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Delito de Opinião

É só para saberem; podiam ficar preocupados...

José António Abreu, 29.05.12

Não estou cá. Ou melhor, não estou aí. Estou, há pouco mais de três horas, aqui. E ainda não ouvi falar de Miguel Relvas uma única vez. Claro que também não percebo patavina do que eles dizem...

 

(Talvez ainda escreva qualquer coisa sobre temas de cá: escritores, músicos, físicos, fotógrafos, assassinos heróis ou qualquer coisa do género. Mas se tudo correr bem é provável que não me apeteça.)

To have good wine, we need good cock (esqueça a olha scewcap)

Rui Rocha, 29.05.12

As palavas em título foam pofeidas pelo Pesidente Cavaco Silva na ecente visita a Nãoseionde. O Pesidente tem azão, clao. Poquê? Oa, poque não há bom vinho sem uma boa olha de cotiça. Na vedade, não devemos subestimá a impotância da olha na qualidade do vinho. Inicialmente eam utilizados outos mateiais como estopa, pano, quina de cavalo ou pegaminho. A ideia de empegar a cotiça como olha é atibuída a Dom Peignon. A cotiça possui qualidades que a tonam paticamente insubstituível: poosidade, leveza, elasticidade, impemeabilidade e isolamento. Todavia, uma olha de má qualidade pode compometê a qualidade do vinho, tansmitindo o desagadável "sabô a olha". Esta situação pode sê conseqüência de pequenos paasitas nas fendas da olha ou  de mofo, ou ainda do cloo utilizado no tatamento da olha. Po vezes,  o odô  a olha é fugaz, bastando descatá os pimeios centilitos da bebida. Daí o costume de os somelies veificaem pelo olfato a qualidade da olha antes de colocá o vinho à prova. A cotiça paa as olhas é poduzida a pati da casca do sobeiro, uma capa que a ávoe enova a cada nove anos. Nomalmente, a olha tem impesso o nome do fabicante, possivelmente as amas da família, e alguns códigos. Um poblema das olhas de cotiça é que elas essecam, pedem a adeência ao gagalo e, como esultado, o á peneta na gaafa, oxidando e inutilizando o vinho. Po esse motivo as gaafas não podem sê guadadas em posição vetical nas adegas. Poém as olhas também eagem com o vinho e podem passá o gosto da cotiça paa o líquido quando a gaafa é guadada po muito tempo em posição inclinada. Ao compá uma gaafa de vinho é conveniente fazê pessão com o polegá sobe a olha, paa vê se ela está fimemente pesa, ou se esvala alguns milímetos para dento da gaafa, sinal de que a oxidação do vinho com ceteza já aconteceu. Em todo o caso, e tal como refee o Pesidente, to have  good wine, we need good cock. Potuguese cock, of couse, aquescentaia eu. E, sobetudo, não nos devemos deixá enganá po aqueles que defendem a utilização da olha scew cap.

Ajudando o José Navarro de Andrade.

Luís M. Jorge, 29.05.12

Parece que ser mentiroso é, além de um pecadilho inocente, uma questão de opinião que deve ser demonstrada. Pois bem, eis um bom resumo que respeita apenas às declarações do ministro na AR : "O jornal Expresso salienta quatro contradições de Miguel Relvas nas declarações que fez na Assembleia da República: 1. O ministro afirmou então: “Nunca recebi nenhum relatório de reestruturação de serviços, não tenho nenhuma relação estreita com Jorge Silva Carvalho, nunca foi meu conselheiro nesta área, nem tinha de ser porque esta não é matéria que eu acompanhe”. Porém, isso não bate certo com as reuniões havidas e com as sugestões do espião. 2. Disse que só conhecia Jorge Silva Carvalho desde abril de 2010 e, desvalorizando as informações que recebia do espião, citou o primeiro clipping que recebeu: uma notícia da Reuters sobre a visita de George Bush ao México. A notícia é de 2007 e não existe nenhuma outra posterior a essa data. 3. O ministro afirmou que nem ele, nem membros do seu gabinete tinham contactos com o espião, mas nesta sexta feira o seu adjunto Adelino Cunha demitiu-se por ter sido conhecido que manteve vários contactos com Silva Carvalho já depois de ter rebentado o escândalo. Na comissão parlamentar, a deputada Cecília Honório do Bloco de Esquerda perguntou por duas vezes se o ministro ou alguém do seu gabinete recebia informações ou tinha ligações à questão das secretas. “Era importante que fosse muito claro e dissesse que nem o senhor nem alguém próximo de si, nomeadamente no seu gabinete, não tem de facto contacto com o ex-diretor do SIED, nem tem de facto recebido informação que não seria da vossa competência, e não tem qualquer responsabilidade em matéria de serviços de informações”, questionou a deputada. Perante a falta de resposta, Cecília Honório insistiu: “Volto a perguntar: o senhor, desde que é ministro não tem contactos, nem informações particulares, nem qualquer espécie de responsabilidade sobre serviços de informações? Nem o senhor ministro nem ninguém do seu gabinete mexe naquilo que diz respeito aos serviços de informações?”. Miguel Relvas respondeu: “Não, não, não, não e mais um não”. 4. O ministro afirmou que as sugestões que recebeu de Jorge Silva Carvalho não envolviam nomes de funcionários das secretas, o que é mentira. O jornal salienta que o ministro foi questionado se eram pessoas dos serviços e alertado pela deputada do PS Isabel Oneto de que se fossem pessoas dos serviços se tratava de violação de segredo de Estado, uma vez que a identidade dos funcionários desses serviços é segredo de Estado, afirmou. “Não eram agentes, eram pessoas para responsabilidades, para lugares de topo, que não eram agentes (…) Aqui não há segredos de Estado”. Ora, dois dos nomes sugeridos por sms eram de dois funcionários das secretas: Filomena Teixeira e João Bicho. O ministro mentiu. (...)." Não encontrei o artigo original do Expresso, o resumo vem daqui: http://www.esquerda.net/artigo/“ministro-faltou-à-verdade-ao-parlamento”/23307

Uma revolução para o sistema fiscal

Rui Rocha, 29.05.12

Boa parte da crise que atravessamos tem origem no sistema fiscal. Insiste-se em tributar a riqueza. Ora, em Portugal, produz-se pouca e esta tem quase sempre origem duvidosa. É claro que riqueza com pecado original não se declara. Assim, sobra quase nada para tributar e redistribuir. Para além disso, a riqueza tem outras características que colocam graves dificuldades técnicas. Até determinado nível de carga fiscal, a riqueza esconde-se. A partir daí, foge. Isto é, a famosa curva de Laffer, mais do que uma curva, é uma estrada sinuosa que passa pela economia paralela doméstica, mas acaba, mais tarde ou mais cedo, no cofre gelado de um banco em Genebra (daí a expressão pôr-se ao fresco). Num esforço inglório, alguns entusiasmadinhos da tributação inventaram há uns anos esta coisa dos sinais exteriores de riqueza. Mais um erro. Rico que é rico tem. Não ostenta. Ou melhor, quando quer ostentar pega no dinheiro que tem na Suíça e compra um chalé numa estância exclusiva da Áustria. É por isso que passamos a vida a tentar tributar casas de praia em Vale da Coelha, coisa que, como se sabe, dá pouca receita. O problema está pois nesta obsessão absurda por tributar o que praticamente não existe. Lá fora, há riqueza a sério. Faz todo o sentido tributá-la. Aqui não. Por isso, devíamos adaptar o sistema fiscal à nossa realidade. E tributar o que temos em abundância. Ora, abundante, para além do cabelo do Jorge Jesus, só vejo a pobreza de espírito. A sua presença, recorrente e transversal, é o único facto incontestável em Portugal. É necessário elevá-la, agora, a facto tributário. Se virmos bem, um sistema fiscal assente na tributação da pobreza de espírito assegura enormes vantagens. Desde logo, a base tributária seria alargada. Depois, em rigor, nenhum de nós estaria isento. Todos temos momentos para esquecer. E para, em consequência, tributar. Para além disso, porque o é, a pobreza de espírito revela-se a cada passo e dificilmente se esconde. Um só funcionário, sentado um dia inteiro em frente à televisão, arrecadaria mais imposto do que todas as repartições de finanças da Dinamarca. Sim, isto implica um novo imposto directo. Mas, nada impede que tributemos também a pobreza de espírito transmitida em diferido. Por outro lado, nada como introduzir uma nota de progressividade no sistema. Uma colecta mais do que proporcional em relação à matéria colectável deixaria cheios os cofres do Estado e os nossos corações insuflados de sentido de justiça. Por último, mas não menos importante, a evasão fiscal tornar-se-ia algo muito desejável. É certo que a exportação da pobreza de espírito implicaria, no curto prazo, uma diminuição de receita. Mas, em contrapartida, no médio prazo, uma fuga maciça à tributação tornaria Portugal um país infinitamente melhor.

E...?

José Navarro de Andrade, 29.05.12

O caso-Relvas deve estar na recta final porque o Professor Marcelo já opinou. E quando ele opina a sua mágica opinião é terminal e decisiva, seja quanto ao plantio da batata, seja relativamente à fusão do átomo. Mesmo que não passe de uma opinião libérrima do estorvo dos factos apurados e discriminados, como ele próprio Professor o afirma para melhor certificar a sua opinião.

Peço por isso muita desculpa que mal pergunte:

Haverá por aí alguém que me elucide, só com factos demonstrados, o que afinal se passou?

Mártires da opinião.

Luís M. Jorge, 29.05.12

Eles apelam à produtividade comentando blogs durante o expediente. Eles querem mais empreendedores mas nunca criaram uma empresa. Eles invectivam o facilitismo em parágrafos de mau português. Eles exigem mais trabalho e menos conversa enquanto conversam e não trabalham. Eles são os mártires da opinião, último refúgio da pátria contra a obsolescência.

Fair play

José Navarro de Andrade, 28.05.12


Temos bastas razões de queixa deste Inocêncio X. Posto no trono de S. Pedro pelos espanhóis ao cabo de riquíssima compra de votos, troca de favores e torpes intrigas, assim derrotando o candidato que os franceses patrocinavam de modo igualmente abjecto, Inocêncio X não se coibiu de vazar a sua acrimónia contra os sediciosos portugueses de 1640, nunca reconhecendo a legitimidade da secessão e do reino restaurado. Um homem de virtude, portanto, sendo a fidelidade canina aos seus senhores uma das mais cardinais que exibiu.

É seguro afirmar que Velasquez não teve em mente estes rescaldos políticos de Vestefália quando se lhe propôs retratá-lo. Diego Velasquez fora mandado a Roma pelo Filipe, para que comprasse arte e antiguidades com o fito de refazer a decoração do palácio do Bom Retiro. Nesses tempos o arranjo de interiores estava a cargo dos artistas a soldo da corte e nem se pensava que pudessem comer noutra mesa que não a dos funcionários, só um nada superior à dos criados.

Para convencer Giovanni Pamphilj, bispo de Roma, dos seus méritos pictóricos, numa Roma pejada de estetas, Velasquez mostrou-lhe o retrato de Juan de Pareja, seu servo, no qual fizera a mão e agora apresentava como cartão-de-visita.

Inocêncio gostou e acedeu, e Velasquez pintou. Chegou então a hora de revelar a obra ao mecenas. Velasquez retira a serapilheira que cobre a tela e lá está a figura de um homem implacável, gélido, a um instante da cólera.

“Troppo vero!” – exclamou o Santo Padre, as quais foram as únicas palavras suas a residirem na posteridade.

Inocêncio, no entanto, teve fair play: pagou a Velasquez e em vez de destruir uma obra tão pouco lisonjeira, enviou-a para o seu Palazzo privado, o Doria Pamphilj onde ainda hoje está exposto.

Terá sido talvez este o primeiro momento histórico em que um artista preferiu a verdade em detrimento das convenções do gosto e sobretudo das intenções do mecenas. Se tal gesto se tornou “natural” a partir do romantismo, no séc. XVII ele encerrava o risco do ultraje.

 

  

What you see, is what you get: Lucien Freud era conhecido pelo seu temperamento cru e por não se coibir de trasladar essa rispidez para as suas telas. Isabel sabia portanto ao que ia quando encomendou um retrato a Freud, já então capacitado como o maior figurativo do séc. XX.

Sem amolecer o coração, Lucien Freud transigiu e dispôs-se a um gesto inédito nele: sair do estúdio e encontrar-se com a Rainha entre Maio de 2000 e Dezembro de 2001, no Palácio de St. James. Só exigiu à monarca que envergasse a coroa que ostenta nas libras e na abertura do parlamento.

Quando o quadro foi dado a ver ao público aconteceu o inesperado: a arte do retrato, supostamente convencional e estabilizada, deu azo a polémica das antigas. Um coro de protestos se levantou e houve quem aventasse a hipótese de falta de respeito para com a real figura; Freud pintara Isabel de um modo implacável, sem cerimónia nem atenuantes, afinal, tal como se auto-retratava.

Do que estavam à espera? A idade endurece, o poder não é doce e as sombras estão onde menos as esperamos. Freud recusou o estipêndio e Isabel, como sempre, não comentou a obra. Mas com o seu silencioso fair play quem quiser poderá vê-la na pública Royal Collection de Buckingham.

No reino dos eufemismos

Pedro Correia, 28.05.12

 

Acabo de ouvir num canal televisivo que uma determinada empresa construtora "rescindiu com 300 colaboradores". Está tudo errado nesta frase. No espírito e na letra. O mundo laboral parece ter sido liofilizado no discurso jornalístico corrente. Como se a palavra trabalho queimasse. Como se trabalhar fosse algo indigno. Como se um trabalhador devesse ocultar esta sua condição numa sociedade - e num continente inteiro, como bem revelam as estatísticas europeias - onde um posto de trabalho é um bem cada vez mais escasso.

Trabalho, palavra bíblica. "Bem basta a cada dia o seu trabalho", diz Jesus no Sermão da Montanha. Reescrita à luz da novilíngua dominante, quem trabalha deixou de ser trabalhador: é "funcionário" ou, de modo ainda mais eufemístico, "colaborador". Pela mesma lógica, não pode ser despedido mas "dispensado". Ou, de modo ainda mais eufemístico, alguma Alta Entidade da corporação empresarial "prescinde" dos seus serviços. Ou da sua colaboração.

Sempre me ensinaram que o discurso jornalístico, para ser eficaz e competente, devia descodificar todo o jargão encriptado, que obscurece a mensagem em vez de a tornar transparente. Nos dias que correm, sucede precisamente ao contrário: o jornalismo abdica demasiadas vezes de clarificar a mensagem, obscurecendo-a por cumplicidade activa com as "fontes" ou por mera preguiça intelectual.

No reino dos eufemismos, não se trabalha: "colabora-se". E ninguém é despedido: há apenas quem "cesse funções" ou veja os seus préstimos "prescindidos" por alguma entidade empregadora em fase de "reestruturação" ou "reavaliação" das potencialidades do mercado. Mas as coisas são o que são, mesmo que as palavras ardilosas procurem camuflar uma realidade nua e crua.

A empresa construtora despediu 300 trabalhadores. Assim mesmo, ponto final. A realidade, só por si, já é suficientemente dura. Não juntemos ao drama do despedimento a injúria de ver esta palavra banida do dicionário jornalístico quando está mais presente que nunca na vida real.

Press clipping.

Luís M. Jorge, 28.05.12
O relatório sobre Francisco Pinto Balsemão não foi a única encomenda de Jorge Silva Carvalho enquanto já estava ao serviço da Ongoing. Em Setembro de 2011, o ex-director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), mandou fazer um relatório sobre a Finertec, a empresa de capitais luso-angolanos que opera no sector da energia e ao qual estão ligados dois dos homens com quem se se relacionava: Miguel Relvas, que foi administrador da Finertec até ser eleito dirigente do PSD, e José Braz da Silva, que hoje dirige a empresa.

Parece que há aqui um padrão, não é verdade? Isto, claro, presumindo inocências a eito desta gente toda, porque não estamos no tempo do Sócas e agora há estado de direito, liberdade e muitos caldos de galinha.

Cadáver Esquisito (15)

Laura Ramos, 28.05.12

1. UM LIVRO, 2. CA...... SARKIS G........N, 3. OLHOS, 4. ESCAVAR, 5. IN VINO VERITAS, 6. TO THE LEFT, AS PERNAS DE STELLA, 7. O MEDALHÃO, 8. O SEGREDO, 9. LABIRINTOS, 10. FRAGMENTOS DE HISTÓRIA, 11. UMA VIAGEM, 12. REVELAÇÕES E MAIS DÚVIDAS13. NÃO PODES APAGAR UM FOGO COM CUSPO, 14. A INSPECTORA SONHA COM UM ESQUELETO

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ST. MARY MEAD E A BASE NACIONAL DE ADN

 

Hoje, dia 28 de Maio, José Augusto levantou-se cedo e preparou-se com esmero para a sua romagem anual. Dormira mais uma vez nos Candais, mas já viera munido da competente farpela e atavios de circunstância. Não deu grande conversa a ninguém. Entre todos, só Vivelinda e a dona da casa conheciam esta sua escapadela misteriosa, mas não lhe sabiam o destino. Em frente ao espelho do quarto de vestir do falecido, ajeitou o nó da gravata de riscas azuis, verificou os vincos das calças, meteu o relógio ao colete e por fim, com indizível gozo, cravou com cuidado o emblema na lapela de lealíssima alpaca, respirando fundo. Queria sair muito cedo, era o dia da memória. Os outros legionários aguardavam-no, ainda tinha muitas horas de viagem até Santa Comba e mais: queria ir buscar o Bentley sem dar nas vistas. O Bentley que a sua Stella lhe vendera.

Entretanto, a recuperar de uma curta noite de sonhos agitados, a inspectora espumava de frustração: pior do que um quarto espeluncoso era acordar sem poder dispor do sagrado direito a um café. O mundo era uma desordem sem cafeína... Enquanto tirava do seu fiel estojo de emergência o milagroso concealer da Bobbi Brown (um, dois, três pequenos toques e adeus olheiras) ouviu o ruído ronceiro de um aspirador e de um salto já estava à espreita, a meio do corredor da pensão. Viu-a logo, à escrava do lar, vestindo uma farda de duvidoso asseio. Chamou-a, e nada. Decidida, aproximou-se, desligou o indolente Hoover do tempo da guerra de 14 e disse-lhe, sem rodeios:

Bom dia! Preciso urgentemente de um café duplo. Pode ir buscar-mo? – desferiu, enquanto lhe metia no bolso uma nota de 5. Atarantada, a rapariga retorquiu: – É p’ra já! M… m… mas vai chegar morno! – Não faz mal, é mesmo assim que eu gosto! Enquanto a empregada galgava as escadas, ainda lhe disse: E que venha bem servido, ouviu?

Entrou no quarto poeirento e ouviu o telemóvel. Enfim, o mundo parecia estar a compor-se! O visor piscava: “Paulo a chamar, Paulo a chamar”. Pronto, está bem… nem que fosse o mundo a normalizar-se pela mão dos chefes (jamais perceberia como chegara ele a coordenador de equipas especiais.... só mesmo à força da lei das calças. Ou seria a lei do avental…?) Tinham-se despedido zangados.
Paulo… então? – Helena, minha inspectora de eleição! Como estás tu?Péssima! Vou regressar ao Ministério Público, estou farta disto…

– Calma, minha cara! Porquê tanto azedume?O meu sentido de missão não suporta tanto, e tu não me dês sermões, sabes? Estás onde? No jogging da marginal, com a tua querida? – Helena… eu vinha justamente dizer-te que bem perto daí tenho uns amigos que te vão receber nos próximos dias, podes largar isso. Vais até Alvito e é logo na povoação a seguir: Vila Nova da Baronia. Ah, e não te esqueças de jantar no 'Camões', ouviste? Uma tasca imperdível!

– Hum...

– Mas o mais importante é que tenho dados novos: as amostras do cadáver seguiram para a 'Base Nacional de ADN'. Em breve teremos respostas sobre a identidade da vítima.

Boa, Paulo! Uma luz de civilização, enfim!

Desligou, procurou na lista “INML” (Instituto Nacional de Medicina Legal, 239854230) e perguntou: Posso falar com o Prof. Tiago da Veiga? – Não está, minha senhora – E sabe a que horas posso ligar para o encontrar? – Ele está no Kosovo, só deverá regressar a Coimbra dentro de três dias, mas se quiser…
Não queria e desligou, indelicadamente. Preferiu telefonar-lhe:Tiago? Olá… Helena Portas! Bem, Helena Cunha, tu sabes. Vou ser rápida:

Podes dar prioridade aos resultados dos testes de ADN de um suspeito meu? Por favor!, senão dou em doida! Não é só uma questão de celeridade processual, é que nem imaginas: estou em plena vila das Mónicas, no meio de um deserto na planície, tenho uma família de cromos para interrogar que não encaixa em nenhum perfil psicológico e... pura e simplesmente não sou Miss Marple, percebes? Este St. Mary Mead português vai dar comigo em doida!

– Vou tratar disso, Helena. descansa. Quando nos vemos?

E eu sei lá, Tiago...  Estás mais por Lisboa do que eu, marca.

Fechou a pequena mala, prescindiu de puxar a asa telescópica para quê? e desceu:

Quanto devo? – Quarenta euros.

Abafou um riso.Olhe, pegue 41 e mande arranjar a máquina do café, faça uma quotização entre os seus hóspedes…

– Oh, também não temos cá mais ninguém: só o Sr. Sebastião Cosme (mas é segredo...) e o Senhor Fernando Justo Cusca, das Finanças…
E antes que me esqueça: deixaram uma carta para si, Inspectora. Aí tem.

Helena saiu, enfrentou o sol impenitente e o cheiro provocador dos jasmins a cobrir a sacada da pensão, toda em barras azuis. Estivesse ela em férias e...

Abriu a carta e leu, numa caligrafia encadeada e elegante, bem pouco ao gosto português, o seguinte:

– Não se deixe levar. Os medalhões não são iguais. Atente na palavra “memoriam” no verso da foto, e, se pegar numa lupa, na letra “O” do medalhão verdadeiro verá em pontilhado uma outra palavra: Cosmus.

 

(Este é o décimo quinto capítulo do nosso 'cadavre exquis', desenvolvido aqui. O próximo criador é o Luís M. Jorge.)