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Delito de Opinião

Eleições?

José António Abreu, 31.10.12

O Rui Rocha colocou um comentário no meu post anterior defendendo a realização de eleições. A pergunta que me surge é mesmo a que surgiu a c, outro comentador desse post: eleições para quê? O actual governo nasceu de um acto eleitoral com menos de ano e meio e tem por isso legitimidade para governar. De resto, a democracia não pode vergar-se a ciclos de poder demasiado curtos ou nunca qualquer governo terá hipótese de aplicar medidas impopulares. A duração dos mandatos, raramente inferiores a quatro anos, prende-se com esta constatação. Por outro lado, os protestos nas ruas ou nas caixas de comentários de edições online de jornais não podem considerar-se um barómetro fiável para avaliações deste género. Há muito mais gente calada do que a manifestar-se. Mas enfim: poder-se-á alegar que o governo está a implementar políticas bastante diferentes das prometidas em campanha eleitoral, o que o faz perder a legitimidade que lhe foi conferida pelos eleitores. Planando suavemente sobre a incrível e pelos vistos sempre renovada ingenuidade dos eleitores, é um bom argumento. Mas será suficiente para compensar os efeitos negativos de uma crise política neste momento? A queda do governo faria com que, durante meses, nenhuma medida significativa fosse tomada, os objectivos do memorando, já difíceis de atingir, se transformassem numa miragem, a trajectória da dívida nos mercados financeiros se invertesse e os nossos parceiros europeus fossem obrigados a decidir se continuariam a enviar-nos dinheiro sem o cumprimento das contrapartidas acordadas. Ou seja: colocar-nos-ia numa situação verdadeiramente similar à da Grécia. Mas talvez valesse a pena se as políticas do novo governo fossem melhores do que as do actual, certo? Pura ilusão: em menos tempo do que leva a dizer supercalifragilicious expialadocious (ou apenas num pouco mais), o PS mostraria que as exigências de medidas para o crescimento e de atenuação da austeridade que vem debitando (e que reforçaria durante a campanha eleitoral) possuem a consistência de uma bola de gelado de baunilha pousada durante dez minutos no umbigo de uma Charlize Theron em bikini, estendida na praia às três da tarde do dia mais quente do Verão. À frente do governo (qualquer que ele fosse), Seguro afixaria um ar compungido (que, de resto, lhe sai sem esforço) e iria de mão estendida a Bruxelas – ou talvez a Berlim. Isto é: um governo do PS encontrar-se-ia rapidamente na mesma situação de legitimidade que o governo actual – o país é que estaria ainda pior. A austeridade, imposta por financiadores chateados com a forma como agraváramos a situação, regressaria em força; a contestação social também. Mas há mais: alguém acredita que os socialistas reformariam o Estado no sentido e dimensão necessários, indo contra garantias repetidas até à exaustão e afrontando o seu eleitorado típico? Já para não mencionar os riscos ligados à provável inexistência de uma maioria absoluta e da necessidade de formar um governo de coligação. Honestamente, tudo ponderado, só compreendo o desejo de eleições se se acreditar numa das seguintes hipóteses:

- A liderança do PSD mudaria antes de elas ocorrerem, a nova liderança conseguiria ganhá-las e, depois, à frente de uma coligação, implementar as reformas que este governo não levou por diante, o que agradaria à Troika e acalmaria os mercados (hipótese para gente extremamente optimista, portanto, que encara Rui Rio como um messias);

- Um governo de bloco central liderado pelo PS garantiria consenso social e efectuaria as reformas, o que agradaria à Troika e acalmaria os mercados (duvido; a mim parece-me o concentrado ideal de interesses e demagogia – e se em 1983 esta solução resultou, o peso de Estado e, por conseguinte, a teia de interesses a ele associada era bastante menor);

- É altura de afrontar a Troika e, eventualmente, de sair do euro (caso em que, nas tais eleições, se votará Bloco de Esquerda ou Partido Comunista);

Assim sendo, resta-me repetir: eleições para quê?

 

(E, caramba, parem de pensar na Charlize Theron com a bola de gelado no umbigo.)

Reflexão do dia

Pedro Correia, 31.10.12

«Evidentemente, as pessoas têm todo o direito de se manifestar. Vivemos numa conjuntura particularmente difícil, há muitas pessoas que estão a sofrer bastante. Mas apesar disso há uma coisa que deve ser dita: no dia em que o Parlamento for desvalorizado, as manifestações cessam no nosso país. Um parlamento vivo é essencial para que haja uma verdadeira democracia e para que os direitos e as liberdades fundamentais sejam respeitados em qualquer país do mundo. Não há nenhuma democracia que subsista sem um parlamento activo, prestigiado e respeitado. Quando ouço algumas palavras de ordem fico preocupado. Há uma dissociação que me tem vindo a preocupar crescentemente entre o 'País das manifestações' e o 'País das instituições'. É grave que haja um desentendimento entre estes dois 'países'. (...) O Parlamento é a instituição central de qualquer regime democrático e atacar o Parlamento é atacar o cerne da democracia.»

Francisco Assis, no Frente-a-Frente da SIC Notícias

Recordar o Halloween das nossas infâncias

Rui Rocha, 31.10.12

 

Ah, que saudade. Lembram-se... quando éramos meninos e íamos de casa em casa, disfarçados de monstros ou de zombies, e gritávamos doçura ou travessura? Lembram-se da ansiedade? Do silêncio que fazíamos à espera de um ruído que indiciasse a abertura iminente da porta. Dos olhos a brilhar de excitação? Dos corações que palpitavam, das mãos que se entendiam na ânsia de agarrar o tesouro que nos ofereciam? Pois. Eu também não.

Perguntas de Algibeira, #2

Ana Cláudia Vicente, 31.10.12

 

 [Foto: Túnel de Carey, Nova Iorque (Andrew Burton, Getty Images)]

 

Está vista a força da Técnica contra a técnica da Força*, neste caso, claro, a da Natureza: a Técnica quebra ou verga, a Natureza não. E manda, mesmo naquele que ainda é um centro do mundo. A Gawker, como tantos outros grupos, ficou apeada um dia inteiro, e regressou há pouco em modo de gerador-ligado-na-garagem, para dar conta das novidades do costume, mas também informar os que lá estão sobre como e quanto tempo vão ficar sem as coisas de primeiro mundo. Passam amanhã 257 anos sobre o dia em que nos calhou coisa assim. Daí que me esteja a roer a seguinte questão: assim de repente, quantos de vocês têm um plano mais ou menos desenhado no caso de se dar uma situação destas? Vá, dedos no ar: quem tem em casa um rádio a pilhas, uma lanterna a funcionar e pelo menos um garrafão de água potavel?  

 

* copyright Gabriel Alves.

Ars Mortis

José Navarro de Andrade, 31.10.12

Excluímos a morte dos nossos cálculos existenciais como se ela fosse um acidente. Tratando-se de uma inconveniência e um imponderável, incómoda aos negócios correntes que todos os dias temos que levar adiante, ganhámos-lhe nojo e passámos a considerar como obscena a sua exposição. Isto é uma atitude eminentemente europeia, quase sem equivalente noutras culturas. Uma explicação apressada e duvidosa para isto, como o são todas de índole psico-socio-históricas, poderia recordar o facto de o Velho Continente ter promovido durante o séc.XX, um par de guerras e de regimes que dizimaram cerca de 100 milhões de seres humanos e que esses fantasmas ainda hoje nos estigmatizam.

Mas nem sempre foi assim.

O nascimento da fotografia, entre as várias maravilhas que proporcionou, contou-se a de ter tornado acessível a toda a gente algo que até então estava reservado aos aristocratas – o retrato. Quando só preocupava a linhagem, o retrato era uma necessidade exclusiva de quem tinha uma genealogia a defender, mais os direitos e os haveres que ela entregava. Mas quando começou a surgir a ideia de família – essa invenção burguesa – todos os entes se tornavam queridos aos descendentes e constituíam a sua memória particular. Mas o retrato mantinha a sua aura, como um acto cerimonioso, dispendioso, logo parcimonioso. Por isso, muitas vezes recorreu-se a ele literalmente in extremis. Foram então voga os retratos fotográfico post-mortem em que os cadáveres do familiares acabados de falecer, quase sempre inopinadamente, eram postos em pose com os restantes membros da família para um derradeiro memento.

Abaixo, fica uma colecção destes instantâneos, que às almas afligidas de hoje poderão parecer um pouco tétricos, mas que um espírito aberto verá neles ternura, apego e uma ponta de antecipadas saudades.

 

 

 
 

Aponta aí, Rui Rocha

Rui Rocha, 31.10.12

a) Juntar ao caderninho das notas que deves consultar se mais alguma vez te passar pela cabeça votar no PSD:

  - Relvas nos Dragões de Ouro;

  - Candidatura de Luís Filipe Menezes aprovada por unanimidade pelo PSD/Porto;

  - Carlos Abreu Amorim faz intervenção de encerramento do debate sobre a proposta de Orçamento para 2013.

 

b) Comprar praí mais duzentos caderninhos. 

Putativas inconstitucionalidades

Pedro Correia, 31.10.12

Ter uma dívida pública correspondente a 119% do Produto Interno Bruto será inconstitucional?

 

Duplicar a dívida pública em menos de dez anos será inconstitucional?

 

Acumular défices orçamentais alicerçados em dívida será inconstitucional?

 

Contrair empréstimos internacionais com juros pesadíssimos que constituem encargos incomportáveis para as gerações futuras será inconstitucional?

 

Ser o país mais endividado da zona euro será inconstitucional?

 

Conduzir Portugal à bancarrota será inconstitucional?

 

Os meus amigos liberais

Teresa Ribeiro, 31.10.12

"A saúde é um estado transitório que não augura nada de bom." Esta frase, que ouvi uma vez a um médico, lembra-nos que por mais saudáveis que sejamos um dia fatalmente o nosso sistema baixará a guarda e precisaremos de ser assistidos. O aumento da esperança de vida só contribui ainda mais para essa certeza, por isso é normal que a atrofia progressiva do SNS provoque a maior preocupação nas pessoas que como eu consideram que um sistema de saúde universal tendencialmente gratuito e de qualidade é o modelo por que todos devíamos lutar. O princípio que lhe subjaz não poderia ser mais justo: financiamo-lo com os nossos impostos para que possamos em devido tempo obter retorno sob a forma de cuidados de saúde.

Quando refiro este princípio, os meus amigos liberais desdenham. Invariavelmente argumentam que não temos, nem nunca tivemos, um retorno justo dos nossos impostos, que esse dinheiro que nos é tirado só serviu para alimentar, no que respeita à saúde, o monstro corrrupto e ineficiente que é o SNS. Para a Saúde defendem a redução do papel do Estado através do estabelecimento de parcerias com unidades de saúde privadas e o investimento em seguros. Quando respondo a estes meus amigos, gente de classe média, sem fortuna pessoal que, por exemplo, nos casos de doença prolongada que impliquem tratamentos caros os seguros descartam responsabilidades com a maior facilidade e que por isso mesmo, se num dia se encontrarem nessa situação estarão lixados, viram a agulha e começam a falar da crise e de demografia: que não temos dinheiro para esses luxos e além disso estamos a envelhecer e a população activa a diminuir e portanto o SNS é insustentável. Não procuro iludir essas questões e parece-me óbvio que por dificuldades de financiamento terá que haver um retrocesso na quantidade e qualidade de prestação desses serviços, mas não deixa de me arrepiar a ligeireza com que os meus amigos liberais celebram o fim do sistema que mais os defende. Quando um dia sentirem as tendências demográficas materializarem-se nas suas artríticas articulações, talvez o fim do Estado Social que agora preconizam não lhes pareça tão higiénico.

O banqueiro anarquista.

Luís Menezes Leitão, 31.10.12

  

Fernando Ulrich transformou-se num verdadeiro exemplo do banqueiro anarquista de que falava Fernando Pessoa. Defende a liberdade, mas apenas para si próprio. Os banqueiros conseguiram que o seu negócio privado, a banca, esteja completamente excluído da austeridade, e que até a troika tenha cá metido 12.000 milhões de euros para salvar os bancos. Para esse efeito, pode ser necessário cortar salários e pensões, mesmo ao arrepio da Constituição vigente. Isso, no entanto, não impressiona Fernando Ulrich. O Tribunal Constitucional pronuncia-se contra o corte de subsídios? Temos uma ditadura do Tribunal Constitucional, que qualquer banqueiro anarquista tem o dever de combater. Há dúvidas sobre se o país aguenta tanta austeridade? Claro que aguenta. Os bancos é que não podem ficar sem os seus lucros habituais.

 

Se há algo que não faz qualquer sentido é que os bancos sejam o único negócio que nunca pode falir, tendo que ser ajudado pelo Estado. Os bancos conseguiram assim a suprema liberdade. Já os cidadãos tornaram-se escravos do Estado, tendo que pagar em impostos e cortes de salários e pensões a irresponsabilidade dos outros.

 

Pessoa põe estas palavras na boca do banqueiro anarquista: "Eu libertei-me a mim; fiz o meu dever simultaneamente para comigo e para com a liberdade. Por que é que os outros, os meus camaradas, não fizeram o mesmo? Eu não os impedi. Esse é que teria sido o crime, se os tivesse impedido. Mas eu nem sequer os impedi ocultando-lhes o verdadeiro processo anarquista; logo que descobri o processo, disse-o claramente a todos. O próprio processo me impedia de fazer mais. Que mais podia fazer? Compeli-los a seguir o caminho? Mesmo que o pudesse fazer, não o faria, porque seria tirar-lhes a liberdade, e isso era contra os meus princípios anarquistas. Auxiliá-los? Também não podia ser, pela mesma razão. Eu nunca ajudei, nem ajudo, ninguém, porque isso, sendo diminuir a liberdade alheia, é também contra os meus princípios. V. o que me está censurando é eu não ser mais gente que uma pessoa só. Por que me censura o cumprimento do meu dever de libertar, até onde eu o podia cumprir? Por que não os censura antes a eles por não terem cumprido o deles?".

Da Lei de Godwin (versão tuga) à ironia involuntária

João Campos, 31.10.12

Nota-se que Vítor Gaspar não é um internauta assíduo, ou um homem habituado a conversas de café ou a caixas de comentários online - caso contrário, a analogia salazarenta do deputado João Galamba não o chocaria ou ofenderia, pois ela não mais é do que a versão portuguesa, pequenina e esquerdista da Lei de Godwin. Quanto ao deputado achar que o discurso do ministro das Finanças não tem lugar em democracia, enfim, é uma opinião que não deixa de ter a sua ironia, ainda que decerto involuntária. 

A vossa atenção, por favor: o Sandy também passou no Haiti

Rui Rocha, 30.10.12
Sandy, Sandy e mais Sandy. Sandy nos Estados Unidos, entenda-se. Em Nova Iorque, em Manhattan ou em Wall Street. Temos os directos, os testemunhos, as vítimas e os prejuízos materiais. Pergunta-se se o Sandy é de esquerda ou de direita, se ajuda Obama ou se ajuda Mitt. Como se não tivesse havido Sandy antes de chegar ali. Como se não tivessem morrido 52 só no Haiti. Como se a juntar à doença, à fome e à desgraça que os haitianos já carregavam o Sandy, esse mesmo Sandy, não tivesse trazido mais 200.000 casas afectadas, mais estradas interrompidas e pontes caídas. E mais doença, mais fome e mais desgraça. Entendamo-nos. A notícia não está onde os factos acontecem. A notícia está apenas onde os nossos olhos e ouvidos chegam, ali onde os jornalistas fazem e acontecem. Antes de ser de esquerda ou de direita, o Sandy foi dos de baixo e só depois dos de cima. Os Nadies de Galeano, os Ninguém que jamais figurarão na história universal das primeiras páginas e das crónicas assinadas de última página, moram por estes dias no Haiti.

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