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Delito de Opinião

A utopia de Romney

José Gomes André, 31.08.12

Embora extraordinária no aspecto mediático e formal, a Convenção Nacional Republicana deixou-me algo perplexo quanto à substância das propostas da dupla Romney/Ryan nos EUA. Em síntese, os Republicanos propõem reduzir o desemprego, criar 12 milhões de postos de trabalho, revitalizar o crescimento económico, estimular as pequenas e médias empresas, diminuir os impostos aos mais ricos, criar um novo paradigma energético que não dependa da importação de petróleo (limitando contudo a indústria carbonífera e rejeitando igualmente as "energias verdes"), fortalecer o aparato militar (com maior apoio a Israel e um desafio explícito à Rússia de Putin), endurecer globalmente a política externa e reafirmar o poder americano no mundo.

 

Propõem fazer tudo isto sem criar novos impostos às classes médias, nem limitar os gastos militares (em Defesa e Segurança), reduzindo o défice orçamental e diminuindo a dívida pública (nomeadamente a contraída face à China), no meio da maior crise mundial económica e financeira dos últimos 80 anos. Espantoso. Obama foi (justamente) criticado por prometer este mundo e o outro. Mas o que são as propostas de Romney/Ryan senão um programa de intenções absolutamente utópico, tão irresponsável quanto irrealizável?

Bate, bate coração

Teresa Ribeiro, 31.08.12

Charlotte Rampling, aliás, Elizabeth Hunter, vai morrer, mas de barriga cheia. Só a saciedade lhe poderia estampar no rosto aquela mistura de serenidade e malícia que apesar da avançada idade ainda revela uma mulher atraente. Será possível amar a vida e os outros com a mesma intensidade? Esta é a questão de fundo do filme, que Charlotte se coloca. E como no leito de morte não vale a pena iludir a verdade, ela admite que não amou ninguém o suficiente. Ao constatá-lo sorri, auto-complacente, sem sombra de culpa.

Os filhos, Basil (Geoffrey Rush) e Dorothy (Judy Davis), que vivem noutro continente, vêm visitá-la. Ele é um actor decadente, ela divorciou-se de um aristocrata e vive de parca renda. Mal sucedidos e ressentidos com aquela ânsia de viver materna que sempre se sobrepôs ao amor que lhes era devido, ambos vêm para vê-la, enfim, morrer.

Baseado no romance "The Eye of the Storm", de Patrick White, "O Coração da Tempestade", do australiano Fred Schepisi, bate ao compasso desta mãe sexuada e hedonista: "Tudo o que levamos desta vida são os momentos inesquecíveis que vivemos. O resto são intervalos maçadores" (cito de cor), foi o seu lema de vida. Haverá filhos que perdoem numa mãe tanta volúpia e ausência de culpa?

Como todas as famílias infelizes, esta tem as suas especificidades, mas a contabilidade do deve e haver é um padrão comum a  todas. Ressentimento, ciúme, inveja, tudo o que dá sustento aos amores ínvios das famílias disfuncionais se expõe neste filme com esmero, no ambiente requintado da classe média alta. A elegância, de resto, é o pivot desta película de Schepisi. Nos décors, nos exteriores, filmados algures na costa australiana, nos sentimentos vis que se reprimem a elegância pontua, envolvente, sobretudo quando se passeia por Charlotte, pelos magníficos olhos que ganharam um dia direito ao epíteto The Look. 

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O Coração da Tempestade (The Eye of the Storm), realz: Fred Schepisi, intérpt: Charlotte Rampling, Geoffrey Rush e Judy Davis

Matemática ou a falta dela

Leonor Barros, 31.08.12

"Ministério promete quadro a 8000 professores" hoje na capa do Diário de Notícias. Por outro lado e "de acordo com o ministério, o número de professores efectivos que integram o concurso de mobilidade interna, no ano lectivo de 2012/2013, é de 5733",  diz-se no Público.

Se bem entendi, existem neste momento mais de cinco mil professores do quadro sem lugar, e já nem falo dos contratados, e o Ministério da Educação, que engendrou legislação, mexeu airosamente na estrutura curricular com pompa e circunstância, aumentou o número de alunos por turma e os horários dos professores e remeteu esses quase cinco mil para a antecâmara do desemprego, quer que oito mil passem a integrar os quadros. Tudo isto numa altura em que Vítor Gaspar se prepara para cortar na Educação. Gostava de saber quem andam a tentar enganar. Já que o Crato é das Ciências Exactas, exactas e precisas na forma como desbaratinando a Educação neste país, podia pelo menos apresentar algo minimamente credível  ou será pedir muito?


Também aqui.

Fatalismos históricos

José Navarro de Andrade, 31.08.12

O sr. Manuel Loff é materialista dialéctico e também historiador, uma união com reputação de infalível, pelo menos desde 1871. Couraçado no sentido objectivamente desvendado da História, do qual tem a chave, o sr. Manuel Loff desmascarou o sr. Rui Ramos, historiador "neo-liberal" (se o sr. Manuel Loff diz que é, então é) mais as suas artimanhas no sentido de reabilitar o defunto e horripilante (digo eu que não sou nem materialista-dialéctico, nem neo-liberal, nem historiador - presumo) Sr. Salazar, Oliveira, de Sta. Comba Dão. Isto sucedeu nuns artigos do "Público" inacessíveis online (se alguém quiser dar uma ajudinha...)

Só que o sr. Rui Ramos não esteve pelos ajustes e, com a insolência dos vencidos da História, ousa defender-se aqui.

À liça acorreu também o sr. António Araújo, fautor do blog Malomil. Parece que o sr. Loff em tempos trocou e pôs ao contrário umas palavras de um texto dele, mudando-lhe de todo o sentido. Foi há tempo tempo, queixa-se o sr. Loff - historiador, recorde-se. E além disso - digo eu - um dialéctico, para mais materialista, tem todo o direito  de fazer da tese, antítese e vice-versa, se lhe apetecer, porque a síntese da História, essa já se sabe qual é.

Está armado o arraial. E embora eu não tenha jeito nenhum para prever futuros inevitáveis, embora temporaramente reversíveis, ia jurar que ainda vai haver quem diga que isto é uma conspiração.

RTP (2)

José António Abreu, 30.08.12

1. Ajudada pela restante comunicação social, pouco interessada no aumento da concorrência, e pelo Partido Socialista (já lá vamos), a RTP tem-se esforçado por passar a ideia de que dá lucro. Não dá. A RTP, cuja situação financeira na última década melhorou muito mais à custa de transferências obscenas de dinheiro público do que por mérito próprio (ainda que algum seja de admitir), exige anual e directamente (isto é, sem as transferências do orçamento do Estado) 140 milhões de euros aos contribuintes. Uma empresa que necessita de injecções anuais de dinheiro dos accionistas não dá lucro. Aliás, seguindo esta lógica, seria sempre possível fazer com que a RTP desse lucro: bastaria ir ajustando a taxa do audiovisual na proporção adequada.

 

2. Politicamente, a actuação do governo tem sido desastrosa: hesitante, incoerente, fazendo avançar quem se devia manter em silêncio e recuar quem devia dar a cara; já a actuação do PS tem sido simplesmente vergonhosa: sabemos que as promessas são baratas e que o povo costuma apreciá-las, mas contestar soluções como se os problemas não existissem é a táctica mais básica que um partido pode utilizar. A parte positiva é nem valer a pena perder muito tempo com as intenções de Seguro e companheiros: tão cedo não haverá dinheiro para repor o que quer que seja.

 

3. A RTP é um luxo demasiado caro para um país falido, mesmo no cenário cor-de-rosa (perdão: cor-de-laranja) de «só» lhe custar 140 milhões de euros por ano. Mas, ainda que os portugueses aceitassem continuar a pagá-los para receber parte daquilo que a RTP hoje lhes fornece (e apenas parte, visto o cenário do «equilíbrio» pressupor apenas um canal), o risco de derrapagens futuras, que, seja qual for o modelo escolhido (de concessão a privados ou de empresa pública), o contribuinte acabaria pagando, é demasiado real. Também por isso se torna crucial diminuir o nível de custos.

 

4. A Constituição Portuguesa, esse texto pejado de incongruências que, nas actuais circunstâncias, o PS, necessitado de parecer um partido de esquerda, nunca aceitará rever, obriga a que exista um serviço público televisivo. Fica assim estabelecido um custo para os contribuintes. Resta saber o que é isso de «serviço público», para depois se poder avaliar quanto dinheiro é preciso. Constituirá a informação serviço público quando ela está disponível noutros canais e é cada vez mais obtida por outros meios? E as novelas? Os concursos? Os programas humorísticos? As transmissões de jogos de futebol (e de tudo o que os antecede e das intermináveis análises que se lhes seguem)? Programas de música como o Top Mais? E, permitam-me uma pergunta de algibeira, que canal associariam mais depressa a documentários de qualidade, a RTP1 ou a SIC? No fundo, da programação actual da RTP1, o que não se obtém noutros canais de sinal aberto? O Prós e Contras? OK, salvemos a Fatinha. Constatada esta realidade, torna-se muito mais fácil chegar aos únicos modelos simultaneamente lógicos e que permitem poupar dinheiro aos contribuintes.

 

5. Com esse ou outro nome, a RTP2 permanece um canal público, dedicando-se essencialmente a conteúdos alternativos: filmes antigos e/ou pouco comerciais, teatro (por que desapareceu dos ecrãs?), música, documentários, debates, magazines de divulgação cultural, desporto amador, etc. Talvez um par de espaços informativos por dia mas com imagens que poderiam muito bem ser fornecidas pelos operadores privados (por acordo entre estes, concurso público, whatever). Custando actualmente a RTP2 cerca de 40 milhões de euros, não há razões para o novo canal custar muito mais (até porque, não concorrendo verdadeiramente com os privados, deveria estar livre para recolher algumas receitas publicitárias). Mas, considerando ainda outros custos (por exemplo, a questão da manutenção do arquivo da RTP), admitamos como razoável um orçamento de 60 a 70 milhões de euros. Este valor permitiria não só evitar transferências do orçamento de Estado como reduzir para metade a taxa do audiovisual, o que, para um governo que começou por alardear convicções liberais, devia constituir um incentivo (antes) e um motivo de orgulho (depois).

 

6. Resta a questão da RTP1, para a qual há duas soluções: privatização ou fecho. Pessoalmente, gostaria de ver o mercado funcionar; se o Estado conseguisse uma oferta razoável, excelente (não estamos em tempo de desperdiçar dinheiro). Mas, claro, isso exigiria aceitar a hipótese de um canal televisivo de acesso geral vir a ser controlado por estrangeiros (sejamos directos: por angolanos) e de o mercado publicitário não chegar para todos os players (é assim que se diz, não é?). Como, por cá, preferimos «almofadar» as decisões e não chatear empresários instalados, talvez a melhor opção seja partir desde já para o encerramento. Necessitando o novo canal público de muito menos gente, de muito menos equipamento e de instalações muito mais modestas (boa parte dos conteúdos deveria ser contratada a empresas externas, de modo a permitir ajustar mais facilmente os gastos ao orçamento disponível), as indemnizações aos funcionários da RTP seriam compensadas pela venda do edifício e do equipamento da RTP.

 

 7. Nah, por agora chega.

O país circular

Teresa Ribeiro, 30.08.12

Porque permitem os media que ex-governantes ascendam à condição de senadores mal saem da política activa? Que sentido tem este jogo do faz de conta, em que gente que recentemente teve responsabilidades ao mais alto nível reclama sem pudor as reformas estruturais que "há muito deviam ter sido feitas" e jornalistas reverentes os deixam perorar sem ousar uma pergunta que os confronte?

Estou farta de levar com estas pescadinhas de rabo na boca todos os dias ao jantar, sempre que assisto aos telejornais. Enquanto for cómodo para qualquer "senador" a cheirar a tinta fresca ir à televisão falar de cátedra sobre o que está mal neste país, não será justo acusar os portugueses de maledicência, cinismo e falta de fé.

Baixa política

Teresa Ribeiro, 29.08.12

O argumento de que a RTP era um sorvedouro de dinheiro, que sugava aos contribuintes 1 milhão por dia, sensibilizou-me. De resto, há muito que me interrogava sobre o interesse de manter dois canais, sobretudo em manter um canal com características indistintas dos outros canais generalistas, com o dinheiro do Estado. Agora, do nada, caem do céu números que nos apresentam outra realidade e que - pasme-se - são grosso modo corroborados pelo governo.

Sabendo-se que a privatização de mais um canal vai rebentar com o mercado publicitário, base de sustentação dos media e que essa crise vai ter um efeito dominó, afectando não só as televisões como todos os outros órgãos de informação,  porque raio não se fecha pura e simplesmente um dos canais? Se afinal o "sorvedouro" até já pode dar lucro, chamem as coisas pelos nomes e não afirmem que é por razões financeiras que querem descartar o canal público de televisão. Não vou sequer discutir aqui a importância de manter o serviço público. Propositadamente limitei-me às razões financeiras, as que sempre têm sido invocadas para defender a necessidade de despachar a RTP.

Mas se dúvidas houvesse, percebe-se agora que esta decisão é política e de forte base ideológica. E se é política e lesiva para um sector estratégico como o da Comunicação Social, então é muito grave o que se está a preparar.

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