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Delito de Opinião

Escolher cerejas

José Gomes André, 28.09.12

Cherrypicking: é como os americanos chamam ao acto de seleccionar, a partir de um conjunto muito variado, uma sondagem particular favorável ao nosso argumento ou interesse. Assim como, perante uma taça com muitas cerejas, escolhemos as mais apetitosas. O resultado daquele acto é, naturalmente, pouco científico, impedindo uma análise racional sobre a tendência de um determinado evento político. A cobertura da eleição presidencial americana tem sido marcada por actos constantes de cherrypicking. A imprensa continua a divulgar as sondagens que mais interessam à sua narrativa (e já nem falo dos blogues!), esquecendo todas as outras publicadas no mesmo período. Nas últimas semanas, ora surgem referências a vantagens claras de Obama (7 pontos) ora a um empate técnico. Uns preferem as sondagens estaduais para anunciar Obama como o mais-que-provável-vencedor. Outros agarram-se à Rasmussen para descrever uma luta titânica.

 

Tudo isto é verdadeiro. E tudo isto é falso. Estes intervalos são naturais, pois há diversas sondagens diárias nos EUA. Com tantos dados, podemos contar a história que quisermos. A imprensa tenderá a narrar uma história emocionante, para manter vivo o interesse da opinião pública, mas uma análise séria deve procurar olhar para a média ponderada das sondagens, a única forma de decifrar a objectiva tendência da corrida. É menos emocionante, claro. Não é divertido anunciar que a disputa deste ano tem-se mantido relativamente estável, com ligeira vantagem de Obama, reforçada nas últimas semanas, por factores ainda a determinar (eu aposto em Convenção Democrata e erros tácticos de Romney). Com tantas narrativas de altos e baixos, os leitores ficarão provavelmente surpreendidos ao verificar que Obama lidera as sondagens desde Novembro de 2011 (!) (média RCP).

Palmadinhas gostosas

José António Abreu, 28.09.12

Há meia dúzia de anos, um artigo na New Yorker começava logo por explicar em que ponto do livro O Código Da Vinci se consegue perceber que Dan Brown é fraco escritor. Resposta: na primeira frase. Trata-se de algo do género: "O conceituado curador Monsieur Não-Sei-Quantos caminhava no interior do Museu do Louvre" e, evidentemente, a explicação prende-se com o adjectivo: nenhum bom escritor enfia assim à bruta pela garganta dos leitores que uma personagem é isto ou aquilo, antes lhes fornece elementos para que possam chegar a uma conclusão própria, muitas vezes não totalmente coincidente com a que ele imaginou; em parte, é esta relação adulta (mas sem sexo, pelo menos na maioria dos casos) entre autor e leitor que permite que os bons livros tenham tantas interpretações. Lembrei-me hoje desse artigo ao folhear numa tabacaria o número de Setembro da revista Ler (sim, ando um bocadinho atrasado mas a minha médica diz que, sendo gajo, não é grave). Com prazer indisfarçado e meticulosidade estonteante (eu estou a usar os adjectivos de forma irónica, o que faz toda a diferença), Rogério Casanova disseca e destroça (embora, considerando o tema do livro, talvez palavras como «espanca» ou «açoita» viessem mais a propósito) o grande êxito «literário» do ano: As 50 Sombras de Grey, de E. L. James. Dirão os mais discernentes (outro adjectivo, mas admitam que pouco usado): ora, tratando-se de um livro inspirado na série Twilight, só que em pior (!), também não é difícil. Permito-me discordar: é; como Casanova o faz, é bastante difícil, para além de diabolicamente divertido (sim, mais um adjectivo; processem-me). Tão divertido que me deixou a um passo (isto não é um adjectivo mas é uma figura de estilo: até ao balcão eram uns cinco ou seis) de quebrar a promessa de não mais comprar a Ler. Resisti porque continuo a achar que cinco euros é quantia mais do que suficiente para pagar as consoantes mudas. Contudo, se tiverem princípios menos firmes do que os meus (nada de vergonhas; acontece com quase toda a gente) e não forem fãs do livro, comprem-na e divirtam-se. Aliás, pensando bem, comprem-na mesmo que sejam fãs: há uma boa hipótese de, estejam ou não dispostos a admiti-lo, gostarem de ser um bocadinho maltratados.

Era uma vez um país

José Navarro de Andrade, 28.09.12

 

Um blog é o lugar ideal para se fazerem afirmações imprudentes, como por exemplo: Chinua Achebe é o maior escritor africano. O pedestal conquistou-o ele logo com a sua primeira novela “Things Fall Apart”, publicada em 1958 e que marca o início de uma literatura africana desprendida de referências europeias. Talvez os francófonos tenham como contestar esta afirmação, os lusófonos por certo que serão incapazes de a rebater.

Vem isto a propósito de ter acabadinho de sair o livro de memórias de Achebe, que num gesto de pura insensatez consegui que mo pusessem à porta esta tarde mesmo. Chama-se “There Was a Country” e relata as grandes desventuras do escritor como um dos militantes pela independência do Biafra. Deu isto numa das mais horrendas guerras civis africanas, nos idos de 60 (“peace one earth”, cantava-se então no hemisfério norte). Nela Portugal teve uma intervenção discreta mas empenhada, a favor do Biafra como forma de enfraquecer a Nigéria, o que foi presenciado bem de perto por Mário Soares aquando da sua vilegiatura forçada em S. Tomé, por cortesia de Marcello Caetano e a expensas da PIDE.

Recorda Achebe: “I am not interested in what motives Portugal may have. If the devil himself offered his air facilities we would have taken it, and I would have supported it.” Haverá decerto mais referências mas esta foi a que me veio ter à mão assim à primeira. E já dá para tirar as medidas a certa prosápia nacional que continua piedosamente a acreditar na nossa vocação africana - como se eles tivessem gostado e se tivessem esquecido.

Reflexão do dia

Pedro Correia, 28.09.12

Pensar duas vezes

Laura Ramos, 28.09.12

Absolutamente de acordo.

Eu diria que essa é a grande necessidade nacional, sem prejuízo da rua.

Parar para pensar. Ler as fontes. E não as notícias das notícias das notícias.

Exigir qualidade à nossa indignação.

Avaliar com a própria cabeça.

Lembrar Pavlov.

Recusar a facilidade do logro que é usar o nosso descontentamento como catalisador de outras ordens de valores. Ou então perder as peneiras. É consoante os casos.

Mas que cambalhota!!

Fernando Sousa, 28.09.12

“A palavra racionamento, no jargão da política da Saúde, Economia da Saúde e Bioética é um termo absolutamente benigno, e significa otimizar os recursos racionalmente, não desperdiçar e não haver ineficiência”, ou seja, não significa cortar no essencial. Extraordinário! Mas que cambalhota! Miguel Oliveira da Silva é bem um artista português! Palmas! Quando sair do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida tem emprego assegurado.

Do enorme cansaço de ser

Patrícia Reis, 28.09.12

Ando há dias a pensar que deveria aceitar, de forma pacífica e sem temor, a sugestão da minha mãe - que tem anos - de viver sem expectativas. Se conseguir atingir tão grande proeza tudo será mais fácil, diz ela, dizem outros. Pode ser que sim. A verdade é que o tempo passa e o cansaço de ser o que se é neste país vai moendo. Não sou pessimista por natureza. Nunca fui. Hoje já não consigo ser optimista. Vejo as notícias pela manhã e tenho vontade de voltar para a cama.

Reflexão do dia

Pedro Correia, 27.09.12

«Diante das gigantescas manifestações, que merecem o nosso respeito, é essencial que não cedamos à tentação da anulação do pensamento crítico. A rua, em democracia, deve ser respeitada e ouvida, mas estão profundamente equivocados aqueles que, por cegueira ou oportunismo, entendem que ela deve ser linearmente seguida. Talvez não seja muito popular afirmar isto nas presentes circunstâncias, mas há alturas em que é preciso saber correr o risco da incompreensão.»

Francisco Assis, no Público

Corte na despesa (ou talvez não)

Pedro Correia, 27.09.12

Das 38 fundações sobre as quais há uma proposta de extinção, o Governo só tem poder, na prática, para decidir o destino de quatro: Cidade de Guimarães, Museu do Douro, Côa Parque e a das Salinas do Samouco. Ao nível da administração central, o número previsto é de 17, mas em 13 a última palavra caberá às instituições do ensino superior que as criaram. Ao nível das autarquias, o Governo propôs a extinção de 21 mas também aqui a decisão final caberá aos órgãos municipais e os responsáveis de algumas câmaras já avisaram que não vão acatar a proposta governamental.

Público

 

Em relação às regiões autónomas, Carlos César já decidiu que não irá mexer nas três fundações do arquipélago.

Público

 

Alberto João Jardim garantiu que não vai extinguir a [Fundação] Madeira Classic.

Público

 

«Decisão de extinguir a Fundação Madeira Classic é um acto nulo e tudo continua na mesma.»

Alberto João Jardim, Lusa

 

Vítor Ramalho, presidente do INATEL, protesta contra o corte de 30% do financiamento público na fundação que dirige.

i

 

«O corte só pode estar sustentado num grande equívoco ou mal-entendido. Não me passa sequer pela cabeça, não quero acreditar e muito menos aceitar, que pudesse acontecer.»

Fernando Nobre, fundação AMI, i

 

«Tenho pena se tivermos de acabar com essas acções de solidariedade social que são a razão de existência da nossa fundação, mas tenho fé que ainda possam reflectir sobre este problema e o possam emendar, procurando não prejudicar as fundações.»

Maria Barroso, presidente da Fundação Pro Dignitate, Lusa

 

Mais de um terço das câmaras não acata a proposta de extinguir fundações.

Público

 

O presidente da Fundação Frei Pedro (Guarda) considerou hoje que o cancelamento do estatuto de utilidade pública da instituição é uma «injustiça».

Virgílio Mendes Ardérius, Lusa

 

Artus Santos Silva, presidente da Fundação Gulbenkian e do Centro Português de Fundações, diz que a resolução do Governo é «infeliz» e afecta a reputação das fundações na sociedade portuguesa.

Público

 

«Governo está a fazer uma crucificação às fundações, nunca antes feita, e que é completamemente errada.»

Carlos Monjardino, presidente da Fundação Oriente, Diário Económico

 

«Decisão de extinguir Fundação Paula Rego [em Cascais] é um lapso monumental.»

António Capucho, ex-presidente da câmara de Cascais, Público

 

Corte de 30% na Fundação Eça de Queiroz, com sede em Baião, pode levar a despedimentos. «Se esse corte for concretizado, ficaremos numa situação muito difícil», alertou a directora executiva, Anabela Campos.

Lusa

 

«A sensação com que ficamos perante este anúncio é de profunda injustiça. Esta decisão não premeia quem faz melhor.»

Luís Braga da Cruz, presidente da Fundação Serralves, JN

 

«Esta fundação [Serrão Martins] faz muita falta.»

Jorge Colaço, presidente da câmara de Mértola, Lusa

 

O director-delegado da Fundação Abel e João de Lacerda, do Caramulo, lamentou que o Governo queira «penalizar bons alunos» com o fim dos apoios financeiros públicos, que poderá colocar em risco projectos desenvolvidos nos últimos anos.

Lusa

 

A presidente do município de Portalegre quer manter a Fundação Robinson e a câmara de Vila Nova de Cerveira não só não aceita a proposta de fechar a Fundação Bienal de Cerveira como deixa aberta a porta a um eventual recurso aos tribunais.

Público

 

O presidente da Câmara de Loulé, Seruca Emídio, disse que vai contestar a decisão de extinção da Fundação António Aleixo.

Lusa

 

O presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, estranhou a proposta do Governo de extinção da Fundação Marquês de Pombal, detida em 89% por mecenas privados.

Lusa

 

«Com a extinção da Fundação Odemira estão em causa cerca de cem postos de trabalho e 200 alunos.»

Presidente da câmara de Odemira, José Alberto Guerreiro, Lusa

 

«Não se podem meter as fundações todas no mesmo saco. O Salazar não primava por ser de esquerda e acarinhava o Inatel.»

Vítor Ramalho, i

 

«Mais do que uma ingerência do Estado, é uma anormalidade.»

António Capucho, Diário Económico

 

Graça Nunes, vice-presidente da câmara de Grândola, classifica a decisão de "absurda" e manifesta oposição à intenção do Governo de reduzir para 30% os apoios públicos à Fundação Frédéric Velge.

Público

 

«Temos um projecto de hortas solidárias, onde damos apoio a 60 hortelões, alguns deles que pertencem a famílias carenciadas. Temos também a única marinha a produzir sal no estuário, algo que aconteceu este ano pela primeira vez, apoio aos burros mirandeses, uma bióloga em formação e organizamos várias visitas ao local. Se não houver uma entidade que faça o mesmo trabalho que a fundação, perde-se um importante habitat e vai caminhar-se para uma degradação das salinas.»

Firmino Sá, presidente da Fundação para a Protecção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, Lusa 

 

N de nada

Teresa Ribeiro, 27.09.12

É preciso manter o foco. N sabe-o, mas os dedinhos dos neurónios estão sempre a puxá-la para baixo. Tempos houve em que se via como uma mulher de sucesso, eficiente no trabalho e despachada na cama. Agora envergonha-se das baixas sucessivas e para escapar a indagações isola-se. Já correu metade dos psiquiatras da praça, mas para aquela tristeza funda não há cura.

A escassez de serotonina no sistema nervoso central está para o seu humor, como uma fractura num pé para uma bailarina. Ambas as situações são incapacitantes, mas ao contrário da bailarina que contará com a simpatia e compreensão dos outros, no seu caso o padecimento será fonte de desconfiança até para si própria. 

Às vezes N repete os sintomas da depressão como um mantra em que se embala para combater a insónia, noutras ocasiões parte-se em duas e cita-os de si para si para apaziguar a sua permanente sensação de culpa. Esta actual cultura do faça-se você mesmo dificulta-lhe ainda mais as possibilidades de recuperação.O paleio dos gurus da psicologia positiva, as entrevistas das figuras públicas nas revistas, fotografadas em shorts proactivos e decotes desafiantes a dizer em Ariel "A felicidade constrói-se", confirmam-na como uma inútil, incapaz de reagir.

Quando se pode atribuir à depressão uma causa concreta é mais fácil combatê-la, mas a tristeza dela é endógena. Aprendeu-a em pequena ou até antes. Provavelmente já lhe vem no sangue, um orh tristíssimo que um dia expurgou a N colorida e bem sucedida.

Na vida ficcional de todos os dias N não tem lugar. No emprego hostilizam-na. A família e até alguns médicos olham-na de esguelha, os amigos desmobilizaram. Só nas estatísticas e nas notícias de jornal N faz sentido.

Cama 306

Fernando Sousa, 27.09.12

… não estou aqui, imagino que não estou aqui, estou numa cama de um hospital, a cama 306, já não tenho a inteligência ligada à saúde, tenho só o corpo ligado a tubos e a esperança ligada à vida, imagino que os médicos se enganaram, ou que não previram tudo, que tenho mais do que dois meses de vida, imagino um milagre, eu, finalmente entre a morte e a fé, imagino o meu neto que nascerá dentro de três meses, aquele abraço que devo, o muro que não acabei de mandar abaixo, a novela a que só me falta um capítulo e mais umas coisas que o meu sentimento de eternidade foi adiando; imagino que me vieram perguntar, um senhor muito gentil, muito, muito compreensivo, do economato, se não me importava de morrer no prazo certo, ou se possível mais cedo, pois gastam comigo fortunas devidas à dívida soberana. Não estou aqui, estou numa cama de um hospital, público, português, corre Setembro de 2012, já não tenho a inteligência ligada à saúde, apenas rezo, eu, que sempre achei a oração como um desperdício da razão, para que os médicos se tenham enganado, o que às vezes acontece, ou haja um milagre, o que também não é raro, ou então para que me apague como uma pessoa e não uma rubrica do Orçamento de Estado. 

A montanha pariu um rato

Rui Rocha, 27.09.12

 

E mais alguns teclados e um ou outro monitor, . Tirando o corte com a afundação do Magalhães, o resto são 45.600.000€ (quarenta e cinco vírgula seis milhões de euros, assim por extenso que é para não haver dúvidas) e o mais é treta. Uma farturinha. Carrega, Passos. Que o Zé está cá para aguentar mais impostos e taxas e cortes na saúde e 30 crianças dentro de uma sala de aula só para termos o gosto de ver parte do pessoal a ir de férias para a Foz do Arelho através do INATEL e para o Mário Soares poder continuar a promover umas exposições de fotografia lá na baiuca dele.