da China do partido único, com todo o "pujante desenvolvimento das suas forças produtivas" - em contraste com o "marasmo japonês". Com um ano de atraso, chora-se a "agressão à Líbia" que permitiu derrubar a velha ditadura de Kadhafi, vigente durante 42 anos. Os comunistas saem em defesa da criminosa dinastia de Assad, que oprime há quatro décadas o seu povo, denunciando a "gigantesca campanha de desinformação, desestabilização e agressão à Síria". E do odioso regime teocrático implantado em 1979 em Teerão, vociferando contra "as provocações e a escalada belicista contra o Irão". Vergastam a "contra-ofensiva do imperialismo" em Cuba, país dominado há 54 anos pela família Castro, sempre pronta a asfixiar as mais tímidas manifestações de reformismo interno. Não esquecem entretanto uma palavra solidária à tirania norte-coreana, lamentando aquilo a que chamam "provocações à República Popular Democrática da Coreia".

 

E, para que não restem dúvidas, entoam hossanas em louvor muito especial dos cinco países ainda governados por comunistas que restam no globo, concedendo-lhes o nobre título de nações "resistentes": "No quadro da resistência ao domínio hegemónico do imperialismo, assumem particular relevo no plano internacional vários países (China, RPD da Coreia, Cuba, Laos e Vietname) que, não se integrando no sistema capitalista, constituem objectivamente um factor de contenção dos seus propósitos de domínio planetário."

Países que não respeitam os mais elementares direitos democráticos e cujos regimes ditatoriais, somados, totalizam 258 anos.

 

Já os EUA e a França, países democráticos onde a palavra foi recentemente "devolvida ao povo", são brindados com severas críticas do PCP. "A realidade desmente as campanhas de branqueamento do imperialismo em torno de fabricadas «mudanças» como as da eleição de Barack Obama ou François Hollande. A natureza e objectivos da política dos EUA e da União Europeia – em que a NATO desempenha um papel de primeiro plano – mantêm-se inalteráveis", lê-se na proposta de resolução política. Nada de novo: é mais do mesmo.

 

Passam as décadas, mas o PCP permanece igual a si próprio: tolerante e solidário com ditaduras, implacavelmente crítico com as democracias. Imaginam por instantes um partido da oposição - assumindo que ele existisse - reclamar hoje, como reclama Jerónimo de Sousa, que a palavra seja "devolvida ao povo", senhor do seu "próprio destino", através de eleições democráticas e livres, em Havana, Pequim ou Pionguiangue?

Pois, ninguém imagina. Nem sequer os dirigentes do PCP, que têm um discurso para consumo interno e outro, muito diferente, em matéria de política internacional. Reivindicando mais democracia aqui enquanto aplaudem ditaduras noutros quadrantes.

Símiles que nunca uma mulher entenderá

José António Abreu, 30.11.12

Os olhos dela eram faróis bi-xénon iluminando a escuridão.

Tinha mamas empinadas como um chapéu do Totti.

A sua voz conseguia ser tão suave como um Aventador ao ralenti e tão agressiva como um tema do Trent Reznor. 

Respondia melhor ao toque dos dedos que um oled capacitivo.

De mini-saia e sapatos de salto alto parecia um carro desportivo com jantes de vinte polegadas.

Tinha contornos com mais polígonos do que Mona Sax ou Lara Croft e também era muito mais perigosa.

Ao fazer amor, mudava de ritmo como uma caixa de dupla embraiagem.

Amá-la era um call of duty, que ela o amasse uma medal of honor.

Domá-la era tão impensável como controlar sem mãos uma Panigale a alta velocidade.

Tinha um riso tão cristalino como o tweeter das melhores Sonus Faber.

Sabia usar o corpo de tal modo que o remetia para os clássicos da Private.

Carícias dela faziam-no vibrar mais do que o Dualshock.

As pessoas são a árvore

Rui Rocha, 30.11.12

A autarquia de Lisboa contratou bens e serviços, sem concurso público e através de uma empresa municipal, no valor de 229.637 euros para a execução da árvore de Natal que é inaugurada sábado no Terreiro do Paço, o que faz disparar os gastos totais com a quadra festiva para cerca de 479 mil euros.


De acordo com o seu autor, o artista plástico Leonel Moura, o conceito do projecto baseia-se na ideia de que "as pessoas são a árvore". O artista plástico acrescenta que "neste período de crise em que há uma certa desvalorização das pessoas, achei interessante valorizá-las".


O Público informa ainda que à Robotarium de Leonel Moura, já em 2009 a Câmara de Lisboa  tinha entregue 74 mil euros igualmente por ajuste directo, para pagar 45 oliveiras plantadas em estruturas de fibra e com rodas. Pelo visto, o "jardim portátil", como lhe chamaram, começou por estar no Terreiro do Paço e foi transferido mais tarde para o Cais do Sodré. Ainda de acordo com o Público, "há muito que as rodas encravaram, tornando a mobilidade das oliveiras praticamente impossível".


As pessoas são a árvore, dizem. E afirmam que a árvore é interactiva. Continuem com a brincadeira e admirem-se quando chegar o dia em que a àrvore começa a responder.

Refundar o Estado Social.

Luís Menezes Leitão, 30.11.12

Se já nos estamos a ver gregos com o Orçamento para 2013, imagine-se o que será em 2014, em que vai ser preciso cortar 4.000 milhões para pôr o défice nos miraculosos 2,5% do PIB, que aliás ainda estão longe dos 0,5% exigidos pelo Tratado Orçamental. Conhecendo o actual Governo, imagino as propostas que aí vêm:

1) Limitar a escolaridade obrigatória à 4ª classe. No tempo dos nossos avós era assim. A seguir fecham-se todas as escolas secundárias e  universidades públicas. Quem quiser ter educação complementar que vá para uma escola privada. Mas em bom rigor nem isso será necessário, pois o que se pretende é que os alunos deixem de ser piegas e comecem a trabalhar muito cedo. Daqui a vinte anos terão sempre possibilidade de pedir equivalência à licenciatura ou até ao doutoramento com base no currículo profissional.

2) Extinguir todo o sistema de saúde público. Quando mais depressa morrermos, mais depressa deixamos de ser um encargo para a segurança social. Aliás, para acelerar a coisa, até se deve passar a tributar mais reduzidamente o tabaco e as bebidas. Os portugueses vivem demasiado tempo para o Estado social que temos.

3) Se o despedimento dos funcionários públicos resultante de 1) e 2) não chegar, despedir até 100.000 funcionários públicos. Para evitar iniquidades nesse despedimento, o Governo proporá uma roleta onde serão sorteados os números de funcionários a abater (em sentido figurado, claro) aos quadros.

4) Como o previsto em 3) atirará o desemprego para os 20%, o Governo proporá extinguir imediatamente o subsídio de desemprego. Para o Governo não faria sentido nenhum andar a sortear o despedimento de funcionários e depois ainda ter que lhes pagar subsídios. Aliás subsídios é palavra abolida para todo o sempre no Estado Social refundado. E o mesmo sucede com o rendimento mínimo garantido. Com é que se quer ter alguma coisa garantida neste novo Estado Social?

5) Elevar a idade de reforma para os 100 anos. Se o Manuel de Oliveira conseguiu trabalhar com esta idade, porque não o hão-de fazer todos os outros?

Devem ser estas as medidas que aí vêm para 2014 e que permitirão um glorioso sucesso ao programa de ajustamento. Se a constituição o impedir, ela vai ter que mudar por força da realidade. Aliás, nem isso será necessário pois nem o Presidente nem o Tribunal Constitucional impedirão a aplicação das geniais medidas do Professor Gaspar. Mas a fazer-se uma revisão constitucional, provavelmente o artigo 1º passará a ser "Portugal é um protectorado,  baseado na indignidade da pessoa humana e na vontade dos credores, e empenhado na sua transformação numa sociedade obediente, injusta e austera".

Oh me, oh my, oh my frog!

Rui Rocha, 29.11.12

Breve nota sobre a Constituição e o ensino

Rui Rocha, 29.11.12

A Constituição da República dispõe o seguinte:

Artigo 74.º
Ensino

1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar.

2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:

a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; 
b) Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar; 
c) Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo; 
d) Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística; 
e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino; 
f) Inserir as escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do ensino e das actividades económicas, sociais e culturais; 
g) Promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário; 
h) Proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades; 
i) Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa;
j) Assegurar aos filhos dos imigrantes apoio adequado para efectivação do direito ao ensino

Face a esta redacção, e tendo em conta sobretudo a alínea e) do nº 2 que refere a obrigação de estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino, não vejo grandes razões para o optimismo de Passos Coelho relativamente à abertura constitucional a uma partilha de custos na educação. A introdução de qualquer nova forma de pagamento contraria expressamente tal preceito. Não tenho grandes dúvidas de que uma medida desse género, ainda que circunscrita ao ensino secundário, é inconstitucional não pela ideia de que o que é obrigatório deve ser gratuito, mas por implicar a introdução de um novo custo ali onde a Constituição prevê um caminho no sentido inverso.

A palavra pervertida

Pedro Correia, 29.11.12

 

O progresso. Se há palavra malbaratada, desvirtuada, pervertida, vilipendiada é a palavra progresso - sempre pronta a ser usada e abusada por todos os vendedores de ilusões. Alguns dos maiores torcionários de que há memória usaram-na em discursos e até em livros. Em nome do progresso, matou-se e torturou-se. Sob a bandeira do progresso, o homem é constantemente empurrado com excessiva frequência de regresso às cavernas. Invoca-se o progresso como se fosse um dogma, pratica-se o retrocesso como se fosse inevitável.

Nada há de tão perverso na política como esta novilíngua destinada a iludir as mais legítimas aspirações dos povos. Danton, um dos próceres da Revolução Francesa, chegou a enaltecer a guilhotina como conquista civilizacional e símbolo de um futuro radioso. «O verbo 'guilhotinar', notai, não se pode conjugar no passado. Não se diz: 'Fui guilhotinado'.»

Palavras proferidas na véspera da sua morte, a 5 de Abril de 1794: foi vítima da guilhotina, na sequência de uma conspiração liderada por Saint-Just, que costumava proclamar: «Ninguém pode governar inocentemente.» Provavelmente tinha razão: o próprio Saint-Just - apelidado de Anjo da Morte - viria a ser executado a 28 de Julho (10 do Thermidor do ano II, segundo o calendário revolucionário), com apenas 26 anos, acusado de "inimigo do povo". Com ele morria Robespierre - outro protagonista dos alvores da Revolução Francesa, outra vítima crepuscular da guilhotina.

De nada valera a Saint-Just o brilhantismo das suas intervenções enquanto mais jovem deputado eleito para a Convenção Nacional, em 1792, com a ardente apologia da revolução permanente. "Àqueles que o povo (não o voto, porque o voto é um acto de Estado, de subserviência) derruba, não devem ser conferidos quaisquer direitos", proclamou, entre apelos à execução sumária do monarca derrubado três anos antes, Luís XVI. Sem imaginar que viria ele próprio a ser vítima da sua própria oratória, tão implacável, tão intransigente, tão inflamada.

Foi a primeira revolução de grande envergadura a devorar vários dos seus filhos - e esteve muito longe de ser a última. Nenhum discurso inflamado por cartilhas partidárias é capaz de atingir os abismos que moldam e condicionam a natureza humana.

 

Imagem. Execução de Saint-Just e Robespierre, em 28 de Julho de 1794 (10 do Thermidor): a Revolução Francesa devorando os seus filhos

A carta dos 70

Rui Rocha, 29.11.12

Coloquemos as coisas nos seus devidos lugares. A carta dos 70 não pede que Passos Coelho seja demitido. Pede a Passos Coelho que altere a sua política e que, caso não o faça, tire as devidas consequências, isto é, que se demita. Este pormenor faz toda a diferença. Sendo assim, como é, a discussão sobre o valor do acto deve deslocar-se da esfera da apreciação objectiva das condições para o exercício da governação para uma análise subjectiva que tenha em conta o próprio valor dos mensageiros. Ali, se fosse o caso, o que estaria em causa seria uma questão de legitimidade democrática. A avaliar independentemente de quem escreve o quê. Na carta, pelo contrário, apela-se à a um acto de vontade do destinatário. É por isso que é absolutamente relevante olhar para quem a subscreve. Nesta história, os remetentes da carta querem assumir também a função de narradores. O papel que destinam a Passos Coelho é o de Pinóquio. Para si, reservam o de conscenciosos grilos falantes. Ora, se Passos Coelho se presta à metáfora, não é verosímil uma intriga em que Mário Soares, Ferro Rodrigues, João Galamba, Pedro Nuno Santos, Inês de Medeiros e Vítor Ramalho se apresentam como vozes da consciência. Falantes serão. Mas falta-lhes, deve reconhecer-se, muita estatura para poderem chegar aos calcanhares do grilo. 

Então não se está mesmo a ver?

José Navarro de Andrade, 29.11.12

Jackson Pollock, "Number 8", 1949

 

A arte contemporânea é difícil.

Talvez esta dificuldade tenha começado a sério com Jackson Pollock cujo trabalho consistia resumidamente em atirar com pinceladas de tinta contra a tela e deixar que ela escorresse. Para complicar vieram críticos dizer que se tratava de gestualismo, elaborando teses sobre as maravilhas dos resultados. E mais bizarro ainda, os seus quadros começaram a valer milhões e são disputados por todos os museus.

Perante isto uma pessoa tende a pensar três coisas: 1) que também eu sou capaz de fazer isto; 2) o que quer isto dizer? (porque as coisas nunca são o que são e só somos espertos se percebermos o que está por detrás delas); 3) que é evidente haver um sistema, mais ou menos perverso, feito de galeristas, colecionadores, críticos, museus e leiloeiros, que promove e consagra uns artistas e ignora outros, quando parece não haver qualquer distinção entre os “bons” e os “maus”.

A arte contemporânea é difícil porque só de olhar para ela não conseguimos discriminar o génio da impostura. E quando chegamos ao capítulo das “instalações” ou das “performances” a confusão aumenta desmesuradamente. Por exemplo, a não ser pelo nome dos envolvidos (artistas e patrocinadores) ou pelo volume dos recursos disponíveis, como haveremos de diferenciar qualitativamente isto (aplausos) disto (vaias)?

Por isso a maior dificuldade da arte contemporânea foi posta do lado do espectador não do artista. Até porque, como se sabe, o bom-gosto foi a coisa mais bem repartida pela humanidade, pois cada um está muito satisfeito com a parte que lhe coube. Como evitar a tentação da chacota? Como pode alguém não se indignar pela maneira como “eles” gastam o nosso dinheiro nestas coisas? Como não ver que tudo não passa de um bando de parasitas e oportunistas? Como não ter a certeza que estes gajos andam a gozar connosco?

Há uma forma de tentar resolver o problema só que é talvez tão difícil como a arte contemporânea:

Deixar-se intrigar, o que implica não ficar muito agarradinho às certezas adquiridas; procurar cultivar-se, o que obriga a ver, ler, discutir, ouvir, interrogar – uma trabalheira; suspender o juízo, duvidar dele, até que saiba um pouco mais.

E ainda assim a arte contemporânea continua a ser muito difícil.

O trending topic é Hashtag

Rui Rocha, 29.11.12

 

Depois da egípcia Facebook, parece ter vindo ao mundo uma menina a quem os pais decidiram dar graça não menos curiosa. Pelo visto, o seu nome é Jameson. Hashtag Jameson. Trata-se de um exercício do poder paternal susceptível de levantar várias questões interessantes. De momento fico-me por esta: o diminutivo da criança será Hash (clique sobre o Hash da direita para traduções mais radicais), Tag ou simplesmente #?

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